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A DEFESA ANTIAÉREA DE ANGRA DO HEROÍSMO NA 2.ª GUERRA MUNDIAL. 1940-1943​

 

 4b. Foto Jaime Regalado.jpg

Jaime Ferreira Regalado​


Resumo

No final de 1940, apesar da sui generis neutralidade portuguesa, pairava sobre os Açores o espectro da invasão pelos Estados Unidos da América, pelo Reino Unido ou pela Alemanha, a par com a potencial utilização deste território insular para acolher a transferência dos órgãos de poder de modo a conservar a soberania em caso de invasão de território de Portugal Continental. Neste contexto, procedeu-se a requalificação do sistema defensivo das ilhas S. Miguel, Terceira e Faial, adaptando-o à realidade da 2.ª Guerra Mundial. Assim, teve lugar a construção de casas-mata em algumas fortificações do século XVI, o reforço da defesa de costa com a instalação de novas baterias e modernização da bocas-de-fogo e, a partir da Primavera de 1941, o envio da Força Expedicionária aos Açores, a maior projecção de forças portuguesas alguma vez feita, com a colocação, no total, de cerca de 28.000 homens em armas, distribuídos pelo referido triangulo insular. Face à crescente importância da ameaça aérea, foi também contemplada, pela primeira vez no espaço insular, a defesa contra aeronaves. Os Açores receberam os primeiros sistemas de armas antiaéreos, do mais moderno e sofisticado que, à época se produzia, fornecidos pelo Reino Unido, dos quais, a Bateria de Artilharia Antiaérea do Pico das Cruzinhas, no Monte Brasil, na Ilha Terceira, constitui um exemplo.

Palavras-chave: História Militar Açores; 2.ª Guerra Mundial; Açores, Artilharia Antiaérea.

Abstract

By the end of 1940, despite Portugal's sui generis neutrality, the Azores faced the spectre of invasion by the United States, the United Kingdom or Germany. In addition, the Azores islands were also prepared to accept the Portuguese Govern to maintain their sovereignty in the circumstance of a Portuguese mainland invasion. In this scenario, the defensive system of the islands S. Miguel, Terceira and Faial was upgraded, adapting it to the reality of the 2nd World War. Some 16th-century fortifications improved with bunkers, reinforcement of coastal defence by installing new batteries, ordnance modernization and, from the spring of 1941, the largest deployment of Portuguese forces ever made, of around 28,000 men at arms in nine months - the Expeditionary Force to the Azores - distributed across the mentioned islands.

The increasing importance of the aerial threat dictated the need for an anti-aircraft defence system to complete the Azores' defence. Thus, the S. Miguel, Terceira and Faial islands received the first anti-aircraft systems of the most modern and sophisticated available at the time, supplied by the United Kingdom, among which the Anti-aircraft Artillery Battery of Pico das Cruzinhas, on Monte Brasil, Terceira Island, is an example.

Keywords: Azores Military History; Azores; World War II; Anti-aircraft Artillery.

 

Introdução. Os Açores e a neutralidade portuguesa

Desde pouco após o início do povoamento que os Açores foram fundamentais na ligação da Europa com o Novo Mundo ultramarino, assumindo uma importância geoeconómica e geopolítica de dimensão internacional. 

A partir do último quartel do século XIX, os Açores ganharam uma nova valência associada às ligações globais. Para além da que já detinha com as rotas marítimas, juntaram-se então as comunicações telegráficas[1], que rapidamente se tornaram estratégicas, tanto na esfera civil como militar. A partir do início do século XX[2], o desenvolvimento dos meios aéreos trouxe uma nova dimensão estratégica ao arquipélago dos Açores. Primeiro, no plano civil, com as aeronaves transatlânticas, capazes de ligar as duas margens do Atlântico com um reduzido número de escalas. Depois, no plano militar, sobretudo durante a 2.ª Guerra Mundial, que inauguraram uma nova era no controlo do Atlântico Norte, que passou a incluir também o controlo do seu espaço aéreo.

No contexto da 2.ª Guerra Mundial, a manobra político-militar aliada e a política externa portuguesa centraram-se na gestão da neutralidade de portuguesa[3], uma neutralidade cooperante e tacitamente aceite pelos dois lados do conflito. Esta neutralidade sui generis permitiu que Portugal, uma fraca potência militar, com um império colonial extenso e frágil, encontrasse um espaço de afirmação política e económica. A possibilidade de conceder facilidades a Inglaterra nas ilhas atlânticas e de as negar à Alemanha, colocou os Açores no epicentro da gestão desta neutralidade. Nas palavras do Professor Adriano Moreira “esta atitude, única na experiência internacional, foi aceite pelos dois lados do conflito e veio acrescentar uma nova e difícil categoria à teoria internacional da neutralidade"[4].

Apesar de neutralidade reclamada no início do conflito, a Aliança com Inglaterra estava presente e fazia-se sentir no imperativo estratégico de negar[5] ao inimigo (Alemanha) o uso de portos ou aeródromos portugueses, em especial nas ilhas atlânticas[6], compensando a Alemanha com o fornecimento de importantes matérias-primas para a indústria militar, tal como também eram fornecidos a Inglaterra, enquanto mantinha a amizade com Espanha, apoiando discretamente as forças nacionalistas durante a Guerra Civil. Até Junho de 1943[7], esta foi a linha mestra que condicionou a política externa portuguesa.

Com a capitulação da França, em Junho de 1940, o cenário europeu adensou-se e a máquina de guerra alemã aproximou-se da Península Ibérica, obtendo acesso pleno ao Atlântico pela costa Norte francesa e ao Mediterrâneo pela costa Sul, mudando substancialmente o cenário de guerra na Europa e no Atlântico. 

À medida que os anos de guerra passavam, esta neutralidade portuguesa passou de uma solução conveniente a um problema difícil de administrar.

Porém, o período de maior tensão foi vivido entre Novembro de 1940 e Junho de 1941, quando Hitler emitiu a Directiva Nº 18, relativa ao objectivo de conquistar Gibraltar com o apoio espanhol (Operação Félix), que implicava a invasão preventiva do território de Portugal continental por forças espanholas[8] com o apoio alemão (Operação Isabella), de modo a negar uma plataforma para o contra-ataque britânico de reconquista de Gibraltar. 

A manifesta incapacidade portuguesa para suster esta prenunciada invasão, sem poder contar com o apoio britânico, preocupou tanto o Governo Português, como o reino Unido, que temiam o desfazer-se do equilíbrio ibérico e a queda da neutralidade de Portugal e Espanha, e, muito especialmente, os EUA, ainda neutrais, que temiam o uso dos Açores como plataforma para a Alemanha lançar um ataque sobre a costa Leste dos EUA. Neste cenário, “todos os olhares" se voltaram para os Açores, que assumiram de novo uma extrema importância estratégica para o controlo do Atlântico. Para o Reino Unido e para os EUA era impensável que caíssem nas mãos do Eixo, fosse na sequência da invasão de Portugal, ou por uma acção ofensiva alemã directamente sobre os Açores.

Para Portugal, a invasão preventiva dos Açores, ostensivamente mencionada e preparada pelos EUA, ou mais discretamente por Inglaterra[9], constituía, tal como uma invasão alemã, um atentado à soberania portuguesa, que era vital impedir. A sugestão britânica de transferir, com o seu apoio, o governo português para os Açores, como forma de conservar a soberania em caso de invasão do território continental, pareceu ser a proposta mais aceitável e coincidente com os interesses portugueses.

Face a estas ameaças, em meados de 1940 o Governo Português enviou para os Açores uma comissão de oficiais de Engenharia e Artilharia, comandada pelo general Lacerda de Machado, para preparar a defesa do triângulo S. Miguel-Terceira-Faial, destinada a conter uma potencial invasão e preparar a transferência do Governo. Simultaneamente, começou a ser preparada a Força Expedicionária aos Açores que, entre Abril e Novembro de 1941, projectou para estas ilhas 28.000 homens[10]. Adicionalmente, todo o material de artilharia que não estivesse envolvido na contenção/retardamento da invasão de Portugal continental foi transferido para os Açores, assim como transferiu praticamente todas as aeronaves da Aeronáutica Militar para São Miguel e Terceira, numa acção simultânea de concentração de meios e de colocação a bom recato de todo o material de guerra excedente. Com estas medidas, o Governo Português pretendia igualmente tranquilizar, digamos que com pouco sucesso, os anseios norte-americanos e britânicos sobre a possibilidade de os alemães beneficiarem desta plataforma atlântica. 

Na verdade, O Plano de Defesa dos Açores, traçado em 1941, destinava-se à prevenção de uma ameaça que tanto poderia vir da Alemanha, do Reino Unido[11] ou mesmo dos Estados Unidos da América. Enquanto a Inglaterra manteve uma atitude mais pragmática, de avançar ou permitir os EUA de avançarem, para a invasão preventiva dos Açores, apenas no caso de Portugal continental, Gibraltar ou as Canárias caírem nas mãos do Eixo, os EUA mantiveram uma atitude mais incisiva sobre a ocupação dos Açores, independentemente de ocorrerem essas condições ou mesmo do consenso britânico. A ocupação preventiva pelos EUA esteve marcada para 22 de Junho de 1941, com um contingente mais elevado do que o inicialmente planeado, dada a resistência acrescida que esperava encontrar com a presença da Força Expedicionária estacionada nos Açores.

Porém, a partir de Março de 1941, Inglaterra teria já conhecimento que a Alemanha desistira da conquista de Gibraltar e se preparava para a ofensiva sobe a Rússia, iniciando-se assim um período de redução das tensões por parte do Reino Unido, aparentemente sem revelar essa informação ao EUA. Assim, enquanto Inglaterra foi sendo mais complacente com a hipótese de não invadir preventivamente os Açores, os EUA, sem estarem, nessa altura, na posse da informação viragem da Alemanha para a Frente Leste, mantiveram a Operação Gray, aprovada por Roosevelt a 4 de Junho, e que 48 horas depois foi desmobilizada, possivelmente por tomarem conhecimento da situação.

détente de Junho de 1941 não era, porém, definitiva. Previa-se que a vitória alemã na Frente Leste ocorresse antes do Inverno e a conquista de Gibraltar voltasse a entrar na agenda do Eixo, pelo que os planos de invasão preventiva dos Açores, sobretudo pelos EUA, não foram completamente descartados. 

Entretanto, face às crescentes capacidades e emprego de meios aéreos neste conflito, surgiu a necessidade de instalar nas ilhas atlânticas, Açores, Madeira e Cabo Verde, dispositivos de defesa antiaérea que assegurassem não só a protecção de áreas sensíveis de algumas das ilhas destes arquipélagos, mas também para criar uma rede de controlo do espaço aéreo na manobra pelo controlo do Atlântico Norte[12].​

Citius, Altius, Fortius – A Evolução da Ameaça Aérea​

A exploração de meios aéreos com motor para fins militares ocorreu poucos anos antes do início da 1.ª Guerra Mundial, destinados unicamente a missões de observação[13]. Porém, durante a guerra, o espectro de missões foi alargado ao bombardeamento e, mais tarde, às missões de interdição do espaço aéreo – aviação de caça. Naturalmente que a exigência de novas missões foram promovendo o desenvolvimento de novas aeronaves com maiores capacidades, sendo muito evidentes as diferenças entre as aeronaves do início e do fim desse conflito. Porém, o grande salto tecnológico surgiu no intervalo 1918-1939, suportado pelo desenvolvimento dos motores de combustão interna, da produção de ligas metálicas leves que permitiram substituir, primeiro parcialmente e depois totalmente, as estruturas em madeira e os revestimentos em tela, garantindo maior resistência e protecção do piloto (o bem mais difícil de substituir no binómio homem-aeronave), assim como de partes críticas da aeronave, face aos impactos produzidos pelas armas antiaéreas.

Na década de 1930, as aeronaves militares dispunham já de capacidades e desempenhos incomparavelmente superiores às do final da 1.ª Guerra Mundial. Com este aumento de capacidades, foi possível alargar ainda mais o espectro de missões e introduzir profundas transformações na táctica do emprego de meios aéreos, sobretudo ao nível do seu uso combinado com as forças terrestres, na preparação de ofensivas e apoio à sua manobra. Estas transformações tecnológicas tiveram o seu epicentro na Alemanha do III Reich, tendo como banco de ensaios a Guerra Civil de Espanha. Emergiram, assim, novas e diversificadas aeronaves, com as respectivas tácticas de exploração, de onde se destaca o emprego de bombardeiros ligeiros ou médios, apoiados por aeronaves de caça, combinados com as forças terrestres, que deram origem ao Blitzkrieg, chave do sucesso das operações militares alemãs no início da 2.ª Guerra Mundial.

O contínuo desenvolvimento das aeronaves, cada vez mais rápidas, com tectos de operação mais elevados, revestimentos mais resistentes e maior capacidade de deslocamento de armamento, homens ou carga, trouxeram novos desafios à artilharia antiaérea[14]. A maior velocidade das aeronaves criou janelas de tempo mais estreitas nas quais os fogos de artilharia podiam bater a aeronave; a maior altitude, embora facilitando a pontaria pela menor velocidade angular, exigiu maiores alcances e precisão dos aparelhos de pontaria, enquanto as blindagens mais resistentes trouxeram novas exigências às granadas de artilharia, em termos de calibre[15], composição explosiva e espoletas empregues.

Uma comparação, em termos gerais, sem especificar modelos, mostra que, no início da Guerra Civil de Espanha, um bombardeiro voava com velocidades entre 150-180 km/h, com um tecto de serviço entre 3.000mt a 5.000mt enquanto, no final da 2.ª Guerra Mundial, a velocidade de um bombardeiro genérico oscilava entre 350 a 480 km/h, com um tecto de serviço que podia atingir os 10.000mt.​

Aspectos Gerais da Evolução da Artilharia Antiaérea 

Com o início da 1.ª Grande Mundial, na qual os meios aéreos motorizados (e não só) foram empregues de forma crescente e alargando o seu espectro de missões cada vez com maior eficiência, todos os poderes envolvidos neste conflito foram desenvolvendo sistemas de armas específicos para bater aeronaves, tirando partido das bocas-de-fogo de tiro rápido, frequentemente adaptando peças de artilharia de campanha. Apesar das diferentes origens, estas peças apresentavam várias características em comum: rotação da peça em torno de um eixo central (360°); ligações elásticas adaptadas ao funcionamento com ângulos de tiro muito elevados (com o tubo-peça próximo da vertical) e montados em viaturas automóveis, o que indicia já a importância da mobilidade das baterias de antiaérea. Numa primeira fase, os calibres eram ainda reduzidos, destinados a bater aeronaves construídas em madeira e tela, que pouco exigiam das granadas de artilharia empregues, conservando estas características ao longo de todo o conflito.

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Fig 1a - Canhão antiaéreo alemão 77mm (Krupp), montado em viatura automóvel, durante a grande Guerra. ​Imagem colorida de fotógrafo desconhecido. Wikicommons

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Fig 1b - ​Canhão antiaéreo francês, de 75 mm modelo 1913, montado em viatura automóvel, capturado  por foças da Wehrmacht, em 1940. Claramente uma evolução da peça de campanha de tiro rápido 75 mm. Imagem de fotógrafo desconhecido. Wikicommons


Foi na década de 1930, que a artilharia destinada a bater aeronaves teve uma rápida evolução tecnológica, em reação à evolução das capacidades das aeronaves em termos de velocidade, altitude, capacidade de armamento e resistência estrutural. A principal adaptação ocorreu em torno do equilíbrio entre calibre e cadência de tiro, impondo um complexo diálogo entre as vantagens dos grandes calibres e baixa cadência de tiro ou um menor calibre e maior cadência de tiro, com reflexos na mobilidade. Foi a evolução em torno do binómio calibre/cadência de tiro, a que se juntaram os primeiros sistemas de carregamento automático[16] (repetição automática), que os sistemas de armas evoluíram segundo duas grandes linhas: a artilharia antiaérea ligeira, de pequeno calibre, grande cadência de tiro e com grande mobilidade; a artilharia antiaérea pesada, de maior calibre, com menor cadência de tiro e geralmente fixas ou semifixas de baixa mobilidade, mas que permitiam maiores alcances verticais e o uso de granadas explosivas de grande potência. Também para a artilharia antiaérea, sobretudo alemã, a Guerra Civil de Espanha serviu de ensaio, tendo participado, como observadores, vários oficiais de artilharia portugueses, de onde colheram inúmeros ensinamentos que se revelariam de grande utilidade para a futura escolha dos sistemas de armas e para a criação de uma doutrina táctica portuguesa[17].

Assim, pode dizer-se que nos alvores da 2.ª Guerra Mundial, os sistemas de armas de artilharia antiaérea ligeira estabilizaram em torno dos 40 mm[18], enquanto os sistemas de armas de artilharia antiaérea pesada estabilizaram em torno dos 90 mm[19]. Porém, a eficácia da artilharia antiaérea não se cinge ao calibre, cadência de tiro ou alcance. O desenvolvimento e a optimização dos sistemas de pontaria e de regulação do tiro, bem como os sistemas de detecção e aquisição de alvos ou de referenciação são igualmente fundamentais para a sua eficácia.

Uma análise estatística do número médio de tiros de artilharia antiaérea necessários para abater uma aeronave[20]ao longo do tempo, dá-nos uma percepção da evolução da eficácia dos sistemas de armas de antiaérea entre o fim da Grande Guerra e o fim 2.ª Guerra Mundial. 

Quadro I – Representando a evolução da eficácia do tiro antiaéreo ao longo da Grande Guerra e no final da 2.ª Guerra Mundial.

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Dados obtidos a partir de PT/AHM/DIV/3/45/22/22​

A Artilharia Antiaérea em Portugal até 1943

Em Portugal, o interesse pela artilharia antiaérea manifesta-se pelo menos desde 1916, como nos dá conta a publicação do primeiro estudo sobre este assunto realizado pelo Capitão Ramos da Costa[21]. Porém, como só em 1931 foi adquirida a primeira bateria de artilharia antiaérea[22] (Bateria AA 7,5 cm S.A. m/931), com peças Vickers 75 mm de tiro rápido, e mais três baterias do mesmo sistema em 1935, foi enão possível constituir o primeiro Grupo de Artilharia Contra Aeronaves (GACA 1), em Cascais. Em 1938, foi elaborado um plano mais alargado para a defesa antiaérea de Portugal, realizado pelo General Tasso de Miranda Cabral[23]. Pela dimensão do dispositivo proposto para este fim, o Governo Português não teve capacidade de fazer a aquisição do material antiaéreo necessário. Foram, entretanto, surgindo outros estudos nacionais, por vezes adaptando estudos internacionais, sobre o emprego de artilharia antiaérea e que estão na base da futura doutrina táctica portuguesa[24],[25]

Pouco depois, no contexto da cooperação militar anglo-portuguesa, foi solicitado ao governo britânico um estudo que contemplasse a defesa antiaérea de Portugal continental. Este foi elaborado e apresentado, em 1939, pelo Major-General F. W. Barron, que defendia que, ao invés de um dispositivo nacional, a defesa antiaérea devia concentrar-se em espaços críticos, tendo resultado um plano para a defesa de Lisboa (Plano Barron) de um ataque por mar (parte 1)[26] e para a defesa antiaérea de Lisboa (parte 2)[27]. Com base neste plano, e face á possibilidade de bombardeamento de Lisboa pela Alemanha, seguiu para Londres, a 20 de Fevereiro de 1941, uma comissão de oficiais portugueses para discutir a sua operacionalização[28]. Desta reunião emanou o plano definitivo para o dispositivo de Defesa Antiaérea de Lisboa (DAAL), que contemplava 14 baterias de peças pesadas 9,4 cm (56 peças), 4 baterias de peças ligeiras 40 mm Bofors (50 peças) e 5 baterias de referenciação. Com a aprovação desta aquisição, iniciaram-se no final de 1941 os trabalhos de engenharia para receber as referidas baterias, tendo sido adquiridas inicialmente 3 baterias com carácter de urgência, enquanto as restantes peças seriam entregues de forma faseada. Porém, face à importância estratégica dos Açores no controlo do Atlântico Norte e na gestão da neutralidade portuguesa e ibérica, foi imposta a condição, pelo Reino Unido, que as primeiras peças de artilharia antiaérea a fornecer seriam instaladas nas ilhas atlânticas, Açores e Cabo Verde, em detrimento de Lisboa.

Assim, durante a détente de 1941, teve início o fornecimento das peças AA 9,4 cm m/940 Vickers-Armstrong e a sua instalação nas ilhas, em moldes que não são, ainda hoje, bem conhecidos.

A expectativa de que a Alemanha “resolveria a questão" na Rússia antes da chegada do Inverno e a possibilidade de retorno a uma situação de necessidade de invasão preventiva dos Açores, poderão ter condicionado o potencial de combate destas peças antiaéreas, sendo conhecidos relatórios, nos quais, os comandos militares referem que o número de munições fornecidas por Inglaterra era muito restrito[29]

Assim, em data que não é possível determinar rigorosamente, mas, pelo menos nos Açores, estimada no fim do Verão de 1941[30], que o mais moderno material de artilharia antiaérea aliado foi instalado em Portugal, com todos os benefícios e dificuldades que uma novidade tecnológica desta dimensão, terá acarretado.[31]

A par com as peças AA 9,4 cm m/940 Vickers-Armstrong, em reparo semi-fixo foram igualmente fornecidos os diversos materiais que integravam as baterias de referenciação, numa fase inicial os altitelémetros[32] e os seguidores visuais (preditores)[33], sem os quais não era possível operar as peças. Estes, por elementos introduzidos manualmente pelos operadores ou obtidos pelo altitelémetro, fazendo o seguimento visual da aeronave, quando as condições meteorológicas assim o permitiam, comunicavam às peças os elementos de tiro através de cabos MagSlip, sem que os serventes apontadores tivessem de observar o alvo ou fazer quaisquer cálculos para o ângulo de extrapolação.

Complementavam uma Bateria AA 9,4 cm um Pelotão de Peças 4 cm m/940 Bofors, destinadas não só a cobrir alguns ângulos mortos dos sectores de tiro das peças 9,4 cm, mas também a defesa antiaérea próxima da própria posição da Bateria.

Após 1943, nos Açores, estes meios foram complementados com os Projectores de Antiaérea de 150 cm m/940, com os respectivos grupos geradores. Não há conhecimento que tenham sido recebidos localizadores pelo som. No final, segundo números de 1954, Portugal recebeu 178 peças AA 9,4 cm Vickers-Armstrong e 498 peças AA 40 mm Bofors. 

A Defesa Antiaérea de Angra do Heroísmo: uma Abordagem Táctica

De todas as posições de antiaérea fixa em espaços insulares, Açores, Madeira e Cabo Verde, o da Ilha Terceira é o único que mantém o dispositivo completo[34], com o PCT (Posto de Comando de Tiro), os quatro espaldões, com os respectivos paiolins, para as quatro Peças AA 9,4 cm m/940 Vickers-Armstrong que compõem a Bateria, dois espaldões, com os respectivos paiolins, para duas metralhadoras pesadas destinadas a assegurar a defesa imediata da posição e um paiol, aproveitando um antigo paiol do século XVII. Por fim, os caneiros por onde passavam os cabos MagSlip permitem hoje perceber a rede de ligação entre as peças e o PCT. Adicionalmente, esta bateria é a única que se destina a exclusivamente ao fogo antiaéreo, já que as restantes posições, em outras ilhas, podiam também bater alvos de superfície no mar. Por tudo isto, tomou-se esta bateria como modelo de estudo. 

O desconhecimento, até hoje, do conjunto de documentação que descreve exactamente os aspectos tácticos do dispositivo de defesa antiaérea da cidade Angra do Heroísmo, que garantidamente existe ou existiu, levou-nos a desenvolver uma abordagem conjectural esclarecida[35] e simplificada, que permita inferir as preocupações defensivas e entender a funcionalidade do dispositivo táctico que pode, ainda hoje, ser observado no Monte Brasil. 

A concepção de um dispositivo de defesa antiaérea inicia-se, inevitavelmente, pela identificação dos objectivos remuneradores[36] para o inimigo. Neste caso, tratando-se de uma posição de antiaérea fixa, serão pontos ou áreas sensíveis. Uma vez identificados os potenciais objectivos, importa estabelecer uma ordem de prioridades com base na sua importância. Na Ilha Tterceira de 1941, afigura-se-nos como objectivos mais prováveis, a Fortaleza de S. João Baptista, a principal estrutura militar de Angra do Heroísmo (actual Regimento de Guarnição Nº 1), o porto de e a cidade de Angra do Heroísmo, por esta ordem de prioridades, convicção que é confirmada pela localização da bateria no Pico das Cruzinhas.

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Fig. 2 – Imagem satélite da Ilha Terceira com a localização dos objectivos remuneradores mais prováveis assinalados (mancha encarnada). Adaptado de imagem do Centro de Informação Geoespacial do Exército (http://www.igeoe.pt/cigeoesig/​)

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Fig. 3 – Imagem satélite ampliada da região do Monte Brasil, parte da Cidade de Angra do Heroísmo e Porto das Pipas, com os objectivos remuneradores referidos, Fortaleza de S. João Baptista (A) Porto e cidade de Angra do Heroísmo (B) identificados (mancha encarnada) e a Bateria AA do Pico das Cruzinhas (□). Adaptado de imagem do Centro de Informação Geoespacial do Exército (http://www.igeoe.pt/cigeoesig/)

 

Segue-se, naturalmente, a caracterização da potencial ameaça aérea (tipo de acção[37] e o tipo de aeronaves empregues). Neste caso, sendo mais provável que a acção seja o bombardeamento dos referidos pontos sensíveis, levantam-se aqui várias questões relacionadas com a autonomia das aeronaves. Dada a exiguidade de meios aeronavais alemães e pela manobra político-militar descrita, o quadro de ameaças deve cingir-se, com maior probabilidade, a aeronaves americanas, lançadas de porta-aviões, nesse caso, bombardeiros médios ou ligeiros[38]. Assim, a bem da facilidade de estudo considerar-se-ão velocidades e tectos de operação médios, sem especificar nenhuma aeronave em particular que, no período em análise, serão aeronaves com velocidades máximas na ordem dos 450 km/h  e com um tecto de operação máximo de cerca de 6.500mt (21 300 pés) e o bombardeamento, feito a uma velocidade máxima estimada de cerca de 200 km/h. 

Caracterizada a ameaça, a variável que importa em seguida caracterizar é o “eixo mais provável de aproximação" tendo em conta as premissas anteriores em conjunto com a análise geomorfológica da região. Para tal é necessário considerar vários aspectos. Em primeiro lugar, é fundamental que o artilheiro se coloque na posição do piloto e perceba qual seria o eixo de aproximação ao objectivo que conferiria às aeronaves, a menor exposição possível à artilharia, tirando partido do relevo, de modo a conferir-lhe maior protecção, preservando assim o potencial de combate da aeronave e, se possível, beneficiar do efeito surpresa.

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Fig. 4 – Imagem satélite da ilha Terceira, com representação o relevo, e destaque das curvas de nível de cotas mais elevadas (linhas encarnadas) visíveis do Posto de Comando de Tiro (PCT) da Bateria do Pico das Cruzinhas. Adaptado de imagem obtida do Centro de Informação Geoespacial do Exército (http://www.igeoe.pt/cigeoesig/​).


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Fig. 5  Giro de Horizonte, visto de Sul para Norte, a partir do Posto de Comando de Tiro, sendo visíveis a cristas das serras, em alinhamento com as linhas encarnadas da Fig. 4.

 

Face a estas premissas e observações, e sabendo onde as peças de artilharia antiaérea foram posicionadas, o eixo mais provável de aproximação das aeronaves inimigas será de Norte para Sul, deslocando-se as aeronaves em voo a baixa altitude, a coberto visual das referidas serras, até atingirem o “pull up point"[39]

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Fig. 6 – Imagem satélite da ilha Terceira, com representação do relevo, e destaque das curvas de nível de cotas mais elevadas (linhas encarnadas) e o eixo mais provável de aproximação (seta encarnada). Adaptado de imagem obtida do Centro de Informação Geoespacial do Exército (http://www.igeoe.pt/cigeoesig/)

 

Reforçam esta convicção a forma do dispositivo da Bateria AA, com os espaldões a formarem um semi-círculo com a parte convexa virada a Norte e o facto de a Sul, a linha de horizonte do mar não ser visível, pela presença de dois picos (Pico do Facho e Pico do Zimbreiro) ambos de cota mais elevada que o Pico das Cruzinhas e demasiado próximos (cerca de 300 m) para que se possa considerar um empenhamento a Sul sobre a crista destes picos.

Fig 7.tif

Fig. 7 – Imagem de satélite da Bateria de Artilharia Antiaérea, no Pico das Cruzinhas do Monte Brasil. Nela são visíveis os quatro espaldões onde se encontram posicionadas a peças de artilharia (círculos azuis) bem como o Posto de Comando de Tiro (rectângulo azul), dois espaldões para metralhadora pesada (circulos amarelos) e paiol (rectângulo amarelo). Adaptado de imagem obtida do Centro de Informação Geoespacial do Exército (http://www.igeoe.pt/cigeoesig/​)

 

Conjugando estes elementos, relativos ao eixo de aproximação mais provável da ameaça, com a posição, inequivocamente conhecida da bateria de artilharia antiaérea situada no Pico das Cruzinhas do Monte Brasil, é possível caracterizar o tiro antiaéreo a realizar e as suas condicionantes. Assim, considera-se como objectivo principal[40] da Bateria AA do Pico das Cruzinhas bater aeronaves que se aproximem vindas de Norte e que emergem acima da crista das serras visíveis com o objectivo de bombardear os referidos pontos sensíveis. Uma vez que a distância média entre a crista das serras e os objectivos é de aproximadamente 5 000 m, fazendo os cálculos (que nos abstemos de apresentar) que entram em conta com a velocidade de largada de bombas pelas aeronaves desta época, estima-se uns escassos 90 segundos o tempo que decorre entre a aeronave assomar a crista das serras e ficar à vertical com o objectivo.

Sabendo que o apontador das bombas necessita de cerca de 40 segundos para fazer a respectiva pontaria, permite-nos colocar a linha de largada de bombas[41] – LBR[42] entre 40 a 70 segundos após as aeronaves assomarem a crista da serra, sendo então no máximo 70 segundos o tempo que a artilharia dispõe para empenhar e realizar um tiro eficaz sobre as aeronaves, após o que estas já completaram a sua missão (com ou sem sucesso) e podem dar início à manobra de evasão. Dado o muito curto intervalo de tempo disponível para bater as aeronaves e pelo facto de serem peças de artilhara pesada, cuja pontaria[43] é mais lenta, o mais eficaz seria a realização de um fogo de barragem[44]. Importa aqui perceber que a missão da artilharia antiaérea não é exclusivamente abater as aeronaves (sendo, no entanto, desejável que o faça), mas sim criar condições de instabilidade ao piloto de modo a dificultar a pontaria das bombas e obrigar a manobras de evasão que reduzam a eficácia do presumível bombardeamento.

Determinado o eixo mais provável de aproximação e o tipo de tiro a efectuar, falta estabelecer os sectores de tiro primários de cada peça[45] em função do objectivo. Doutrinariamente, o sector de tiro de cada peça não deve exceder 120°[46]. Neste caso, em que a bateria AA se encontra disposta de modo a cobrir um campo de tiro de apenas cerca de 180°, considerou-se que todas as peças teriam sectores iguais de 60°, assegurando assim um campo de tiro total de 180° com generosas sobreposições entre si, válido tanto para fogo de barragem, como para o seguimento e tiro sobre alvos aéreos. Tendo em conta o alcance eficaz destas peças, entre 3.000mt com a elevação do tubo-peça a 85° e 7.500mt com o tubo-peça a 0°, é possível estabelecer e representar as contribuições individuais de cada peça para o sector de tiro da bateria. 

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Fig. 8 – Representação dos sectores de tiro de cada peça, de cerca de 60° com as respectivas sobreposições, sobre Imagem de satélite da Bateria de Artilharia Antiaérea, no Pico das Cruzinhas do Monte Brasil. Adaptado de imagem obtida do Centro de Informação Geoespacial do Exército (http://www.igeoe.pt/cigeoesig/). 

Peça AA 9,4 cm m/940 Vickers-Armstrong

As peças de artilharia antiaérea adquiridas pelo Governo Português em 1940 e fornecidas pelo Reino Unido a partir de meados de 1941, correspondem ao modelo 3.7-inch Ordnance QF AA Gun britânico, no seu estado de desenvolvimento de 1939, tendo mais tarde recebido o regulador automático de espoletas. Estas bocas-de-fogo AA foram fornecidas em duas variantes: as mais abundantes, mas em número indeterminado, com o reparo semi-fixo, geralmente consideradas fixas[47], pois podiam ser retiradas dos espaldões e rebocadas após a adição de dois blocos rodados, anterior e posterior; as menos abundantes foram as peças ditas móveis, rebocadas[48], nas quais o reparo incluía os blocos rodados, com uma rápida entrada e saída de posição, e que, para fazer tiro, apoiavam em quatro flechas com pratos de nivelamento. No total foram adquiridas 178 peças AA 9,4 cm Vickers-Armstrong.

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Fig. 9a -  Peça AA 9,4 cm m/940 Vickers-Armstrong, semi-fixa. Museu de Angra do Heroísmo​

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Fig. 9b  - Peça AA 9,4 cm m/940 Vickers-Armstrong, móvel. Museu de Angra do Heroísmo​

Como referido, estas peças operavam através de um sofisticado sistema de referenciação e predição de tiro, composto pelo altitelémetro Nº 3 MK IV Barry & Stroud" e o seguidor visual (Preditor) Nº 2 Mk I m/940 Sperry, os quais, comunicavam os dados às peças por impulsos electromagnéticos, através de cabos MagSlip.

As principais características destas bocas-de-fogo, podem ser resumidas no seguinte quadro de especificações.

 

Quadro II – Especificações técnicas da Peça AA 9,4 cm m/940 Vickers-Armstrong, semi-fixa.

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Uma Possível Síntese Conclusiva

No contexto da 2.ª Guerra Mundial, os arquipélagos atlânticos, em especial os Açores, pela sua importância geoestratégica adquiriram, uma vez mais, um papel de elevada importância à escala internacional, numa intrincada manobra política e militar de gestão de uma neutralidade desejada por todos os actores, vital para o controlo aliado do Atlântico Norte, para a integridade territorial da América do Norte e para a conservação da soberania portuguesa. Pairaram, ainda assim, sobre o arquipélago dos Açores, várias ameaças de invasão, preventivas ou ofensivas, que não deixariam de pôr em causa a soberania nacional sobre este e outros territórios insulares.

A mobilização de meios militares para os Açores, a projecção de uma força expedicionária que fez chegar às ilhas Terceira, S. Miguel e Faial um total de 28.000 homens num espaço de nove meses (até finais de 1941) e todos os trabalhos de requalificação e criação de estruturas defensivas nas zonas de possível desembarque, apesar de relevante, era ineficaz para conter uma ameaça aeronaval. Podia ser suficiente para conter a invasão ofensiva pela Alemanha, considerando a sua baixa disponibilidade de meios aeronavais e a distância do continente europeu, mas era claramente insuficiente para conter uma invasão preventiva Britânica ou Americana com meios aeronavais, sendo esta última a mais eminente, tendo estado planeada para o dia 22 de Junho de 1941.

Só após Junho de 1941, quando a Alemanha desistiu da conquista de Gibraltar e fez a viragem para Leste (frente Russa), se aliviaram as pressões sobre o território de Portugal continental que podiam comprometer a neutralidade portuguesa e, consequentemente, as pressões aliadas, sobretudo americanas, para o controlo das ilhas atlânticas, principalmente dos Açores. Neste período de détente, que se previa curto (de Junho a Outubro), teve início a instalação de baterias antiaéreas nos Açores (assim como na Madeira e Cabo Verde) com prioridade absoluta, imposta pelo Reino Unido, sobre a implementação do Plano de Defesa Antiaérea de Lisboa. Assim, os Açores foram a primeira porção de território com capacidade para defesa antiaérea de média altitude (entre 3 000 e 6 000 mt) e baixa e muito baixa altitude (menos de 3 000 mt), com peças de artilharia do mais moderno que Inglaterra dispunha, com um sofisticado sistema de referenciação e regulação do tiro.

Propusemo-nos assim, reconstituir o que seria a operacionalização da defesa antiaérea dos objectivos mais remuneradores da Ilha Terceira, seguindo e adaptando a incipiente doutrina táctica conhecida para a defesa de antiaérea de Lisboa no final da década de 1930, e os princípios gerais de defesa antiaérea de áreas ou pontos sensíveis com sistema canhão. Num período em que os sistemas canhão AA estão obsoletos e em que o emprego de artilharia antiaérea, dita pesada, está ausente do espaço português desde a década de 1970, esta reconstrução foi um exercício deveras desafiante e, vindo à luz os documentos que o descrevem a defesa antiaérea de Angra do Heroísmo, será um exercício igualmente interessante perceber quão longe se ficou da realidade.

Se este ensaio gerar a curiosidade suficiente para o preenchimento das lacunas de conhecimento existentes sobre esta instalação e operacionalização de meios AA nos Açores, considera-se já um objectivo atingido.

 

Fontes

s. a., s. d.. Regulamento para a Instrução de Artilharia Contra-Aeronaves. Lisboa: Centro de Instrução da Artilharia Contra Aeronaves.

s. a., 1936. Estudo respeitante à conferência sobre defesa antiaérea, pelo major de Artilharia José Augusto Monteiro do Amaral. Cota: PT/AHM/DIV/3/01/51/35.

s. a., 1937. Qual o calibre que deverá ser escolhido para defesas locais contra ataques aéreos. (tradução do sueco) Cota: PT/AHM/DIV/3/45/22/25.

s. a., 1938. Algumas muito breves considerações sobre o calibre na Artilharia Anti-Aérea. Cota: PT/AHM/DIV/3/45/22/22.

1941. Bateria Antiaérea Expedicionária aos Açores. Cota: PT/AHM/FO/006/H/11, Cx. 341, pasta 11.

1944/1945. Relatório de Recepção de Material Antiaéreo. Cota: /FO/031/18/394/01.

s. a.; 1946. Regulamento para a Instrução de Artilharia Contra-Aeronaves. Lisboa: Ministério da Guerra.

s. a.; 1973. Dez Anos de Política Externa (1936 – 1947). A Nação Portuguesa e a Segunda Guerra Mundial. Vol. XII. Lisboa: Ministério dos Negócios Estrangeiros

CABRAL, T. – Esboço do plano geral de defesa do país, elaborado pelo sub-chefe do Estado-Maior do Exército, general Tasso de Miranda Cabral. Cota: PT/AHM/FP/26/13/337/249, 1937.

 

Referências Bibliográficas

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BORGES, J. – Armamento do Exército Português. Vol. II Armamento de Artilharia Antiaérea. Lisboa: Prefácio, 2007.

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________ – 2000. A neutralidade portuguesa na Segunda Guerra Mundial. [online] Janusonline.pt. Disponível em: <https://www.janusonline.pt/arquivo/1999_2000/1999_2000_1_36.html> [Acedido a 13 Dezembro 2021].


NOTAS

[1] Kocher, 2014.

[2] Sobretudo na década de 1930, no período dos grandes desenvolvimentos da aeronáutica entre as duas grandes guerras.

[3] Telo, 1991; Telo, 1993; Andrade, 1993.

[4] Moreira, 1981.

[5] Uma vez mais, uma estratégia de negação, na qual era mais importante garantir que os alemães não tivessem acesso a quaisquer facilidades nesses territórios do que propriamente aos britânicos ocupá-los.

[6] PRO FO 371 24064 Agosto de 1939 cf. Telo, 1993 p. 303.

[7] 16 de Junho de 1943, quando o Reino Unido fez o primeiro pedido oficial de facilidades nos Açores (MNE, 1973, vol. XII, Doc. 82).

[8] A possibilidade de concretização do velho sonho de Franco (Agudo, 2009).

[9] Apesar de preventiva, houve da parte de Inglaterra uma relutância em invadir os Açores de modo a não comprometer a neutralidade portuguesa, enquanto empenhava todos os esforços diplomáticos para que Portugal aceitasse a ajuda americana na defesa dos Açores, enfrentando a resistência obstinada de Salazar. Ainda assim, o Reino Unido não deixou de ter também preparada uma força em grau de prontidão sete dias para o fazer (Operação Brisk).

[10] A maior força alguma vez projectada por Portugal até à Guerra do Ultramar.

[11] “[…] se Portugal estiver neutral, as forças dos Açores e de Cabo Verde ripostarão ao ataque da esquadra britânica até ao limite das suas possibilidades…" palavras de Salazar (MNE, 1973, Vol IX, Doc. 2247).

[12] A evolução dos sistemas de armas de artilharia antiaérea é indissociável da transformação da ameaça aérea, evoluindo ambos, como é habitual na tecnologia militar, segundo uma lógica de acção-reacção. Assim, apenas por conveniência de estudo e clareza, são aqui tratados separadamente.

[13] “Aircraft are suitable for scouting only. Any dream of aerial conflict was simply the product of a too fertile imagination, a falling often found in younger men with insufficient service to recognize certain things as utterly absurd." 1912. Porta-voz do Estado-Maior do Exército Americano. Cerca de três anos depois a realidade seria bem diferente.

[14] s.a., 1936.

[15] s.a., 1937; s.a., 1938.

[16] Que permitiram elevar muito significativamente a cadência de tiro nos calibres menores.

[17] Vejam-se os vários relatórios elaborados por estes oficiais, impressões e notas pessoais sobre as suas experiências com os diferentes sistemas de armas. Vide PT/AHM/DIV/1/38 cx. 42, 43, 44, 53, 58, 62, 66 e 70 (fundo antigo).

[18] Do qual o sistema sueco Bofors é o paradigma, e outras armas de sucesso como a FLAK 38 (38 mm).

[19] Caso das Vickers-Armstrong 9,4 cm (94 mm) que equiparam os Exército Português e a FLAK 88 (88 mm) alemã.

[20] Embora estatisticamente possa ser uma análise grosseira, dividir o número de granadas gasto pelo número de aeronaves abatidas, num determinado ano, as diferenças são tão significativas que nos permitem retirar algumas ilações, como seja o contínuo aumento de eficácia da antiaérea e a constactação do grande salto entre o fim da 1.ª e o fim da 2.ª Guerra Mundial.

[21] Costa, 1916.

[22] Borges, 2007.

[23] Cabral, 1938.

[24] 1938, PT/AHM/DIV/3/45/22/22.

[25] 1937, PT/AHM/DIV/3/45/22/25.

[26] PT/AHM/FO/029/1/351/42.

[27] PT/AHM/FO/029/1/351/41.

[28] Borges, 2007.

[29] Andrade, 1993.

[30] Sabe-se que em 13 de Outubro de 1941, com base em fotografia no Arquivo de Regimento de Artilharia Antiaéra nº 1 – RAAA1, desembarcava em S. Vicente (Cabo Verde) a 6ª Bateria AA (9,4 cm), pelo que será de supor que antes tenham sido instaladas as baterias idênticas nos Açores, entre elas a do Pico das Cruzinhas.

[31] A percepção exacta das datas, moldes de fornecimento e instalação (que implicava significativas obras de engenharia) bem como a doutrina táctica a implementar, diferente do planeado para Lisboa, merece um estudo aprofundado que ainda não foi feito.

[32] Height and Rangefinder Nº 3 MK IV Barry & Stroud.

[33] Seguidor Visual (Preditor) Nº 2 Mk I m/940 Sperry.

[34] Na verdade, a posição da bateria de antiaéria fixa do Pico das Cruzinhas, na Ilha Terceira, é a única completa e com as respectivas peças na posição, em todo o país e, tanto quanto foi possível verificar, a única na Europa.

[35] Para o efeito, apoiámo-nos em vários elementos, britânicos e portugueses, da doutrina táctica de antiaérea, sistema canhão, para artilharia pesada, destinada a bater aeronaves a média altitude.

[36] Áreas, estruturas ou agrupamento de forças que sejam importantes, para o inimigo, destruir ou aniquilar, através do seu vector aéreo, numa acção preparatória ou de apoio às suas forças terrestres.

[37] Bombardeamento, observação, ataque ao solo, etc.

[38] Apenas por facilidade de estudo considerar-se-ão velocidades e tectos de operação médios, sem especificar nenhuma aeronave em particular.

[39] Quando o piloto eleva a aeronave acima da linha de horizonte ficando, a partir desse momento, apto a finalizar a pontaria para lançamento de bombas (assumindo a acção mais provável como bombardeamento), ficando, no entanto, a partir desse momento, exposto ao fogo da artilharia. Corresponde ao momento mais crucial para ambas as partes: pilotos e artilheiros.

[40] Com os elementos disponíveis, e contando já com aqueles que foram obtidos por inferência, não nos é possível propor objectivos secundários.

[41] Assumindo que a largada das bombas se faz à altitude da crista das serras (cerca de 650 m), em voo horizontal e ignorando as correcções ao arrastamento aerodinâmico das bombas.

[42] LBR – Line of Bomb Release – distância do objectivo a que as bombas têm de ser largadas para o atingir.

[43] À época e neste caso, manobradas em direcção e elevação, por manivelas, operadas pelos serventes apontadores.

[44] Genericamente, o fogo de barragem corresponde em efectuar disparos das bocas-de-fogo a uma cadência determinada, com as espoletas das granadas reguladas para que estas rebentem todas à mesma distância, assegurando assim uma “parede" de fogo com estilhaços que as aeronaves teriam de atravessar.

[45]  Tal como referido em relação aos objectivos secundários desta bateria, não há informação suficiente para inferir os sectores de tiro secundários de cada peça.

[46] Doutrinariamente, nos dispositivos em que as peças se encontram dispostas formando um círculo completo, com um campo de tiro de 360°, cada peça assegura um sector de tiro de 120°, com sobreposições entre si.

[47] Observe-se que, em 1948, foi criado o Regimento de Artilharia Antiaérea Fixa (RAAF), que operava estas bocas-de-fogo.

[48] Em Portugal rebocadas pela viatura AEC Matador.


Jailme Ferreira Regalado

Gestor da unidade de Militaria e Armamento e da unidade Africana, como Técnico Superior do Museu de Angra do Heroísmo. Licenciado em Bioquímica pela Faculdade de Ciências/UL e pós-graduado em História Militar pela Universidade Lusíada de Lisboa. Possui os estudos avançados em História, Defesa e Relações Internacionais pela Academia Militar/ISCTE-IUL e, no presente, doutorando em História Insular e Atlântica, pela Universidade dos Açores. Desde 1991 que se dedica ao estudo do armamento ligeiro, em especial ao armamento regulamentar português e, mais recentemente, ao estudo da artilharia nas suas dimensões técnica e tática.


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Como citar este texto:

REGALADO, Jaime Ferreira – A Defesa Antiaérea de Angra do Heroísmo na 2.ª Guerra Mundial. 1940-1943. Revista Portuguesa de História Militar - Dossier: Portugal no Contexto da Segunda Guerra Mundial, 1939-1945. [Em linha] Ano III, nº 4 (2023). [Consultado em ...], https://doi.or​g/10.56092/UJLA1648

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