A BATALHA DO MONTIJO (1644)


Manuel Cavaco e Lourenço Azevedo
“Se o General do Exército inimigo confessa na imaginação a vantagem, como deixar de conseguir na realidade a vitória?"
Discurso do General Matias de Albuquerque às tropas.
Cit. D. Luís de Menezes, Conde da Ericeira.

Resumo
A Batalha do Montijo, travada em 26 de maio de 1644, em Montijo, município na província de Badajoz, Espanha, ocorre no contexto da 1.ª fase da Guerra da Restauração (1641 a 1646), que se caracteriza pela atividade ofensiva dos portugueses que, tanto no reino como no Brasil, infligiram as primeiras derrotas aos espanhóis (Montijo 1644) e holandeses (Monte das Tabocas 1645).
O mais interessante na batalha do Montijo, e o que a torna singular, é o fato de que ambas as partes em conflito proclamaram imediatamente a vitória. Os cronistas espanhóis consideram que resultou numa vitória para o seu lado, em contraponto, os cronistas portugueses assinalam a capacidade de resistência dos portugueses ao ataque coordenado da Infantaria, da Cavalaria e da Artilharia da força espanhola, o que podemos considerar já à época uma verdadeira manobra de armas combinadas, seguida por um contra-ataque das forças portuguesas que repeliu o exército espanhol do campo de batalha, causando-lhe elevadas baixas e resultando numa exultante vitória.
A Batalha do Montijo decorreu no contexto de uma guerra de usura e desgaste, em que o reino procurava manter os confrontos fora das fronteiras de Portugal, maximizando assim a salvaguarda quer da população quer da Capital. É essencialmente sob este pano de fundo histórico, que lhe confere também alguma atualidade, que se entende que uma leitura atenta da forma como a batalha se desenvolveu permitirá com toda a certeza convocar os leitores à razão de alguns autores a considerarem a primeira grande batalha da Guerra da Restauração Portuguesa (1640 a 1668).
Palavras-Chave: Restauração Portuguesa; Batalha do Montijo; Matias de Albuquerque; Espanha; Alentejo; Estremadura.
Abstract
The Battle of Montijo, fought on May 26, 1644, in Montijo, a municipality in the province of Badajoz, Spain, occurred in the context of the 1st phase of the Portuguese Restoration War (1641 to 1646), which was characterized by the offensive activity of the Portuguese who, both in the kingdom and in Brazil, inflicted the first defeats on the Spanish (Montijo 1644) and the Dutch (Monte das Tabocas 1645).
The most interesting about the Battle of Montijo, and what makes it unique, is the fact that both parties to the conflict immediately proclaimed victory. Spanish chroniclers consider that the battle resulted in a great victory for their side, while Portuguese chroniclers highlight the Portuguese's ability to resist the coordinated attack by the Spanish infantry, cavalry and artillery, which we can consider even at the time a true combined arms manoeuvre, followed by a counterattack by the Portuguese forces that repelled the Spanish army from the battlefield, causing them high casualties and resulting in a triumphant victory.
The Battle of Montijo took place in the context of a war of usury and attrition, in which the kingdom sought to keep the fighting outside the borders of Portugal, thus maximising the protection of both the population and the capital. It is essentially against this historical backdrop, which also gives it some relevance today, that we understand that a careful reading of the way in which the battle developed will certainly allow readers to agree with the reason why some authors consider the Battle of Montijo as the first major battle of the Portuguese Restoration War (1640 to 1668).
Keywords: Portuguese Restoration; Battle of Montijo; Matias de Albuquerque; Spain; Alentejo; Estremadura.
1. Introdução
General Matias de Albuquerque. Fonte: Francisco Pastor, in Diário Illustrado nº 6:346, 1 de dezembro de 1890.Para o Rei português, D. João IV, o objetivo vital era manter a guerra fora das nossas fronteiras, salvaguardando a integridade do território.
A Batalha do Montijo acontece na 1.ª fase da Guerra da Restauração[1] e enquadra-se na época ofensiva portuguesa de 1643.
Nesta época, o reino de Castela andava em guerra com outros reinos, nomeadamente, na Flandres, na Itália e internamente empenhado na reconquista da Catalunha. Para o Rei espanhol a reconquista da Catalunha era um objetivo vital porque, internamente, terminava com as guerras dentro das suas fronteiras e afirmava o seu poder perante as outras províncias espanholas. Para os outros reinos europeus demonstrava a sua capacidade militar e determinação política em defender o seu império.
Com os problemas internos para resolver, a reconquista de Portugal tornou-se numa segunda opção para Espanha. O importante era manter alguma pressão sobre Portugal. Com as suas melhores tropas empenhadas nestes Teatros de Operações e onde estavam a sofrer grande desgaste, a Espanha não tinha capacidade para conduzir operações de grande envergadura contra o reino português, limitando-se a pequenas ações militares ao longo de toda a fronteira, a guerra de usura.
Neste período, Portugal estava envolvido na guerra com a Espanha principalmente na zona do Minho e do Alentejo. O Teatro de Operações do Minho, sob o comando do Conde de Castelo Melhor, Governador de Armas, e os seus oficiais franceses, Violle d´Athis e Roquemant, executavam ataques às principais praças da Galiza onde já tinham conquistado algumas. No Teatro de Operações do Alentejo, o Conde de Óbidos, Governador de Armas, tinha tido alguns insucessos contra o exército hispânico da Extremadura.
O Rei, D. João IV, viajou em julho para Évora, para dar um novo ímpeto à guerra no Alentejo, aproveitando para explorar vulnerabilidades do reino vizinho. Com a presença do Rei, o Conde de Óbidos iniciou uma ofensiva contra as principais praças da Extremadura. Assim, no início de setembro, marchou em direção a Badajoz, passando por Valverde (que conquista a 15 de setembro), com o objetivo de cercar a cidade e de cortar os abastecimentos para forçar uma rendição. Contudo, devido ao enorme desgaste durante a marcha, infligido na conquista e queima de aldeias e praças que encontrou no seu deslocamento, bem como devido aos fogos dos espanhóis no cerco à praça de Badajoz, não teve sucesso na conquista desta importante praça fronteiriça. Perante o reduzido número de efetivos que dispunha e pelo desgaste que as suas forças tinham sofrido, o Conde de Óbidos decidiu levantar o cerco e retirar para Portugal. Por este motivo, D. João IV demitiu-o, enviou-o para Lisboa sob prisão e nomeou para o Cargo de Comandante do Exército do Alentejo o General Matias de Albuquerque.
Desde logo, Matias de Albuquerque, invadiu a Espanha conquistando as praças de Alconchel, Figuera de Vargas e Vila Nueva del Fresmo, que mandou queimar. No mês de novembro, as suas tropas recolheram a quartéis, como era norma na época. O Rei D. João IV e o General Matias de Albuquerque regressaram a Lisboa e o Alentejo ficou sob o comando do General de Cavalaria D. Francisco de Melo.
2. Antecedentes
No início da primavera de 1644, Matias de Albuquerque volta para o Alentejo para continuar a sua campanha de conquista de Badajoz. A sua intenção para atingir este objetivo era privar Badajoz de todos os abastecimentos provenientes das praças à sua volta, como se pode ler no seu memorial:
“logo que cheguei à província do Alentejo com fervor incansável preveni diferentes apetrechos e ter particulares inteligências do estado do inimigo, que era não ter mantimentos em Badajoz, e esperá-los da campanha de alguns lugares abundantes, que ententei destruir, porque tendo feito o ano passado as praças do lado direito de Badajoz, convinha fazê-lo às do lado esquerdo…".[2]
Já em Estremoz, Matias de Albuquerque organiza o seu exército aumentando o número de terços de infantaria e fazendo novas remontas para a cavalaria, para iniciar a ofensiva contra a Espanha e atingir o objetivo definido por D. João IV.
Pela mesma altura, Filipe IV de Espanha mandou retirar o Conde de Santo Estêvão, devido às desgraças que tivera no ano anterior, substituindo-o pelo Marquês de Torrecusa, Carlo Andrea Caracciolo (napolitano), considerado como um dos melhores militares que servia a coroa. Saiu de Madrid com ordem para ajustar e aumentar o exército da Extremadura. Quando chegou a Badajoz, juntou 1.500 cavalos e 1.000 infantes e mandou atacar o castelo de Ouguela, junto à fronteira. A defesa do castelo estava à responsabilidade do Capitão Pascoal da Costa e de 45 soldados, que ofereceram grande resistência ao exército espanhol. Contudo, ao fim de três horas retiraram, levando consigo um elevado número de feridos.
Em Estremoz, o General Matias de Albuquerque soube desta notícia e foi para Elvas, onde deu ordens ao Tenente-General de Cavalaria D. Rodrigo de Castro que, com 2.500 infantes e 260 cavalos, fosse queimar a Vila de Montijo e ao Monteiro-Mor que marchasse com 300 cavalos para apoiar D. Rodrigo. No Montijo, D. Rodrigo não encontrou grande resistência, embora a vila estivesse protegida por trincheiras em sua volta e guarnecida por 4 companhias de infantaria, uma de cavalaria e alguns elementos da população. Os soldados portugueses entraram facilmente nas trincheiras, iniciaram o saque e a puseram fogo à vila. Entretanto, chegaram a Montijo cerca de 1.000 cavalos vindos de Badajoz. Perante este facto, D. Rodrigo retirou com a infantaria e juntou-se à força de Monteiro-Mor. Marcharam ao encontro dos espanhóis, que deram algum combate, mas retiraram para Sul do Rio Guadiana. D. Rodrigo, não querendo pôr em causa o sucesso alcançado, retirou juntamente com o Monteiro-Mor para Elvas.
O Marquês de Torrecusa, ao saber do sucesso das tropas portuguesas, mandou a sua cavalaria entrar pela fronteira de Portalegre para saquear e queimar as aldeias fronteiriças.
Em retaliação a esta ação, Matias de Albuquerque, ordenou ao Governador de Castelo de Vide, mestre de campo D. Nuno Mascarenhas, que fosse queimar a aldeia de Menbrilho, que era rica e tinha cerca de 100 fogos. Para o efeito, mandou o Tenente de mestre de campo General, Diogo Gomes de Figueiredo, com 300 cavalos e alguns dragões juntar-se a D. Nuno Mascarenhas.
3. A Marcha Para Montijo
O General Matias de Albuquerque partiu de Elvas para Campo Maior, onde juntou 6.000 infantes, 1.100 cavalos, 6 peças de artilharia e provisões para 20 dias. Marchou rumo à praça de Albuquerque, a segunda mais importante da Extremadura, com a intenção de a conquistar. Ao saber da intenção dos portugueses, o Marquês de Torrecusa enviou o seu mestre de campo João Rodrigues de Oliveira com 600 infantes e 3 companhias de cavalaria para reforçar esta praça. Matias de Albuquerque ao ter conhecimento desta notícia, desistiu de a atacar e rumou a Sul, em direção à Vila de Montijo, passando pelas povoações de Puebla e Roca de Mansanete, que saqueou e queimou.
Em Montijo, os espanhóis tinham recuperado as trincheiras em volta da Vila e guarnecido por 300 infantes. Mas as tropas portuguesas facilmente entraram nas trincheiras, após o primeiro ataque, obrigando os espanhóis a renderem-se.
Até este momento, não tinham aparecido tropas espanholas em socorro desta praça, mas constava que o Marquês de Torrecusa juntava todas as guarnições de infantaria e cavalaria disponíveis da sua província, e alguns civis, para marchar ao encontro dos portugueses. Juntou cerca de 8.000 infantes, 2.500 cavalos e 4 peças de artilharia, em Lóbon, a Sul do rio Guadiana onde poderia observar os movimentos das tropas portuguesas em Montijo.
Entre os seus Oficiais havia opiniões diferentes, alguns diziam que deviam atacar Olivença, que era uma praça de grande reputação e que constava ter ficado com poucos elementos para a sua defesa. Mas, o Marquês de Torrecusa disse: “que os rodeios fizeram sempre as jornadas trabalhosas; que ele viera à conquista de Portugal para livrar depressa El-Rei Católico desta opressão…"[3].
Para ele, esta batalha estava ganha, mesmo antes de acontecer, porque a diferença em efetivos e em experiência de combate, entre as duas forças, era tão grande que só podia atingir a vitória. Como era uma vitória indiscutível, decidiu que não a queria para si e atribui o comando da força ao Barão de Mollingen. Tomada esta decisão, o Barão saiu de Badajoz, com os seus oficiais, em direção a Lóbon, com ordens para combater com o exército português.
4. A Batalha
Forças Portuguesas
As tropas portuguesas tinham 6.000 infantes, formados em 9 terços: estavam divididos por 11 batalhões e cada batalhão a 10 linhas; 1.100 cavalos divididos em 10 batalhões, um dos quais holandês; 400 mosqueteiros, que constituíam um destacamento; 6 peças de artilharia; e a carriagem, onde transportavam as provisões para a campanha[4].
Ordem de Batalha:
- Comandante do Exército – General Matias de Albuquerque;
- Comandante da Cavalaria (ala direita) – General de Cavalaria D. Francisco de Melo;
- Comandante da Cavalaria (ala esquerda) – Comissário-Geral Gaspar Pinto Pestana e o Capitão Piper (holandês);
- Comandante da Artilharia – General D. João da Costa;
- Comandante da Infantaria – Tenente de mestre de campo General Diego Gomes de Figueiredo;
- Comandantes dos terços de Infantaria – Mestre de campo Aires de Saldanha, D. Nuno de Mascarenhas, Luís da Silva Teles, João Saldanha de Sousa, Francisco Melo, Martim Ferreira, Eustáquio Pich (holandês), David Coley (inglês) e o Conde de Prado.
Forças Espanholas
As tropas espanholas tinham 8.500 infantes: divididos em 7 batalhões e cada batalhão a 6 linhas; 1 batalhão napolitano (Piñatelo); 1 batalhão irlandês (Geraldino), reforçados com soldados espanhóis; 5 batalhões espanhóis (Xeoler, Pulgar, Monroy, Olivera e Aguero); 3000 cavalos, divididos em 14 batalhões, dos quais 6 batalhões eram constituídos principalmente por italianos; 2 baterias de artilharia a 2 peças; e a carriagem[5].
Ordem de Batalha:
- Comandante do Exército – Marquês de Torrecusa;
- Comandante da força e da Cavalaria (ala direita) – Barão Mollingen;
- Comandante da Cavalaria (ala esquerda) – Tenente-General D. Francisco Velasco e o Comissário Geral Pedro Pardo;
- Comandante da Artilharia e da Infantaria – General D. Dionísio Gusmão;
O Combate
Matias de Albuquerque, ao saber que o Marquês de Torrecusa tinha juntado o seu exército em Lóbon, esperou dois dias em Montijo, local que pensava ser o mais indicado para o combate. Mas, como o exército espanhol não apareceu e ele tinha consciência que os seus efetivos eram escassos para conquistar Badajoz ou atacar o exército espanhol, recebeu ordem para retirar, para Portugal, em 25 de maio.
Na manhã do dia 26, o seu exército inicia a marcha em direção a Campo Maior, com um dispositivo de marcha que rapidamente assumisse o dispositivo de combate. Assim, na vanguarda da coluna iam dois batalhões de infantaria e os carros com as bagagens, estes guarnecidos com 400 mosqueteiros. As restantes forças marchavam em duas linhas, com a Infantaria no meio da Cavalaria. Entre a Infantaria da linha da esquerda marchavam as seis peças de Artilharia, que ocupam os espaços vazios. À retaguarda do dispositivo, iam dois batalhões de Infantaria.
Dispositivo de Marcha do Exército Português. Fonte: Autores, 2007.
O Barão de Mollingen, quando chegou a Lóbon, onde estava o seu exército, deu ordem para iniciar a marcha e passou o Rio Guadiana, para Norte, ao encontro o exército português. A cerca de 5km de Montijo, as tropas portuguesas avistaram o exército espanhol. Alguns oficiais portugueses aconselharam o General Matias de Albuquerque que considerasse a inferioridade de potencial e levasse o exército para um bosque, a Norte de Montijo. Não dando importância ao conselho dos seus oficiais, continuou a marchar sem alterar o ritmo, nem mudar de dispositivo.
Quando Matias de Albuquerque percebeu que não podia evitar a batalha, devido à proximidade do exército espanhol, mandou alto às suas tropas e que se virassem para o exército inimigo. Com uma pequena reorganização do dispositivo de marcha, que tinha sido organizado para rapidamente assumir a ordem de combate, o General português ficou pronto para o combate. O dispositivo era composto por três linhas em profundidade, onde a infantaria estava ao centro, a cavalaria nas alas, a artilharia disposta à frente da infantaria da 1.ª linha e os mosqueteiros preenchiam os intervalos entre a cavalaria dessa linha.
Assim, a 1.ª linha tinha 5 batalhões de Infantaria, 6 de Cavalaria e toda Artilharia. A 2.ª linha, com 4 batalhões de Infantaria e 4 de Cavalaria. A 3.ª linha tinha 2 batalhões de Infantaria. Os carros com as bagagens encontravam-se entre a 2.ª e a 3.ª linha, escoltados pelos mosqueteiros. O exército espanhol tinha uma ordem de batalha idêntica, a única diferença era que os carros com as bagagens se encontravam à retaguarda do dispositivo e não inserido nele.
Matias de Albuquerque enquanto aguardava o ataque do inimigo, incentivou a sua tropa dizendo o seguinte:
“Privilégio antigo é da Nação portuguesa não depender de incentivos para as ações grandes. Porém, é necessário, valorosos soldados, que vos lembreis da justiça com que coroastes o Príncipe a que obedecemos, e da tirania com que fomos tratados o tempo que nos dominaram estes mesmos inimigos, que agora temos presentes. Pela primeira razão acharemos propício ao Deus dos Exércitos que, além de assistir sempre à parte justificada, empenhou no Campo de Ourique a sua palavra na vossa defesa e duração deste Império. A segunda vos obriga a que, valorosos, vos satisfaçais dos agravos 60 anos padecidos. E como a alma, e a honra igualmente são nos portugueses os dois poios da vida, considerada a injúria e presente a causa dela, nem se pode escusar a batalha, nem duvidar da vitória.
Esta é a mesma Nação que nossos antepassados sempre venceram, e estes são os mesmos castelhanos de que nos anos próximos em todas as fronteiras temos triunfado. Vêm eles a pelejar em uma só linha (temeridade nunca ouvida) e a causa é porque não puderam ajuntar mais que a gente que vedes. Peço-vos que resistais o primeiro impulso, e seguro-vos que tereis vencida a batalha, porque não ficam ao inimigo reservas donde se torne a formar a confusão deste primeiro impulso. Deve lembrar-vos que, com igual exército ao que temos no campo de Montijo, venceu o glorioso rei D. João I no campo de Aljubarrota a el-rei D. João I de Castela, que trazia trinta mil homens. Reparai ultimamente em que o Marquês de Torrecusa fica em Badajoz, não tendo causa que o impossibilite para se achar na batalha, mais que o temor de perdê-la. E se o general do exército inimigo vos confessa na imaginação a vantagem, como podereis vós deixar de conseguir na realidade a vitória?
No sucesso de hoje consiste a conservação de nossas vidas, a liberdade da nossa Pátria e a opinião da nossa Monarquia. Bem conheço do vosso valor, que antes aceitareis morte infalível que vida afrontosa. E não vos peço que observeis as minhas acções, porque fio tanto do alentado espírito que a todos vos anima, que espero achar em cada braço vosso um conselheiro para o mundo e para comigo.
E tempo de acreditardes esta opinião. A pelejar, valorosos portugueses, que o inimigo vem chegando! a pelejar, que é o mesmo que manda-vos a vencer!"[6].
O comandante das forças espanholas, Barão Mollingen, falou às suas tropas enquanto estas marchavam para atacar os portugueses, dizendo:
“O antigo estilo, animosos soldados, de persuadir o valor com razões eloquentes em semelhantes conflitos, perde hoje totalmente o exercício, assim porque sendo nos castelhanos vida o pelejar e o vencer costume, como por serem os contrários, que se nos oferecem, pequeno triunfo apara os nossos braços. Com onze batalhões de cavalaria, como divisamos, trazendo nós trinta e quatro, e com igual número de infantaria, se resolvem os portugueses a esperar a batalha na campanha rasa. E tem tão pouca notícia da arte militar que, tendo carros para cobrir os flancos e a retaguarda, nos deixam para investir desembaraçado o corno esquerdo. Esta desatenção que observo me obriga a levar em uma só linha todo o exército porque com esta estendida e dilatada frente havemos de conseguir investir com tanto poder e tão furiosamente ambos os dois lados do exército dos portugueses, que sem dúvida, ou fugirão as suas tropas antes de avançarmos, ou, se aguardarem, serão desbaratadas, e ficará depois a infantaria fácil emprego dos nossos golpes.
Nesta confiança vos dou desde logo graças do feliz princípio com que me hospedais nesta província, benefício que espero remunerar-vos sendo com Sua Majestade Católica verdadeiro mediador dos vossos interesses depois de restaurado Portugal, infalível consequência da vitória que brevemente conseguiremos. Segui-me todos, antes que os portugueses, arrependidos de aguardar a batalha, nos façam, voltando as costas, menos gloriosa a vitória.".[7]
A batalha teve início cerca das nove da manhã do dia 26, com a Artilharia dos dois lados a fazerem fogo, provocando baixas em cerca de cinquenta por cento na artilharia e algumas nos batalhões de Infantaria da primeira linha do dispositivo.
Fogos de Artilharia. Fonte: Autores, 2007
Logo de seguida, o exército espanhol inicia o ataque com os quatro batalhões de Infantaria e a Cavalaria da ala direita, comandada pelo Barão Mollingen, que carregou sobre a Cavalaria da ala esquerda portuguesa, comandada pelo Comissário-Geral Gaspar Pinto Pestana e Capitão Piper. Este ataque da Cavalaria é desorganizado e retardado pelos fogos dos mosqueteiros portugueses, que se encontram nesta ala. Mas, a Cavalaria espanhola continua a sua carga, pondo a Cavalaria e os mosqueteiros portugueses em fuga para um bosque a Norte de Montijo, sendo perseguidos por alguns batalhões de Cavalaria, enquanto os restantes se preparavam para atacar de flanco a 1.ª e a 2.ª linha do dispositivo português. Em simultâneo com a carga de Cavalaria, a Infantaria espanhola avançou sobre a Artilharia portuguesa, da qual se apoderou e entrou em combate corpo a corpo com a Infantaria da 1.ª linha do dispositivo português.

O Ataque de Flanco da Cavalaria Espanhola. Fonte: Autores, 2007.
O General Dionísio Gusmão, que comandava a Artilharia e a Infantaria, ao ver a debandada da Cavalaria, mandou avançar o batalhão de Infantaria de Aguero, da 2.ª linha, para apoiar o ataque da Cavalaria.
Face à debandada da Cavalaria da ala esquerda e ao ataque dos espanhóis pelo flanco e frontalmente, as tropas portuguesas desorganizaram-se e alguns fugiram, sem disparar um tiro, para o bosque a Norte de Montijo. A Cavalaria espanhola, reforçada com o batalhão Aguero, penetrou até ao centro do dispositivo de Matias de albuquerque.
O Tenente-General D. Francisco Velasco, comandante da Cavalaria da ala esquerda espanhola, apoiado pelo Batalhão de Infantaria de Monroy, percebendo o sucesso do Barão de Mollingen, atacaram o flanco direito do dispositivo adversário. A Cavalaria portuguesa deste flanco, comandada pelo Tenente-General de Cavalaria D. Rodrigo de Castro, ao atentarem a desorganização e evasão da Infantaria do centro e a Cavalaria do flanco esquerdo em retirada, consideraram a batalha perdida. Retiraram para o bosque, onde as outras tropas tinham recolhido.
Com a maior parte da Cavalaria portuguesa em fuga e a ser perseguida pela Cavalaria oponente, as peças de Artilharia em posse dos espanhóis e a Infantaria, da 1ª e 2ª linha, toda desorganizada e em retirada, os espanhóis consideraram que tinham alcançado a vitória. Perante este facto, começaram a saquear a carriagem portuguesa, algumas das bagagens que estavam espalhadas pelo campo de batalha e a despir os mortos e os feridos, desorganizando-se.
O Contra-Ataque dos Portugueses. Fonte: Autores, 2007.
O capitão Lamorlaye, oficial francês e capitão da guarda do General Matias de Albuquerque, ao ver o general a combater a pé junto do seu cavalo abatido, desmontou e deu-lhe a sua montada. Matias de Albuquerque juntou-se, então, ao General da Artilharia D. João da Costa, aos mestres de campo Luís da Silva, João de Saldanha, Francisco de Melo, Martins Ferreira e ao Tenente mestre de campo General Diogo Gomes de Figueiredo, que tinham combatido arduamente contra as tropas espanholas. Reuniram a tropa restante em 2 batalhões.
Com este contingente, acrescido da sua reserva de 2 batalhões de Infantaria, que não tinha sido atacada nem retirado, e cerca de 40 cavalos que o Capitão Lamorlaye tinha juntado, lançou um ataque contra os espanhóis que estavam espalhados no campo de batalha, a saquear as bagagens e a despir os mortos. As peças de artilharia portuguesas foram logo tomadas e o General João da Costa voltou-as contra os espanhóis fazendo fogo, impedindo-os de se reunir.
Os espanhóis, que não tinham reservas e forma surpreendidos pelo ataque daqueles que consideravam fora de combate, ofereceram pouca resistência e puseram-se em fuga para a margem direita do Rio Guadiana.
Assim, ao fim de seis horas de combate, o General Matias de Albuquerque converteu uma desastrosa derrota em uma assinalável e gloriosa vitória, com elevadas perdas para as tropas espanholas que, empurrados para o Rio Guadiana, aí morreram afogados. O Barão de Molligen, a custo, consegui reunir três batalhões de Infantaria e nove companhias de Cavalaria em Lóbon.
Pelas três da tarde, Matias de Albuquerque mandou tocar a recolher, organizou o seu dispositivo, ordenou que os feridos se acomodassem nos carros das bagagens e ali ficou formado até ao anoitecer, para que não ficassem dúvidas da sua vitória. Já de noite cerrada, mandou o seu mestre de campo João de Saldanha, com o seu batalhão à frente, para segurar a porto de Xévora. O exército português iniciou a sua marcha em direção a Campo Maior e chegou a Xévora na noite do dia seguinte, onde o General Matias de Albuquerque se encontrou com João de Saldanha e a cavalaria que tinha retirado do campo de batalha. Após algumas horas de descanso, marchou para Campo Maior, de onde enviou a boa nova da vitória ao rei D. João IV.
O monarca mandou celebrá-la com grandes festas, espalhar a notícia pelas outras nações, humilhando Filipe IV, e recompensou o General Matias de Albuquerque com o título de Conde de Alegrete.
Resultados
Nesta batalha, estima-se que o exército português perdeu cerca de 900 militares, enquanto o exército espanhol tenha sofrido perdas acima dos 3.000 militares, entre mortos e prisioneiros.
Fontes espanholas apresentam dados ligeiramente diferentes dos apresentados em documentos portugueses. Essa fonte indica que o exército português teve perdas de cerca de 4.000 militares e o exército espanhol cerca de 1.000 militares, entre mortos e prisioneiros.
5. CONCLUSÕES
Como escreveu o Conde da Ericeira no relato sobre a batalha:
“… poucas vezes se tem visto ficar vencedor o exército que no princípio da batalha foi tão desbaratado e é certo que nem os nossos soldados souberam dar-lhe princípio, nem os castelhanos acabá-la …"[8].
Esta batalha foi a primeira vitória relevante dos portugueses sobre os espanhóis, depois da aclamação de dezembro de 1640. Considerando as circunstâncias em que ocorreu, merece ser lembrada e celebrada como uma das mais insignes batalhas que tinha ocorrido até à época.
Desta batalha podemos deduzir consequências a dois níveis. No plano interno, serviu de fator motivador para os portugueses continuarem as suas ações contra os espanhóis, porque tinham derrotado o exército da grande potência europeia dentro das suas próprias fronteiras. Ao nível internacional, porque com esta derrota a política externa da corte espanhola ficou mais enfraquecida.
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NOTAS
[1]Segundo Joel Serrão, a 1.ª fase da Guerra da Restauração compreende o período desde 1640-1646.
[2] SERRÃO, Joel (Dir) – Dicionário de História de Portugal. Lisboa: Iniciativas Editoriais, Vol. III, 1971.
[3] ERICEIRA, Conde da, História de Portugal Restaurado, Edição anotada e prefaciada por Álvaro da Silva Dória, Porto, Livraria Civilização, II volume, 1945-46.
[4] Conde da Ericeira, ob. cit.
[5] Idem.
[6] Conde da Ericeira, ob. Cit.
[7] Idem.
[8] Conde da Ericeira, ob. cit.
Manuel Cavaco
Coronel do Exército Português, é Comandante do Regimento de Infantaria N.º 19, sediado em Chaves. Nasceu em Lisboa, a 28 de agosto de 1967. Habilitado com o curso de Infantaria da Academia Militar e de Estado-Maior do Instituto de Estudos Superiores Militares. Foi Assessor Militar na Direção-Geral de Política Externa do Ministério dos Negócios Estrangeiros e cumpriu uma comissão de serviço no estrangeiro como Military Assistant to SACEUREP no Quartel-General da NATO em Bruxelas.
Lourenço Azevedo
Coronel do Exército Português, nasceu em V. N. de Famalicão, a 16 de setembro de 1970. Habilitado com o curso de Cavalaria da Academia Militar e de Estado-Maior Conjunto do Instituto de Estudos Superiores Militares, Mestrado em Estudos da Paz e da Guerra nas Novas Relações Internacionais pela Universidade Autónoma de Lisboa. Foi Adjunto de S.Exa. o General Chefe do Estado-Maior do Exército e cumpriu quatro comissão de serviço no estrangeiro, Bósnia-Herzegovina, Timor-Leste, Kosovo e no Joint Force Command Naples em Itália.
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CAVACO, Manuel, AZEVEDO, Lourenço – A Batalha do Montijo 1644. Revista Portuguesa de História Militar – Dossier: Restauração Portuguesa (1640-1668). [Em linha] Ano V, nº 8 (2025); https://doi.org/10.56092/REHA9662 [Consultado em ...].