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Recrutamento e Mobilização Militar em Contexto de Guerra
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Os Números na Primeira Fase da Guerra de África (1961-1965)



 Foto M. Sousa.jpg

​Pedro Marquês de Sousa

 

 

 

Resumo

A guerra de África (1961-1974) também pode ser vista através dos “números" para se conhecerem dados sobre o recrutamento e a mobilização dos militares, as baixas, os meios empenhados e as despesas da guerra. No período entre 1961 e 1965 tivemos o início das ações da guerrilha em cada uma das frentes (Angola, Guiné e Moçambique) e temos o primeiro ano (1965) em que a guerra já decorria simultaneamente nas três frentes. Esta fase é anterior ao designado processo de “africanização da guerra", iniciado em 1966, quando a quantidade de militares incorporados no Exército na metrópole, representava cerca de 37 % do total de incorporações entre 1961 e 1973. Depois de 1965 verificou-se um aumento da quantidade de faltosos e um aumento da quantidade de desertores na metrópole e no ultramar e as baixas militares nesta primeira fase (1848 mortos) representam 18% do total de mortos na guerra, antes do período em que se verificou um aumento dos mortos em combate. Neste período até 1965, os movimentos independentistas sofreram 24% das suas baixas totais da guerra e em cada uma das frentes podemos reconhecer marcas bem relevantes sobre a tipologia dos combates e da evolução do conflito ao longo dos territórios.

A utilização de novos tipos de armas, pesadas e antiaéreas, as minas, as flagelações e as tácticas da guerrilha, são marcas distintivas de cada uma das frentes da guerra, tal como as respostas desenvolvidas pelas forças portuguesas.

Nesta primeira fase da guerra (1961-1965) também podemos reconhecer o aumento das despesas e o seu impacto no PIB bem como as medidas tomadas pelo governo para sustentar o esforço de guerra, através da criação de novos impostos, como aconteceu com o Imposto sobre as Transações (IT), criado em 1966, para suportar as despesas militares no Ultramar.

Em termos cronológicos o período até 1965 representa 36% do total da guerra, mas representa 18% das baixas militares, 24 % das baixas dos movimentos independentistas e 21% da despesa total da guerra.

Palavras-chave: Recrutamento; baixas; dispositivo; meios militares; despesas. 

 

Abstract

The African war (1961-1974) can also be analyzed through the “numbers" in order to know the data about the military recruitment and mobilization, the casualties, the resources used, and war expenses. The phase between 1961 and 1965 is prior to the called “Africanization of war" and was after 1965 that was verified an increase of the number of defaulters and in the number of deserters. In this phase, the Portuguese military dead represent 18% of the total of dead in the war and was in this period until 1965 that the independence movements suffered 24% of their total casualties from the war.

In this first phase of the war (1961-1965) it can be also recognized the increase on war expenses and their impact on the Portuguese GDP, as well as the measures taken by the Government to sustain the war effort, through the creation of new taxes, as the Tax on Transactions, created in 1966, to support military expenses overseas.

In chronological terms, the period up to 1965 represents 36% of the war total period, but represents 18% of the Portuguese military casualties, 24% of casualties from independence movements and 21% of total war expenditure.

Keywords: Recruitment; casualties; equipment; military assets; expenditure

 



Introdução

Tendo em conta o período da guerra abordado nesta edição da revista (até 1965) podemos caracterizar esta primeira fase do conflito, através da realidade dos números e outros dados, que reunimos no nosso livro “Os Números da Guerra da África" (2021)[1] do qual destacamos as seguintes considerações:

Relativamente à organização das forças portuguesas, podemos referir que até 1965 o efetivo empenhado nas três frentes era 75% oriundo da metrópole e 25% do recrutamento local, pois ainda não se tinha iniciado o designado processo de “africanização da guerra", iniciado em 1966, que fez aumentar a presença nas fileiras dos homens naturais dos territórios (Angola, Guiné e Moçambique) que no final da guerra já representavam 40 % do efetivo do exército empenhado em África.

Sobre o recrutamento na metrópole, destacamos que depois de 1965 se verificou um aumento da quantidade de homens incorporados anualmente e uma diminuição da quantidade de «não apurados» porque em 1965 deixou de ser exigida a altura mínima de 1,5 metros para o serviço militar. Até 1965 a quantidade de militares incorporados no Exército na metrópole, representou cerca de 37 % do total de incorporações entre 1961 e 1973. Nesta fase também houve alterações nos cursos de oficiais milicianos (COM), que até 1965 eram três cursos por ano e depois de 1966 passaram a ser quatro cursos por ano. É também depois de 1965 que se verifica um gradual aumento da quantidade de faltosos e um aumento da quantidade de desertores quer na metrópole quer no ultramar.[2] A quantidade de desertores registada até 1965 representa 38,5 % do total de deserções registadas durante a guerra.

Relativamente às baixas militares, nesta primeira fase (até 1965) registaram-se 1848 mortos (1682 do Exército, 120 da Força Aérea e 46 da Marinha) o que representa 18% do total de mortos na guerra. Depois de 1965 verifica-se um aumento dos mortos em combate entre os militares portugueses (na Guiné e em Moçambique) e foi em 1965 que foram estabelecidos novos critérios relativos à transladação dos mortos de África para a metrópole. Relativamente às baixas entre os guerrilheiros, no período até 1965 registaram-se 24% das suas baixas totais na guerra.

A guerra em Angola entrou numa nova fase após 1965: a guerrilha passou a contar com armamento mais pesado (metralhadoras pesadas, canhões sem recuo, RPG-2, lança granadas e morteiros) e mais minas. Em 1966 o MPLA alargou a sua atividade para o Leste e a UNITA realizou a sua primeira ação no mesmo ano. O MPLA já tinha uma delegação em Dar-es-Salam (Tanzânia) e em 1965 criou outra em Lusaca (Zâmbia), planeando a abertura de uma nova frente no Leste de Angola (Plano Iko), que visava ultrapassar a barreira imposta pela FNLA e pelo governo do Zaire, que impediam a ligação do MPLA com o distrito de Luanda e a criação do eixo «Agostinho Neto» para ligar as bases da Zâmbia ao distrito de Luanda.

Na Guiné a guerra também entrou numa nova fase em 1965: o PAIGC começou a realizar as primeiras flagelações, com grande poder de fogo, sobre posições militares portuguesas (Beli e Canjambari) e em 1966 os meios antiaéreos do PAIGC atingiram pela primeira vez diversas aeronaves portuguesas. Os guerrilheiros passaram a contar com armas antiaéreas e com novos sistemas de armas pesadas e minas antipessoal PMA-1, o LG P-27 (checoslovaco) e minas anticarro Mark 7 (do Reino Unido), no mesmo ano em que o PAIGC estabeleceu um protocolo de cooperação com o Senegal e obteve o apoio de Cuba, através da presença de militares e de equipamentos cubanos na Guiné.

Nesta fase o PAIGC abriu duas novas frentes: uma no Gabu e a outra a Sul do Boé (em 1964) e em 1965, criou a Frente Norte com o apoio do Senegal de Senghor.

Em Moçambique foi em 1965, que foram detonadas as primeiras minas, (Niassa e Cabo Delgado) a principal causa de morte dos militares portugueses, que marcou a história da guerra em Moçambique e foi no mesmo ano (1965) que a FRELIMO começou a utilizar sistemas de armas contra as aeronaves portuguesas, atacando 14 aviões (oito T-6, cinco aviões DO-27 e um Auster). Na fase considerada neste estudo a atividade da guerrilha foi apenas no Norte, nos distritos de Niassa e de Cabo Delgado e só mais tarde alargou-se também a Tete.

Ao nível dos meios e do apoio logístico, esta primeira fase da guerra revela as primeiras dificuldades do aparelho militar português. Depois de 1965 com a guerra nas três frentes, havia falta de viaturas nas unidades do Exército, e foi nesta fase que começou a ser desenvolvido um complexo processo de aquisição de novas viaturas. A Força Aérea regista também em Angola em 1965, problemas ao nível da prontidão das aeronaves, mas logo depois passou a contar com novos meios: em 1966 entraram ao serviço os aviões Fiat G-91 e os Douglas B-26 (bombardeiros) e foi também neste ano que se realizaram as primeiras operações com helicópteros AL III equipados com o sistema canhão 20 mm (helicanhão) e na Guiné a Força Aérea aumentou o seu potencial com a chegada dos helicópteros Alouette III em 1965.

No quadro dos encargos (despesas) verifica-se também que em 1965 começou uma nova fase, com o aumento do peso das despesas militares no PIB. As despesas militares passaram a representar 6 % do PIB e a necessidade de sustentar o esforço de guerra originou a criação do Imposto sobre as Transações (IT), criado em 1966, contribuindo de forma crescente (entre 40 % a 87 %) para suportar as despesas militares no Ultramar. O período entre 1961 e 1965 representa 36 % do tempo da guerra, mas ao nível das despesas representa apenas 21 % das despesas totais da guerra.

 

1. Recrutamento e Mobilização

Durante o período da guerra em África (1961-1974) foram empenhados nas três frentes cerca de 800 mil militares portugueses, dos quais cerca de 70 % eram oriundos de Portugal continental, Açores e Madeira e 30 % eram do recrutamento local (Angola, Guiné e Moçambique).

As forças militares portuguesas eram constituídas essencialmente por militares do serviço militar obrigatório e, no Exército, essa realidade era bastante mais expressiva, pois os militares do Exército representavam 92 % do total do pessoal, a Força Aérea 5 % e a Marinha 3 %. Na fase final da guerra, as Força Armadas tinham cerca de 163 mil militares destacados no Ultramar, algo que nunca tinha sucedido na história de Portugal, mantendo 70 599 homens em Angola, 35 465 na Guiné e 56 932 em Moçambique, dos quais 149 090 eram do Exército, 8801 da Força Aérea e 5105 da Marinha.

Durante a guerra, todos os anos eram incorporados no Exército 50 mil a 70 mil homens do serviço militar obrigatório. Deste contingente de cada ano, cerca de 85 % faziam a recruta como soldados (Contingente Geral), 3,5 % frequentavam o Curso de Oficiais Milicianos (COM) e 11,5 % o Curso de Sargentos Milicianos (CSM).

Registaram-se 202 mil faltosos e cerca de 20 mil refratários, o que representa um universo superior a 220 mil (duzentos e vinte mil) homens que, deliberadamente não se apresentaram para cumprirem o serviço militar durante o período da guerra (1961-1974), aos quais se juntam cerca de 9000 desertores.

Nesta primeira fase da guerra, entre 1961 e 1965, a quantidade de soldados recrutas incorporados no Exército na metrópole, representou cerca de 37 % do total de soldados incorporados entre 1961 e 1973 e a quantidade de desertores registada até 1965 representa 38,5 % do total de deserções registadas durante a guerra.

Dados sobre o recenseamento, faltosos e apurados para o Exército no Continente, Açores e Madeira

 

RecenseadosFaltosos

Apurados
196175 366872211,6 %48 83264,8 %
196279 35710 21112,8 %57 07372 %
196385 41013 32815,6 %59 67669,8 %
196486 97714 35716,5 %61 24970,4 %
196590 28916 972
18,8 %64 80571,7 %
197292 61318 84120,3 %66 681
72 %


Número de desertores do Exército entre 1960 e 1965

 
MetrópoleUltramarTotal
196098102200
1961369163532
1962422148570
1963356247603
1964506269775
1965531256787

 

Até ao ano de 1965 o efetivo empenhado nas três frentes era constituído por 75% de militares oriundos da metrópole e 25% do recrutamento local, pois ainda não se tinha iniciado o designado processo de “africanização da guerra", iniciado em 1966, que fez aumentar a presença nas fileiras dos homens naturais de cada um dos territórios (Angola, Guiné e Moçambique). Na fase final da guerra o peso do recrutamento local já era aproximadamente de 40 % do efetivo do exército empenhado em África.

 

Efetivos do Exército ​do recrutamento da Metrópole e de cada uma das províncias, empenhados durante a guerra de África (1961-1973)


Angola

Guiné

​Moçambique

Total

Recrutamento da MetrópoleRecrutamento localRecrutamento da MetrópoleRecrutamento localRecrutamento da MetrópoleRecrutamento local
196128 4775000373610008209300049 422
196334 53012 870834413149243500371 296
196437 41815 07512 874232110 132791785 737
196541 62515 44814 640261213 155970197 181
197337 77327 81925 610642523 89127 572149 090

 

Na tabela anterior podemos ver como decorreu a evolução da quantidade de militares do Exército presentes em cada uma das frentes, e podemos concluir que o efetivo presente entre 1965 e o final do conflito aumentou em cerca de 51 909 militares.

O designado processo de «africanização da guerra» começou em 1966 em Angola, mas foi em 1968, com o governo de Marcello Caetano, que o aparelho militar passou a recorrer mais aos homens do recrutamento local, sobretudo em unidades especiais. Era a aplicação da «teoria do mesmo elemento» para combater a guerrilha com mais eficácia, recorrendo a tropas da mesma raça dos rebeldes, adaptados ao clima e ao terreno; mas era também a nova política militar marcelista, mais descentralizada, quando Lisboa passou a dar mais autonomia aos comandantes locais, como se verificou com António de Spínola (Guiné 1968) e Costa Gomes (Angola 1970).

Os efetivos do Exército representavam mais de 90 % em todas as frentes, mas em Angola a sua representação era ainda mais forte em relação aos outros ramos, enquanto para a Força Aérea a presença mais expressiva foi em Moçambique e para a Marinha foi na Guiné.

Os efetivos do Exército, da Força Aérea e da Marinha empenhados em cada frente

 AngolaGuinéMoçambique
Exército92,8 %90,3 %90,4 %
Força Aérea4,7 %4,6 %6,8 %
Marinha2,5 %5,1 %2,8 %

 

2. Os Mortos

Até 1965 as baixas sofridas pelos militares portugueses (1848 mortos) representam 18% da quantidade total registada na guerra, enquanto nos movimentos independentistas os 6500 a 6800 mortos sofridos até 1965, representam 23 % a 24% do total de mortes.

 

As baixas militares

Em termos temporais esta primeira fase (1961-1965) representa 36% do período total da guerra, mas podemos verificar que ao nível das baixas (mortos e feridos) representa menos de 20%. Até 1965 as forças militares portuguesas registaram 1848 mortos (1682 do Exército, 120 da Força Aérea e 46 da Marinha) o que representa 18% do total de mortos na guerra.

 

 ​
Mortos até 1965Total de mortos na guerra
Exército16829638
Força Aérea120511
Marinha46260

 

Os mortos do Exército representam 92,5 do total de militares mortos e neste âmbito vejamos que os mortos em combate representam 49 % e os restantes foram em acidentes e por doença. Na tabela seguinte podemos conhecer o rácio em cada uma das frentes e concluir como as mortes em combate foram mais expressivas na Guiné e em Moçambique, enquanto em Angola se registaram mais mortes em acidentes do que em combate.

 

Mortos do Exército em cada uma das frentes

 ​
Angola
GuinéMoçambique
Combate38,5 %60 %53,6 %
Acidentes43,7 %25,1 %31,4 %
Doença13,5 %12,9 %11,2 %
Outros motivos4,3 %2 %3,8 %

 

Entre os militares portugueses, a maior expressão das mortes em combate registou-se inicialmente na Guiné entre 1966 e 1968. Em Angola até 1965 as baixas em combate foram maioritariamente na Zona Norte e em Cabinda e na Zona Leste, embora haja mortos em combate antes de 1966, foi só depois deste ano que se registam mais baixas, quando o MPLA alargou a sua atividade para o Leste.

Foi em 1965 que Agostinho Neto se encontrou com Che Guevara obtendo depois o apoio de Cuba e da RDA e os combates no Leste começaram em 1966, quando o MPLA intensificou as ações de penetração na zona de Songololo e foi no mesmo ano que se registou a primeira ação da UNITA.

Em 1966, além do armamento ligeiro, a guerrilha em Angola já usava os canhões sem recuo 57 mm e 75 mm (chineses), morteiros, lança-granadas P27 (checo), o RPG-2 (soviético), metralhadoras pesadas, minas anticarro MK-7 e TMA-1 e minas antipessoal POMZ.

Na Guiné depois de 1965 a guerra entra numa nova fase: o PAIGC passou a contar com novos equipamentos, como as minas antipessoal PMA-1, o LG P-27 (checoslovaco) e minas anticarro Mark 7 (do Reino Unido) e em 1966 o PAIGC estabeleceu um protocolo de cooperação com o Senegal e recebe o apoio de Cuba à guerrilha, através da presença de militares e de equipamentos cubanos na Guiné.

Em 1965, o PAIGC começou a realizar as primeiras flagelações, como o ataque ao quartel de Beli, durante três horas, com morteiros, lança-granadas e metralhadoras, e noutro ataque sobre Canjambari, também com grande poder de fogo.

Entre 1964 e 1966, a atividade da guerrilha em Moçambique foi apenas no Norte, nos distritos de Niassa e de Cabo Delgado, mas depois de 1967, a FRELIMO levou as suas ações também ao distrito de Tete, onde a atividade contra as tropas portuguesas foi aumentando até ao final da guerra, quando se registou uma ligeira redução da guerrilha no Niassa e em Cabo Delgado.

Número de militares mortos na ​​guerra em África (1961-1974)

 


Angola

Guiné

Moçambique

Totais
​​

Oficiais

Exército

194

106

125

425


528​


Força Aérea46
133089
Marinha102214
SargentosExército360243271874

​ 

1030

​ ​
Força Aérea532747127
Marinha1081129
PraçasExército3227250526078339

​ 

88​51

​ ​
Força Aérea10968118295
Marinha7011037217

​ 

A Força Aérea, registou 511 militares mortos, dos quais 208 em Angola, 108 na Guiné e 195 em Moçambique. Cerca de 65 % das baixas da Força Aérea foram pilotos e pára-quedistas, sendo que os pilotos mortos representam 23 % do total de mortos da Força Aérea e os pára-quedistas 42 %. Os restantes 35 % eram de outras especialidades da Força Aérea.

Relativamente à Marinha de Guerra, registaram-se 260 militares mortos durante o período da guerra[3], sendo 90 em Angola, 120 na Guiné e 50 em Moçambique, dos quais 60 % eram fuzileiros, a maioria também na Guiné. A maioria dos mortos da Marinha eram oriundos da Metrópole, mas podemos referir que, dos mortos na Guiné, 12 militares eram naturais daquele território, o que traduz que, das baixas mortais da Marinha, cerca de 5 % eram do recrutamento local e 95 % de militares da Metrópole.

Relativamente à transladação dos mortos de África para a metrópole, foi também nesta fase (1965/66) que se verificou uma mudança, pois até 1966, se a família do militar falecido pretendesse transladar o corpo para Lisboa, tinha de pagar essa despesa, que variava entre 10 000$00 e 15 000$00, conforme vinha de Angola, da Guiné ou de Moçambique. Só em 1967 foi regulamentado[4] que o transporte do corpo não implicava despesa para as famílias, se fosse transportado através do sistema de transportes militares.

 

Baixas civis

Entre a população civil registaram-se milhares de mortos e feridos em resultado de acções directas (ataques e bombardeamentos a aldeias) e indirectas (minas e armadilhas) e o nosso estudo estima que as baixas entre a população civil foram de 6200 mortos e 12 200 feridos.

 

Baixas de civis durante a guerra

 AngolaGuinéMoçambiqueTotais
Mortos3700140011006200
Feridos45005000270012200

 

As baixas civis foram aumentando ao longo da guerra, pois enquanto em 1965 se registaram 42 mortos civis em Angola, 80 na Guiné e 61 em Moçambique, já nos últimos anos da guerra temos em Angola 247 mortos (1970), em Moçambique 128 mortos (1971) e na Guiné 123 civis mortos (1973).​​

As baixas dos movimentos independentistas

Angola foi a frente onde se registaram mais baixas entre os movimentos independentistas (UPA/FNLA, MPLA e UNITA), enquanto na Guiné e em Moçambique a quantidade de baixas do PAIGC e da FRELIMO foi quase metade das registadas em Angola.

Baixas entre os​ movimentos independentistas

 ​
AngolaGuinéMoçambiqueTotais
Mortos132267000800028226
Feridos4750200027009450

 

Podemos comparar os números de mortos registados em 1965 e em 1973 e destacar que em Angola se verificou um ligeiro aumento, na Guiné uma diminuição e em Moçambique um aumento muito significativo. Com base nos dados publicados no nosso livro[5​] sabemos que em Angola se registaram muitas baixas entre os guerrilheiros em 1968 e em 1972 e na Guiné em 1966 e 1968.

 

3. O Dispositivo Militar

Considerando a quantidade de Companhias do exército presentes em África, podemos concluir que entre 1961 e 1965 o dispositivo foi reforçado com mais 52 Companhias e na fase posterior até ao final da guerra foi aumentado com mais 133 Companhias.

O Exército

A unidade básica do aparelho militar português era a «Companhia», força militar com 150 a 160 militares e 12 a 15 viaturas, que se estabelecia no terreno num aquartelamento próprio, com grande autonomia. Era designada de Companhia de Caçadores (CCaç), Companhia de Artilharia (CArt) e Companhia de Cavalaria (CCav), conforme era organizada na Metrópole pela arma de Infantaria, pela Artilharia ou pela Cavalaria.

O termo «quadrícula», oriundo da cartografia, era usado pelos militares para designar as unidades que estavam no terreno, na malha (da quadrícula) em que o dispositivo militar era implantado no território. Em cada uma das frentes (Angola, Guiné e Moçambique), a malha (quadrícula) foi sendo mais apertada, empenhando cada vez mais unidades militares (companhias), sendo a malha mais ou menos apertada conforme a atividade da guerrilha era mais ou menos intensa.

Considerando apenas as unidades de quadricula, vejamos como foi evoluindo a quantidade de Companhias de atiradores no terreno: Em Angola desde o início da guerra até 1965 o dispositivo territorial foi aumentado com mais 29 Companhias e entre 1965 e o dispositivo que existia no final da guerra, aumentou mais 31 Companhias. A frente onde o dispositivo foi mais reforçado foi Moçambique, pois no final da guerra contava com mais 68 Companhias do que tinha no início da guerra (1964).

 

Quantidade de​ Companhias presentes nas três frentes.

 ​
No início da guerra19651973
Angola107 (1961)136167
Guiné30 (1963)5087
Moçambique48 (1964)51116

 

Vejamos seguidamente a quantidade de Companhias empenhadas no dispositivo de quadrícula e as dimensões territoriais (áreas) que lhes eram atribuídas:

No caso de Angola, através da quantidade de Companhias empenhadas em cada zona operacional, podemos avaliar como a malha foi sempre muito mais apertada no Norte do que no Leste e era ainda muito menos no Sul. Em 1971, na Zona Norte (área de 236 124 km2), tínhamos 77 Companhias (um rácio de uma Companhia para 3000 km2), mas na Zona Leste, nesse mesmo período, tínhamos 23 Companhias para cobrirem uma área de 371 525 km2, dando uma Companhia para 16 800 km,2 área equivalente a toda a região a Sul do Tejo, em Portugal continental (Alentejo e Algarve), sob a responsabilidade de uma simples Companhia de 160 homens.

Quantidade ​de companhias de quadrícula e área média por cada uma em Angola

 
196219631966196819711974MédiaÁrea por cada Companhia
Norte879089937774853190 km2
Cabinda881111111110727 km2
Leste1414202323362216 800 km2
SE (Cuando-Cubango)---457539 800 Km2
Sul88765
7731 782 km2
Centro888121731117 454 km2

 

A densidade da presença das forças militares em Angola variava muito conforme as zonas operacionais, sendo a malha mais apertada em Cabinda e a mais larga na faixa sul. Este indicador permite-nos estabelecer uma relação entre a quantidade de Companhias presentes no terreno e a cobertura que podiam garantir em cada zona. Enquanto na Zona Norte temos um rácio de uma Companhia para aproximadamente um quadrado (55 km x 55 km), no Leste, mesmo no período em que atividade do adversário foi mais intensa, tínhamos um rácio de uma Companhia para um quadrado (130 km x 130 km), área superior a três vezes a área do Algarve.

Na Guiné, a sua menor dimensão relativamente a Angola e a Moçambique também teve correspondência nas áreas atribuídas às unidades, existindo, neste caso, uma malha muito mais apertada, com uma densidade muito mais elevada de militares por cada quilómetro quadrado.

Quantidade de companhias de quadrícula e área média por cada uma na Guiné

 ​
19641966
196919701973MédiaÁrea por cada Companhia
Oeste (e Bissau)222644414035330 km2
Sul151716161816430 km2
Leste101420262319800 km2

 

Como podemos avaliar através da tabela anterior, na Guiné, em cada uma das três zonas (Oeste, Sul e Leste), as áreas atribuídas à responsabilidade das unidades eram muito menores do que em Angola e em Moçambique, como se verá seguidamente. Nas zonas Oeste e Sul, onde a atividade da guerrilha foi mais intensa, a cada Companhia correspondia aproximadamente uma área equivalente a um quadrado (20 km x 20 km), situação muito diferente da que se verificava nas outras frentes (Angola e Moçambique), onde a malha era muito mais aberta.

As ações armadas do PAIGC começaram em 1963 ao longo da fronteira Sul e com o apoio de Sekou Touré, inicialmente entre a fronteira e o Rio Geba (início de 1963), depois entre o Rio Geba e o Rio Cacheu (final de 1963) e em 1964 em duas novas frentes: uma no Gabu e a outra a Sul do Boé. Em 1965, abriram a Frente Norte com o apoio do Senegal de Senghor.

Em Moçambique, também se confirma a regra de que, nas zonas onde o adversário atuava com mais intensidade (no Norte e em Tete), as tropas portuguesas estabeleciam um dispositivo mais forte, apertando a malha, situação que tinha, ao mesmo tempo, o inconveniente de expor mais as tropas às ações do adversário.

Quantidade de companhias de quadrícula e área média de cada uma em Moçambique

 19651967197019711973médiaÁrea por cada Companhia
Cabo Delgado202527
272324
3440 km2
Niassa1531272719245375 km2

Tete​

4

11

16

19

26

23 

(no final)​


4380 km2
Centro572212284630 km2
Distritos de Moçambique e Zambézia
6

18

8

8

11

10

18660 km2

 

A zona de Cabo Delgado foi onde o dispositivo do Exército foi sempre mais denso, embora tenha reduzido ligeiramente quando foi necessário reforçar a zona de Tete em 1973. Em Cabo Delgado, a quantidade média de Companhias que esteve presente em cada momento, numa área de 82 625 km2 (distrito de Cabo Delgado), permite ter a imagem de que, a cada Companhia, correspondia uma área equivalente a um quadrado de aproximadamente 60 km x 60 km, enquanto na zona do Niassa (129 000 km2), a cada Companhia, correspondia uma área de 5375 Km2 (73 km x 73 km), superior à dimensão do Algarve (5000 km2).

As dimensões apresentadas anteriormente servem para compreender como o dispositivo militar era incapaz de garantir o controlo de áreas tão vastas, perante um adversário que actuava de forma dissimulada, muitas vezes integrado e com o apoio da população e dos países vizinhos, de onde se infiltravam trazendo equipamento cada vez mais sofisticado.

Em Moçambique foi em 1965, que foram detonadas as primeiras minas, sistema de armas que marcou a história da guerra em Moçambique. Em Maio, foram referenciados os primeiros engenhos explosivos em Nova Coimbra (Niassa), em Junho foi accionada pelas tropas portuguesas a primeira mina antipessoal em Cobué (Niassa) e em Outubro foi a primeira mina anticarro accionada por uma unidade portuguesa na zona de Sagal/Mueda (Cabo Delgado).

Durante a guerra, foram referenciadas no total 12194 minas da FRELIMO (incluindo as detonadas, as capturadas, desactivadas, levantadas ou destruídas pelas tropas portuguesas), das quais 4561 foram detonadas.

Em 1965, foram accionadas 170 minas, mas podemos destacar que na fase final da guerra (1973), a quantidade de minas accionadas em Moçambique foi 665, quatro vezes mais do que em 1965.

Foi também em 1965 que a FRELIMO começou a usar sistemas de armas contra as aeronaves portuguesas (oito aviões T-6, cinco aviões DO-27 e um Auster).

Em 1965, a actividade da FRELIMO no distrito do Niassa alastrou para Sul, para a região de Sanga, originando a fuga das populações de Sanga e dos postos administrativos de Mazoco e Unango e a destruição de várias pontes no itinerário Unango-Miranda. Em 1965, o Exército português descobriu a linha de infiltração de Chiwinde (a Noroeste do distrito do Niassa), usada desde o início da luta armada, ligando a Tanzânia e o sector ocidental do Niassa e o cerco que a tropa portuguesa estabeleceu em torno desta área, obrigou a FRELIMO a explorar a zona de Mitomoni, a Leste, ao longo do Rio Rovuma, junto da confluência com o Rio Messinge.


A Marinha de Guerra

O número mais elevado de pessoal da Marinha empenhado na guerra registou-se no ano de 1969 (5263 militares), sendo 1949 em Angola, 1843 em Moçambique e 1471 na Guiné.

Efetiv​os da Marinha de Guerra presentes até 1965

 
Angola
GuinéMoçambiqueTotal
19611131--
-
19621132---
19631586740--
1964167710086713356
19651562105912103831

 

Em 1965 e 1966, o dispositivo naval em Angola foi reforçado com mais três lanchas de desembarque médias (1965) e em 1966 com a lancha de desembarque grande (Ariete) e mais quatro LDP. Com o alastramento da guerra para o Leste e SE, a Marinha também alargou o seu dispositivo depois de 1966, estabelecendo pessoal no comando no Luso, em Chilombo (um DFE e duas secções de uma Companhia de Fuzileiros), no Rio Zambeze (uma LDP e uma lancha de transporte), em Lungué-Bungo (um DFE e duas Secções da Companhia de Fuzileiros de Sazaire), no Rio Cuando (uma LDP e duas esquadras de uma Companhia de Fuzileiros), no Rio Cuito (uma LDP e uma lancha de transporte) e em Vila Nova da Armada (duas Companhias de Fuzileiros).

Meios navais em Angola

 ​


Corvetas


Fragatas


Patrulhas

Lanchas de

Fiscalização

Lanchas de

desembarque

médias

Lanchas de

desembarque

pequenas

Lanchas de

desembaque

grandes

Nav​io

Hidrográfico

1961-333---1
1965-15113411
1973--3848-1

 

Na Guiné, a quantidade de meios navais era superior à das restantes frentes e os meios mais importantes eram as lanchas de fiscalização e de desembarque, principalmente as lanchas de desembarque médias (LDM), que desempenhavam missões muito importantes. O dispositivo naval foi principalmente reforçado com Lanchas de Desembarque Médias (LDM) e com lanchas de fiscalização, como mostra a tabela seguinte.

Meios navais na Guiné

 ​


Fragatas

Patrulhas

Lanchas de

Fiscalização

Lanchas de

desembarque

médias

Lanchas de

desembarque

pequenas

Lanchas de

desembaque

grandes

Nav​io

Hidrográfico​

19631-5-8-1
1965--
71861 
1973-1132674 

 

Para a Marinha, o Lago Niassa era o foco da guerra em Moçambique e em 1965, devido à difícil situação na região do Niassa e ao desgaste da Companhia de Fuzileiros n.º 2 em operações, chegou a Moçambique o primeiro destacamento de fuzileiros (DFE 1). No mesmo ano de 1965 foi criado o Comando da Esquadrilha de Lanchas do Niassa (Metangula) e foi realizada a Operação “Atum", para mobilizar as LFP da classe Júpiter (Marte, Mercúrio e Regulus) e uma lancha de desembarque média (LDM), cujo transporte por via terrestre, desde a costa do Índico até ao Lago Niassa, foi uma operação muito exigente que ficou célebre na história deste conflito.

Meios navais em Moçambique

 ​


Corvetas

Fragatas

Lanchas de

Fiscalização

Lanchas de

desembarque

médias

Lanchas de

desembarque

pequenas

Lanchas de

desembaque

grandes

Nav​io

Hidrográfico​

Apoio

logístico

1965-2321---
19733-77-111

 

Em 1966, por causa da Declaração Unilateral de Independência da Rodésia, foi estabelecido um embargo àquele território, e Portugal teve de empenhar meios navais para garantir o bloqueio do porto da Beira à entrada de produtos para a Rodésia. Nesta missão foram empenhados o aviso Bartolomeu Dias e as fragatas Pacheco Pereira, Álvares Cabral, D. Francisco de Almeida, Diogo Gomes e Vasco da Gama.

A Força Aérea

Em Angola, depois de 1966, a actividade da Força Aérea aumentou significativamente, pois com a criação da Zona de Intervenção Leste (ZIL), foi criado o Aeródromo-Base n.º 4 (Henrique de Carvalho) e o Aeródromo de Manobra n.º 44 (Luso).

Foi também em 1966 que foram adquiridos os aviões Fiat G-91 e os Douglas B-26 (bombardeiros) e foi também neste ano que se realizaram as primeiras operações com helicópteros ALIII equipados com o sistema canhão 20 mm (helicanhão) nas zonas de Zala e de Madureira, em Angola.

A tabela seguinte mostra o aumento da quantidade de aeronaves até 1965 em Angola, revelando depois o aumento da quantidade de helicópteros, de aviões DO -27 e uma redução dos aviões T-6.​

Meios Aéreos da FAP em Angola

 ​
He​lis


Nordatlas
DO-27
Auster
T-6
F84G

PV-2

P2V-​5

C-45

C-47

B-26


ALII

ALIII

SA-330 

Pum​a


19614--794161212221-
1965-17-8303024169222-
1973-3169362318-6-446

 

A necessidade crescente da atividade aérea levantou diversos problemas, desde a falta de pilotos e de aeronaves até à incapacidade de manutenção dos meios aéreos. Quatro anos depois do início da guerra em Angola (em 1965), o nível de prontidão das diversas aeronaves não era nada satisfatório, como podemos avaliar através da percentagem média mensal de aeronaves prontas (operacionais), em face da quantidade das aeronaves atribuídas.

Percentagem do estado operacional das aeronaves em Angola (1965)

NORD​​

30 %
PV-232 %
T-671 %
Auster46 %
P2V-523 %
F-84G59 %
C-4550 %
Heli AL III
39 %

 

Na Guiné depois de 1965, quando chegaram os helicópteros Alouette III, estes assumiram um papel fundamental nas missões de helitransporte, heliassalto e nas evacuações de feridos. Inicialmente a Força Aérea tinha na base de Bissalanca (Bissau) apenas oito F-86, oito T-6, oito Auster, três DC-3, um Broussard e um P2-V5. Posteriormente, recebeu de Angola os pequenos helicópteros Alouette II (apenas para evacuações) em 1965, aumentou o seu potencial com a chegada dos Alouette III e, em 1966, com os aviões Fiat, que substituíram os F-86.

O ano de 1965 foi uma fase de transição da Guiné, quando os aviões F-86 tiveram que ser substituídos pelos Fiat G-91, mas durante este interregno de cerca de 20 meses, as missões de apoio de fogos eram asseguradas apenas pelos antigos aviões T-6 com muito menos poder de fogo. Depois de 1966, com os dez aviões Fiat G-91, e depois de 1969, quando foi aumentada a quantidade de helicópteros (19 AL III), o potencial da FAP e a coordenação com as forças terrestres melhorou muito graças à criação do Centro Conjunto de Apoio Aéreo (Bissau) e da Secção Conjunta de Apoio Aéreo no Leste (Nova Lamego), que faziam a coordenação entre os três ramos das Forças Armadas.

Na Guiné, a Força Aérea experimentou desde 1966 a ameaça das armas antiaéreas russas operadas pelo PAIGC, que atingiram diversas aeronaves portuguesas. Em 1966, foram atingidos oito DO-27, seis T-6, um helicóptero AL II, dois Fiat G-91 e um C-47; no ano seguinte, em 1967, foram atingidos cinco DO-27, cinco T-6, três AL III e dois Fiat G-91, e em 1968 foi abatido um Fiat G-91.

Depois de utilizar metralhadoras ligeiras e metralhadoras pesadas (Degtyarev), o PAIGC passou a utilizar em 1966 o sistema canhão antiaéreo soviético ZPU-4 (com quatro canos de calibre 14,5 mm), muito mais eficaz do que as metralhadoras.

Na Guiné, a Força Aérea contou em média com 10 a 20 helicópteros, 20 a 27 aviões de transporte (DO-27 e Noratlas), cerca de 30 aviões de ataque (T-6 e Fiat G-91) e três aviões C-47. Apesar de ter sido a frente mais difícil, na Guiné, a Força Aérea teve menos variedade e quantidade de aeronaves, não tendo chegado a receber os helicópteros Puma.

Meios Aéreos da FAP na Guiné

 ​

Helicópteros ​
NoratlasDO-27F-86 FFiat G 91T-6C-47
ALIIALIII
19634---8---
196543-20--33
1973-21324-1233

 

Em Moçambique, a Força Aérea contava com 20 a 30 helicópteros, 50 aviões de transporte (Noratlas, DO-27 e Auster), 40 a 50 aviões de ataque (T-6 e Fiat), dois P2V5 e cinco a dez C-47. A tabela seguinte apresenta os meios aéreos existentes em Moçambique, mas em cada ano havia uma diferença entre os meios existentes e os meios prontos (em condições operacionais), sendo que, em alguns períodos, essa diferença era muito significativa, variando entre 50 % e 60 % o nível de operacionalidade.

Meios Aéreos da FAP em Moçambique

 
Helicópteros
​​
Noratlas
DO-27
AUST
Cherokee
C-47

Fiat G-91

T-6
PV-2P2V5
ALIIISA-330 PUMA

1964--41315-5-134-
1965--41821-5-2142
197332392712410152662

 

4. As Despesas da Guerra

Considerando apenas as despesas com o Exército, podemos destacar que até 1965 as despesas representam 21% das despesas totais até 1974 e que os encargos anuais em 1965 eram metade dos encargos anuais no final da guerra (1973).

Para fazer face às crescentes despesas com a guerra, o governo criou um imposto na Metrópole (Imposto sobre as Transações) e outros impostos em Angola (Imposto Extraordinário da Defesa) e em Moçambique (Imposto de Selo da Defesa Nacional), cuja receita contribuía para sustentar o esforço de guerra[6]. O mais importante foi o Imposto sobre as Transacções (IT), criado em 1966 e cuja expressão foi sentida após 1967, contribuindo de forma crescente (entre 40 % a 87 %) para suportar as despesas militares no Ultramar, como se pode ver através da tabela seguinte[7​], que nos revela que este imposto servia, em média, para cobrir 63 % dos custos da guerra após 1966, precisamente no período em que as despesas militares aumentaram mais com a aquisição de novos equipamentos militares.

Percentagem do Imposto sobre Transações (IT) nas despesas militares no Ultramar (em milhares de contos)

 ​

Receitas do Imposto sobre Transacções (IT)Despesas com as forças militares no ultramar% do IT nas despesas militares no ultramar
1966430,64466,810 %
19672218,35753,339 %
19682628,36197,442 %
19692902,16084,948 %
19703433,96899,150 %
19714352,27129,961 %
19725207,47649,268 %
19738654,87527,587 %

 

Em 1965, a situação financeira agravou-se e o atraso nos pagamentos das aquisições efetuadas em 1963 e em 1964 fazia acumular para o Orçamento do Estado de 1965 encargos de 850 mil contos (850 000 000$00), sendo 350 000 000$00 de 1963 e 500 000 000$00 de 1964. O atraso destes pagamentos representava 118 mil contos (118 000 000$00) em 1964 e 168 mil contos (168 000 000$00) em 1965.

Foi também em 1965 que Ministério do Exército estimou o custo diário de cada militar em 115 escudos, que seria atualmente cerca de 45 euros/dia, contemplando as seguintes verbas:

    • Vencimento e subsídio de campanha: 35$00 (13,70 €/dia);
    • Alimentação: 23$00 (9,00 €/dia);
    • Fardamento: 5$00 (1,96 €/dia);
    • Transporte (via marítima): 10$00 (4,43 €/dia);
    • Outros encargos: 42$00 (18,60 €/dia) incluía a despesa com armamento e munições, equipamento, combustível, água, luz, alojamentos e manutenção.

 

Em Angola, o custo de cada militar num ano era, assim, de 42 000$00 (42 contos/ano), que seria, nos dias de hoje, 18 611,06 € por ano. Uma Companhia de Caçadores (160 homens) implicava assim uma despesa anual de quase sete mil contos (6 720 000$00), que equivale hoje a 2 976 000,00 euros. Em Moçambique, os custos eram superiores (125$00 por cada militar/dia, o que representava 46 000$00 por cada militar/ano), sendo o encargo de 20 383,57 € por cada homem num ano. Na Guiné, o custo anual de cada militar era de 38 000$00 (105$00 por homem/dia), que seria na actualidade 16 838,60 €.

Despesas da Marinha, do Exército e da Força Aérea durante a Guerra (1961-1974) (em milhares de contos)


Despesa ordinária

Despesa extraordinária

OFMEU

Total

19611827,12427,74254,8
19621919,63264,55184,1
19632007,33354,95362,2
19642185,03592,35777,3
19652192,24155,76347,9
19746401,711 848,218 249,9

 

No período entre 1966 e 1971, o peso das despesas militares no PIB situou-se nos 6 % e nos últimos anos da guerra, entre 1972 e 1974, diminuiu para 5 % devido ao PIB nominal ter crescido de uma forma mais acelerada do que o ritmo de crescimento das despesas militares.

Em 1966, cerca de 36 % das receitas do Orçamento Metropolitano eram absorvidas pela guerra, enquanto em Angola representavam 11 % e em Moçambique 12 %. A despesa pública subiu em flecha, e embora a receita também tenha crescido com o novo Imposto de Transações, as receitas não conseguiam acompanhar as despesas, não obstante o crescimento do PIB, que indicava um grande crescimento do consumo, devido ao turismo e à guerra. Os recursos financeiros absorvidos pela guerra eram financiados pela dívida, por intermédio da emigração e do turismo, pois a emigração, o turismo e a guerra eram também suportes do crescimento do PIB e do consumo.

 

Conclusões

Relativamente à organização das forças portuguesas, podemos concluir que maioritariamente o efetivo empenhado nas três frentes era oriundo da metrópole, mas que se verificou um aumento do recrutamento local, que chegou a atingir 40 % em resultado da política de “africanização da guerra", iniciada em 1966.

Sobre o recrutamento na metrópole, verificamos que depois de 1965 ocorreu um aumento da quantidade de homens incorporados anualmente assim como um aumento de faltosos e de desertores. Até 1965 a quantidade de militares incorporados no Exército na metrópole, representou cerca de 37 % do total de incorporações entre 1961 e 1973.

Relativamente às baixas militares, nesta primeira fase até 1965, registaram-se 18% do total de mortos na guerra e foi depois de 1965 que se verifica um considerável aumento dos mortos em combate na Guiné e em Moçambique.

Em Angola a guerrilha atuava ainda apenas no Norte e em Cabinda pois só em 1966 é que o MPLA alargou a sua atividade para o Leste e a UNITA realizou a sua primeira ação.

Na Guiné a guerra também entrou numa nova fase em 1965 quando a guerrilha começou a contar com o apoio direto do Senegal e de Cuba e realizou as primeiras flagelações, e ataques contra as aeronaves portuguesas. Em Moçambique foi em 1965, que foram detonadas as primeiras minas colocadas pela FRELIMO no mesmo ano a guerrilha moçambicana começou a atacar aeronaves portuguesas.

Nesta primeira fase da guerra o aparelho militar português revela as primeiras grandes dificuldades perante a falta de viaturas e de aeronaves adequadas. Também foi nesta fase quando a guerra já decorria há 4 anos, que as despesas militares passaram a representar 6 % do PIB e a necessidade de sustentar o esforço de guerra originou a criação do Imposto sobre as Transações (IT) em 1966. As despesas com o Exército na primeira fase (1961-1965) representam 21% das despesas totais até 1974 e os encargos anuais em 1965 eram metade dos encargos anuais no final da guerra (1973).

 

Bibliografia

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AFONSO, Aniceto e GOMES, Carlos de Matos (1999-2000) –Guerra Colonial: Angola, Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias.

BARATA, Manuel Themudo) & TEIXEIRA, Nuno Severiano (dir.) (2003) – Nova História Militar de Portugal. Círculo de Leitores, Vol. 4.

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CARDINA, Miguel – «A deserção à Guerra Colonial: história, memória e política». In Revista de História das Ideias n.º 38, 181-204.

COSTA, Manuel Artur Correia Alves (2013) – «A participação da Força Aérea Portuguesa nas guerras em África (1961-1974)». Tese de mestrado em História Moderna e Contemporânea, ISCTE.

FERREIRA, José (2015) – «Estudo estatístico sobre a mobilização de unidades da Arma de Infantaria durante a Guerra de África (1961-1974)». Tese de mestrado – Academia Militar, orientada pelo TCor Pedro Marquês de Sousa.

FRAGA. Luís Alves (2004) – A Força Aérea na Guerra em África. Lisboa: Prefácio.

LOPES, Pedro (2014) – «A Tipologia das Unidades Mobilizadas pela Arma de Cavalaria durante a Guerra de África (1961-1974)». Tese de mestrado – Academia Militar, orientada pelo TCor Pedro Marquês de Sousa, Academia Militar.

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SILVA, João (2012) – «A Artilharia na Guerra de África (1961-1974): Um estudo em torno da mobilização das unidades de Artilharia». Tese de mestrado − Academia Militar, orientada pelo TCor Pedro Marquês de Sousa, Academia Militar.

SILVESTRE, Filipe (2018) – «O Emprego da Artilharia de Campanha na Guerra de África (1961 – 1974): As Adaptações Orgânicas e Doutrinárias à Guerra Subversiva». Tese de mestrado -Academia Militar, orientada pelo TCor Pedro Marquês de Sousa, Academia Militar.

TELO, António José (coord.) (1999) – História da Marinha Portuguesa: Homens, Doutrinas e Organização, 1824-1974, Tomo I, Lisboa, Academia da Marinha.


Notas

[1] Pedro Marquês de Sousa, Os Números da Guerra de África, Guerra e Paz, 2021.

[2] Faltoso era o homem que não se apresentava à inspeção militar (inspeção sanitária) que o apurava, ou não, para o serviço militar. Desertor era o militar que abandonava as fileiras já depois de estar incorporado.

[3] Consideramos apenas os mortos (em combate, em acidentes e por doença) registados em cada frente no período considerado de conflito: em Angola desde 1961, na Guiné depois de 1963 e em Moçambique depois de Setembro de 1964. Os cinco casos de mortos em acidentes e por doença ocorridos fora destes períodos não foram considerados.

[4] Regulamento de Transladações publicado em 2 de Março de 1967.

[5] Pedro Marquês de Sousa, Os Números da Guerra de África, Guerra e Paz, 2021.

[6] Nos orçamentos privativos de cada província, relativamente às forças militares, estes impostos representavam uma parte das contribuições (receitas ordinárias) destinadas à defesa.

[7] Dados da tese de mestrado de Manuel Leitão da Cunha, «A Contabilidade em Ambiente de Guerra – o caso português da Guerra do Ultramar», Universidade do Minho, 2014.



PEDRO MARQUÊS DE SOUSA

Tenente-Coronel do Exército na situação de Reserva. Participou na missão da ONU em Timor-Leste (2000/2001) e foi professor na Academia Militar. É Mestre pela Faculdade de Letras da Universidade. de Lisboa e Doutor pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Autor de diversos livros de História Militar, sendo o mais recente “Os Números da Guerra de África", da Editora Guerra e Paz.



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Como citar este texto:

​SOUSA, Pedro Marquês de – Os Números na Primeira Fase da Guerra de África (1961-1965). Revista Portuguesa de História Militar - Dossier: Início da Guerra de África 1961-1965. [Em linha]. Ano I, nº 1 (2021). [Consultado em ...], https://doi.org/10.56092/OHDK8860

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