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A BATALHA DE ALCÂNTARA E O FIM DA DINASTIA DE AVIS EM 1580



Humberto Nuno de Oliveira

José Manuel Garcia




Resumo

Descrição e contextualização da batalha de Alcântara travada em 25 de agosto de 1580 entre os exércitos do rei D. António e do rei Filipe II, comandado pelo Duque de Alba, em que o primeiro foi destroçado.

Neste texto mostra-se a importância deste combate que foi decisivo para pôr fim à dinastia de Avis e iniciar a chamada União Dinástica, em que coexistiam as coroas de Portugal e de Castela nos reis Filipes, mantendo o nosso reino a sua autonomia até que se deu a Restauração em 1640 e ficou restabelecida a sua plena independência.

Palavras-Chave: Batalha de Alcântara; D. António prior do Crato; Filipe II; Duque de Alba; Lisboa.

 

Abstract

Description and contextualisation of the Battle of Alcântara fought on 25 August 1580 between the armies of King António and King Philip II, commanded by the Duke of Alba, in which the former was destroyed.

This text shows the importance of this battle, which was decisive in putting an end to the Avis dynasty and starting the so-called Dynastic Union, in which the crowns of Portugal and Castile coexisted under the Philip kings, with our kingdom maintaining its autonomy until the Restoration in 1640 and its full independence was re-established.​

Keywords: Battle of Alcântara; D. António prior do Crato; Philip II; Duke of Alba; Lisbon.

 

 

 

Algum tempo antes de Luís de Camões ter morrido em Lisboa, a 10 de junho de 1580, escreveu uma carta ao seu amigo D. Francisco de Almeida, colocado em 1580 como Capitão-Geral da Comarca de Lamego, onde lhe dizia: “Enfim acabarei a vida e verão todos que fui tão afeiçoado à minha pátria que não só me contentei de morrer nela, mas com ela".

Estas palavras refletem a amargura do Poeta ao ver aproximar-se a morte e adivinhar o breve e dramático desfecho da conjuntura política que então Portugal atravessava. Estamos perante um lamento profundo e sentido, ainda que exagerado. Com efeito a pátria não morreu, apesar de ter passado por sobressaltos nas décadas seguintes derivados da morte de D. Sebastião na batalha de Alcácer Quibir em 1578.

É bem sintomático dos perigos que se avizinhavam a circunstância de em 18 de junho de 1580, poucos dias após a morte de Camões, se ter verificado a rendição de Elvas às forças de Filipe II. Entretanto este monarca pressionava as autoridades portuguesas a reconhecerem-no como rei, ameaçando que se não fosse obedecido invadiria Portugal. Por tal motivo estabelecera-se em Badajoz onde fez reunir um poderoso exército.

Estamos perante os preliminares de uma ofensiva que, passado pouco mais de dois meses, viria a culminar na batalha de Alcântara, travada em 25 de agosto de 1580.

 

Do reinado de D. Henrique à aclamação de D. António

Para compreendermos as motivações que levaram a tal confronto é necessário considerar os seus antecedentes. 

O cardeal D. Henrique, filho de D. Manuel I, subiu ao trono de Portugal em 28 de agosto de 1578 com sessenta e seis anos, tendo-se deparado com um grave problema sucessório. Durante o seu curto governo de 1 ano, 5 meses e 5 dias ele não teve capacidade de resolver essa difícil questão, o mesmo acontecendo com as cortes reunidas desde 11 de janeiro de 1580 em Almeirim, com o objetivo de discutir o assunto. 

Enquanto estas decorriam, o cardeal-rei morreu na noite de 31 de janeiro de 1580, exatamente com 68 anos, sem ter decidido quem seria o seu sucessor.

O essencial da questão aqui em causa centrava-se na escolha de um dos dois candidatos nacionais: D. António, prior do Crato, filho natural do infante D. Luís, segundo filho de D. Manuel I, ou D. Catarina, filha de D. Duarte, filho mais novo de D. Manuel I, a qual estava casada com D. João, duque de Bragança. Por outro lado, havia o candidato castelhano, Filipe II, filho de D. Isabel, filha mais velha de D. Manuel I, e de Carlos V.

1 D. António numa gravura alemã.jpg

                                                                                                      Figura 1 - D. António numa gravura alemã


O primeiro dos referidos candidatos nacionais, apesar de ter o apoio popular e de escassos nobres e clérigos mais patriotas, tinha contra si o facto de ser filho ilegítimo e, sobretudo, a circunstância de ser pouco conceituado entre a classe dirigente, além de que a ela pouco poderia oferecer. Há até a considerar o facto do seu tio D. Henrique o ter perseguido antes de ter morrido.

D. Catarina, ainda que tivesse uma boa situação jurídica para poder suceder ao trono, reivindicada em 1640 para legitimar o poder do rei D. João IV, também não contava com fortes apoios. Foi em vão que o seu marido reivindicou o trono após a morte de D. Henrique, tendo acabado por reconhecer Filipe II como rei de Portugal.

2 Filipe II de Castela, I de Portugal. Museu do Prado.jpg

                                                                                      Figura 2 - Filipe II de Castela, I de Portugal. Museu do Prado


As melhores condições para suceder ao trono português acabaram por ser reunidas por Filipe II, rei de Castela, que foi impondo o medo do seu poder militar enquanto ia corrompendo numerosos elementos da classe dirigente. 

Como reação à ameaça da iminente invasão castelhana, D. António foi aclamado tumultuosamente rei em Santarém, a 19 de junho de 1580, e depois em Lisboa a 23 de junho. 

D. António não tinha o carisma e a capacidade de se impor como rei, além de que em Portugal se vivia então uma situação de desânimo e crise agravadas pelo enfraquecimento militar resultante do descalabro de Alcácer Quibir.

Filipe II deu ordens para a invasão de Portugal ainda antes dos regentes-governadores do reino de Portugal, deixados por D. Henrique, terem declarado oficialmente em Castro Marim, a 17 de julho de 1580, que aquele rei de Castela também era rei de Portugal. 

O objetivo do exército invasor era conquistar Lisboa, pois sabia-se que após o seu domínio Portugal ficaria sujeito a Filipe II. 

 

Da passagem da fronteira pelo exército castelhano até à sua chegada a Alcântara

O exército de Filipe II que invadiu Portugal em 1580 poderá ter ascendido à partida a um máximo de uns 30 000 homens, ainda que também se tenha avançado com possibilidade de terem sido em número de 20 a 24 000 homens. De qualquer forma eram militares experientes na guerra, sendo muitos deles mercenários italianos e alemães, sendo chefiados pelo prestigiado D. Fernando Álvarez de Toledo, Duque de Alba. 

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                                                                                               Figura 3 - Duque de Alba, Fundação Casa de Alba

 

Esse exército passou a fronteira portuguesa do rio Guadiana em 28 de junho de 1580 e avançou pelo Alentejo seguindo por Estremoz, Évora, Montemor-o-Novo e Alcácer do Sal, que se foram rendendo sem resistência, até chegar a Setúbal em 17 de julho. Esta povoação ainda esboçou uma frágil reação militar, mas também se rendeu perante o poder da força invasora na tarde de 19 de julho.

Apesar deste facto o inimigo ainda teve de vencer as forças portuguesas centradas em três navios ancorados no rio Sado e no moderno forte de Santiago, no Outão, cujos 100 soldados resistiram nos dias 20 e 21 de julho, até se renderam neste último dia perante o poder de fogo dos adversários. Nesta ação, tal como na rendição da fortaleza de São Julião da Barra, destacou-se a intervenção do engenheiro João Baptista Antonelli, que se revelou decisiva.

Entretanto chegou a Setúbal a armada castelhana comandada por Álvaro de Bazán, marquês de Santa Cruz, que havia partido de Cádis a 7 de julho. Nela embarcou de seguida o exército filipino que se dirigiu para Cascais. 

Essas forças começaram a desembarcar em 29 de julho na chamada Laje de Ramil, perto da zona da Guia, tendo vencido a débil resistência de forças portuguesas sob o comando de D. Diogo de Meneses, que ainda tentaram evitar que tal acontecesse. 

Em 1 de agosto, os invasores conseguiram entrar no castelo de Cascais e no dia seguinte o referido fidalgo foi degolado para assim dar o exemplo do que poderia acontecer a quem resistisse ao Duque de Alba. Tal execução foi efetuada sob a acusação de traição, mas a vítima alegou a injustiça de tal ato pois nunca jurara fidelidade a Filipe II.

Para perdurar a memória da ação de D. Diogo de Meneses foi colocada em 2010, frente à fortaleza de Cascais, uma estátua em bronze representando a sua figura.

Em 6 de agosto, o exército filipino avançou em direção à mais importante fortaleza portuguesa então existente, a de São Julião da Barra. Esta era defendida por uns 600 homens comandados por Tristão Vaz da Veiga e começou a ser atacada em 8 de agosto até que em 12 de agosto o seu capitão se rendeu.

Na sequência desta derrota as forças portuguesas que ocupavam o forte da Cabeça Seca, situado no atual Bugio, retiraram-se para Alcântara, facilitando assim, a partir de 13 de agosto, a penetração da armada castelhana no Tejo.

Foi assim ultrapassado o principal obstáculo ao avanço castelhano rumo a Lisboa, o qual se caracterizou pela realização de pilhagens que se iriam prolongar até à chegada às velhas muralhas fernandinas da capital.

De seguida o Duque de Alba concentrou as suas forças na região do Mosteiro dos Jerónimos, onde se estabeleceu em 23 de agosto. 

Iremos​​ aqui recorrer à tradução do texto de Conestaggio, pois apesar de o seu autor nem sempre ser correto, é bastante claro na sua exposição. A conjuntura que se viveu desde 15 de agosto foi por ele descrita da seguinte forma: 

Estiveram estes dois exércitos oito dias assim perto um do outro, sem se moverem e com poucas escaramuças, ao fim dos quais, o duque mandou Sancho de Ávila com cento e cinquenta cavalos e alguns poucos infantes a reconhecer as terras e a ver o modo como se deveria atacar a Torre de Belém. Saíram-lhes ao encontro trezentos cavalos e quinhentos infantes portugueses que, desordenadamente, os acometeram. Mas como os castelhanos não pretendessem mais do que observar, ao serem assaltados pelos portugueses debilmente, escaramuçaram um pouco, com poucas mortes e voltaram aos alojamentos. 

No dia seguinte, saíram com maior número, travando escaramuça e, ao mesmo tempo, colocarem três peças de artilharia, que já de noite tinham conduzido para junto da Torre. Com poucos disparos de canhões, obrigaram a armada dos galeões a retirar-se de Lisboa e a Torre a render-se em seguida. E assim, a armada de mar do rei pôde seguramente entrar no porto de Belém, o que fez imediatamente.

 

As negociações que ainda se tentaram fazer entre D. António e o Duque de Alba, para evitar um ataque a Lisboa, malograram-se, acabando aquele rei por declarar em Alcântara, segundo Conestaggio: “naquele lugar venceriam ou morreriam todos".

D. Pedro de Cunha, capitão-mor de Lisboa, ainda sugerira a D. António a possibilidade de partir para o Brasil, onde poderia preparar a resistência contra Filipe II, projeto que não foi aceite. Curiosamente esta foi a primeira proposta nesse sentido, a qual viria a ser seguida em 1807 por D. João VI, que então se retirou para o Brasil a fim de não ser preso durante a primeira invasão francesa.

Perante o avanço das tropas castelhanas a armada portuguesa que defendia a entrada do Tejo recuou para Belém onde alguns dos seus navios ainda resistiram à armada do Marquês de Santa Cruz, até que se colocaram na zona de Alcântara. 

Entretanto, em 23 de agosto, rendeu-se a força portuguesa de uns 80 homens comandados por Nicolau Rodrigues de Sequeira que se encontrava na Torre de Belém e resistira aos ataques castelhanos.

A totalidade das forças inimigas poderia ascender até perto de uns 19 000 homens e, segundo Conestaggio, no essencial eram constituídas da seguinte forma:

O duque fez três corpos do exército, dois de infantaria a pé e um de cavalaria, que marchavam não atrás, mas quase ao lado uns dos outros, dentro do espaço que permitia a terra montuosa. 

No corpo do meio estava o duque com a maior parte da infantaria espanhola com alguns piqueiros tudescos, ordenada em quatro esquadrões, que não vinham ao lado nem atrás um do outro, mas esparsamente, segundo consentia o sítio, sendo ao todo cerca de seis mil. 

À direita pôs todos os italianos, o resto dos alemães e alguns, poucos, espanhóis, ordenados em três esquadrões, uns ao lado dos outros, comandados por Próspero Colona, que deviam ser outros tantos. 

Na esquerda, que era o terceiro corpo, vinha a cavalaria, comandada por D. Fernando de Toledo, filho do duque. Em primeiro plano, marchavam os arcabuzeiros a cavalo, no segundo, os ginetes, no terceiro, os cavalos ligeiros e no último, os homens de armas, onde ia o Prior.

 

No rio, que ficava à direita, aqui com uma largura de três milhas, estava o Marquês de Santa Cruz com setenta e duas galés e vinte e cinco navios, os quais, estando distantes da infantaria a cerca de um tiro de mosquete, serviam quase de ala ao exército daquele lado, correspondendo à cavalaria que estava do outro lado.

 

A batalha d​​e Alcântara

Desde 1 de agosto de 1580, D. António mandou concentrar as suas forças na margem esquerda da ribeira de Alcântara, frente à velha ponte que aí existia, tendo mandado abrir duas linhas de trincheiras e parapeitos com plataformas de artilharia para assim impedir o avanço do exército invasor. A maior parte dos seus homens estava protegido num olival um pouco mais para o interior.

A estratégia de D. António passava por uma ação defensiva na expectativa de que um “milagre" lhe pudesse dar a vitória. 

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                                                Figura 4 - Batalha de Alcântara num desenho de cerca 1580. Biblioteca Nacional de Portugal


Segundo o duque de Alba as forças portuguesas em Alcântara poderiam ascender a uns 13 000 homens, mas este número estará exagerado, pois na realidade seriam perto de uns 1000 cavaleiros e uns 8000 soldados, entre os quais se contavam cerca de 3000 negros, escravos que haviam sido libertos com a condição de servirem D. António. A maior parte de tais pessoas não tinha experiência militar.

O exército português era comandado pelo coronel D. Fernando de Meneses sendo o mestre de campo o carmelita frei Estevão Pinheiro. De entre os principais partidários de D. António destacavam-se D. Manuel de Portugal, o Conde de Vimioso, o bispo da Guarda, D. Manuel Portugal, Sancho de Tovar, D. Diogo de Meneses, Diogo Botelho e Manuel da Silva Coutinho, etc.

De entre outras personalidades integradas nas forças portuguesas contava-se Simão Vaz de Camões, primo de Luís Vaz de Camões, que veio a morrer durante a batalha.

No decorrer dos dias de espera pela chegada dos invasores em Alcântara muitos dos homens que a defendiam iam dormir a Lisboa, tendo alguns deles aí ficado no dia da batalha.

É de ponderar que na conjuntura de ameaça de guerra a invasão castelhana se viera a grassar a peste em Lisboa desde setembro de 1579, ainda que, entretanto, se tivesse desvanecido em finais de junho de 1580.

O duque de Alba deixou o Mosteiro dos Jerónimos antes do nascer do sol de 25 de agosto e foi colocar-se num ponto alto a oriente da ponte de Alcântara onde poderia ver o desenlace dos combates. As tropas castelhanas estendiam-se até ao Alto de Santo Amaro.

A batalha decisiva que deu a vitória a Filipe II travou-se pouco depois do início do dia, entre as 6 e as 7 horas da manhã de 25 de agosto de 1580. A sua fase decisiva demorou cerca de meia hora, ainda que se tenha depois prolongado durante mais algum tempo. 

A luta iniciou-se com a ação de artilharia e foi travada na região que está centrada na atual rua Prior do Crato, em Alcântara, a qual tinha a ocidente a ponte por onde se podia atravessar a ribeira de Alcântara.

5 Batalha de Alcântara numa pintura do Palácio de Viso del Marqués (Ciudad Rodrigo), cerca de 1585.jpg

                             Figura 5 - Batalha de Alcântara numa pintura do Palácio de Viso del Marqués (Ciudad Rodrigo), cerca de 1585


Para descrever as principais ações da batalha de Alcântara socorrermo-nos de novo das palavras de Conestaggio que descrevem de forma sucinta tal evento. Segundo ele o Duque de Alba:

Ia fazendo com a artilharia todo o dano que podia, tal como, do outro lado, fazia o Prior. 

O duque mandou Próspero Colona assaltar a ponte com os soldados que tinha na esquadra à mão direita, e tentar passar para o outro lado, ganhando o mais que pudesse de terreno. 

Ordenou a Sancho de Ávila que, com dois mil arcabuzeiros, retirados do corpo do meio, passasse o arroio bem acima, onde a margem é mais baixa e fácil para sair, e com a melhor vantagem que pudesse, atraísse o inimigo à batalha, assaltando-o pelo flanco até dentro das trincheiras. 

A D. Fernando, seu filho, ordenou que, com uma volta maior, onde o ribeiro não tinha margens altas, fosse com a cavalaria também ao outro lado encontrar-se com o inimigo. 

E se este não saísse do alojamento, como parecia não querer, de todos os lados ao mesmo tempo o assaltassem, ficando ele com o resto da infantaria para socorrer onde fosse necessário em lugar mais alto do que os demais, de onde pudesse divisar todo o exército. Aqui, deixando os esquadrões um pouco atrás de si, sentou-se o duque numa cadeira vendo o efeito que fazia o assalto e dando as contra ordens necessárias.

Próspero Colona chegou primeiro à ponte antes que Sancho de Ávila e a cavalaria passassem para o outro lado, talvez porque àqueles convinha fazer caminho mais longo, ou porque os italianos, como dizia o duque, para ganhar glória foram demasiado depressa. Não a achou desprotegida, porque os portugueses tinham posto ali os soldados em quem mais confiavam. Assim, ao primeiro assalto estes fizeram grande resistência, porque, não obstante os italianos se terem batido valorosamente, não surtiu, em pouco tempo, grande efeito, porque o lugar era estreito, defendido e guardado de través por muitos arcabuzeiros que estavam fortificados na casa de um moinho. E como não puderam lá chegar por causa da água que o circundava, acabaram por combater com grandíssima desvantagem. E assim, depois de o terem quase ganho, foram rechaçados com algum dano. 

Próspero Colona mandou então os soldados subir a um estreito penhasco que retinha a água do moinho, por onde podiam, embora dificilmente, chegar à pequena casa, e sofrendo algumas baixas, combateram-na e os de dentro foram cortados aos bocados. 

Assim, faltando ajuda pelo flanco aos defensores da ponte, sendo atacados do próprio moinho pelos italianos e fazendo Colona, simultaneamente, maior esforço na ponte, este acabou por vencê-la e passou para o outro lado. Para o que contribuiu a ajuda de Luís Dovara, que foi em seu socorro quando viu os italianos quase rechaçados, contra vontade do duque, com alguns piques dos alemães que lhes tinham sido dados pelo general deles. 

Aqui estiveram um pouco a suster um grande ímpeto, porque, como os portugueses não soubessem ainda que estavam a ser assaltados pela outra parte, todas as forças do seu exército com o próprio D. António tinham ocorrido à ponte, onde foram valorosamente recebidos por Próspero Colona e postos em fuga.

 

Planta de Alcântara.jpg

                                                         Figura 6 - Planta de Alcântara traçado em 1623 por Pedro Teixeira, Museu de Lisboa


 

Dos múltiplos relatos da batalha deduzimos que inicialmente os portugueses resistiram à ofensiva inimiga desencadeada frente à ponte, mas acabaram por ser derrotados quando as forças inimigas constituídas por cavaleiros e arcabuzeiros conseguiram flanquear com sucesso os portugueses a norte, perto da zona do Alto dos Prazeres. Atacadas em duas frentes os partidários de D. António acabaram por ser destroçados tendo os sobrevives fugido para Lisboa. 

Os invasores continuaram a saquear os arredores de Lisboa provocando numerosas mortes até se deterem na velha muralha fernandina da capital.

Segundo as indicações de Conestaggio durante a batalha de Alcântara dos portugueses “morreram cerca de mil e no exército do duque não chegaram a uma centena".

D. António recebeu duas feridas, uma na garganta e outra no rosto, durante o combate durante o qual lutou com todo o esforço até que acabou por fugir para Lisboa, de onde rumou para o Norte do País e depois partir para o exílio.

 

O corolário da batalha de Alcântara

Com este descalabro militar terminou a dinastia de Avis, que se havia iniciado pouco menos de duzentos anos antes, em 1383-1385, e se havia consagrado com a vitória na batalha de Aljubarrota, em 14 de agosto de 1385. 

Segundo o cronista Fernão Lopes, o fundador desta dinastia, D. João I, contava aí com um exército constituído por uns 6 500 homens enquanto a totalidade do exército castelhano poderia ascender a uns 30 000 homens. Ainda que estes números não sejam muito seguros e tenham de ser relativizados não há dúvida sobre a superioridade castelhana. Esta foi esmagada pela boa organização e empenho dos portugueses. 

Em 1580, as forças em confronto não eram muito diferentes, mas a capacidade de direção e motivação dos portugueses nesta última data revelaram-se insuficientes.

Com a vitória no campo de batalha Filipe II pode preparar a sua entrada em Portugal dirigindo-se então para Tomar, onde mandou reunir cortes para nelas ser reconhecido oficialmente como Filipe I de Portugal, o que aconteceu em 16 de abril de 1581.

O novo rei entrou em Lisboa em 29 de junho de 1581 assumindo então um vastíssimo poder imperial.

Quando Filipe II, rei de Castela, se referiu à sua ascensão ao trono de Portugal terá recorrido à muito significativa expressão: 

Yo lo heredé, yo lo compré, yo lo conquisté. Yo lo herédé, porque me lo resolvieron muchos Doctores; yo lo compré, para evitar repugnancias: yo lo conquisté, para quitar dudas (Eu herdei-o, eu comprei-o, eu conquistei-o. Eu herdei-o, porque mo esclareceram muitos doutores; eu comprei-o, para evitar repugnâncias: eu conquistei-o, para tirar dúvidas).

 

Estas frases, registadas pelo jesuíta Manuel da Costa em 1652, na sua obra Arte de Furtar, refletem com verossimilhança aquilo que o rei Filipe I de Portugal pensava com sobrançaria sobre a forma como assumiu o poder em Portugal.

Com efeito Filipe II considerava ser o legítimo herdeiro da coroa portuguesa, por ser neto do rei D. Manuel I. Quanto ao facto de dizer que tinha comprado esse reino justificava a circunstância de ter corrompido muitos portugueses influentes para que o aceitassem como rei, o que foi alcançado em grande parte devido à intervenção de Cristóvão de Moura. Finalmente ele declarou que tinha conquistado Portugal porque derrotou pela força das armas aqueles que se lhe tinham oposto, sobretudo graças à vitória alcançada em 25 de agosto de 1580 na batalha de Alcântara.

Como resultado desta tão grande tragédia, algo esquecida e sobretudo pouco conhecida, Filipe II pôde elevar-se à condição de rei de Portugal e afirmar-se como Rex Hispaniarum (rei das Espanhas). 

 

Bibliografia

CONESTAGGIO, Jeronimo de Franchi – História da união de Portugal à coroa de Castela. Tradução, introdução e notas Vitor Amaral de Oliveira. Lisboa: Althum, 2017.

PINTO, Pedro; VILA-SANTA, Nuno Luís – “Um império e um monarca em “reforma"? D. Sebastião e o Estado da Índia em 1572: um códice desconhecido na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (índice e transcrições selecionadas)". In Revista de Fontes, vol. 9, n. 16, 2022, pp. 151-251.

SALGADO, Augusto – A conquista de Portugal através dos frescos do viso del Marquès. Lisboa: Prefácio, 2009.

SILVA, Luís Augusto Rebelo da – História de Portugal nos séculos XVII e XVIII. Introdução de Jorge Borges de Macedo. Lisboa: Imprensa Nacional, 6 Volumes, 1971-1972.

SOARES, Pedro Roiz – Memorial. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1953.

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VAZ, João Pedro – As campanhas do Prior do Crato 1580-1589. Lisboa: Tribuna da História, 2004.

 

 

JOSÉ MANUEL GARCIA

Doutorou-se em História pela Universidade do Porto. Pertenceu à Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses e ao Gabinete de Estudos Olisiponenses. Integra as Academia Portuguesa da História e Academia de Marinha. Participou em exposições e congressos; proferiu inúmeras conferências; publicou abundante bibliografia sobre temas de História de Portugal e dos Descobrimentos.


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Como citar este texto:

GARCIA, José Manuel – A Batalha de Alcântara e o fim da dinastia de Avis em 1580. Revista Portuguesa de História Militar – Dossier: O reinado de D. Sebastião, a “perda de independência" e o período Filipino. [Em linha] Ano IV, nº 7 (2024); https://doi.org/10.56092/DKDD7239 [Consultado em ...].


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