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A MISSÃO MILITAR DE OBSERVAÇÃO À ALEMANHA E FRENTE LESTE DE 1942 E OS SEUS REFLEXOS FALERÍSTICOS

 


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 Humberto Nuno d​e Oliveira​​​


Resumo

Não obstante a política oficial de neutralidade de Portugal, relativa à Segunda Guerra Mundial, como é sabido vários acontecimentos ao longo dos anos nos colocaram consideravelmente próximo dos eventos da mesma.

O presente artigo aborda as consequências falerísticas resultantes da Missão militar portuguesa de observação à Alemanha e Frente Leste de 1942, a única com uma baixa mortal, na perspectiva dos oficiais portugueses envolvidos bem como dos oficiais alemães que acompanharam a mesma.

Palavras-chave: Missão militar portuguesa de observação à Alemanha e Frente Leste de 1942 / Falerística / Álvaro Teles Ferreira de Passos​

Abstract

Despite Portugal's official policy of neutrality, concerning the Second World War, as it is known several issues over the years brought us close to the events of that war.

This article addresses the phaleristic consequences resulting from the Portuguese military observer mission to Germany and the Eastern Front in 1942, the only one with a fatal casualty, from the perspective of the Portuguese officers involved as well as the German officers who accompanied it.

Keywords: Portuguese military observer mission to Germany and the Eastern Front in 1942 /Phaleristics / Álvaro Teles Ferreira de Passos

 


Como sabemos Portugal adotou uma posição neutral, nem sempre simples de conduzir, perante a Segunda Guerra Mundial, logrando manter-se à margem do conflito entre as potências do Eixo e os Aliados. Logo no início da guerra, a 1 de Setembro de 1939, o governo português, liderado pelo Professor Doutor António de Oliveira Salazar, declarou-se oficialmente neutro, esclarecendo a respectiva nota oficiosa:

“Apesar dos incansáveis esforços de eminentes chefes de governo e da intervenção directa dos chefes de muitas nações, eis que a paz não pôde ser mantida e a Europa mergulhada, de novo em dolorosa catástrofe. Embora se trate de teatro de guerra longínquo, o facto de irem defrontar-se na luta algumas das maiores nações do nosso continente – nações amigas e uma delas aliada - é suficiente para o grande relevo do acontecimento e para que dele se esperem as mais graves consequências: Não só se lhe não pode ficar estranho pelo sentir, como há-de ser impossível evitar as mais duras repercussões na vida de todos os povos. Felizmente, os deveres da nossa aliança com a Inglaterra que não queremos eximir-nos a confirmar em momento tão grave, não nos obrigam a abandonar nesta emergência a situação de neutralidade. O Governo considerará como o mais alto serviço ou a maior graça da Providência poder manter a paz para o povo português, e espera que nem os interesses do país, nem a sua dignidade, nem as suas obrigações lhe imponham comprometê-la"[1].


Embora Portugal tenha mantido a sua neutralidade ao longo de todo o conflito, e não obstante algumas situações que poderiam ter conduzido ao nosso envolvimento, a realidade é que o país marcadamente anglófilo, por razões históricas, se dividia (naturalmente com pesos muito diferentes) entre a filiação num ou noutro dos contendores, posição que, aliás, igualmente se plasmava no seio do Governo onde sempre se verificou a existência dos “partidos" Anglófilo e Germanófilo. Na realidade, não obstante a oficial neutralidade, Portugal logrou ser um Estado que colaborou pontualmente com os dois blocos beligerantes. Além de que “a natureza política dessa neutralidade não se manteve inalterada. Pelo contrário, evoluiu com a própria evolução do jogo de interesses das grandes potências e das estratégias militares da guerra"[2].

Para esta nossa complexa e, seguramente, imaginativa neutralidade António Telo (2000) definiu três períodos distintos: um primeiro correspondendo à fase de supremacia do Eixo (1939 – Dez. 1941); um segundo que correspondeu à fase de equilíbrio de forças (Dez. 1941 – meados de 1943); e o último respeitante ao período de supremacia aliada (meados de 1943 – 1945). Embora, como antes muito bem observara Júlia Barros, “todo o período que se inicia com o estalar da guerra, em 3 de Setembro de 1939, e até à queda da França, em Junho de 1940, é marcado em Portugal por um denominador comum: a distância da guerra"[3].

A história da missão militar de observação à Alemanha e Frente Leste de 12 de Agosto a 10 de Outubro de 1942 insere-se, assim, de acordo com os períodos referidos, no momento do equilíbrio de forças.

A missão em apreço, designada pelo Subsecretário de Estado da Guerra, Fernando Santos Costa, em 11 de Agosto, “para irem ao estrangeiro em missão de serviço relacionada com o plano de rearmamento"[4], é bastamente conhecida, desde logo pelo detalhado e volumoso relatório publicado logo no ano seguinte à mesma pelo seu comandante, o então Coronel tirocinado do Corpo de Estado Maior Álvaro Teles Ferreira de Passos. E, ainda, pelo facto de ter sido a única em que se observou uma baixa fatal. Mais recentemente, um artigo do colega Duarte Branquinho (2006), que, lamentavelmente, passou despercebido, revisitou a referida missão, oferecendo alguns contributos originais e observações que permitiram corrigir algumas incorrecções produzidas em bibliografia entretanto publicada sobre o período da 2.ª Guerra Mundial e a sua ligação ao nosso país.

Foi este artigo que, não obstante não ser esse o objecto daquele estudo, dedicou algumas referências às condecorações resultantes daquela missão, grafando o autor, “Provavelmente todos os oficiais da missão foram agraciados pelo governo alemão com a Cruz da Ordem de Mérito da Águia Alemã"[5], indicando a publicação da mesma em Ordem do Exército para cinco deles.

Sabendo-se que para além dos cinco indicados, começando desde logo​ pelo comandante daquela missão, o Coronel E.M. Ferreira de Passos, outros cinco foram condecorados, como aliás Branquinho suspeitara, importava estudar melhor as implicações falerísticas desta missão. 

A constituição da missão, num total de 12 militares, relembramos, era a seguinte: chefe, o já referido Coronel tirocinado do Corpo de Estado Maior Álvaro Teles Ferreira de Passos, que era então o director do Curso do Estado Maior no Instituto de Altos Estudos Militares; os oficiais que haviam terminado o Curso do Estado Maior, de Engenharia (5) os Capitães Afonso Magalhães de Almeida Fernandes, Carlos Miguel Lopes da Silva Freire, José Ferreira dos Reis, Manuel Alcobia Veloso e Mariano Augusto Lopes Pires, de Artilharia (3) os Tenentes Afonso Lopes Franco, Alfredo José Ferraz Vieira Pinto de Oliveira e João António da Silva; integravam-na, ainda, os oficiais de Engenharia Major Frederico Mário de Magalhães Menezes Vilas Boas Vilar, Capitão Fernando Augusto Soares da Piedade e o Tenente Alexandre Nobre dos Santos. 

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Imagem 1 - A Missão em Voronej (Rússia), em primeiro plano o chefe da Missão, Coronel Álvaro de Passos.

Destes, o Tenente Afonso Lopes Franco, regressou a Portugal por motivos de saúde a 22 de Agosto e o Capitão Mariano Augusto Lopes Pires, faleceu em Berlim no dia 16 de Setembro, na sequência dos ferimentos no acidente ocorrido na Frente Leste no dia 8[6].​

O processo de condecoração dos oficiais portugueses

A proposta de condecoração dos oficiais portugueses surge numa “Nota Verbal", de 26 de Outubro de 1943 (Nº 5828/43) da Legação Alemã, em Lisboa, indicando a relação dos dez oficiais a condecorar e “rogando ao Ministério dos Negócios Estrangeiros se digne solicitar o acôrdo do Govêrno Português para estas condecorações e agradece antecipadamente as estimadas diligências"[7].

A Secretaria Geral do MNE oficia o Gabinete do Ministro da Guerra (Proc. 74,3 Nº. 33), a 4 de Novembro, transmitindo a “lista de oficiais que o Govêrno alemão deseja condecorar, rogando-lhe o favor de informar o que êsse Ministério tenha a observar sôbre estas condecorações e respectivos graus"3.

A informação para o Ministro da Guerra, esclarece terem sido os militares que “foram á Alemanha em Agôsto de 1942, tendo ali visitado várias escolas, alguns serviços e sectores da frente Oriental", chamando a atenção, todavia, para o “facto dos graus indicados pelo Governo Alemão serem inferiores, segundo o uso normal, aos postos de todos os oficiais à excepção de tenentes". Ainda assim o Chefe de Gabinete do Ministro da Guerra, Tenente-coronel Aníbal de Faro Vianna, por ofício de 10 de Dezembro de 1943, indica que o “Sub-Secretário de Estado da Guerra (...) nada tem a observar aos desejos do Governo Alemão de condecorar os oficiais constantes da lista que acompanhou o mesmo ofício e agradece essa gentileza". Finalmente, o Protocolo do Ministério dos Negócios Estrangeiros, por ofício de 22 de Dezembro, “apresenta os seus atenciosos cumprimentos à Legação Alemã e (...) tem a honra de comunicar que o Govêrno Português nada tem a opor à concessão da Ordem de Mérito da Águia Alemã aos oficiais portugueses"3.

A 22 de Dezembro de 1943, a Secretaria Geral do MNE informa a Legação da Alemanha “que o Govêrno Português nada tem a opor à concessão da Ordem do Mérito da Águia Alemã aos oficiais portugueses a que se refere a mesma Nota"3.

Como referido neste último ofício, a ordem escolhida para agraciar os oficiais portugueses foi, naturalmente, a Ordem de Mérito da Águia Alemã (Verdienstorden vom Deutschen Adler). Predominantemente uma ordem criada para servir objectivos diplomáticos (embora pudesse ser igualmente concedida a nacionais do Reich) em 1 de Maio de 1937, e que era concedida por méritos militares ou civis, com ou sem espadas.

No período compreendido entre 1937 e 1943, esta ordem possuía seis classes: Grã-cruz com estrela, com estrela, 1.ª classe, 2.ª classe, 3.ª classe e Medalha[8].

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Imagem 2 - Os três graus da Ordem de Mérito da Águia Alemã atribuídos aos militares portugueses (colecção particular).

 Os propostos para serem condecorados com a Ordem de Mérito da Águia Alemã, com Espadas, eram, nos respectivos graus (indica-se entre parenteses a autorização de utilização em Ordem do Exército):

Coronel CEM Álvaro Teles Ferreira de Passos (OE n.º 5, 2.ª série, 12 de Maio de 1945, p. 295) – 1.ª classe (equivalente a Comendador);

Major Engª. Frederico Maria de Magalhães Meneses Vilas Boas Vilar Cavalheiros (Declaração 2 da OE n.º 8, 2.ª série, 25 de Julho de 1944, p. 519) – 2.ª classe (equivalente a Oficial);

Com a 3.ª classe (equivalente a Cavaleiro):

Capitão Engª. Fernando Augusto Soares da Piedade; 

Capitão CEM Manuel Alcobia Veloso (Declaração 2 da OE n.º 7, 2.ª série 30 de Junho de 1944, p. 467);

Capitão CEM Carlos Miguel Lopes da Silva Freire (Declaração 3 da OE n.º 8, 2.ª série, 25 de Julho de 1944, p. 520);

Capitão CEM Afonso Magalhães de Almeida Fernandes (Declaração 1 da OE n.º 2, 2.ª série, de 31 de Março de 1954, p. 204);

Capitão CEM José Ferreira dos Reis (Declaração 3 da OE n.º 8, 2.ª série, 25 de Julho de 1944, p. 520);

Tenente CEM Alfredo José Ferraz Vieira Pinto de Oliveira (Declaração 2 da OE n.º 11, 2.ª série 15 de Setembro de 1944, p. 643);

Tenente Artª. João António da Silva;

Tenente Engª. Alexandre Nobre dos Santos.

A cerimónia de condecoração dos dez militares portugueses ocorreu na Legação Alemã, então situada num magnífico imóvel da Rua do Pau de Bandeira, no dia 18 de Janeiro de 1944.

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Imagem 3 - Cerimónia de homenagem e condecoração dos Militares Portugueses na Legação Alemã. Identificáveis, a patir do Coronel CEM Álvaro Teles Ferreira de Passos (assinalado), (um condecorado em segundo plano), Gudrun Baronesa von Hoyningen-Huene (esposa do ministro da Alemanha), o adido do Exército, Coronel von Esebeck (em segundo plano), Major de Engenharia Frederico Maria de Magalhães Meneses Villas-Boas Vilar, o ministro da Alemanha Barão von Hoyningen-Huene, o adido da Forca Aérea General Kellembeck, adido Weber (em segundo plano), (desconhecido), (um dos condecorados), o adido da Marinha de Guerra capitão Heinichen (em terceiro plano), Tenente Alexandre Nobre dos Santos (em segundo plano), (dois dos condecorados), Capitão Fernando Augusto Soares da Piedade (ponta esquerda) (Arquivo Reinhard Schwartz).

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Imagem 4 - Da esquerda para a direita, cerimónia de condecoração do Major Villas-Boas Vilar, Capitão Soares da Piedade e Tenente Nobre dos Santos (Arquivo Reinhard Schwartz).


Averbamento e uso

Verifica-se, de imediato, um longo período de averbamentos, desde Junho de 1944 a Março de 1954[9], e que três dos oficiais não pediram autorização para aceitar e usar a condecoração, não sendo a mesma, consequentemente, publicada em Ordem do Exército, casos do Capitão Engª. Fernando Augusto Soares da Piedade, do Tenente Artª. João António da Silva e o Tenente Engª. Alexandre Nobre dos Santos. 

Seria importante tentar perceber o porquê de tal procedimento tratando-se, então, de uma prestigiada condecoração militar estrangeira, condecorações sempre tão desejadas pelos membros das Forças Armadas. Embora ainda não possamos apresentar conclusões definitivas sobre o assunto, pensamos nesta fase, encontrar uma plausível explicação para o caso do Capitão Engª. Fernando Augusto Soares da Piedade[10]. Sabemos que este oficial, no ano de 1945 esteve envolvido nas actividades que levariam à constituição do Movimento de Unidade Democrática (MUD), organização que pretendia concorrer às eleições em Novembro de 1945.

Numa informação do Chefe de Gabinete do Ministro (Major L. do Sacramento Monteiro) para o Ajudante General, de 6 de Maio de 1946, afirma-se que Novembro de 1945, enquanto professor no Instituto Militar dos Pupilos do Exército (IMPE) assinou documento “em que se afirmam em oposição aos poderes legalmente constituídos e sendo certo que no momento de agitação política verificada no Paiz a propósito das recentes eleições de Deputados á Assembleia Nacional o Ministerio tomou bem patente e publicamente uma posição que não admite dúvidas quanto à inconveniência de intromissão na política por parte dos oficiais do Exército"[11], sendo por esse facto retirado do IMPE.

Envolve-se, pouco depois, no Movimento de 10 de Abril de 1947[12], “O seu posto de combate, no momento da acção seria a Escola Prática de Engenharia que deveriam [junto com o Major Henrique de Santa Clara da Cunha] revoltar contra os poderes legalmente constituídos" (...) “São estes dois oficiais reincidentes em procedimentos desta natureza e que deram já lugar ao seu afastamento do exercício de funções docentes no Instituto dos Pupilos do Exército. A benevolência usada no julgamento da sua primeira incorrecção de proceder em assuntos de natureza política, não foi compreendida. À benevolência vieram depois corresponder com a reincidência"7, determinando o Ministro da Guerra que seja punido disciplinarmente com a pena de reforma. Por se ter recusado a prestar declarações à PIDE sobre a sua participação no movimento, aquela polícia sugere mesmo, por ofício de 4 de Setembro de 1947, a sua detenção7.

Trata-se, assim, de um oficial claramente conotado com a oposição ao regime, para quem a utilização de uma condecoração do derrotado regime Nacional Socialista, seria não uma qualquer honra mas uma afronta política. Pensamos, assim, ser esta a razão do não pedido de averbamento.

Mas esta questão, como é evidente, dependeu de opções pessoais, com uma larga maioria a averbá-la e usá-la, com orgulho, quer ainda durante a guerra, quer depois dela. Dois exemplos destas situações. Durante a guerra, registamos o ofício do Adido Militar do Exército, Coronel von Esebeck ao Capitão do CEM Manuel Alcobia Veloso, de 21 de Março de 1944, “Satisfazendo o desejo que V. Exa. tinha em obter um pouco da fita correspondente á condecoração da Cruz de Mérito da Ordem da Águia Alemã de 3ª classe, com espadas, tenho muito gosto em remeter incluso um bocado da mesma juntamente com uma peça das espadas a colocar sobre a fita ao peito"[13].

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Imagem 5 - Ofício da Legação Alemã de 21 de Março de 1944 (Arquivo João Pedro Teixeira).​

Para o período posterior à guerra o tardio averbamento por parte do Capitão CEM Afonso Magalhães de Almeida Fernandes, já em 1954, ou, ainda, a escolha do então General Álvaro de Passos quando da pintura do seu retrato pelo famoso pintor Eduardo Malta, em 1951, optou por se fazer retratar com aquela condecoração.

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Imagem 6 - General Álvaro Teles Ferreira de Passos, galeria dos Comandantes da Academia Militar (Academia Militar).



A proposta de condecoração dos oficiais alemães

A proposta de condecoração dos oficiais alemães, que de mais perto haviam convivido com a missão militar portuguesa, surge pela mão do chefe da mesma pouco depois da chegada da mesma a Portugal. Logo a 15 de Dezembro de 1942, o Coronel Álvaro de Passos, subscreve a proposta, “tendo em consideração os serviços prestados pelos oficiais alemães abaixo designados junto da missão militar durante, não só no período de visitas, mas também durante o de tratamento dos oficiais portugueses feridos"[14]:

– Grande Oficial da Ordem de Avis, o Coronel Hans Jay, “colocado pelo comando do II Exército Alemão às ordens do Chefe da missão e que comandou o comboio especial organizado para a visita à Frente Leste tendo tido à sua responsabilidade a segurança e os deslocamentos da missão e a sua vida material durante essa visita, tendo sido muito útil o facto de falar fluentemente o francês"10;

– Comendador da Ordem de Avis (“ou com o de Grande Oficial caso tenha sido promovido a coronel como constou"), o Tenente-Coronel Friedrich Herberg, “colocado às ordens do Chefe da missão pelo Estado Maior do Exército e a acompanhou na sua viagem à Frente Leste, tendo-se encarregado do conforto e vida da mesma até ao ingresso na área do II Exército e tendo sido optimo elemento de ligação durante êsse período e posteriormente dado o facto de falar perfeitamente o espanhol"10;

– Elevado para o grau de Comendador da Ordem de Avis (por já ter sido proposta a concessão do grau de Cavaleiro), o Major Franz von Brentano “que acompanhou , ainda como capitão, a Missão do Estado Maior de visita à Alemanha em 1941, e que substituiu, no seu impedimento, durante o acompanhamento do corpo do falecido capitão Lopes Pires a Portugal, o major von Arnim já agraciado [30 de Agosto de 1942] com o grau de Comendador por êste serviço e pelo oficial de ligação da missão com o Estado Maior do Exército"10.

– Cavaleiro da Ordem de Cristo, o Sonderführer[15] Kurt Dircks, “professor dos interpretes do português no batalhão de interpretes, que prestou relevantes serviços junto da Missão fazendo a tradução de numerosas conferências e documentos, conhecendo perfeitamente a nossa língua, história e tecnologia militar, tendoo vivido no nosso país durante 13 anos. Foi, além disso, pessoa que se consagrou com interesse e carinho da vida da Missão e das pequenas necessidades dos seus componentes que acompanhou desde o primeiro ao último momento da sua estadia na Alemanha e na Frente Oriental"10.

Em documento, infelizmente, sem data o Adido Militar do Exército, Coronel von Esebeck informa o Chefe do Protocolo do Ministério da Guerra, Coronel de Engª. Augusto Esmeraldo de Carvalhais que “por uma nota acabada de receber de Berlim nenhum inconveniente existe da parte alemã"10 quanto ao desejo de condecorar os militares supra mencionados.

Por que razão os mesmos não foram entretanto condecorados não o conseguimos apurar e um ano após (18 de Dezembro de 1943) a proposta inicial, o Coronel Álvaro de Passos novamente propõe a condecoração daqueles militares, ao Chefe de Repartição do Gabinete do Ministro da Guerra, “Tendo sido agora propostos os oficiais componentes da missão para serem agraciados pelo Governo Alemão com determinadas condecorações julgo ser oportuno renovar a proposta que fiz ao regressar a Portugal em Outubro de 1942".

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Imagem 7 - Relação da Legação Alemã, com a listagem dos oficiais portugueses a serem condecorados, de notar o lapso na indicação dos postos de alguns deles (Arquivo do Autor).

Porventura fruto do conhecimento da lista de condecorações propostas pela Alemanha a nova proposta surge com alterações e dois nomes acrescentados. A elevação de grau de Friedrich Herberg, entretando promovido a Coronel, e acrescentando o nome do Tenente von Bergen, “pertencente ao II Exército Alemão, o qual tendo anteriormente servido nas tropas paraquedistas foi especialmente encarregado da escolta defensiva do comboio em que viajou e viveu a Missão, tendo-a acompanhado, durante a estadia desta na frente Oriental" e o do Sonderführer Picornelly, “Falando correctamente o francês foi adstricto à Missão pelo Comando do II Exército como fotógrafo. Já distinguido pelos serviços prestados como fotógrafo nas linhas de infantaria, foi o autor do grande número de fotografias que documentam os trabalhos da missão"10.

Esta proposta segue, embora sem o Sonderführer Picornelly (sem que tivéssemos conseguido perceber o porquê de tal facto), para o Secretário das Ordens Portuguesas a 1 de Fevereiro de 1944, assinada pelo Chefe de Gabinete (interino) do Ministro da Guerra, o Tenente-Coronel Júlio Botelho Moniz.

O telegrama 97 de 31 de Março de 1944, do MNE para a nossa Legação em Berlim solicita “pedir êsse Govêno Agrément Ordem Aviz Coronel Hans Jay Grande Oficial Friedrich Herberg Grande Oficial Major Franz von Brentano Comendador e Tenente von Bergen Cavaleiro"3. Como vimos, não podemos deixar de estranhar tal procedimento, porquanto, à excepção de von Bergen, tal “agrément" já fora previamente concedido.

Parecia andar célere o processo porquanto, por ofício de 5 de Abril de 1944 dirigido pela Secretaria-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros ao Chefe de Gabinete do Ministro da Guerra, se informa e solicita uma nova inclusão. “Tendo sido pedido o agrément do Govêrno Alemão para várias condecorações da Ordem de Aviz proposta por S. Exª. O Ministro da Guerra, o Ministro de Portugal em Berlim sugeriu que seja incluído nesse número o General [Friedrich] Olbricht, que foi o principal organisador da recepção da Missão Militar Portuguêsa[16] e que continua ocupando cargo da maior importancia no Ministério da Guerra do Reich"10. De igual modo por telegrama nº 127, expedido para a Legação em Berlim nº 127 em 1 de Maio de 1944 o Ministro dos Negócios Estrangeiros informa, “Referência 74 foi feita proposta condecoração General Olbricht"[17], embora não tenhamos encontrado ofício com tal proposta.

Os processos avançam na Chancelaria das Ordens e, a 29 de Março de 1944, o Conselho das Ordens aprova as seguintes propostas do Ministro da Guerra, com os louvores baseados na proposta inicial do Chefe da Missão, Coronel Álvaro de Passos, enviando-as para o Chefe de Protocolo do Ministério dos Negócios Estrangeiros para os fins convenientes:

 “grau de Grande Oficial [da Ordem Militar de Avis] a Hans Jay, coronel do Estado Maior do Exército Alemão com o fundamento de “Prestou úteis e importantes serviços às Missões de estudo de Serviço de Estado Maior e de Engenharia enviadas á Alemanha"[18];

– “grau de Grande Oficial [da Ordem Militar de Avis] a Friedrich Herberg, coronel do Estado Maior do Exército Alemão com o fundamento de “Prestou úteis e importantes serviços às Missões de estudo de Serviço do Estado Maior e de Engenharia enviadas á Alemanha, como oficial posto pelo Ministério da Guerra Alemão adido ao Chefe das referidas Missões (28 de Agosto a 1 de Outubro de 1942)"[19];

– “grau de Comendador [da Ordem Militar de Avis] a Franz von Brentano, major do Exército Alemão com o fundamento de “Pelos serviços prestados ás Missões de estudo do Serviço de Estado Maior e de Engenharia enviadas á Alemanha em 1941 e 1942"[20];

– “grau de Cavaleiro [da Ordem Militar de Avis] a von Bergen, tenente do Exército Alemão com o fundamento de “Pertencendo ao II Exército Alemão e tendo anteriormente servido nas tropas paraquedistas foi especialmente encarregado da escolta defensiva do combóio em que viajou e viveu a Missão Militar Portuguesa á Alemanha e Frente Oriental, tendo-a acompanhado durante a sua estadia na frente Oriental" [21];

Todos os formulários terminam com a solicitação, “tenho a honra de solicitar a V. Exa. que se digne informar esta Chancelaria, para efeitos de publicação do decreto, se o respectivo Govêrno concede o seu «agrément»"14.

E, ainda, por ofício de 17 de Março de 1944, “grau de Oficial [da Ordem Militar de Cristo] a Kurt Dircks, oficial equiparado do Exército Alemão com o fundamento de Professor dos interpretes de Português no Grupo dos Interpretes do Exército Alemão, nomeado pelo Estado Maior, acompanhou permanentemente a Missão Militar Portuguesa à Alemanha e Frente Oriental como seu interprete, como tradutor perfeito das conferências escutadas, etc"[22], terminando com a mesma solicitação.

A solicitação do necessário «agrément» junto do governo alemão é reforçada pelo telegrama nº 88, para a nossa Legação em Berlim em 21 de Março de 1944.

Esta fase do processo decorre num momento em que, em Berlim, a normalidade era constantemente quebrada por bombardeamentos e subsequentes incêndios (vejam-se os tetemunhos do nosso Ministro em Berlim, Pedro Tovar de Lemos ou do Visconde do Porto da Cruz). Podemos, assim, questionar se terá este processo sido devidamente acompanhado ou, como seria normal, outras seriam as prioridades?

É nossa convicção, ainda, que os acontecimentos ocorridos na Prússia Oriental em 20 de Julho de 1944, o atentado contra o Fürher, na denominada “Toca do Lobo" o quartel general de Hitler em Wolfsschanze, organizado por um grupo de oficiais da Wehrmacht, liderados pelo Coronel Claus von Stauffenberg, terão sido determinantes para o desfecho deste processo.

Como sabemos, tal atentado era o aspecto essencial e mais visível de um golpe de Estado (Operação Valquíria). Ora um dos mentores desse golpe, e indigitado como Ministro da Guerra no caso do seu sucesso, era justamente o General Friedrich Olbricht.

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Imagem 8 - O General Friedrich Olbricht (Bundesarchiv Bild 146-1981-072-61).​

Não é de estranhar, assim, que no âmbito da correspondência relativa a este processo o telegrama expedido de Berlim por Almeida Pile, a 31 de Julho de 1944, refira, “Conforme já é do conhecimento de V. Exª. foi oficialmente anunciado fuzilamento General Olbricht"[23].

Embora não encontremos participação dos demais oficiais propostos neste acontecimento (aliás uma fotografia de Jay em campo de prisioneiros, mostra-o já após o final da guerra), seguramente que uma lista encabeçada por Olbricht poderá ter determinado o arquivo liminar desta iniciativa, sendo os demais “contagiados" pelo nome daquele General.

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Imagem 9 - O Coronel Hans Jay, prisioneiro de guerra em Outubro de 1945, entrevistado por dois repórteres (Montreal Holocaust Museum-2011X.136.10).

Na realidade, após esta data, nada mais se encontra nas entidades envolvidas neste processo sobre o mesmo, sendo claro que o mesmo se extinguiu por não terem sido enviados à Presidência os documentos solicitados. 

Numa conjuntura complexa, alguns oficiais, que como vimos até obtiveram o necessário “agrément" foram prejudicados pelo momento e conjuntura da guerra, não tendo recebido as condecorações portuguesas para que haviam sido propostos.

 

Fontes

Arquivo Histórico Diplomático 

Armário 29, 3º Piso 6 Processo nº. 65 de 1944

Armário 29, 3º Piso 6 Processo nº. 66 de 1944

Telegramas Recebidos e Expedidos Legação Berlim, Maços 72 e 250

Arquivo Histórico-Militar

FO 006 L14 Cx755

FO/033/1/481/3177 Soares da Piedade​


Bibliografia e referências

BARROS, Júlia Teresa Pinto de Sousa Leitão de – O Fenómeno de Opinião em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial. Dissertação de Mestrado UNL/FCSH, 1993.

BRANCO, Alfredo de Freitas (Visconde do Porto da Cruz) – Como vi o fim da guerra da Alemanha. Lisboa: Editorial do Povo, 1946.

BRANQUINHO, Duarte –- Uma missão militar portuguesa à Alemanha durante a II Guerra Mundial. Lusíada História (série II). Lisboa: ISSN O873-1330. N.º. 3, 2006.

CARDOSO, Débora – Imagem e Propaganda em Portugal durante a Segunda Guerra. A “neutralidade colaborante" e a propaganda em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial. Coimbra: Revista de História da Sociedade e da Cultura, ISSN 1645-2259. Nº. 17, 2017.

MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS (org.) – Dez anos de política externa (1936-1947). A nação portuguesa e a segunda guerra mundial. Vol II. Lisboa: MNE/Imprensa Nacional, 1962.

PASSOS, Álvaro Teles Ferreira de – Relatório da Missão Militar à Alemanha e Frente Oriental de 12 de Agosto a 10 de Outubro de 1942. Lisboa: Instituto de Altos Estudos Militares, 1943.

SCHWARTZ, Reinhard – Os Alemães em Portugal 1939-1945. A colónia alemã através das suas instituições. Porto: Antília, 2006.

TEIXEIRA, Nuno Severiano (coord.) – História Militar de Portugal. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2017.

TELO, António José – Propaganda e Guerra secreta em Portugal: 1939-45. Lisboa: Perspectivas & Realidades, 1990.

TELO, António José – A neutralidade portuguesa na Segunda Guerra Mundial https://www.janusonline.pt/arquivo/1999_2000/1999_2000_1_36.html


Um agradecimento aos amigos João Pedro Teixeira, Paulo Jorge Estrela e Reinhard Schwartz, pelo apoio sempre presente e pela cedência de materiais.



NOTAS

[1] MNE, Dez anos de política externa (1936-1947). A nação portuguesa e a segunda guerra mundial, Vol. II, p. 539.

[2] Nuno Severiano Teixeira (coord), História Militar de Portugal, p. 491

[3] Júlia Barros, O Fenómeno de Opinião em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial, p. 70.

[4] Ordem do Exército n.º. 10, 2ª. série de 20 de Agosto de 1942, p. 476.

[5] Duarte Branquinho, Uma missão militar portuguesa à Alemanha durante a II Guerra Mundial, p. 222.

[6] Ficaram feridos nove oficiais portugueses, tendo para além do falecido merecido internamento hospitalar o Chefe da missão e os Capitães Afonso Magalhães de Almeida Fernandes e Carlos Miguel Lopes da Silva Freire. 

[7] AHD Arm. 29, 3.º Piso 6 Processo n.º. 66 de 1944.

[8] Em 27 de Dezembro de 1943 a ordem foi reorganizada em nove graus.

[9] Período francamente posterior à conclusão da guerra e do III Reich em 1945. Facto que hoje podemos estranhar, mas que não foi inédito. Recordemos que o próprio Santos Costa, condecorado com a Ordem de Mérito da Águia Alemã com Estrela em 1942, só pediu autorização para a sua utilização e averbamento em 1949.

[10] O Processo do Brigadeiro Alexandre Nobre dos Santos (AGE Caixa 3/HIST, Pº 03/95, só é consultável após 2035), os processos do Coronel João António da Silva (neste posto em 1956, reserva em 1959 e que faleceu em 12 de Abril de 1983 - Nmec 50382511) e do Coronel Fernando Augusto Soares da Piedade (neste posto e reserva em 20 de Junho de 1961, desligado do serviço a aguardar pela reforma em 14 de Dezembro de 1972 e falecido em 1 de Novembro de 1976), já consultáveis não nos foram disponibilizados pelo Arquivo Geral do Exército em tempo útil.

[11] AHM/FO/033/1/481/3177 Soares da Piedade.

[12] A Abrilada da Junta de Libertação Nacional, movimento revoltoso militar português, de oposição ao regime (a segunda tentativa de um golpe militar para derrubar Salazar após a II Guerra Mundial, após o Golpe da Mealhada, de 10 de Outubro de 1946), encabeçado pelo vice-almirante José Mendes Cabeçadas.

[13] Arquivo de João Pedro Teixeira.

[14] AHM FO 006 L14 Cx755

[15] Literalmente "líder especial com poder de comando militar" (abreviadamente Sdf ou Sf). O recrutamento dos Sonderführer para o serviço militar, permitia garantir a competência dos peritos e especialistas civis para fins militares, preenchendo determinadas funções (desde major a oficial subalterno), garantindo, assim, uma grande variedade de funções de serviço, por exemplo: línguas estrangeiras, trabalho de propaganda, serviço médico, serviço veterinário etc. Normalmente, não recebiam instrução militar e recebiam o soldo correspondente ao cargo que ocupavam, mas apenas em virtude da sua nomeação temporária. 

[16] Telegrama 74, de 3 de Abril de 1944, do nosso Ministro em Berlim, Pedro Tovar de Lemos, conde de Tovar, nesse sentido (AHD Arm 29, 3º Piso 6 Processo nº. 66 de 1944).

[17] AHD Telegramas Recebidos e Expedidos Legação Berlim, Maço 72.

[18] AHD Armário 29, 3º Piso 6 Processo nº. 66 de 1944, ofício da Chancelaria das Ordens Portuguesas n.º 89; Proc. 566-E.

[19] AHD Armário 29, 3º Piso 6 Processo nº. 66 de 1944, ofício da Chancelaria das Ordens Portuguesas n.º 90; Proc. 567-E.

[20] AHD Armário 29, 3º Piso 6 Processo nº. 66 de 1944, ofício da Chancelaria das Ordens Portuguesas n.º 91; Proc. 568-E.

[21] AHD Armário 29, 3º Piso 6 Processo nº. 66 de 1944, ofício da Chancelaria das Ordens Portuguesas n.º 92; Proc. 569-E.

[22] AHD Armário 29, 3.º Piso 6 Processo nº. 65 de 1944, Ofício da Chancelaria das Ordens Portuguesas n.º 79; Proc. 1311E.

[23] AHD Telegramas Recebidos e Expedidos Legação Berlim, Maço 250.​


Humbert Nuno de Oliveira

Historiador (doutor em História), co-Director da Revista Portuguesa de História Militar. Membro do Conselho Científico da Comissão Portuguesa de História Militar e da Direcção de História e Cultura Militar. Presidente da Academia Falerística de Portugal. Professor da Universidade Pedagógica Nacional-Dragomanov (Quieve). Cumpriu, como Miliciano, o Serviço Militar Obrigatório no Exército Português.​


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Como citar este texto:

OLIVEIRA, Humberto Nuno de – A Missão Militar de Observação à Alemanha e Frente Leste de 1942 e os Seus Reflexos Falerísticos​. Revista Portuguesa de História Militar - Dossier: Portugal no Contexto da Segunda Guerra Mundial, 1939-1945. [Em linha] Ano III, nº 4 (2023).​ [Consultado em ...], https://doi.or​g/10.56092/UZFM7089​


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