PORTUGAL, O EXÉRCITO E A SUA MEMÓRIA – MUSEU MILITAR DE ELVAS. A TEMÁTICA DA GUERRA DO ULTRAMAR PORTUGUÊS (1961-1974)
Joaquim Bucho
Resumo
O Exército Português caminha de forma indissociável com a nação Portuguesa há quase nove séculos. A força destes laços fez-se com sangue, suor e lágrimas, mas também de sentimentos que perpassam através de documentos, objetos e memórias, que são o seu testemunho tangível e intangível. A memória de um povo pode assumir as mais diversas formas, mas uma delas, e talvez aquela que melhor transmite esse sentimento, seja a visita a um Museu.
O Exército divulga o seu acervo de forma organizada, desde que em 1851 abriu as portas do Museu de Artilharia. Atualmente, um museu apresenta uma estrutura organizacional, atividades desenvolvidas e competências mais complexas, que obrigam o Exército a olhar estes Órgãos como parte integrante e de forma expressa na sua missão.
Tendo o Exército uma implantação territorial em toda a geografia do país, mantém abertos ao público diferentes tipologias de espaços museológicos. Neste artigo iremos abordar o enquadramento, implementação e desenvolvimento do Museu Militar de Elvas (MusMilElvas), nomeadamente na preservação da memória relativamente á temática da Guerra do Ultramar Português (1961 -1974).
Palavras-chave: Exército Português; Museu Militar de Elvas; Guerra do Ultramar Português.
Abstract
The Portuguese Army has walked in an inseparable way with the Portuguese nation for nearly nine centuries. The strength of these bonds was made with blood, sweat and tears, but also with feelings that permeate through documents, objects and memories that are their tangible and intangible testimony. The memory of a people can take the most diverse forms, but one of them, and perhaps the one that best conveys this feeling, is a visit to a museum.
The Army publicizes its collection in an organized way, since in 1851 it opened the doors of the Artillery Museum. Currently, a museum has an organizational structure, developed activities and more complex competencies, which obliges the Army to look at these Historical Sites as an integral and express part of its mission.
Since the Army has a territorial implantation throughout the country's geography, it maintains different types of museum spaces open to the public. In this article we will address the framing, implementation and development of the Military Museum of Elvas (MusMilElvas), namely in the preservation of memory regarding the theme of the Portuguese Overseas War (1961-1974).
Keywords: Portuguese Army; Elvas Military Museum; Portuguese Overseas War.
Introdução
O reconhecimento de Portugal como Estado é, para alguns autores, o resultado da conferência de paz entre D. Afonso Henriques e seu primo, Afonso VII de Leão, vertido no Tratado de Zamora (1143), e para outros o texto da Bula Papal de Alexandre III, Manifestis Probatum (1179).
A independência e o reconhecimento acarretaram a existência de uma Força que garanta, num ato bélico, obrigar o adversário a conformar-se com a nossa vontade e que poderemos designar por Exército. O General Loureiro dos Santos no seu livro “Reflexões sobre estratégia" ao referir alguns apontamentos para as Forças Armadas do século XXI, releva a importância da manutenção do espírito militar, do espírito de corpo e valores morais como características da instituição militar e que enformam aquilo que comumente se designa por família militar.
São, pois, estes atributos de união de todos os que integraram as fileiras ao longo dos séculos desde a fundação de Portugal, que contribuíram para que nos tenham sido legados objetos atualmente reunidos, organizados e expostos num espaço público, e que hoje são mais um elo de agregação da memória coletiva e que se pretende sejam o garante de ideais para olhar o futuro.
1.
Quando em família, por necessidade de estudo ou por puro deleite transpomos as portas de um museu, não nos prendemos à complexa estrutura organizacional do mesmo, mas sim à sua mensagem. Atentemos um pouco sobre o conceito de museu. Para o International Council of Museums (ICOM), “é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite"[1]. A lei portuguesa transpôs o conceito e criou a Lei Quadro dos Museus Portugueses em 2004. O Exército aprovou as “Normas Gerais dos Museus e Coleções Visitáveis do Exército" em 2008, atualmente em vigor.
O quadro legal referido garante um contexto geral para a missão dos museus militares, mas é em 2014 que a Lei Orgânica do Exército prevê em letra de Lei que, “O Exército executa atividades no domínio da cultura, designadamente de preservação e divulgação do seu património"[2].
O que descrevi no texto acima importa, porque um museu já não é uma coleção de curiosidades circunscritas num espaço, para deleite de um limitado número de interessados.
O museu, e no caso vertente o museu militar, tem de ser um local de ideias, um museu vivo, um museu participativo, onde cada visitante integra a mensagem transmitida como uma experiência de acordo com o conjunto de reflexões que elabora ao longo do discurso expositivo.
Estas considerações foram fundamentais para que alcancemos passar a descrever o Museu Militar de Elvas no seu todo, mas principalmente para que a temática da Guerra do Ultramar Português possa ser entendida com a objetividade e o distanciamento temporal à luz do trabalho realizado até ao momento.
2.
Em face da reestruturação do Exército concluída em 2006, com a publicação em Diário da República da nova organização, foi decidido desativar o Regimento de Infantaria Nº.8, aquartelado nos chamados “Quarteis do Casarão" em Elvas. Considerando a carga histórica que a cidade de Elvas encerra, dentro e fora das suas muralhas, por onde passaram ao longo de séculos importantes decisões no campo de batalha para o pender da Independência Nacional, foi decidido acomodar um Museu Militar nas instalações anteriormente ocupadas por sucessivas Unidades militares nos Quartéis do Casarão e Quartel de S. Domingos.
A Missão e o Quadro Orgânico de Pessoal foram aprovados por despacho do Chefe do Estado-Maior do Exército de 8 de março de 2007. Em 2008 é aprovado o projeto Museológico para o Museu Militar de Elvas, como Órgão de natureza cultural, depositário e expositor de espólio de interesse histórico-militar, com características e objetivos de “Museu Nacional", com as seguintes áreas temáticas:
- Áreas Museológicas
- História do Serviço de Saúde do Exército
- Viaturas do Exército
- Hipomóveis e Arreios Militares no Exército
- Áreas de Estudos
- Centro de estudos sobre a fortificação de Elvas
- Centro de interpretação sobre a guerra do Ultramar Português
A utilização das instalações do aquartelamento obrigou a uma readaptação do espaço destinado a receber as coleções. O Museu Militar de Elvas ocupa uma área de 150 000 m2, onde inicialmente seria de todo impossível implementar um discurso museológico. Foram assim realizadas obras de restauro das futuras salas de exposição nas antigas casernas dos quarteis do casarão e em parte da antiga cavalariça.
O Museu é inaugurado oficialmente pelo General Chefe do Estado-Maior do Exército a 29 outubro de 2009, abrindo ao público com uma área de acolhimento e loja, cinco salas dedicadas à Coleção de Arreios Militares, cinco salas dedicadas à Coleção do Serviço de Saúde do Exército e uma sala dedicada a Hipomóveis Militares.
O Museu Militar de Elvas mantém no seu edificado o Convento de S. Domingos (séc. XIII), Muralha Fernandina (séc. XIV) e parte da Muralha Seiscentista (séc. XVII), sendo um caso único no panorama museológico nacional, já que as suas infraestruturas são três monumentos nacionais. Estes monumentos passaram a integrar a lista de Património da Humanidade da UNESCO em 30 junho 2012, bem como toda a cidade de Elvas. Com uma área total de 150.000m2 e uma área coberta de 14.000m2, atualmente a área coberta e já museografada é de cerca de 6.000m2.
A localização das instalações do museu na malha urbana da cidade de Elvas contribuiu de forma decisiva para que em 2009 fosse assinado o Acordo de Colaboração entre o Exército Português e o Município de Elvas, para a instalação dentro do Museu Militar de Elvas do Centro Interpretativo do Património. Estas instalações são hoje o ponto de partida por excelência daqueles que pretendem conhecer o património elvense.
Considerando que o Museu Militar de Elvas deve ser um fator de integração e desenvolvimento na sociedade local em que se insere, em 2010 é assinado um Acordo de Colaboração com o município para a instalação no interior das instalações do Jardim de Infância do Centro Histórico. Esta ação veio a verificar-se como uma mais valia trazendo a sociedade civil para o espaço museológico.
A receção e exposição de peças museológicas, bem como a integração de um alargado espólio que foi sendo transferido para o museu, obrigou a que se tornasse necessário o apoio de entidades com capacidade técnica especializada, para a posterior exibição de peças. Com vista a cooperação na investigação, conservação e restauro, a obtenção e recolha, a inventariação e o cadastro do património museológico automóvel do Exército, foi em 2012 assinado um Protocolo de Cooperação com a Associação Portuguesa de Veículos Militares (APVM).
Ainda no âmbito das necessidades de apoio técnico levantadas, foi assinado um Protocolo de Cooperação com o Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, IP, para apoio ao Museu Militar de Elvas nos âmbitos da identificação, referenciação, bem como para colaboração na promoção do acervo e divulgação do estudo científico, técnico e cultural da coleção histórico-patrimonial de saúde militar.
Como referido, as instalações do Museu são a herança de anteriores aquartelamentos militares, entre eles o Regimento de Lanceiros Nº 1. Como antiga casa da Cavalaria Portuguesa, a existência de picadeiro coberto e de um campo de obstáculos serviu de base para que o Instituto Politécnico de Portalegre (IPP), que já então ministrava cursos superiores na Escola Superior Agrária de Elvas (ESAE), elaborasse proposta de colaboração com o Exército para que as aulas práticas do Curso Superior de Equinicultura se realizassem nas instalações do Museu, o que veio a iniciar-se em 2013. Nasce assim, com o apoio da Câmara Municipal de Elvas, o Centro de Animação e Formação Equestre de Elvas (CAFEE), construído nas antigas oficinas auto do Centro de Instrução de Condução Auto 3 (CICA3) e constituído por cavalariças, além do picadeiro coberto e campo de obstáculos.
É altura de afirmar que é difícil encontrar no território nacional um espaço de cultura e mais especificamente cultura militar que integre tão vasta e diversificada panóplia de atividades e instituições que se integram em pleno. Fruto do trabalho desenvolvido, e garantindo as competências necessárias, o Museu Militar de Elvas passa em 2014 a ser o primeiro museu do Exército a integrar a Rede Portuguesa de Museus (RPM) da Direção Geral do Património Cultural (DGPC). O Museu integra ainda o Registo de Museus Ibero-Americanos.
As atuais temáticas do Museu Militar de Elvas são:
- História da fortificação de Elvas;
- Convento de S. Domingos;
- História do Serviço de Saúde do Exército Português;
- Hipomóveis e Arreios Militares no Exército Português;
- Viaturas do Exército Português;
- Guerra do Ultramar Português (1961-1974);
- Transmissões militares do Exército Português;
- Armamento coletivo e pesado do Exército Português desde 1851;
- A História dos instrumentos musicais do Exército Português;
- A evolução da psicotecnia no Exército Português.
Como podemos inferir, o conjunto de temáticas é tão vasto que para a sua investigação, análise, pesquisa de localização e recolha de peças, estamos a tratar de um labor que está no seu início, se consideramos que o Museu Militar de Elvas apenas abriu portas em 2009.
Os militares colocados em Quadro Orgânico constituirão sempre uma equipa curta e maioritáriamente dedicados a trabalhos de índole diária, bem como á inventariação, documentação, restauro, exposição e divulgação do acervo.
3.
A Coleção dedicada à temática da “Guerra do Ultramar Português (1961-1974)" apresenta caracteríscas específicas, uma vez que algumas das suas peças estão integradas em diversas áreas expositivas de diferentes coleções. O Exército não tinha até á criação do Museu Militar de Elvas um espaço único dedicado áquele período temporal da sua história.
As peças que constituem o acervo daquela temática foram identificadas com base nos acervos de várias Unidades da estrutura territorial do Exército e em algumas Coleções Visitáveis das extintas Direções das Armas e Serviços.
Os Serviços de Museologia estão em permanente investigação de peças, nomeadamente existentes nos Depósitos Logísticos e em Unidades orgânicas que por diversas razões ainda as possuem. A não existência de um trabalho contínuo junto do Comando da Logísitica acarreta dificuldades em identificar e recolher materiais que por deixarem de estar ao serviço efetivo do Exército passem a constituir reserva para vir a integrar o acervo do Museu.
A história recente do Exército e a respeitante à Guerra do Ultramar apresenta uma via de investigação de relevo, uma vez que muitos dos intervenientes nos Teatros de Operações estão entre nós. Nesse âmbito, tem vindo a ser realizado um trabalho de recolha de testemunhos na primeira pessoa. Através de uma parceria com a Rádio Elvas realiza-se (atualmente suspenso) um programa radiofónico em formato de tertúlia onde até ao momento se recolheu em formato digital cerca de duas centenas de horas de testemunhos de antigos combatentes. Esta base de dados, acompanhada de pequenos currículos de cada militar, representa um excelente objeto de estudo para investigadores. Os assuntos abordados nas tertúlias não visam as ações operacionáis, embora por vezes a elas seja difícil escapar, mas sim todo o contexto social e regional dos mancebos que cumpriram a sua missão, as suas vivências em terras longínquas, o seu regresso, integração na sociedade e quem são esses homens na atualidade.
A Guerra do Ultramar não pode apenas ficar circunscrita a um conjunto de objetos que testemunham aquele período, são também as memórias de quem escreve passados quarenta e oito anos “em 17 de abril de 1971 iniciámos em cumplicidade, solidadriedade, camaradagem e unidade a construção de uma nova família" (BCaç3838, 2019, pp. 18).
A soma de um acervo material e imaterial existente, quer em reserva museológica quer em exposição permanente no Museu Militar de Elvas, garante uma perspectiva abrangente de alguns meios que estiveram ao serviço durante o período da Guerra do Ultramar Português.
4.
Visitemos, embora de forma breve, algumas peças do acervo do Museu Militar de Elvas:
a. Com o início da insurgência em Angola, a resposta portuguesa com base no Exército centra-se nas forças de caçadores. Entre as diferentes forças destacadas para combater a subversão surge a tropa a cavalo, também denominados Dragões. Após testado um pelotão no Leste de Angola é constituído um primeiro Esquadrão a cavalo, seguido de outro e a experiência aplica-se também a Moçambique. A velocidade, as cargas, o raio de acção elevado e uma autonomia superior são vantagens que esta força possuía face aos caçadores (Pinto, 2010).

Figura 1 - Arreio de montada com selim M74 e cabeçada M41 (MME 20095)
b. A Artilharia também teve a sua aplicação nas Províncias Ultramarinas. Na guerra subversiva pretende-se que a utilização de fogos contribua na destruição ou neutralização de bandos armados ou guerrilhas, dificultado-lhes o reabastecimento a partir de bases de apoio existentes junto das populações locais. Em Angola pretendia-se ainda reduzir o moral, o repouso e a capacidade de movimentos dos grupos armados. Nesse Teatro de Operações (TO) os Pelotões de Artilharia apoiavam a defesa dos aquartelamentos aquando de um ataque e realizavam missões de flagelação sobre áreas suspeitas. No entanto, durante o conflito, as unidades de Artilharia de Campanha tiveram uma maior intervenção no cumprimento de missões típicas de Infantaria do que como elemento de apoio de fogos (Soares et al., 2015). Um dos armamentos colocados no TO foi o Obus 14 cm m/943.

Figura 2 - Obus 14cm M943 (foto do autor) (MME 60034)
c. Com o incremento do conflito, o apoio logístico para os Teatros de Operações a implementação de um apoio logístico eficaz e contínuo apresentou um grave problema para a Metrópole. A implementação das atividades das Oficinas Gerais de Fardamento e Equipamento com a criação de delegações e sucursais e a construção de depósitos veio possibilitar um reabastecimento mais rápido de diversos equipamentos como por exemplo o fardamento camuflado[3].

Figura 3 - Uniforme Camuflado m964 (MME 80021); Equipamento M64 Aligeirado (foto do autor)(MME 80024)
d. Quando nos sentamos a ouvir aqueles que combateram nas terras de além-mar, é recorrente ouvirmos falar das "Berliet". O termo refere-se às viaturas fabricadas na Metarlúgica Duarte Ferreira (MDF) com sede no Tramagal. Com o acordo entre os franceses da Berliet e a MDF assinado, em meados de 1964, é realizada a primeira encomenda de 450 camiões GBC-8KT 4x4 para o Exército (Monteiro, 2018, pp. 9). A este modelo seguem-se mais tarde os modelo de três eixos GBC-8KT 6x6 e o GBA MT 6 6x6.
Figura 4 - Auto TG 2.5 Ton Berliet Tramagal GBC (foto do autor)(MME 50060)
No âmbito das viaturas militares, muitas das que integram o acervo do Museu Militar de Elvas prestaram serviço nos teatros de Operações Ultramarinos. Com o objetivo de lhes garantir a sua antiga operacionalidade e existindo no Quadro Orgânico de Pessoal do Museu uma Secção de Conservação e Restauro, tem vindo a ser desenvolvido um trabalho de restauro de viaturas militares, fruto do Acordo de Cooperação já acima referido com a Associação Portuguesa de Veículos Militares (APVM). Resultado do profíquo trabalho desenvolvido, o Museu Militar de Elvas/Direção de História e Cultura Militar e a APVM foram agraciados com um prémio da Associação Portuguesa de Museus pelo trabalho de restauro realizado numa Viatura Blindada de Reconhecimento (AML) Panhard HE60-7 4.8Ton 6cm 4x4 M/1965.
Figura 5 - Panhard AML_ 60 (MME 50083)
Neste artigo não poderia deixar de ser referida uma viatura cuja utilização é transversal à Guerra do Ultramar Português; refiro-me ao Auto TG Mercedes Benz Unimog-411, ou, como vulgarmente é conhecido, o “burro do mato". O Unimog transportava até 10 homens em patrulhas e a sua posição elevada, e de costas com costas, permitia aos militares detetar movimentos nas proximidades. Em caso de emboscada, e tratando-se de uma viatura bastante rústica, a tripulação não tinha qualquer tipo de proteção, baseando-se esta na capacidade de o militar saltar rapidamente da viatura, respondendo ao fogo e montando segurança. A viatura provida de guincho mecânico frontal permitia realizar reboques, e teve diversas utilizações, desde veículo de ligação, transporte de comida, correio, inclusivé transporte de feridos.
Figura 6 - Auto TG Mercedes Benz Unimog_411 (MME 50062)
e. Destinados à coordenação de movimentos táticos e na rotina da vida disciplinada dos quartéis, o Clarim (na Infantaria) e a Requinta (na Cavalaria) trazem memórias a todos os que ouviram desde a “Alvorada", até ao “Silêncio" e a muitos que os ouviram na hora da partida ou regresso integrando as Bandas Militares quando o paquete atracava.


Figura 7 - Clarim (MME 10023) Figura 8 - Requinta de Sinais (MME 10024)
f. “A sua cara, de olhos esbugalhados, andava de um lado para o outro seguindo os movimentos lentos do cabo enfermeiro e do seu ajudante improvisado, o guia bailundo. Da bolsa regulamentar saía agora um penso antigo"[4]. Este trecho expressa aquilo que muitas vezes acontecia durante a atividade operacional e que punha em marcha as ações de evacuação do Serviço de Saúde. Os três Teatros de Operações dispunham de diversos canais de evacuação, desde o Posto de Socorros da Unidade ao helicóptero diretamente para Hospital Central. Os Serviços de Saúde Militar, funcionavam em paralelo com Os Serviços de Saúde Civis.

Figura 9 - Bolsa de Socorrista (MME 9005)
g. Sem retirar valor às Transmissões Permanentes, releva-se a importância das Transmissões de Campanha. No território de Angola as primeiras colunas no início do conflito seguiam para Norte sem rádios, comunicando através dos postos administrativos, o que acarretou possíveis fugas de informação resultando em emboscadas.
A entrada ao serviço do AN/GRC-9 veio melhorar a situação, pois era um equipamento transportável em três cargas. No entanto, a sua utilização foi sendo posta em causa, devido aos elevados condicionamentos no seu transporte e consequente implicação na operacionalidade dos grupos de combate que se deslocavam em longos períodos de tempo e distancia .
Figura 10 - Rádio Transmissor 77 do Emissor-Receptor ANGRC-9 (MME 40057) ; Unidade amplificadora do AN GRC 9 (MME 40058); Gerador Manual N-38-A-OY_A (foto do autor)(MME 40059)
Nas Comunicações Permanentes verificou-se uma constante evolução, no entanto nas transmissões de campanha apenas em 1967 com a entrada ao serviço do E/R Racal TR28 se encontrou um substituto eficaz para a substituição do AN/GRC-9. Na Guiné, estes dois aparelhos não provaram sendo para transmissões de curta distância utilizados os E/R AVP-1 para comunicar com equipamentos em instalações fixas[5].

Figura 11 - Emissor Recetor TR-28 (foto do autor) (MME 40088)
Conclusão
O Museu Militar de Elvas como Órgão integrado na estrutura do Exército promove a valorização, o enriquecimento e a exposição do património histórico-militar a si atribuído.
Embora celebrando em 2021 o seu 12º aniversário, tem vindo a desenvolver atividades de acordo com as diretivas superiormente emanadas, com vista a promover a preservação, conservação, interpretação e estudo do seu acervo e temáticas. A realidade atual assume-se como um grande desafio em que o trabalho de equipa interdisciplinar e o relacionamento integrado entre o meio cultural castrense e a sociedade civil assumem um papel preponderante no desenvolvimento de estratégias e ações práticas. Assume ainda importância de relevo a integração dentro das possibilidades, de entidades e projetos sociais, culturais e de ensino que permitam um Museu que se pretende de ideias.
A Guerra do Ultramar não está ainda tão distanciada em termos históricos para que, por vezes e em diversos temas, se garanta uma objetividade de estudo. Os especialistas militares e civis bem como a Academia começam agora a apresentar trabalhos consolidados sobre a temática. É decorrente desta realidade que sobre a temática da Guerra do Ultramar Português, tratada no presente artigo, embora reconhecendo que nas Forças Armadas coabitem espaços museológicos no mesmo âmbito, porque é uma das suas temáticas de estudo, é no Museu Militar de Elvas que deverá o Exército exercer o esforço de garantir a memória histórica dos 13 anos de Guerra do Ultramar Português, considerando-o como espaço por excelência onde esse acervo deverá ser de forma sistemática estudado, interpretado, exposto e divulgado.
Bibliografia
SANTOS, José Alberto Loureiro dos – Reflexões sobre estratégia: Temas de segurança e defesa. Mem Martins, Portugal: Publicações Europa-América, 2000. Edição nº 104302/7378. pp. 168-169.
BARROCAS, Rita Alpiarça – Contributo para o estudo da organização médica nos territórios de Angola, Guiné e Moçambique (1961-1974). Lisboa, Portugal, Universidade de Lisboa- Faculdade de Letras, 2016. Dissertação conducente ao 2º ciclo de Estudos em História Militar (Grau de Mestrado).
PINTO, Luís Fernando Sousa Teixeira – As Unidades de Cavalaria na contra-subversão no Ultramar Português. Lisboa, Portugal. Academia Militar, 2018. Trabalho de Investigação Aplicada.
SOARES, Paulo [et al.] – A Função de Combate Fogos na campanha militar no teatro de Operações de Angola (1961-1974): Trabalho de investigação de grupo CPOS. Pedrouços, Portugal. Instituto de Altos Estudos Militares, 2015.
MONTEIRO, Pedro Manuel - Berliet, Chaimite e UMM: os grandes veículos militares nacionais. Publicações Contra Corrente, 2018. ISBN 978-989-99012-6-1.
107 SOLDADOS DO BATALHÃO DE CAÇADORES 3838 – Uma vivência Angola Norte: Batalhão Caçadores 3838. Portugal 2019. ISBN 464035/19. p. 18.
RODRIGUES, Francisco Amado; TEIXEIRA, Mariana Jacob – Museus Militares do Exército – Um modelo de gestão em rede. Lisboa, Portugal: Edições Colibri, 2012. Depósito Legal nº 351283/12.
Tabela de Figuras
Figura 1-MME 20095_Arreio de montada com selim M74 e cabeçada M41 (foto do autor)
Figura 2 - MME 60034 - Obus 14cm M943 (foto do autor)
Figura 3- MME 80021_Uniforme Camuflado m964_MME 80024_Equipamento M64 Aligeirado (foto do autor)
Figura 4- MME 50060_Auto TG 2.5 Ton Berliet Tramagal GBC (foto do autor)
Figura 5 - MME 50083_Panhard AML_ 60 (foto do autor)
Figura 6 - MME 50062_Auto TG Mercedes Benz Unimog_411 (foto do autor)
Figura 7 - MME 10023_Clarim (foto do autor)
Figura 8 - MME 10024_Requinta de Sinais (foto do autor)
Figura 9 - MME 9005 Bolsa de Socorrista (foto do autor)
Figura 10 - MME 40057_Rádio Transmissor 77 do Emissor-Receptor ANGRC-9; MME 40058_Unidade amplificadora do AN GRC 9; MME 40059_Gerador Manual N-38-A-OY_A (foto do autor).
Figura 11- MME 40088_Emissor Recetor TR-28 (foto do autor).
Notas
[1] International Council of Museums (ICOM); Definição de Museu; Artigo 3º dos Estatutos Adotados pela Assembleia Geral Extraordinária em 09 de junho de 2017 (Paris, França). Tradução do autor.
Disponível na internet: https://icom.museum/wp-content/uploads/2018/07/2017_ICOM_Statutes_SP_01.pdf
[2] Diário da República: I Série n.º 250/2014, [Consult. 1 out 2021]. Disponível em WWW: https://data.dre.pt/eli/dec-lei/186/2014/12/29/p/dre/pt/html
[3] MONTEIRO, Pedro – A Logística de Portugal na Guerra Subversiva de África (1961 a 1974), Revista Militar, (Online), Nº 2539/2540, setembro de 2013. Disponível em: https://www.revistamilitar.pt/artigo/844.
[4] MELO, João – Os anos da guerra: 1961-1975, Os portugueses em África, crónica, ficção e história; João de Melo e Círculo de Leitores Lda., 1988, Depósito Legal nº 20397/88; Vol I, p.181
[5] Transmissões, Comissão da História das - As Transmissões Militares na Guerra Colonial; Revista Militar (online); Nº 2513/2514 - junho/julho de 2011; disponível em: https://www.revistamilitar.pt/artigo/676
JOAQUIM RODRIGUES BUCHO
Coronel de Infantaria na Reserva com o curso da Academia Militar (Arma de Infantaria). Mestrado em Museologia (UDIMA), Pós-Graduação - Educação em Museus (UDIMA) e Curso de Segurança em Museus (DGPC). Diretor do Museu Militar de Elvas entre setembro de 2015 e maio de 2020.
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