A batalha de Montes Claros, a 17 de junho de 1665
Estes considerandos, foram necessários para verificar que no dispositivo do movimento iniciado no terreiro de Santo António, nos arrabaldes a sudeste da vila de Estremoz, dispositivo esse preparado por Schönberg, chefe de estado-maior do exército de Portugal, para a marcha de costado, como tal com a organização do dispositivo já orientado para o combate. Pela seguinte ordem, o dispositivo do exército estava assim encadeado: uma guarda avançada de cavalaria, comando e estado-maior, grosso da cavalaria, auxiliares para a execução dos trabalhos de contra mobilidade, artilharia ligeira, grosso da infantaria, artilharia pesada, trem de apoio, vedorias e carriagem e bagagens.

Figuras 1 e 2 – Dispositivos dos exércitos português durante a marcha de costado e entrada em posição de combate que antecedeu a Batalha de Montes Claros, e do exército espanhol na sua tentativa vã de realizar atacar de surpresa.
Pelos parâmetros de medidas, atrás referidos, para os quantitativos mobilizados, só a coluna de marcha da infantaria teria uma extensão de 12 quilómetros. A da cavalaria mais 15 quilómetros. O tempo de escoamento de todas estas forças não corresponderia a menos de 7 horas e só porque à sua frente se deslocavam cerca de 500 infantes de todos os Terços de Auxiliares, sob o comando de António de Saldanha, mestre de campo dos Auxiliares da Comarca de Tomar, que levavam ferramentas para abaterem os valados e facilitarem a passagem pelos locais mais difíceis. Tais constatações permitem considerar, como já tinha sido levantado por relatos coevos dos defensores de Vila Viçosa, que parte das forças portuguesas tiveram que iniciar o seu movimento a 16 de junho, devendo o grosso do exército ter acampado, de 16 para 17 de Junho, já muito perto do local onde se realizou a batalha, com muita probabilidade, na região de Monte da Talisca – Monte da Senhora da Victória, atrás da Ribeira da Salgada, entre os lugares de Rio de Moinhos e do Barro Branco, onde mais tarde o marquês de Marialva mandou construir o padrão e posteriormente a ermida dedicada à invocação de Nossa Senhora da Vitória.
Vamos agora ao relato dos acontecimentos.
A Espanha, já completamente desligada das guerras de Flandres, Catalunha e Itália resolveu tentar um último esforço para reconquistar o nosso país, entregando o comando supremo das suas forças a Don Luis de Benavides y Carrillo, marquês de Caracena. Pretendia o Estado espanhol atacar os portugueses simultaneamente por terra e por mar, repetindo, porventura, o feito do duque de Alba, transportado pela armada do Marquês de Santa Cruz. Foram fornecidos a Caracena todos os meios necessários preparando-se em Cádis a concentração de uma forte armada (30 navios e 20 galés de guerra).
Em Portugal, o conde de Castelo Melhor, infatigável no seu zelo, conhecedor dos preparativos dos espanhóis, tratou também de organizar a defesa nacional, desenvolvendo múltiplas atividades nesse sentido, com extraordinária energia e tato. Teve o grande mérito de reconciliar os generais do Alentejo. Conseguiu a colaboração entre Marialva, Schönberg e D. Luiz de Menezes; retirou Gil Vaz Lobo de Elvas para governar Setúbal, fortificada por Luís Serrão Pimentel; nomeou Schönberg mestre-de-campo-general do Alentejo; guarneceu também e fortificou eficazmente Lisboa e outros pontos da costa portuguesa; contratou novas tropas estrangeiras (militares franceses e ingleses experientes). Procedeu ao reajustamento de efetivos, reforçando as guarnições do Alentejo à custa especialmente das unidades militares da Estremadura e do Algarve.
Em finais de abril o marquês de Marialva voltava ao governo do Alentejo. Em maio concentraram-se em Estremoz (praça que continuava a ser a base de operações nas planuras do Alentejo) cerca de 20.500 homens (15.000 infantes e 5.500 cavaleiros) apoiados por 20 bocas de fogo de artilharia de vários calibres.
No outro teatro de operações ativo, o do Minho, o exército do conde do Prado compunha-se de 12.000 infantes e 2.500 cavalos com 14 peças de artilharia. Em Trás-os-Montes, as forças do conde de S. João, e na Beira, as de Pedro Jaques de Magalhães, mantinham-se na expectativa, prontas para intervirem de imediato em apoio de qualquer um dos exércitos de cada uma dessas províncias quando ameaçadas. Quis o destino e a vontade dos espanhóis que fosse o Alentejo novamente o palco da campanha de 1665.
Iniciou, então, o marquês de Caracena as suas operações partindo de Badajoz, a 22 de maio, com um exército de 23.000 homens. Contudo, porém, interrompeu a marcha no primeiro estacionamento, já próximo do rio Caia, fronteira entre Elvas e Badajoz. Após 15 dias de demora – talvez devida à necessidade de completar os mal fornecidos trens de víveres e forragens – prossegue, contornando Elvas, por norte, para, de seguida, voltar para sul, frente a Vila Viçosa. Aqueles 15 dias de intervalo de tempo na lentidão da incursão em território nacional, confirmando a linha de invasão pelo Alentejo, chegaram para trazer e concentrar nesta província as forças de Trás-os-Montes, da Beira, da Estremadura e do Algarve, que se juntaram ao exército de Marialva e de Schönberg, estacionado em Estremoz.
Muito se tem especulado sobre esta modificação de planos por parte de Caracena, por se ter desviado do caminho direto para Lisboa, indo sitiar uma praça-forte secundária, lateral e de pequeno relevo militar. Mas, a fixação de Vila Viçosa como primeiro objetivo parcial, intercalado na marcha sobre Lisboa, que era o objetivo último da campanha, tem a justificá-la razões táticas de certo peso relativas à segurança das linhas de comunicações e reabastecimento. Caracena não poderia, no seguimento da invasão, conservar, como linha permanente de comunicações, o traçado até ali seguido no seu itinerário, que contornara Elvas, ao norte, pela herdade da Torre dos Siqueiras, cerca de São Vicente e a sul de Santa Eulália. A ameaça constante de eventuais sortidas de Elvas e Campo Maior constituiria, de facto, embaraço grande para a circulação dos comboios de reabastecimento vindos pelo referido itinerário partindo das regiões de Badajoz e de Olivença, base principal das operações do exército espanhol. Seria também um manifesto perigo para as colunas de marcha das tropas invasoras, quando internadas no Alentejo, na sua ulterior progressão sobre Setúbal.
Tendo já, há algum tempo, as praças portuguesas de Juromenha e Olivença em seu poder (a primeira atuando como testa de ponte sobre o Guadiana e a segunda como base de operações à retaguarda) era lógico que o comandante espanhol empreendesse o sítio de Vila Viçosa, situada sobre o prolongamento da linha de invasão Olivença – Juromenha – Redondo – Évora – Montemor – Setúbal, que a dominava entre Évora e o Redondo, tentando assim abrir uma nova linha de etapas ou de comunicações alternativa com a Extremadura espanhola, fora do alcance de possíveis incursões lançadas a partir de Elvas.
O exército espanhol seguindo o itinerário Torre dos Siqueiras (São Vivente) – Fonte dos Sapateiros (Vila Fernando) – Venda de Orada (Alcraviça) com a sua guarda avançada atingiu Borba, a 9 de junho, e, no dia seguinte, aproximou-se de Vila Viçosa preparando-se para realizar o seu assédio e tomada.
Alertado por este avanço, no dia 11, em Estremoz, o marquês de Marialva reuniu o seu conselho de guerra, formado pelos principais generais portugueses, tendo sido discutida a situação sob o ponto de vista estratégico. Decidem-se por tomar a ofensiva sobre o inimigo, atacando-o enquanto ele se encontrava parado e comprometido com o sítio de Vila Viçosa. Marialva estava consciente de que do ataque iria resultar uma inevitável batalha campal, de cujo resultado iria depender o destino final do País. Sem a suficiente competência delegada, para, numa só cartada, jogar o futuro da Pátria, aconselhado pelo conselho decidiu pedir imediatamente a expressa autorização régia, por intermédio do primeiro-ministro, o conde de Castelo Melhor. Quatro dias depois, por certo, ainda pela tarde ou na noite de 15 para 16 de junho, veio a ser recebida, no quartel-general de Estremoz, a resposta afirmativa de Lisboa concordando com a atuação planeada.

Figuras 3 e 4 – Dispositivo dos exércitos no início da Batalha de Montes Claros e durante o primeiro ataque espanhol.
Estavam obtidas as devidas autorizações que iriam lançar o exército nacional para um dos mais difíceis confrontos decisivos para o destino do país. Tomada a decisão, a 15 de junho já fora realizado o reconhecimento do itinerário Estremoz – Vila Viçosa e, a 16, passava-se a revista às tropas que antecedeu o início da marcha para o contacto.
Eram vinte e dois quilómetros de distância os que separavam o acampamento português, no terreiro de Santo António, arrabalde sudeste da vila de Estremoz, do estacionamento espanhol, em torno e contíguo a Vila Viçosa. Seriam cerca de seis a oito horas de marcha normal, tendo em atenção o ritmo de acompanhamento da artilharia pesada.
Com os reforços chegados das outras províncias, naquele momento, o comandante do Exército do Alentejo dispunha de cerca de 22.000 combatentes, 16.500 infantes e 5.500 cavaleiros e as 20 peças de artilharia de vários calibres.
Através dos vários reconhecimentos realizados durante os dias antecedentes, o quartel-general português era conhecedor da posição de uma frente inimiga, estabelecida a cavaleiro da estrada direta de Estremoz a Vila Viçosa, reforçada com fortificação de campanha, entretanto erguida, e que cortava a meio o caminho de Borba a Vila Viçosa. Esta posição defensiva constituía-se como um obstáculo efetivo de envergadura para um possível ataque português, intentado pela referida direção. Mas, para Vila Viçosa existia um outro itinerário paralelo aquele, mais a sul, que ainda não havia sido fortificado pelos espanhóis.
Absolutamente consciente da situação, conhecedor da negligência do adversário, Marialva decide seguir por esse outro caminho, mais a sul, porque aparentemente estava desguarnecido de tropas. Seria-lhe possível, assim, tornear o flanco esquerdo da posição preparada pelo exército sitiante de Vila Viçosa, que se encontrava apoiada na linha de alturas Borba – Estremoz. Posteriormente poderia desenvolver o seu exército, com frente a nordeste, para depois tomar, como eixo de ataque, a direção norte coincidente com a linha Redondo – Vila Viçosa, que passava pela quinta dos Mascarenhas (fundada por Fernão Martins Mascarenhas, em 1614, e génese da atual povoação de Bencatel).
Contudo, o anterior movimento dos reconhecimentos, do seu serviço de recolha de informações, parece que acabou por alertar Caracena que se preveniu contra o projeto português. E, assim, por uma manobra de quase contraofensiva deliberada, pensou surpreender o exército português em flagrante em pleno deslocamento. Com o objetivo de desbaratá-lo na marcha que levava, planeou a ação do seu exército através de um ataque simultâneo e evolvente, com as forças previamente desenvolvidas em linha de batalha, que atuariam sobre a testa da coluna de marcha portuguesa no momento em que esta saindo do apertado vale por onde se deslocava desembocaria na vasta planura a norte da serra da Ossa, terreno chão, orlado de montes brancos (os depósitos geológicos dos mármores famosos da região por causa dos quais se atribuía o nome de Montes Claros àquela planície). Tal manobra, contava ele, seria essencialmente favorável à valorização da superioridade numérica da cavalaria espanhola. Em conformidade, dispôs que se adiantasse a cavalaria pela esquerda para atacar a frente inimiga, enquanto a infantaria se dirigiria pela direita, escondida por algumas pequenas elevações, para deter de flanco o seu avanço, apoiar o ataque e completar a derrota dos portugueses.
Cerca das 5 horas da manhã, despertadas as tropas portuguesas e retomada a marcha pelo caminho Estremoz – Alandroal, saindo do acampamento estabelecido próximo do lugar de Barro Branco em direção à quinta dos Mascarenhas, a guarda avançada atingiu, por volta das 9 horas da manhã, o Convento da Luz, situado a meio percurso sobre esta estrada, mas já na planície de Montes Claros. A lentidão do avanço das unidades devia-se à marcha de costado (ou de flanco), densa e perigosa formação preparatória de combate, executada dessa forma e organizada por Schönberg por motivo da previsível proximidade ao inimigo.

Figura 5 e 6 – Dispositivo dos exércitos na Batalha de Montes Claros durante o segundo ataque espanhol e no início do contra-ataque português que constituiu a terceira e definitiva fase da batalha.
Não se tendo ouvindo, na noite antecedente, de 16 para 17 de junho, o tiro das batarias de defesa de Vila Viçosa, ordenara o chefe do estado-maior, o conde de Schönberg, que madrugada do dia seguinte (17 de junho), fosse enviado à frente da coluna um forte destacamento de exploração constituído por 6 batalhões de cavalaria (cerca de 360 cavaleiros), a fim de detetar e vigiar os movimentos do exército espanhol, prevenindo assim a coluna de marcha portuguesa de eventuais surpresas perigosas que se pudessem registar antes do desenvolvimento para batalha. Porém, uma má compreensão da ordem por parte do comandante da cavalaria, Dinis de Melo e Castro, primeiro conde das Galveias, origina falha na execução desta medida tão criteriosa e exigente para a garantia da segurança próxima de toda a coluna. E, assim, quando o chefe do estado-maior, marchando na vanguarda do exército português, alcançou, cerca das 9 horas da manhã de 17 de junho, as imediações do terreno chão do Convento da Luz, reconheceu, após breve confusão, que as forças de cavalaria, visíveis a cerca de 1,5 a 2 quilómetros de distância, entre as alturas do Monte da Vigaria, para o lado de Vila Viçosa, pertenciam ao exército inimigo. Pouco tempo depois, evidenciando estar próximo um ataque, surgiram por trás deste, massas volumosas da cavalaria espanhola, que começaram a desembocar a sul na planície de Montes Claros.
Perante a iminência do perigo, esforçaram-se os generais e mestres de campo portugueses, sobretudo o conde de Schönberg, por efetuar, rápida e atempadamente, o desdobramento da primitiva coluna de marcha de costado em colunas parciais, para que, no final do desenvolvimento, ficassem em formação de combate segundo o dispositivo clássico utilizado pelos portugueses – infantaria escalonada em duas linhas, ao centro, e cavalaria nas alas. Porém, no flanco direito, frente à ameaça da cavalaria espanhola, fez-se concentrar a maior parte da cavalaria; ao centro, com a vasta planície em frente, postaram-se na primeira linha alguns batalhões de cavalaria e vários terços de infantaria; na ala esquerda, que se estendia por um terreno de vinhedos, quase impraticável às manobras da cavalaria, outros terços de infantaria ficaram cobrindo o acesso a uma pequena colina (Monte do Mouro) onde a maior parte da nossa artilharia pesada tomara posições. Nos intervalos da vanguarda posicionaram-se algumas peças de artilharia ligeira; em que duas delas, guardadas por 100 mosqueteiros, tomaram posição no viso de um pequeno outeiro com um casal à direita da linha de batalha protegendo aquele flanco. Assim disposto, à medida que se ia posicionando, o exército de Marialva contabilizou 15.000 infantes, 5.000 cavaleiros e 20 peças de artilharia.
Entretanto, à frente, Caracena fora posicionando também o seu exército de quase 23.000 homens. Concentrou no flanco esquerdo as grandes massas de cavalaria estrangeira que deviam carregar o centro português e separá-lo do flanco direito. A artilharia distribuiu-a nos lados e no cume de algumas alturas que dominavam a planície. No seu flanco direito, a infantaria, também em massa, devia atacar a esquerda portuguesa, cuja cavalaria, mal podendo manobrar por entre os vinhedos, seria forçada a deixar à infantaria espanhola a vantagem da superioridade numérica.
O plano de Caracena era hábil e simples, pois, valendo-se da costumada separação da cavalaria portuguesa pelas duas alas (e que lhe dividia a força), contava esmagar-lhe o centro e o flanco direito, antes que a cavalaria portuguesa da esquerda, imobilizada e portanto sem anulada, tivesse tempo de acudir à direita da linha de batalha.
Schönberg, porém, logo que se apercebeu do intento do general espanhol, fez deslocar a cavalaria do flanco esquerdo (que tinha a sua ação impedida pelas vinhas) para o flanco direito. A maior parte desses batalhões vieram reforçar a cavalaria portuguesa na direita, tendo sido destacados para junto das duas peças de artilharia no outeiro. E foi a rapidez dessa oportuna manobra, em que as unidades portuguesas estavam já bem treinadas, o fator decisivo que veio a garantir, desde o início a possibilidade de uma vitória para o lado português.
À distância de tiro a artilharia iniciou o combate que se desenrolou imediatamente. Ato contínuo os troços da cavalaria espanhola de Farnesio carregaram com grande ímpeto sobre a direita portuguesa, conseguindo empurrar a primeira linha de cavalaria sobre a infantaria do centro, de tal forma que os terços do Alentejo comandados por Tristão da Cunha, Francisco de Moura e Furtado de Mendonça, com parte da cavalaria da ala direita ficaram logo desbaratados. Contudo, a carga foi detida face à firmeza dos piqueiros portugueses que a contrariaram, apoiados pela metralha do fogo terrível da artilharia, situada a menos de 50 passos, permitindo que a eles acudisse a cavalaria da segunda linha e que se restabelecesse a linha de combate, fazendo recuar a cavalaria espanhola.
Ao mesmo tempo, na ala esquerda portuguesa, os tercios espanhóis continuavam a pressionar a infantaria de António de Saldanha (fazendo também parte dos terços do Alentejo), rechaçavam dois regimentos franceses e um inglês e ameaçavam chegar à segunda linha.
Schönberg, porém, infatigável, depois de ter conseguido levar a cavalaria da esquerda ao flanco direito equilibrando a linha de combate, junta aí todos os terços disponíveis voltando com eles ao flanco esquerdo, com a intenção de suster ali todo o avanço da infantaria inimiga, ou pelo menos que o esforço servisse para o tentar demorar. Simultaneamente, por seu turno, ininterruptamente, as peças de artilharia da vanguarda portuguesa metralhavam quase à queima-roupa a cavalaria espanhola que carregara o centro e a direita portuguesa, sustendo-lhe a cavalgada e anulando-lhe essa primeira vantagem.
Reconstituídas rapidamente, tanto a cavalaria espanhola como as tropas portuguesas da ala direita, os cavaleiros de Farnesio e do conde Rebat efetuaram uma segunda carga sobre o centro e a direita portugueses, rompendo-lhes de novo a primeira linha da infantaria, desbaratando a cavalaria e chegando no seu ímpeto ao contacto com os terços de auxiliares da segunda linha, que foram empurrados até à terceira linha de reserva. Mas esta manteve-se firme, e deslocando-se Schönberg com alguns desses terços da reserva e da esquerda até à ala que tão em perigo se encontrava, a ponto de estar quase partida por completo, mudou a fisionomia ao combate, porque, então, os espanhóis já fatigados tinham começado a abrandar aquele ímpeto.
Em vão Caracena envia ordens a Correa para que, com parte da cavalaria da direita os socorra ou pratique um movimento envolvente sobre a esquerda dos portugueses, que permitisse alguma folga para se recomporem aqueles que tinham sustido todo o peso do combate no extremo oposto.
Foi a fase culminante crítica da batalha. Comandavam na primeira linha o próprio marquês de Marialva, general em chefe, o general da artilharia D. Luiz de Menezes, o de cavalaria Dinis de Melo e Castro e outros oficiais superiores. Schönberg, depois de ter restabelecido o equilíbrio da esquerda, acorrera ao centro da segunda linha. Toda a artilharia da retaguarda rompeu também fogo. Entretanto, no flanco direito português a segunda linha de infantaria ia sustentando, desesperadamente, todo o peso da refrega. Marialva, apreensivo e receando que o flanco esquerdo não pudesse aguentar a pressão da infantaria espanhola e se rompesse também acabando por comprometer a brilhante defesa da segunda linha, no centro-direita, desguarneceu essa ala, por estar a ser a menos solicitada desde o começo da ação, e acorreu à esquerda com alguns terços quase frescos, restabelecendo o combate a seu favor.
A cavalaria espanhola carregou de novo, mas não pode penetrar as compactas filas de piqueiros da infantaria portuguesa, que se mantiveram corajosamente firmes até que a cavalaria portuguesa, vitoriosa na ala oposta, se apresentou por aquele lado, decaindo então o ânimo da cavalaria espanhola que abandonou o campo de batalha em desordem. Fatigada pelas suas duas anteriores infrutíferas cargas, simulou uma retirada para contra-atacar uma terceira vez. Mas o tenente-general D. João da Silva de Sousa, no centro da segunda linha de infantaria, ainda sem ter entrado em ação com o terço de Lisboa, o de Trás-os-Montes e o resto dos terços do Alentejo, e com os batalhões e companhias de cavalaria do Alentejo em expectativa na ala direita da sua posição, conseguiu observar o andamento dos movimentos da cavalaria espanhola e avisar atempadamente o general da cavalaria Melo e Castro. Aproveitando a oportunidade, este general português lançou toda a sua cavalaria em perseguição da inimiga que, apanhada assim de surpresa, atacada pela retaguarda, nada preparada para aquela reviravolta, debandou completamente, seguindo o leito da ribeira de Lucefece em direção ao Alandroal, retirando por ali para Espanha, passando o Tejo em Juromenha. O combate degenerou numa matança horrível, pois a cavalaria portuguesa atropelou sem piedade regimentos inteiros, tendo os vencidos que procurar a sua salvação fugindo para os montes que se avistavam apenas a partir do mosteiro de Nossa Senhora da Luz.
Fora o golpe decisivo.
Marialva, logo que se apercebeu do descalabro da cavalaria espanhola envolveu fortemente a infantaria adversária, que estava ainda empenhada na refrega com a vanguarda portuguesa, à esquerda, e com a segunda linha portuguesa ao centro a segunda linha portuguesa, ao centro. Vendo-se cortada a meio e dividida, a infantaria espanhola, num terror pânico, desordenou-se também. Centenas de prisioneiros caíram em poder dos portugueses. Quatro tercios espanhóis tentaram ainda retirar em boa ordem sobre a Serra da Vigaria mas, rodeados pelas tropas portuguesas, depuseram as armas. Do alto daquela serra, Caracena vendo a batalha perdida retirou também com todo o seu estado-maior, para Vila Viçosa.
A batalha durara cerca de 7 horas desde o início das manobras preparatórias para o posicionamento inicial dos exércitos até à decisão final, em que as forças espanholas foram completamente vencidas e apanhadas em debandada geral.
Entretanto, em Vila Viçosa, uma sortida feliz dos sitiados destroçava o corpo de cerca de 1.800 arcabuzeiros que tinham ficado de guarda aos acampamentos e tomaram toda a artilharia de sítio utilizada pelo exército espanhol.
Esta derrota dos espanhóis, em 17 de junho de 1665, foi geral em todas as frentes e anulava logo, desde o começo da invasão, a tão desejada vontade espanhola de alcançar e ocupar Lisboa ainda esse ano.
As consequências desta magnífica vitória teriam sido decisivas se a política de Lisboa, com a intenção de invadir a Galiza, não a tivesse negligenciado por não explorar o seu sucesso. De facto, em julho, Schönberg prosseguira na ofensiva, entrando com o exército português em Espanha e destroçando vários corpos de cavalaria. Mas, em setembro, Castelo Melhor ordenar-lhe-ia que passasse ao Minho com cinco regimentos estrangeiros, enquanto os generais de Trás-os-Montes, Estremadura e Beira e o conde de Miranda, governador do Porto, organizavam terços e destacavam contingentes para se constituir no Minho o exército que iria operar na Galiza.
Em resumo, nesta batalha de Montes Claros o exército português, de força aproximada à do exército espanhol, inicialmente foi rompido duas vezes nas suas primeiras linhas, mas as reservas compensaram, em ambos os casos, a situação. Schönberg desenvolveu uma atividade excecional para a inversão do cariz da batalha. Pela ação da cavalaria portuguesa a retirada da cavalaria espanhola transformou-se em fuga e o marquês de Marialva desenvolveu um movimento envolvente em que empregou toda a sua infantaria contra a infantaria castelhana, quando esta já passara à defensiva.
O número dos mortos e feridos ultrapassou mais de 4.000. Foram feitos aos espanhóis cerca de 6.000 prisioneiros. Mais de 3.500 cavalos e toda a artilharia de sítio, bandeiras, armas, bagagem, víveres e muitos outros objetos foram abandonados no terreiro do campo de batalha e tomados pelos portugueses.
O exército português teve cerca de 2.700 baixas.
Ordem de Batalha das Forças Portuguesas