AS TROPAS METROPOLITANAS PORTUGUESAS E O PROCESSO DE INDEPENDÊNCIA DO BRASIL (1821-1823)

Edgley Pereira de Paula
Resumo
A independência do Brasil foi um processo político-militar singular no rol da história dos jovens Estados Nacionais que surgiram após a ruptura que se deu perante as potências europeias na primeira metade do século XIX. Para além da continuidade monárquica e a permanência da ligação sanguínea com o reino português, possivelmente o maior legado desse período foi a centralização do poder político que se deu em torno da corte do Rio de Janeiro, sem o esfacelamento do Brasil em vários países, tal qual a América Colonial Espanhola. Assim, compreender essa época é perceber as raízes de como se deu esse processo original que desencadeou numa espécie de continuísmo que, entretanto, foi marcado por vários momentos de tensões e de combates entre as forças brasileiras e portuguesas.
Palavras-chave: Guerra; Independência; Brasil.
Abstract
The independence of Brazil was a singular political-military process in the historical roster of young nations that would be born after their rupture towards the european powers in the first half of the XIX century.Much more than just the maintenance of monarchy and the continuance of the portuguese bloodline, possibly the main legacy of this period was centralizing the political power around Rio de Janeiro's court, without letting Brazil collapse in different countries, like the colonial hispanic America. Therefore, comprehending this time is to understand the roots of such original process, that resulted in some sort of continuity, though it was marked by many moments of tension and combats between brazilian's and portuguese's forces.
Keywords: War; Independence; Brazil.
Introdução
Há 200 anos o príncipe herdeiro do império português se deslocava da cidade do Rio de Janeiro em direção à província de São Paulo a fim de debelar movimentos políticos contrários à monarquia instalada no Brasil. No caminho, acampou com suas tropas num pequeno povoado às margens de um riacho para dar água e descanso aos homens, aos cavalos e às mulas de carga. Nessa ocasião surgiu um emissário da capital trazendo-lhe alguns documentos e cartas em regime de urgência. Entre a papelada, novas ordens vindas das Cortes de Lisboa e mais três importantes correspondências.
De fato, o 7 de setembro de 1822 é uma data muito importante para a nação brasileira, no sentido que nesse momento, ficou caracterizado para a História do Brasil o denominado “Grito do Ipiranga". Esse é o episódio histórico em que o príncipe Dom Pedro, numa circunstância singular, conclamou “Independência ou morte!" e que delimitou um caminho sem volta num processo que se iniciou quando as Cortes Portuguesas, entre outras medidas, exigiram o retorno de toda a Família Real à Portugal, em fins de 1821, e que só terminou em 2 de julho de 1823, quando as derradeiras tropas portuguesas sitiadas na cidade de Salvador, na província da Bahia, se retiraram para a antiga metrópole.
Foi um período marcado por uma série de negociações políticas e diplomáticas, além de vários combates terrestres e navais entre as forças opositoras. A resistência lusitana se deu amparada basicamente numa poderosa composição de tropas voluntárias metropolitanas que, desde a vinda da Corte Portuguesa para o Brasil (1808), eram o esteio de um exército profissional que intervinha pontualmente em crises internas e externas de acordo com os interesses de Portugal.

Figura 1: “Revista das Tropas Destinadas a Montevidéu na Praia Grande" – Embarque da Divisão de Voluntários Reais D'El-Rei, na Ponta de Areia, Praia Grande, Rio de Janeiro, em 7 de junho de 1817. (Gravura de Jean Batiste Debret, Museu Imperial de Petrópolis).
Uma das primeiras dessas tropas constituídas no reino para uma missão específica na colônia foi a denominada Divisão de Voluntários Reais, corpo do exército português criado em 1815 e enviado ao Brasil com a missão de pacificar a região do Rio da Prata. Contando com duas brigadas e mais dois batalhões de infantaria cada uma, um de cavalaria, um de artilharia e mais dois batalhões de caçadores, desembarcaram no Rio de Janeiro, em 30 de março de 1816, seguindo depois para a região platina.
Entre os oficiais e fidalgos que fizeram carreira neste exército estavam Carlos Frederico Lécor, Francisco Homem de Magalhães Pizarro, Francisco de Paula Massena Rosado, Jorge de Avilez Zuzarte de Sousa Tavares e Manuel Jorge Rodrigues, todos veteranos da Guerra Peninsular contra as forças napoleônicas. Essa tropa foi a grande responsável militarmente pela incorporação da chamada Banda Oriental (atual Uruguai) como uma nova província do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, com a denominação de Província Cisplatina. Em verdade, inicialmente, este grupamento foi chamado de Divisão de Voluntários Reais do Príncipe, em honra ao príncipe-regente, mas em consequência da morte da rainha Dona Maria I e a aclamação de Dom João VI como novo rei português em 1816, passou a se chamar Divisão de Voluntários Reais d'El-Rei.

Figura 2: Ficha Catálogo de Insígnia de Soldado Português integrante do 1º Batalhão de Caçadores da Divisão dos Voluntários Reais do Príncipe, do Museu Português, Colônia do Sacramento, Uruguai.
Uma outra força, convocada para intervir originalmente numa revolta no Nordeste, na província de Pernambuco, denominada Divisão Auxiliadora, foi dada ao comando do general Jorge de Avilez Zuzarte, o mesmo que integrava a Divisão dos Voluntários Reais do Príncipe e que, chegando ao Brasil, foi designado Governador das Armas da Corte. Após debelada a crise no Recife, todo esse contingente militar se transferiu para o Rio de Janeiro e passou a ser o suporte militar do Partido Português na capital brasileira.
1. Intrigas políticas
Por certo, a Revolução Liberal do Porto, de 1820, desencadeou todo o processo de independência brasileiro ao mostrar-se possuir um caráter recolonizador quando o assunto era o tratamento para com as colônias, em especial para com o Brasil que então possuía a condição de Reino Unido à Portugal e Algarves. Havia um “sentimento no ar", os brasileiros, incentivados pelo ideal de emancipação dominante nas antigas colônias americanas, procuravam desfazer-se da incômoda tutela imposta pelas Cortes Metropolitanas.
Nesse contexto formou-se três grupos distintos que se digladiaram pelo protagonismo histórico deste processo. O primeiro grupo, formado basicamente por portugueses que apoiavam incondicionalmente às orientações vindas de Portugal que extinguia o absolutismo dos reis portugueses e os colocavam sob às ordens da Nova Constituição Portuguesa. O segundo grupo, formado por brasileiros e portugueses que apoiavam a Revolução do Porto, pois, acreditavam que, por seu caráter liberal, a condição de Reino Unido que o Brasil havia alcançado, haveria de permanecer ou mesmo se aprofundar. Entendiam, ainda, que daí poderia surgir um verdadeiro império ultramarino com deputados brasileiros compondo, inclusive, as Cortes Constitucionais em Lisboa. E o terceiro grupo, bastante heterogêneo em suas ideias, formado em sua grande maioria por brasileiros que viam nesse período uma oportunidade de ruptura, muitos apostando no sistema monárquico tendo o jovem príncipe português como o novo imperador, outros, mais radicais, falavam inclusive em República, caso o príncipe não tivesse a força, lealdade e energia necessárias que esse grave momento exigia.
Nessas circunstâncias, grande parte das províncias declararam-se obedientes às Cortes de Portugal, furtando-se à autoridade do regente instalada no Rio de Janeiro. Embora Dom Pedro procurasse contemporizar, fazendo concessões, ora a um grupo, ora a outro, crescia, cada vez mais, a animosidade entre lusitanos e brasileiros. Contínuos incidentes recrudesciam a inquietação dos espíritos e as divergências de ideias. Em Pernambuco, por exemplo, na noite de 21 de julho de 1821, o governador português Luís do Rego sofreu um atentado quando foi alvejado por um tiro de bacamarte por um desconhecido. O governante renunciou, retirando-se para Portugal.
Em Montevideo, então província Cisplatina, parte integrante anexada ao reino, houve um levante das tropas, dividiu-se dois grupos, um a favor de Dom Pedro, outro, leal ao poder metropolitano. Ao Norte, no Ceará, Maranhão e principalmente na Bahia, contestava-se a autoridade regencial, preferindo prestar obediência diretamente à Lisboa.
Enquanto essa incômoda situação desenrolava-se no Brasil, em Portugal cresciam os ressentimentos contra a antiga e mais valiosa colônia, concretizando-se em constantes providências restritivas aos direitos e aos chamados “privilégios brasileiros". Vários deputados do reino brasileiro, representantes nas Cortes, como Diogo Feijó, Araújo Lima, Campos Vergueiro, entre outros, foram obrigados a partir para Londres, devido a tantas pressões que foram obrigados a passar nesse período de tentativa de recolonização do Brasil. Toda essa crise peculiar gerava um ambiente de inquietação intolerável, traduzindo para o príncipe regente o dilema da opção, entre brasileiros e portugueses.
No Rio de Janeiro, epicentro de todo esse processo, a situação era ainda mais complicada. A poderosa Divisão Auxiliadora, sediada na Corte arrogava-se a “guardiã constitucional", representante legítima das Cortes Portuguesas e tutora do regente. Jorge Avilez estava disposto a intervir nos acontecimentos e não se conformava com a atitude de Dom Pedro que, cada vez mais, era influenciado pelos irmãos Andrada (José Bonifácio, Martim Francisco e Antônio Carlos), pendendo para o lado dos brasileiros. As intervenções e ponderações do general português tornaram-se mais audaciosas e impertinentes perante a autoridade regencial, colocando o príncipe em constantes constrangimentos.
Vislumbrava-se a marcha para a emancipação definitiva, os partidos radicalizavam-se, a uns, só satisfazia a completa independência do Brasil, a outros, a total submissão às Cortes de Lisboa.
2. A Divisão Auxiliadora e as manobras militares na corte do Rio de Janeiro
A real autoridade política do príncipe regente limitava-se, praticamente, ao Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, pois na maior parte das províncias, predominava a ideia de obediência à Portugal, tão grande eram as contrariedades de Dom Pedro, que chegou a solicitar ao pai o retorno para Portugal.
Em fins de 1821, finalmente, divulgaram-se todas as bases da Constituição Portuguesa decretada pelas Cortes. Não havia mais dúvida sobre as intenções da recolonização. Dom Pedro foi obrigado a jurar fidelidade ao divulgado. O príncipe aceitou todas as exigências, desiludido com a falta de apoio da tropa portuguesa.
A política lisboeta decretava numerosas leis e normas visando o estabelecimento de novas bases jurídicas na relação Portugal e Brasil. A exaltação dos espíritos culminou quando chegaram os decretos de números 124 e 125, suprimindo os tribunais do Rio de Janeiro e ordenando o regresso imediato do príncipe “para viajar na Europa e aprimorar a sua educação na França, Inglaterra e Espanha".
Numerosas moções de apoio de partidos, câmaras e governos provinciais foram subscritas, solicitando a permanência do príncipe no Brasil. No dia 9 de janeiro de 1822, marcado para a audiência da entrega da petição dos fluminenses, moradores da Corte, recebeu Dom Pedro representações de várias partes do país. José Clemente Pereira, presidente do Senado e influente político, pronunciou um discurso histórico onde afirmava que “a partida de Sua Alteza Real seria o decreto que teria de sancionar a independência do Brasil". Sabedor de novas adesões vindas de São Paulo e Minas Gerais, o príncipe regente resolveu permanecer no Brasil, passando para a história a seguinte fala: “- Como é para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico".[1]
A decisão do “Dia do Fico" representou um desafio às Cortes. Os oficiais da Divisão Auxiliadora indignaram-se com a posição do príncipe, igualmente contrariados ficaram os partidários à recolonização. Seguiu-se grandes festejos na Corte do Rio de Janeiro, dois dias depois, entretanto, começaram a surgir indícios de anormalidade nos quartéis.
Em meio a essas disputas, aconteceu um incidente que seria o estopim da ruptura, Dom Pedro mandou buscar, como de costume, alguns canhões necessários para um treinamento militar, materiais bélicos guardados nos paióis do quartel da divisão. Tencionava o regente além de treinar a artilharia de milícias, mostrar o seu poder perante à tropa, contudo, o general Avilez negou-se a fornecer as peças, invocando a nova Constituição Portuguesa na autoridade da recusa. Para incitar os ânimos, o próprio general fez constar sua demissão pelo príncipe, no dia 11 de janeiro de 1822. Com seu Alto Comando, visitou os quartéis, provocando manifestações de apoio e solidariedade dos soldados portugueses que a partir daí, deram a percorrer as praças e as ruas da cidade, quebrando vidraças e provocando os brasileiros, chegando a agredir os que reagiam.
No entanto, o 3.º Batalhão de Caçadores, aquartelado em São Cristóvão, manteve-se leal à Dom Pedro. Generais fiéis ao príncipe como Joaquim Xavier Curado e Oliveira Álvares reuniram nos quartéis do Campo de Santana os regimentos de linha e os corpos de milícias brasileiros, às ordens direta da Regência. Mandaram convocar voluntários da província do interior do Rio de Janeiro e escreveram aos governos de São Paulo e Minas Gerais, solicitando reforços. Na cidade do Rio de Janeiro foi criado o Exército do Príncipe, mais de seis mil voluntários fizeram-se soldados e pegaram em armas. Uma guerra fraticida estava à vista.
Nas ruas, o povo acorria ao Campo de Santana, entusiasmado com o movimento das tropas. O comandante da Divisão Auxiliadora foi ao Paço Imperial mostrar oficialmente sua contrariedade ao regente. Dom Pedro habilmente declarou-lhe que, pela demissão do cargo de comandante das armas, já não lhe caberia importar-se com essas questões militares. Avilez, tomado de grande despeito, dirigiu-se para o quartel do Largo do Moura onde, com oficiais de sua confiança, formulou audacioso plano de sequestrar o regente. Tencionava surpreender e aprisionar Dom Pedro e a princesa Leopoldina e os dois filhos, levá-los para a Fortaleza de São João e de lá embarcá-los na fragata União, que estaria pronta para partir a Lisboa. A ação deveria ser rápida, e não daria tempo para reação das forças brasileiras.
Uma série de acontecimentos frustrou o planejamento do sequestro. Na noite de 12 de janeiro de 1822, ao sair do teatro, alarma geral na cidade, grupos de soldados portugueses provocavam desordens públicas. De súbito, comunicaram ao príncipe que uma força portuguesa se deslocava para cercar o teatro com ordens para prendê-lo. Protegido por patriotas partiu, imediatamente, para São Cristóvão e mandou a família para a distante fazenda de Santa Cruz. Passou à ofensiva tática na manhã seguinte, mandando prender os conspiradores.
Esse episódio marcou profundamente o jovem príncipe herdeiro do trono português. Na desconfortável viagem que Dona Leopoldina teve que fazer levando nos braços o filho mais velho do casal, o primogênito João Carlos, de apenas nove meses, já adoecido, veio a piorar, o principezinho acabou por falecer no dia 4 de fevereiro de 1822, depois de horas seguidas de convulsões e vômitos. Ao dar a notícia ao seu amigo José Bonifácio de Andrada, escreveu o imperador: “Chorando escrevo esta a dizer-lhes que venham amanhã, as horas de costume, porque eu lá não posso ir, visto o meu querido filho estar exalando o último suspiro e assim não durará uma hora. Nunca estive – e Deus permita que não tenha outra – ocasião igual a esta como foi a dar-lhe o último beijo e deitar-lhe a última benção paterna. Calcule o amor que tem à sua família e ao meu filho, qual será a dor que transpassa o coração" [2]
Em outra missiva, agora ao pai, Dom João VI, Pedro responsabilizou as tropas portuguesas pela morte do herdeiro e prometeu vingança: “A Divisão Auxiliadora (...) foi a que assassinou o meu filho, o neto de Vossa Majestade. Em consequência, é contra ela que levanto a minha voz."[3]
Entretanto, Avilez não desistiu. Reuniu suas forças e tomou posição no Morro do Castelo, ponto central na cidade que propiciava o bombardeamento tanto do Paço Imperial quanto da região do Campo de Santana, onde se concentravam as tropas leais ao regente que se constituíam de vários regimentos de milicianos e de batalhões de patriotas voluntários.
O velho general Xavier Curado leu uma proclamação de Dom Pedro, concitando a todos os brasileiros a pegarem em armas contra “a insubordinada e anarquizada divisão portuguesa", oferecendo-se, ele próprio, para tomar à frente nos combates.
De fato, por volta das 8 da manhã, o príncipe apareceu no acampamento militar das tropas brasileiras, sendo recebido com grande entusiasmo. As duas forças antagônicas estavam prontas para o combate. Dom Pedro preferiu intimar o comandante da Divisão Auxiliadora a retornar aos seus quartéis e preparar-se para embarcar para Lisboa. Respondeu Avilez que sentia muito não poder obedecer-lhe por ser a sua ordem contrária às decisões das Cortes.
No entanto, no decorrer do dia mudou de opinião, comprometeu-se a retirar-se para o outro lado da baía de Guanabara, contando que Dom Pedro se responsabilizasse, perante às Cortes, pela retirada das tropas, regularmente pagas, pondo seus soldos em dia.
Ao final do dia, as forças portuguesas atravessaram a baía, aquartelando-se na antiga praia da Armação, em Niterói. Procurava ganhar tempo, pois contava com a chegada de reforços vindos de Portugal a fim de restabelecer o domínio da situação. Tentou ainda apoderar-se da Fortaleza de Santa Cruz, que resistiu e manteve-se leal ao regente.
Correu ainda a notícia que o general Avilez pretendia internar-se com seus soldados pelo interior do país, reunindo-se ao general Ignácio Madeira de Melo que controlava a Bahia. Rapidamente as tropas brasileiras ocuparam o Campo do Barreto, cortando a comunicação com o interior e simultaneamente, bloqueou, por mar, o acampamento da Armação.
Entretanto, em 15 de fevereiro de 1822, a Divisão Auxiliadora embarcava finalmente para Portugal. Um dos seus batalhões aportou na Bahia, e lá ficou, reforçando as tropas do general português Madeira de Melo, que resistiu, ainda, por mais um ano. Esse batalhão participou, inclusive, da decisiva Batalha de Pirajá, no Recôncavo Baiano, que deu a vitória definitiva às forças patriotas brasileira, propiciando a entrada triunfal dessas forças na cidade de Salvador, em 3 de julho de 1823, data que até hoje em dia é considerada, na Bahia, como a “verdadeira" independência do Brasil.

Figura 2: “Príncipe Regente Dom Pedro e Jorge de Avilez a borda da Fragata União" (óleo sobre tela, de Oscar Pereira da Silva, acervo Museu Paulista). O quadro retrata o momento da expulsão da Divisão Auxiliadora do Brasil.
3. A Independência de José Bonifácio de Andrada e Silva
Não por coincidência, no mesmo dia da capitulação das forças da Divisão Auxiliadora, foi nomeado no governo de Dom Pedro, como Ministro do Reino e Estrangeiros, José Bonifácio de Andrada e Silva, quem verdadeiramente, estava orientando o príncipe nos singulares acontecimentos. Bonifácio, desde logo, procurou trabalhar naquilo que ele considerava a mais sensível questão no momento: a unidade do país, esfacelada pela atitude das juntas provinciais que não se decidiam pelas ordens de Lisboa ou do Rio de Janeiro.
Nesse sentido, conseguiu o decreto, que ficou conhecido como o “cumpra-se", que definia que nenhuma lei portuguesa teria valor no Brasil sem o aval do príncipe regente. Ainda, nesse sentido, incentivou a ida de Dom Pedro a Minas Gerais, a fim de aquietar aquela província tão radicalizada pelas desordens provocadas por outra força política: o partido republicano brasileiro. Bonifácio de Andrada entendia que a presença do príncipe era necessária em vários lugares no vasto império a fim de se criar uma áurea de força, paz e legitimidade.
É nesse contexto que, no dia 28 de agosto de 1822, a nau Três Corações ancorou no porto da Corte carioca trazendo as últimas novidades da metrópole. Eram documentos, ordens, mandatos, decretos em que as Cortes Constituintes de Lisboa destituíam de Dom Pedro o papel de príncipe regente e o reduziam à condição de um mero delegado subordinado à autoridade metropolitana. Logo, as suas decisões tomadas, até então, depois da partida de Dom João VI para Portugal, estavam anuladas, e mais, as demais províncias passariam a se reportarem diretamente à Lisboa e os ministros da colônia seriam nomeados somente a partir de Portugal.
As Cortes também determinavam a abertura imediata de processo contra todos os brasileiros que houvessem contrariado as ordens do governo português. O alvo estava claro: o ministro José Bonifácio de Andrada e Silva.
Considerações finais
Foram esse conjunto de ordens que chegaram às mãos de Dom Pedro quando em viagem para a província de São Paulo, se encontrava na região do riacho Ipiranga. Eram documentos e bilhetes manuscritos de opiniões de seus principais aliados, entre eles, do próprio Bonifácio e da Dona Leopoldina, sua esposa.
Sobre a mesa, duas possibilidades, claras e inconciliáveis: A primeira seria partir imediatamente para Portugal e lá ficar subjugado às vontades das Cortes. A segunda, era ficar e proclamar a independência do Brasil. Relatava José Bonifácio: “Senhor, o dado está lançado e de Portugal não temos a esperar senão escravidão e horrores. Venha Vossa Alteza Real o quanto antes, e decida-se, porque irresolução e medidas de água morna para nada servem, e um perdido é uma desgraça."[4]
Outra correspondência também compunha essa relação, do cônsul britânico, importante peça nesse xadrez político. Sir Henry Chamberlain mostrava como a Inglaterra analisava a situação em Portugal. Segundo ele, já se falava em Lisboa em afastar Dom Pedro da condição de príncipe herdeiro, como punição pelos seus atos de rebeldia contra as Cortes Constituintes. E um bilhete curto de Dona Leopoldina, sua esposa: “Senhor, o pomo está maduro, colhe-o já!" E foi assim que em 7 de setembro de 1822 Dom Pedro dirigiu-se aos presentes no rústico acampamento e conclamou-os: Amigos, as Cortes Portuguesas querem escravizar-nos e perseguir-nos. A partir de hoje as nossas relações estão quebradas. Nenhum vínculo unir-nos mais [...] Pelo o meu sangue, minha honra, meu Deus, eu juro dar ao Brasil a liberdade. Brasileiros, que nossa palavra de ordem seja a partir de hoje 'Independência ou morte"!'[5]
Nas províncias do Norte que, à primeira vista, ficaram a favor das Cortes Portuguesas, com o conhecimento real do papel que almejavam para o Brasil, aos poucos, foi-se conseguindo adesões à figura de Dom Pedro. Em 21 de outubro de 1822, do seu palácio no Rio de Janeiro, uma grave proclamação é feita pelo novo rei brasileiro aos portugueses sobre a independência do Brasil e sua elevação à condição de Imperador Constitucional. Propõe aos portugueses que aceitem a autonomia do Brasil, e mantenham os laços de amizade e sangue, caso contrário o reconhecimento da independência dar-se-ia a partir de uma “guerra mais violenta": “PORTUGUESES: Toda a força é insuficiente contra a vontade de um povo, que não quer viver escravo: a História do mundo confirma esta verdade, confirmam-na ainda os rápidos acontecimentos, que tiveram lugar neste vasto Império embaído a princípio pelas lisonjeiras promessas do Congresso de Lisboa, convencido logo depois da falsidade delas, traído em seus direitos mais sagrados, em seus interesses os mais claros; não lhe apresentando o futuro outra perspectiva, senão a da colonização, e a do despotismo legal, mil vezes mais tirânico, que as arbitrariedades de um só déspota (...). O senhor d. João Sexto, meu augusto pai, foi obrigado a descer da alta dignidade de monarca constitucional pelo duro cativeiro, em que vive, e a figurar de mero publicador dos delírios e vontade desregrada, ou de seus ministros corruptos, ou dos facciosos do Congresso, cujos nomes sobreviveram aos seus crimes para execração da posteridade; e Eu, Herdeiro do Trono, fui escarnecido, e vociferado por aqueles mesmos que deviam ensinar o povo a respeitar-me para poderem ser respeitados. Portugueses, eu ofereço o prazo de quatro meses para a vossa decisão; decidi e escolhei, ou a continuação de uma amizade fundada nos ditames da justiça e da generosidade, nos laços de sangue e em recíprocos interesses; ou a guerra mais violenta, que só poderá acabar com o reconhecimento da Independência do Brasil, ou a ruína de ambos os Estados".[6]
No entanto, na Bahia, ponto central e estratégico do novo império, o general Inácio Luís Madeira de Melo, Comandante das Armas da província, criou a maior das dificuldades enfrentadas pelo novo governo, tornando-se um dos maiores impeditivos para a consolidação do processo de independência brasileiro, um dos últimos baluartes do domínio português no Brasil que precisava ser vencido. Estabelecida a posição de Dom Pedro no Rio de Janeiro, era hora de estender sua autoridade pelas outras províncias, o próximo e decisivo passo seria a Bahia!
Mas isso é uma outra história...
Bibliografia
ARQUIVO DA ACADEMIA REAL IMPERIAL – IG3 – Fundo Ministério da Guerra e Arquivo da Escola Militar – IE3 – Fundo Ministério da Educação. Brasil: Anais da Câmara dos Deputados, Anos 1826-1833.
BACZKO, Bronislaw – “Imaginário social". In, Enciclopédia Einaudi. Anthropos-Homem, Vol. 5.°. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1985.
BEBIANO, Rui – “Os imaginários, os valores e os ideais da guerra". In Nova História Militar de Portugal, Vol. II, Coordenação de António Manuel Hespanha. Lisboa: Círculo de Leitores, 2004.
CUNHA MATTOS, Raimundo José - Memórias políticas, militares e biográficas. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, Seção de Manuscritos, s/d.
HESPANHA, António Manuel. “Disciplina e jurisdição militares." In Nova História Militar de Portugal, Vol. II, Coordenação de António Manuel Hespanha. Lisboa: Círculo de Leitores, 2004b.
LAMEGO, Luiz Lamego – D. Pedro I, herói e enfermo. São Paulo: Editora Zelio Valverde, 1939.
SANTOS, Amilcar Salgado dos – A Imperatriz D. Lepoldina: mãe do imperador D. Pedro II. São Paulo: Escolas Ed. Profissionais do Lyceu Coração de Jesus, 1ª Edição, 1927.
SOUSA, Octávio Tarquínio – A vida de D. Pedro I. Rio de Janeiro: Editora José Olympio – Coleção de Documentos Brasileiros, Vol. 2, 1ª Edição 1954.
NOTAS
[1] Discurso, que S. M o Imperador recitou na abertura da Assembleia Geral, Constituinte, e Legislativa a 3 de maio de 1823 – Falas do Trono. Desde o ano de 1823 até o ano de 1889. 1ª Edição. Brasília: Senado Federal, 2019, p. 31.
[2] Carta de D. Pedro a José Bonifácio, 3 de fevereiro de 1822 – Acervo do Museu Imperial de Petrópolis.
[3] LAMEGO, Luiz Lamego – D. Pedro I, herói e enfermo. 1ª Edição. São Paulo: Editora Zelio Valverde, 1939, p. 83.
[4] Carta de José Bonifácio de Andrada e Silva a Dom Pedro, relatando o estado geral dos negócios do país e o progresso do movimento para a Independência. Contém trecho decisivo para a Proclamação da Independência. Escrito no Rio de Janeiro e datado de 1º de setembro de 1822. Sem assinatura. Manuscrita em três folhas, com 21 x 30,5 cm cada. Acervo do Museu Paulista (ou do Ipiranga), São Paulo, Brasil.
[5] SANTOS, Amilcar Salgado dos – A Imperatriz D. Lepoldina: mãe do imperador D. Pedro II. 1ª Edição. São Paulo: Escolas Ed. Profissionais do Lyceu Coração de Jesus, 1927, p. 80.
[6] Coleção de Leis do Império (21 de outubro de 1822) – Publicação original. Vol. 1. Arquivo da Câmara dos Deputados (Brasil), p. 143.
EDGLEY PEREIRA DE PAULA
Possui Bacharelado e Licenciatura Plena em História pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Mestrado em História Política. É, ainda, Pós-graduado (Especialização “lato sensu”) em História Militar Brasileira pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e atualmente está para defender sua tese de Doutoramento em História Contemporânea na Universidade de Coimbra, em Portugal.
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