Ir para o conteúdo principal
A Queda do Estado Português da Índia 1954-1962
Ficha técnica Edições Normas Contatos Voltar

​​​


A QUEDA DO ESTADO PORTUGUÊS DA INDIA

 ​​​

 

 Foto Autor.JPG

António de Faria Menezes

 

 

 

Resumo

Este artigo descreve a disputa entre Portugal e a India, com ênfase na estratégia militar, que culminou com a queda do Estado Português da India e o fim da presença lusa de 500 anos naquela região. Após décadas de disputa e perante a intransigência portuguesa numa solução mediada, o fracasso da sua manobra diplomática em garantir o bloqueio ao uso da força militar, a India desencadeou a Operação Vijay, invasão militar dos territórios de Goa, Damão e Diu com força desproporcionada perante uma reduzida e obsoleta capacidade militar expressa no Plano Sentinela.

Palavras-Chave: Estado português da India; Goa; Damão; Diu; Operação Vijay; Plano Sentinela

 

Abstract

This article describes the dispute between Portugal and India, with emphasis on military strategy, which culminated in the fall of the Portuguese territories of India and the end of the 500-year-old portuguese presence in that region. After decades of dispute and in the face of portuguese intransigence in a mediated solution, the failure of its diplomatic maneuver to ensure the blockade of the use of military force, India unleashed Operation Vijay, the military invasion of the territories of Goa, Damão and Diu with disproportionate force in the face of a reduced and obsolete military capability expressed in the Sentinel Plan.

Keywords: Portuguese State of India; Goa; Daman; Diu; Operation Vijay; Sentinel Plan

 



1. Antecedentes

A independência da India em 1947 e a sua ambição de ter um território uno sem partes administradas por potências estrangeiras, entra em conflito com a posição portuguesa de defender Goa, Damão e Diu como parte integrante de Portugal, uma realidade política, una e pluricontinental com a metrópole e províncias ultramarinas.

Este confronto na interpretação do estatuto jurídico e político do Estado Português da India, como colónias que importaria integrar, ou partes soberanas dum mesmo Estado, rapidamente saltou para o palco das organizações internacionais, nomeadamente nas Nações Unidas (ONU), onde preponderava a defesa do direito à autodeterminação e independência dos povos sujeitos a administração colonial. O clima de confrontação surgido com a Guerra Fria e sobretudo a oportunidade de aceder a recursos ou trazer para a influência dos dois blocos, novos países ou regiões, fazia também pender a balança contra os interesses de Portugal e a sua política ultramarina.

A India, na liderança do movimento dos países não-alinhados, apresentava-se como exemplo da libertação colonial por meios pacíficos, sustentando de forma ativa, os diversos movimentos de independência que surgiam no dealbar da queda dos impérios europeus. A questão de Goa, Damão e Diu era, sem dúvida, uma exceção insustentável para a sua plena afirmação internacional e os ventos da história corriam claramente a seu favor.

Portugal mobilizou a diplomacia assente na força do direito e da sua soberania de 450 anos sobre os seus territórios em três eixos e aliados. Em primeiro lugar junto à Inglaterra, cimentado no Tratado de Windsor e na “velha aliança", pressionando através desta a India, no sentido de respeitar a integridade de Goa, Damão e Diu, dissuadindo-a em último caso pela sua presença e apoio, do recurso à opção militar. Em segundo lugar na OTAN, onde era membro fundador desde 1949, procurando escorar apoios para invocar a cláusula de solidariedade de defesa coletiva e a sua extensão para territórios fora da Europa. Por fim tentando o apoio junto à administração americana e sua influência na ONU para isolar a India e bloquear qualquer intenção desta de resolução pela via militar.

Infelizmente para os nossos propósitos, a manobra diplomática, onde assentou toda a prioridade e inclusive, o absoluto convencimento nacional da impossibilidade da utilização da força pela India, não resultou em nenhuma das frentes.

A Inglaterra, após a independência da India e da entrada desta na Commonwealth, em nenhum caso empregaria meios militares na defesa do estado português da India, mesmo que assim fosse solicitado no âmbito do tratado de Windsor. Em comunicado lacónico sempre expressou o desejo de se encontrar uma solução negociada que estaria disposta a mediar. Em sede da OTAN, ficou claro que os meios aliados e a sua utilização no caso de agressão contra a soberania dos Países aliados, não teria aplicação fora do teatro de operações europeu. Com a mudança americana para a administração Kennedy e a sua declaração de apoio à independência das colónias, a posição portuguesa, valorada, no contexto da guerra fria, pela facilidade de utilização da base das Lajes pela aviação americana, não encontrou a firmeza necessária ao bloqueio da opção militar pela India.

A India, entretanto, foi garantindo os necessários apoios em sede dos países não alinhados e junto aos movimentos anticoloniais, protagonizando a sua liderança, defendendo em todas as organizações internacionais o fim de territórios administrados por potências estrangeiras, onde incluía Goa, Damão e Diu. Escorada como membro da Commonwealth na impossibilidade da Inglaterra defender militarmente territórios alheios, sobretudo na região que entregou de forma pacífica, desenvolveu uma manobra diplomática de impedir bloqueios dos previsíveis aliados da posição portuguesa e sobretudo um apoio da Rússia para vetar qualquer decisão, contrária aos seus interesses, do conselho de segurança.

A anexação dos territórios de Dadrá e Nagar- Aveli em 1954, o posterior bloqueio terrestre, as ações de protestos pacíficos e depois apoio a ações terroristas aos restantes territórios, foram premonitórios da libertação, na sua leitura, de Goa, Damão e Diu, com recurso a todos os instrumentos de ação estratégica nunca descurando a opção militar.

Em 18 de dezembro de 1961, a India pela força das armas invadiu o estado português da India pondo fim a 14 anos de conflito. Para Portugal, foi uma invasão duma parcela do seu território contra os princípios do direito internacional por um Estado estrangeiro, apenas reconhecido na ONU em 1974. Para a India, a libertação de Goa, Damão e Diu, constituiu a sua plena afirmação como potência regional.

Para o regime dirigido por Salazar foi um rude golpe, não apenas pela natureza da capitulação militar sem o determinado sacrifício de sangue que, na ideia ultima do regime, provocaria um clamor internacional, dando o desejado suporte para a política ultramarina, mas também porque os ventos da história trouxeram à ribalta a fragilidade das velhas alianças, face a novos interesses e alinhamentos, expondo que para manter a ideia de um Portugal do Minho a Timor, ficaríamos sempre isolados e apenas dependentes de nós e das nossas capacidades.

Ao querer ser firme contra os ventos da história, claramente anticolonialista, crendo na infalibilidade da manobra diplomática junto a aliados e nas organizações internacionais, e mesmo na postura pacifista da liderança indiana que nunca admitiria o recurso à força, o regime adotou uma postura de sacrifício militar, sem que reunisse, como era seu dever, os meios necessários para resistir a uma ação sempre desproporcionada face ao poderio militar indiano.

O Estado português da India não era defensável militarmente com os meios aí destacados, nomeadamente sem ter o mínimo de paridade em meios aéreos e liberdade de movimento para uma manobra tática assente na mobilidade em sucessivas linhas de retardamento até a uma defesa na ilha de Goa e península de Mormugão para ganhar tempo para uma solução mediada internacionalmente.

Imbuídos da necessária racionalidade que o tempo agora permite, numa análise pragmática dos acontecimentos, e sempre com ênfase na perspetiva militar, julgamos ser interessante, perceber a estratégia operacional, o terreno onde esta foi consumada, a organização e a estrutura de comando político e militar, os aspetos tangíveis e não tangíveis das capacidades militares, os planos elaborados e sobretudo a condução das operações, ao nível operacional e tático, procurando, em jeito de conclusão, retirar as consequências políticas, estratégicas e militares da Queda do Estado Português da India.

 

2. O Estado Português da India. Uma análise militar ao Teatro de Operações.

O Estado Português da India distava cerca de 12.000 Km da capital, sendo constituído a norte, por Diu na costa do Guzarate, por Damão no Golfo de Cambaia e por Goa e Ilhas de Angediva, S. Jorge e Morcegos na Costa Malabar, numa dimensão territorial semelhante ao Algarve, com uma população de 700.000 habitantes, entre hindus, muçulmanos e cristãos.

A ligação entre os três territórios era possível por mar, com recurso a marinha mercante ou meios navais, ou por meios civis por ar, sendo os movimentos terrestres, entre os territórios e nos próprios, limitados à fraca rede de estradas, as poucas alcatroadas estavam limitadas pela dificuldade de não permitirem o tráfico simultâneo em duas faixas, sendo mais tarde interditados por bloqueio, após a anexação de Dadrá e Nagar- Aveli.

De facto, em termos militares, quer em situação de paz ou agravado no caso de eventual conflito, uma vez reduzida a mobilidade estratégica, estaríamos na presença de três teatros de operações separados e, diria mesmo isolados, na sua eventual defesa, dispondo a India da total iniciativa para, em simultâneo ou de forma repartida, movimentar e concentrar forças sobre os territórios portugueses.

O território de Diu constituía um ponto forte defensivo contra um ataque terrestre, mas vulnerável se sujeito a cerco, uma vez perdido o controlo do mar e do ar, dependendo a sua resistência da capacidade de manter operacional o aeroporto e da duração dos abastecimentos e munições para dar combate.

No caso de Damão, enclave junto à costa, este era dividido pelo rio Sandalcalo em Damão pequeno a norte, onde se situava o aeroporto e Damão grande a sul. A fronteira com a India não se apoiava num obstáculo natural e o terreno apenas favorecia uma defesa no sentido norte-sul, sendo Damão grande o último reduto. Na capacidade de manter operacional o aeroporto para reforço e reabastecimento estaria a chave da resistência.

Goa, e sobretudo Panjim, por constituir o centro do poder político e militar, constituía o centro de gravidade a defender ou a conquistar, e dos aspetos militares salientavam-se como limitadores aos movimentos, os dois rios, o Zuari e o Mandovi que demarcavam a ilha de Goa, que naturalmente importaria reforçar em caso de defesa, sendo a aproximação no sentido este-oeste a mais direta, embora com limitações ao movimento de viaturas fora dos itinerários. A península de Mormugão com a sua infraestrutura portuária e o aeroporto internacional de Dambolim constituía também um objetivo estratégico a controlar para permitir o reforço e continuação duma defesa. Os principais cursos de águas, sendo de difícil transposição, possuíam pontes que materializavam áreas de passagem para movimentos de viaturas, existindo redes de embarcações e ferry civis sobre os rios Mandovi e Zuary. Importa reter que na sua máxima extensão o distrito de Goa tinha de norte para sul cerca de 100 Km e de este para oeste cerca de 60 Km.

A única linha de caminho de ferro existente provinha do território indiano até ao porto de Mormugão, estava destinada ao transporte e escoamento de mercadorias, sendo propriedade de entidades privadas estrangeiras e sem especial interesse para atividades militares.

A população vivia essencialmente da agricultura e do comércio, sendo também empregue na indústria de extração mineira e na administração pública, sendo muito procurada a integração na polícia, guarda fiscal ou nas tropas coloniais. Não existiam quaisquer conflitos de natureza étnica ou religiosa, havia um clima de cordialidade e respeito entre as comunidades cristã, hindu e muçulmana. Com a embora a independência da India em 1947, o movimento anticolonialismo despontou com ações de protesto e mesmo com atos de terrorismo, estando a sua génese sustentada numa elite goesa, sobretudo hindu e com maior nível de educação e estudos, a maioria não residente, sediada em Bombaim e com ligações ao partido do congresso indiano. As elites goesas locais adequavam as suas ambições políticas numa postura de adaptação aos tempos e poderes reinantes, procurando sobretudo gerir os seus negócios e interesses, aspirando, sem dúvida, assumir um papel mais relevante na administração política dos territórios, mas sem frontal oposição à presença portuguesa ou a defesa duma solução quer de independência ou integração plena na India.

 

3. A Estratégia Militar Portuguesa – O Plano Sentinela.

Com a entrada em 1949 na OTAN e de forma marcante entre 1951 e 1959, com o apoio americano em reequipamento por contrapartida da utilização das Lajes, as forças armadas portugueses modernizaram-se, não apenas em organização e procedimentos, mas sobretudo em doutrina e treino operacional, para padrões semelhantes aos seus aliados, num quadro de defesa convencional no teatro de operações europeu.

Infelizmente, este incremento em capacidade militar não chegou ao estado português da India, onde em termos de equipamento num breve retrato, poderíamos observar um exército ainda saído da 1ª guerra mundial, sem armas automáticas, reduzida capacidade anticarro ou antiaérea, uma situação deplorável em munições e explosivos, viaturas blindadas desgastadas, sistemas de comunicações assentes em instalações fixas, parque de viaturas de transporte obsoleto e uma mescla de tropas metropolitanas e coloniais, organizadas por companhias e esquadrões, mais ordenadas para tarefas de guarnição, dispersas em diversas posições e aquartelamentos num dispositivo de clara presença territorial. Acresce ainda a existência dum sistema robusto de Polícia e da Guarda Fiscal, embora com as mesmas deficiências apontadas no armamento e munições, que garantia a ordem pública e o controle de fronteiras, integrando assim o dispositivo militar terrestre nos três territórios e que na sua dimensão máxima em 1957 teve cerca de 12.000 homens.

Em termos navais, era imperativo garantir uma presença permanente de meios para assegurar o controlo marítimo e a ligação entre as diferentes parcelas. Para esse efeito, no seu empenhamento máximo, a componente naval possuía dois navios de guerra e três lanchas de fiscalização, bem como uma estação radio naval em Bambolim, fundamental para a ligação com a metrópole e entre os três territórios. Na altura da invasão apenas o aviso Afonso de Albuquerque e as três lanchas de fiscalização garantiam a presença naval.

Não existiam meios aéreos militares no território, existindo meios civis que asseguravam o transporte de passageiros e carga para a metrópole e restantes províncias ultramarinas, existindo acordo com o Paquistão para efetuar escalas no seu território.

Em termos de organização administrativa, o Governador era simultaneamente o Comandante Chefe do denominado Comando Territorial Independente do Estado da India (CTIEI), com quartel general (QG) em Pangim, dependendo nas suas funções militares, em termos logísticos do Ministério do Exército e em termos operacionais do Secretariado Geral da Defesa. Sob seu comando estavam as forças terrestres e as forças navais cada qual com o seu respetivo oficial general comandante. A sua Carta de Comando atribuía-lhe competências para defender a soberania dos territórios e para em último caso negociar o cessar-fogo, mas em nenhum caso, a rendição dos territórios.

Numa análise ao panorama militar importa referir que após a anexação de Dadrá e Nagar- Aveli em 1954 e com o aumento de tensão verificado com ações de insurreição e bloqueio terrestre, houve de facto um reforço do dispositivo militar proveniente da metrópole e das províncias ultramarinas africanas, que permitiu fazer frente com sucesso à estratégia indiana de insurgência e incentivo à revolta das populações. De facto, terá sido a derrota desta atividade subversiva pelas forças portuguesas que terão levado a India a escalar para uma intervenção convencional.

Com o recrudescer da posição indiana e não obstante a presença na fronteira de movimentações tendentes ao recurso á força militar, a plena confiança no êxito da manobra diplomática assente na legitimidade da soberania portuguesa, a assunção política que a solução contra uma ameaça desproporcionada da India nunca seria militar, e o surgimento da insurreição sobretudo em Angola, levou a uma redução para patamares mínimos do dispositivo em Goa, Damão e Diu. Esta redução foi feita não apenas em efetivos, de forma significativa nas forças terrestres no caso de Goa, de 7500 para cerca de 3500 militares, mas retirando também unidades completas e bem treinadas, como foi o caso dos batalhões constituídas por tropas africanas, cenário este agravado ainda pela transferência dos equipamentos e armamento mais modernos, para Angola, Moçambique e Timor.

De forma tangível em 1961, para a execução da estratégia terrestre, existiam em Goa, oito Companhias de Caçadores, das quais três constituídas por tropas naturais, quatro Esquadrões de Reconhecimento, duas Batarias de Artilharia, das quais uma de tropa natural, um Destacamento de Engenharia e uma Companhia de Manutenção. Em Damão encontravam-se duas Companhias de Caçadores e uma Bataria de Artilharia, constituindo o Agrupamento Constantino de Bragança, e em Diu, uma Companhia de Caçadores e uma Bataria de Artilharia, constituíam o Agrupamento António da Silveira.

Em termos navais para a execução da estratégia naval e conjunta, identificava-se em Goa, o Aviso Afonso de Albuquerque e a lancha de fiscalização Sirius, em Damão a lancha de fiscalização Antares, e finalmente em Diu a lancha de fiscalização Vega.

O Plano Sentinela, elaborado segundo orientação política e não escorado em avaliações militares, sujeito a constantes modificações e com falta de anexos importantes, definia o conceito de defesa militar para os três territórios contra uma ação armada das forças indianas, embora centrado em Goa, onde a manobra assentava no balizamento e retardamento do avanço inimigo em direção a Mormugão e ilha de Goa, com a identificação desta região como área a defender, numa fase inicial, pelo máximo período de tempo, para depois concentrar o potencial remanescente na posição final de resistência na península de Mormugão. Estabelecia ainda como missões aos escalões subordinados, sem qualquer critério ou racional, um quadro temporal de retardamento e um grau de resistência definido sem relação com o avanço inimigo, nunca especificando como se faria o desempenhamento das forças envolvidas e apoios necessários do comando superior.

Apesar dos imensos sinais de que a India estaria a movimentar forças para a proximidade da fronteira e relatos que dificilmente haveria sucesso na manobra diplomática, nos meses que antecederam a invasão, nunca se procurou testar a execução do Plano Sentinela, nem se cuidou em preparar as posições das unidades, o estabelecimento de comunicações ou mesmo o deslocamento dos postos de comando de agrupamentos e do comando militar, conforme estabelecido no conceito operacional.

Para dar cumprimento ao Plano Sentinela foram constituídos, inicialmente três Agrupamentos[1], a norte o Agrupamento D. João de Castro, a leste o Agrupamento Centro, e a Sul o Agrupamento D. Afonso de Albuquerque. Na defesa da península de Mormugão foi decidido constituir por reforços e cedências de forças dos outros agrupamentos, o Agrupamento Vasco da Gama. Como Reserva foi definida a Companhia de Caçadores número 6, localizada em Velha Goa.

Como possibilidades do inimigo o Plano estabelecia como hipótese, o ataque, apoiado por meios aéreos e navais, com o esforço a Sul com uma Divisão Mecanizada para conquistar Mormugão, e dois ataques secundários, um ao Centro com uma Brigada para apoiar o ataque a Mormugão e a Norte com duas brigadas para conquistar a ilha de Goa, podendo conjugar estas ações com assaltos aerotransportados ou desembarques anfíbios para controlar o aeroporto de Dambolim e porto de Mormugão.

Este conceito de defesa, definia, a nosso ver de forma confusa, duas áreas decisivas, a ilha de Goa e península de Mormugão, sem uma afirmação clara onde convergir e resistir, levando à dispersão de meios, já exíguos, na defesa destes dois objetivos. Também a prevista resistência na ilha de Goa e a posterior retirada, á ordem, das forças remanescentes, para Mormugão, sem a definição clara da sua missão ulterior, levava a diferentes interpretações sobre o comando e controlo das forças nas suas posições finais.

Assumir a perda da capital política, Panjim, com a retirada do governo e comando militar para Mormugão, sem um conceito de controlo ou defesa da população que permanecesse nas suas residências, configurava uma vulnerabilidade que se explorada poria em risco qualquer missão ulterior em Mormugão. Na verdade, a ausência da definição clara do estado final operacional, a finalidade última de qualquer operação militar, como por exemplo, defender na ilha de Goa e garantir condições para um reforço via Mormugão para continuar a combater ou o estabelecer duma linha de cessar-fogo para forçar uma intermediação, conduziria, como infelizmente a realidade veio a confirmar a uma capitulação anunciada. Também a seleção duma manobra exigente em termos de mobilidade e comando e controlo, requerendo um grau mínimo de superioridade aérea e uma rede de transmissões fiável que não foram nunca garantidas, transmitiam uma descrença geral nos comandantes responsáveis pela sua execução. Estranhamente e só possível porque a ameaça da invasão não estava presente nos planeadores militares, nunca se preparou, em tempo, um sistema de obstáculos assente nos principais cursos de água, a requisição do sistema de ferry e barcaças para fins militares, e mesmo as demolições planeadas no Plano de Barragens, das diversas pontes sobre as principais vias de comunicação,  não estavam devidamente coordenadas com o estabelecimento de posições de fogo direto ou indireto que permitissem retardar ou defender nesses obstáculos.

Os acontecimentos precipitam-se no mês de dezembro de 1961, com diversas incursões contra postos de fronteira e incidentes na ilha de Angediva, e proveniente do Governo em Lisboa, chegam telegramas trocados entre embaixadas que confirmam a concentração de forças indianas e, mais alarmantes, que da parte da Inglaterra e dos Estados Unidos, não haveria a desejada solidariedade que impedisse à India o recurso à solução militar.

A 14 de dezembro é recebido do Presidente do Conselho uma mensagem onde é dada ordem ao Governador para defender o território mesmo com sacrifício total, definindo um período de luta de pelo menos 8 dias para permitir uma mobilização política internacional. Em 15 de dezembro pelas 1630 foi dada ordem para executar o Plano Sentinela, tendo as unidades dos Agrupamentos entrado em posição.

Em 18 de dezembro 1961 as forças indianas invadem Goa, Damão e Diu, com 45.000 homens, apoiados por meios aéreos e navais, e como preparação tornam inoperacional o Aeroporto de Dambolim e silenciam as comunicações destruindo a estação radionaval de Bambolim. Forças do Agrupamento D. João de Castro, a norte, em posições de retardamento estabelecem o contato com forças da 50ª Brigada Paraquedista, e são forçadas pela ação inimiga a retirar para a ilha de Goa. O Agrupamento Centro entra em contato com as guardas avançadas da 17ª Divisão, inicia o retardamento deste ataque principal, executa as demolições das pontes e retira sem obrigar o inimigo a desenvolver o grosso das forças, entregando quase sem resistência a parte central do território e o nó crucial de Pondá. A sul, forças de reconhecimento do Agrupamento Afonso de Albuquerque estabelecem contato com as forças indianas, são sobrevoadas por meios aéreos, e não se apercebendo que se trata duma manobra de deceção, iniciam retirada sem pressão inimiga para norte. Forças navais indianas dão combate ao Aviso Afonso de Albuquerque e forçam o seu encalhe, tornando-o inoperacional. Em 18 de dezembro, no final do primeiro dia de combate, o remanescente das forças do Agrupamento D. João de Castro e do Agrupamento Centro encontram-se na ilha de Goa, e forças inimigas da 50ª Brigada Paraquedista controlam pontos de passagem sobre o Rio Mandovi, estabelecem bases de fogos nessa margem, regulam fogos sobre Panjim e aguardam ordem para atacar Goa. O Governador e o Comandante militar optam por permanecer juntos, movimentando ainda na manhã de 18 de dezembro, o posto de comando para a península de Mormugão deixando o escalão avançado em Agaçaim. Perante a forte ameaça sobre a ilha de Goa, por norte e este, surgem bandeiras brancas e a rendição das forças policiais em Panjim, e o comandante do Agrupamento D. João de Castro inicia negociações para a rendição da ilha de Goa. As forças indianas acordam em cessar-fogo até às 10h00 de 19 de dezembro.

Com a notícia da tomada eminente de Panjim e da queda da ilha de Goa, as forças dos Agrupamentos Afonso de Albuquerque e Vasco da Gama que ainda não foram empenhadas na península de Mormugão, recebem ordem para destruir material viaturas e armamento, consumando o Governador a rendição formal das forças portuguesas em 19 de dezembro pelas 14h00. Em 36 horas as forças indianas forçam a capitulação militar do Estado Português da India.

 

4. A Estratégia Militar Indiana – A Operação Vijay

Em finais de outubro de 1961, num seminário que reuniu diversos movimentos anticolonialistas e países não alinhados, organizado em Nova Delhi, o primeiro ministro Nehru afirmava que a India, face à intransigência portuguesa em entregar, de forma negociada, os territórios de Goa, Damão e Diu, não descurava o recurso a outras formas de coação para libertar, na sua visão, aquelas colónias.

A India detinha umas forças armadas com experiência operacional, herdeira das forças que combateram, na altura sob comando britânico, na II guerra mundial, com meios aéreos, navais e terrestres de última geração, afirmando-se neste domínio como uma potência regional. Tinha por isto, instrumentos militares para executar qualquer forma de estratégia determinada pela política.

Na verdade, enquanto no campo diplomático se debatiam alianças e posições, foram emanadas orientações políticas para a elaboração dum plano militar, envolvendo meios navais, aéreos e terrestres, com a finalidade de resolver militarmente o conflito. Foi atribuído ao Tenente General Chandury, comandante da Região Militar Sul, essa responsabilidade. Em 11 de novembro o plano militar foi concluído e presente para decisão política. Nascia a Operação Vijay, a primeira operação conjunta executada pela India na sua história.

Em linhas gerais, a conquista de Goa, nomeadamente da sua capital política Panjim, era eleita como objetivo estratégico a alcançar e qualquer manobra teria que privilegiar a rapidez, sendo inclusive decidido que a operação deveria estar concluída em três dias, evitando assim qualquer tentativa de intervenção internacional para um cessar-fogo ou o reforço que permitisse prolongar a resistência. Na avaliação militar estudada, claramente sobrevalorizada conforme a realidade veio a demonstrar, estimava-se que as forças portuguesas teriam cerca de três batalhões, quatro esquadrões de reconhecimento com autometralhadoras, três batarias de artilharia com material 105 mm em Goa, três companhias e uma bataria de artilharia em Damão e Diu, respetivamente, e que nas fronteiras haveria posições de escalão seção e pelotão, organizadas com base nas forças policiais. Em termos aéreos foi considerado a inexistência de meios aéreos de combate, mas prevista a existência de alguns bombardeiros no aeroporto de Dabolim, considerando-se também a existência de proteção antiaérea nessa infraestrutura. Em termos navais foram considerados a permanência de três navios de guerra de superfície e algumas lanchas de fiscalização armadas. Estimava-se que a manobra das forças portuguesas seria retardar desde a fronteira até aos principais cursos de água, executando uma rede de obstáculos minados e destruições seletivas nos principais itinerários e que exerceria o esforço na defesa da ilha de Goa e da capital política Panjim. Para Damão e Diu, foi estimada limitada resistência e inclusive uma rendição após a queda de Goa.  Foi considerada a possibilidade de reforço das forças portuguesas em meios aéreos e navais antes do início da invasão, sendo considerado impossível o reforço em meios terrestres em tempo útil após o início da operação. De realçar ainda que o moral das forças portuguesas era considerado baixo. Como preocupações estratégicas foram apontados como ameaças externas, a possível intervenção de meios aéreos ou navais do Paquistão.

Sob o comando do Major General Candeth, comandante operacional da operação em Goa, a manobra operacional[2] estabelecia o esforço a este, explorando a rapidez e o terreno com melhores itinerários na região central, com forças da 17ª Divisão, que atacaria com duas Brigadas mecanizadas, a 48ª e a 63ª em primeiro escalão, reforçadas com carros de combate e apoiadas por destacamentos de Engenharia com meios de redução e transposição de obstáculos, para conquistar em três dias a região de Velha Goa- Panjim, com a finalidade de derrubar o governo, impedir o massacre da população e delapidação do património, impedindo qualquer intervenção internacional conducente a um cessar fogo. No apoio a esta manobra e considerando que as linhas de obstáculos naturais dificultariam a aproximação, mais curta, mas julgada mais demorada, de norte para sul, forças da 50ª Brigada Independente Paraquedista, sob o comando do Brigadeiro Sagat Singh, teriam como missão controlar pontos de passagem e apoiar a conquista da Ilha de Goa. A sul, seria realizada uma manobra de deceção, simulando a manobra de uma brigada, para fixar forças portuguesas e facilitar a conquista de Mormugão pelo ataque da 17ª Divisão, com recurso ao 2º Batalhão (Sikh) reforçado com meios da Polícia (SRP). Esta ofensiva previa ainda a utilização de dois Regimentos de Reconhecimento e o apoio de fogos de um Grupo de Artilharia com material autopropulsado. No contexto operacional, meios aéreos seriam usados no bombardeamento prévio do aeroporto de Dambolim, com a intenção de o tornar inoperacional, na destruição da estação radionaval de Bambolim, impedindo as comunicações exteriores de Goa com a metrópole e restantes parcelas territoriais, e garantindo o apoio aéreo tático às operações. A componente naval teria como missão apoiar a manobra terrestre com fogos navais, efetuar um bloqueio naval que impedisse o reforço ou retirada de forças, e destruir ou capturar os meios navais portugueses.

Para a manobra operacional em Damão e Diu, o plano considerava a utilização de forças do 1º Batalhão de Infantaria (Maratha) apoiado por uma Bataria de artilharia, e forças do 20ª Batalhão de Infantaria (Rajput) reforçado com uma Companhia de Infantaria (Madras), apoiados por meios aéreos e navais para controlar os aeroportos e posteriormente conquistar respetivamente Damão e Diu.

Em 29 de novembro o plano foi aprovado politicamente para execução à ordem, sendo atribuído ao Comando Militar Sul a responsabilidade operacional, devendo as forças identificadas estar concentradas até 11 de dezembro. Na verdade, esta concentração de meios, exigindo requisição e desvio de significativos meios rodoviários e ferroviários, foram reportados nas instâncias internacionais e chegaram ao conhecimento do governo português, não existindo assim, estrategicamente, qualquer efeito surpresa.

Importa referir que embora o dia D estivesse referido como 16 de dezembro, por ser o tempo necessário para a concentração de forças e apoios, existiu ainda um protelamento político para garantir que os últimos esforços diplomáticos indianos, junto às Nações Unidas, Inglaterra e sobretudo Estados Unidos da América permitissem, no mínimo, um não afrontamento em caso de recurso à opção militar. Também importante foi a garantia da Rússia que vetaria qualquer resolução em sede da ONU que revertesse o facto consumado da libertação de Goa, Damão e Diu.

Assim, o Dia D foi a 18 de dezembro, e embora tenha sido considerado desfasar o ataque em Damão e Diu, para tirar partido do sucesso em Goa, foi decidido nas vésperas, que o ataque seria simultâneo. Também foram descartadas operações aerotransportadas ou desembarques anfíbios, por não existirem vantagens táticas significativas. No sentido de reconhecer itinerários e posições junto à fronteira, foram realizadas incursões de pequenos destacamentos a 17 de dezembro nos principais eixos de progressão para reconhecimento e balizagem de movimentos das forças já em zonas de reunião avançadas. Estas ações, foram tidas como forças invasoras pelos portugueses e tiveram como efeito a retirada de postos de fronteira e algumas posições avançadas, sem combate significativo, podendo ser afirmado que o avanço das colunas ao raiar da aurora de 18 de dezembro foi feito sem contato ou combate, mesmo alguns quilómetros no interior da fronteira.

Conforme planeado, procedeu-se à destruição por bombardeamento da estação radio naval de Bambolim e da pista do aeroporto de Dambolim, tornando-os inoperacionais, e durante esse ataque foi constatado que a defesa antiaérea era insignificante e que as operações seriam conduzidas em completa supremacia aérea. Após uma breve preparação de artilharia, a ofensiva foi conduzida conforme o plano, com as forças em guarda avançada das duas brigadas que executavam o esforço no sentido leste- oeste, e dos dois batalhões que progrediam no sentido norte- sul, limpando campos de minas e pequenas resistências pelo fogo, sendo apenas limitativo ao seu movimento, as execuções de demolições de pontes nos itinerários que obrigavam a parar as viaturas blindadas e carros de combate. A sul, a operação de deceção teve resultados inesperados, tendo a unidade penetrado até Canácona, e feito retirar forças portuguesas bem para norte.

Na verdade, a resistência em qualquer dos eixos de progressão era muito reduzida e apenas obrigava a empenhar as guardas avançadas, nunca forçando a desenvolver o grosso das forças, sendo a ação portuguesa descrita como “defesa por demolição" sem forçar o contato, apenas flagelando por fogo direto e morteiros e retirando após destruir pontes e pontões, que não sendo batidos pelo fogo eram facilmente reduzidos pela engenharia indiana.

Desta forma, o ataque secundário a norte, pela 50ª Brigada Independente Paraquedista atingiu a margem norte do Rio Mandovi, controlando pontos de passagem sobre a rede de obstáculos, na linha geral Betim- Peligão – Banasterim, tendo inclusive controlado a parte norte de Pondá, no final da tarde de 18 de dezembro, indo mais para Sul do que o determinado e só se detendo no assalto a Goa nesse dia, por falta de comunicação com o comandante operacional que acompanhava o esforço na região central. Este excecional sucesso deve-se ao mérito tático da força e à inesperada fraca resistência defensiva encontrada.  O Comandante da Brigada para forçar o ritmo do avanço estabeleceu inclusive incentivos dentro da Brigada para a primeira força a entrar e conquistar Panjim.

Na região central, forças da 17ª Divisão progrediram rapidamente, sendo apenas demoradas pelas destruições efetuadas, tendo atingido os objetivos intermédios na linha geral Banasterim- Pondá às 1200 horas de 18 de dezembro, aguardando apenas fazer chegar à frente meios logísticos para iniciar movimentos na direção de Goa e Mormugão. Não tendo comunicação do controlo das passagens e do sucesso do ataque a norte, e havendo também relatos de intenção de rendição de algumas posições portuguesas a Sul, não foi explorado o sucesso, dando ordem à 50ª Brigada Independente Paraquedista para assumir o ataque principal e forçar a entrada em Pangim por Norte ainda em 18 de dezembro.

As forças navais indianas efetuaram o bloqueio aos portos e entraram em combate com o vaso de guerra Afonso de Albuquerque, tendo-o deixado inoperacional e forçado o seu encalhe.

Entretanto pelas 1800 de 18 de dezembro são içadas bandeiras brancas em Panjim e uma delegação liderada por um padre católico traz uma comunicação escrita propondo discutir termos de rendição, ficando acordado tréguas até às 10h00 de 19Dez. Esta declaração não foi transmitida ao destacamento que guarnecia o Forte da Aguada, onde estavam presos opositores goeses, cuja libertação foi tentada por forças de reconhecimento indianas. Ignorando por desconhecimento as tréguas acordadas, e agindo conforme as ordens recebidas, o destacamento deu combate, tendo-se rendido apenas na manhã de 19 de dezembro.

A sul, as forças do 2º Batalhão de Infantaria reforçado com elementos da Polícia especial indiana (SRP), não encontrando resistência, forçam a retirada das forças portuguesas para norte, facilitando a progressão das forças no esforço, em direção a Margão. São relatadas viaturas e armamento abandonado e destruído e bandeiras brancas reconhecidas por sobrevoo de aeronaves indianas. Durante a noite e primeiras horas da manhã as forças portuguesas retiram para Mormugão onde se rendem. Em 19 de dezembro forças da 50ª Brigada Independente Paraquedista recebem ordem para conquistar Pangim e aceitar a rendição do Governador.

Em Damão e Diu, a manobra terrestre indiana[3] não teve o sucesso previsto, fruto duma avaliação sobranceira do potencial relativo de combate, nomeadamente no valor do terreno preparado, da vontade de combater “até ao último cartucho" dos respetivos comandantes e sobretudo pela falta de meios de transposição de obstáculos, no caso de Diu, tendo sido forçado a recorrer ao poderio aéreo e naval para obter dessa forma a rendição. O inesperado grau de resistência oferecido pelas guarnições portuguesas na defesa dos aeroportos e das cidades e fortes, pode encontrar explicação no corte de comunicações com Goa em 18 de dezembro e a manutenção ao plano original de resistir até ordens em contrário. De qualquer forma, independentemente da intensidade dessa resistência, em 19 de dezembro, Damão e Diu renderam-se perante o intenso bombardeio naval e aéreo. A Operação Vijay resolveu assim pela via militar 14 anos de confronto e selou o fim do Estado Português da India.

 

Conclusões

Com o fim do império britânico e a independência da India em 1947, o Estado Português da India apresentava-se como um fator de conflito óbvio para a ambição da liderança de Nehru dum espaço liberto de territórios administrados por potências estrangeiras.

Para Portugal a defesa intransigente dum estado pluricontinental, uno de Lisboa a Timor, com a negação do estatuto de colónia a Goa, Damão e Diu, não permitia qualquer solução negociada, sendo notório que, em último caso, era preferível perder a India, mesmo com sacrifício militar, para salvaguardar a política ultramarina e manter o restante conjunto territorial. A força do direito internacional estava do seu lado, mas claramente estava em contraciclo com os ventos da história, inclusive com os interesses dos seus aliados.

A India afirmava-se como líder do movimento dos países não alinhados e apoiava de forma indireta os movimentos anticoloniais que despontavam nas regiões dos antigos impérios em colapso, agora palco dos interesses das duas potências no clima da guerra fria, sendo inaceitável ter territórios administrados por Portugal no seu espaço. Tinha claramente força e meios para fazer valer a sua ambição e a vontade política para assim fazer.

A estratégia portuguesa foi priorizada na manobra diplomática, tentando mobilizar aliados ocidentais, sobretudo a Inglaterra e os Estados Unidos da América, no sentido de obter apoios dissuasores, invocando tratados e alianças, para bloquear o uso da força pela India na resolução do conflito. Com a posição inglesa de neutralidade no respeitante à ajuda militar contra um membro da Commonwealth, com a recusa dos aliados em estender a cláusula de defesa coletiva da OTAN aos territórios ultramarinos, e as posições de apoio aos movimentos anticolonialistas defendida pela administração Kennedy, a posição portuguesa ficou isolada e apenas dependente da decisão indiana de deixar cair a capa do pacifismo e recorrer ao uso da força militar.

O Estado Português da India não era defensável militarmente face à desproporção de meios e recursos que a India poderia mobilizar no tempo e local escolhido. Existia uma clara assimetria em quantidade, agravada esta com a redução de efetivos em 1960, mas também em qualidade, nomeadamente meios modernos, e sobretudo em experiência em combate. As forças portuguesas estavam dimensionadas para ações de contrainsurreição e completamente vulneráveis contra uma força militar moderna e desproporcionada em capacidades aéreas, navais e terrestres.

O Plano Sentinela era um desastre anunciado desde a sua conceção, pois nunca fora completado nos diferentes anexos, nem sequer treinado pelos comandos e tropas, sendo de impossível exequibilidade pela aposta num conceito operacional que exigiria, no mínimo, paridade aérea e mobilidade tática.

A liderança política e militar em Goa foi aceitando a redução da capacidade militar até ao nível mínimo, apenas capaz de fazer frente a ações armadas de grupos insurgentes e cultivando em todos os níveis de comando a crença na impossibilidade duma invasão militar. Se o fator tangível do potencial relativo das forças em presença pendia desproporcionalmente para a India, o moral das tropas era baixo para uma resistência efetiva como foi exigido politicamente.

A estratégia operacional da India materializada no planeamento e execução da primeira operação conjunta, a operação Vijay, pode ser considerada exemplar, nomeadamente pelo potencial esmagador colocado na manobra terrestre e o ritmo operacional imposto na conquista de Goa, respondendo assim ao objetivo político de libertar Goa, Damão e Diu, sem permitir intervenção internacional ou cessar-fogo sem o estado final militar consumado.

A estratégia operacional portuguesa nos três teatros de operações, Goa Damão e Diu, dispersando meios num retardamento incipiente, sem apoio de fogos sobre os obstáculos preparados, a organização em agrupamentos de combate desarticulados entre si e sem uma rede fiável de comando e controlo, potenciados pela confusão causada pela rendição da Ilha de Goa e na mudança do comando político e militar para Mormugão, facilitou um desfecho militar, que embora previsível, poderia ter sido mais consistente, demorado e honroso.

Como paradoxo da história militar portuguesa dos anos 60, fica a constatação que enquanto nos modernizávamos para combater como aliados na defesa da Europa, em Goa, Damão e Diu, tentamos combater, isolados, uma ameaça convencional moderna com um dispositivo obsoleto de contrainsurreição. Em 36 horas, com alguns atos de heroísmo, numa capitulação militar, com 31 mortos, 57 feridos e 4.668 prisioneiros de guerra terminou a presença de 450 anos na India. Entretanto em Africa, uma nova ameaça despontava, exigindo do Estado, que não esquecesse as lições aprendidas na India, dando as condições imprescindíveis para garantir militarmente o tempo para uma solução política.

Imagem1.png


Imagem2.png

 

Imagem3.png


Imagem4.png



Bibliografia

Azeredo, Carlos (2004) – Trabalhos e Dias de um Soldado do Império. Porto: Civilização.

Couto, Francisco (2006) – O Fim do Estado Português da India, 1961, Um Testemunho da Invasão. Lisboa: Tribuna da História.

Khera, P., Operation Vijay (1974) – The Liberation of Goa and other Portuguese Colonies in India, 1961. Deli: Relatório do Ministério da Defesa Indiano.

Morais. Carlos (1995) – A Queda da India Portuguesa, Crónica da invasão e cativeiro. Lisboa: Estampa, 2ª Ed.

Stocker, Maria Manuel, Xeque-Mate a Goa (2005) – O princípio do fim do império português. Lisboa: Texto Editores.

Mapas

Morais; Carlos (1995) – A Queda da India Portuguesa, Crónica da invasão e cativeiro. Lisboa: Estampa, 2ª Ed.



Notas

[1] Ver Mapa sobre Plano Sentinela.

[2] Ver Mapa sobre ação desencadeada pelas forças da União Indiana.

[3] Ver mapas sobre Agrupamentos Constantino de Bragança e António da Silveira.​


ANTÓNIO DE FARIA MENEZES

Tenente-General do Exército Português na situação de reserva.

Nasceu em Pangim-Goa, a 25 de janeiro de 1960. Habilitado com o curso de Infantaria da Academia Militar e de Estado-Maior do Instituto de Altos Estudos Militares. Cumpriu uma comissão de serviço no estrangeiro como Chefe do G3 Air Branch do Quartel-General de alta prontidão (HRF) de Valencia/Espanha, foi Comandante da Brigada Mecanizada, 2.º Comandante e Director de Ensino da Academia Militar e Comandante das Forças Terrestres.



PDFLOGO.jpegDescarregar este texto


​Como citar este texto:

MENEZES, António de Faria,​​ A Queda do Estado Português da Índia. Revista Portuguesa de História Militar - Dossier: Início da Guerra de África 1961-1965. [Em linha]. Ano I, nº 1 (2021). [Consultado em ...], https://doi.org/10.56092/EXCF1300

Partilhar
Conteúdo