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PARA SERVIR-VOS, BRAÇO ÀS ARMAS FEITO". 

A PULSÃO MILITAR NOS LITERATOS DO REINADO D´“O DESEJADO". 

DE DIOGO DE TEIVE A LUÍS DE CAMÕES

 

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Humberto Nuno de Oliveira  



Resumo

O presente artigo pretende destacar, nos mais proeminentes literatos do breve reinado de D. Sebastião, de Diogo de Teive a Luís de Camões, uma clara tendência de recuperação de valores culturais portugueses (abandonados por um excessivo estrangeirismo no reinado de D. João III). Tal recuperação passou por dois vectores claramente distinguíveis: no primeiro, um quadro quase adulatório do soberano e das suas qualidades; no segundo, o cultivo dos valores de regresso às abandonadas virtudes militares e de apelo ao combate pela fé cristã, que teriam como campo natural o regresso ao Norte de África.

Palavras-chaveD. Sebastião; Diogo de Teive; Pero d'Andrade Caminha; António Ferreira; Diogo Bernardes; Luís de Camões; Expansão Norte de África.

 

Abstract

The aim of this article is to highlight a clear tendency in the most prominent writers of the brief reign of King Sebastião, from Diogo de Teive to Luís de Camões, to recover Portuguese cultural values (abandoned due to excessive foreignness during the reign of King João III). This recovery was based on two clearly distinguishable vectors: firstly, an almost adulatory picture of the sovereign and his qualities; and secondly, the cultivation of values of a return to the abandoned military virtues and an appeal to fight for the Christian faith, which would have had the return to North Africa as its natural field.

Keywords: D. Sebastião; Diogo de Teive; Pero d'Andrade Caminha; António Ferreira; Diogo Bernardes; Luís de Camões; North Africa Expansion.

 

 


Na segunda metade do século XVI, Portugal atravessava um profundo período de transição, de novos desafios e crises, quer no plano interno, quer a nível externo. A prosperidade e o apogeu dos Descobrimentos, que haviam trazido prestígio e riquezas ao reino até ao primeiro quartel do século, haviam dado lugar a um país arruinado. Opções que haviam parecido óbvias começavam a ser questionadas à medida que as ameaças internacionais se intensificavam e a estrutura política interna enfrentava crescente instabilidade.

No plano interno importa recordar que D. João III, que subira ao trono após a morte do pai D. Manuel I, em 1521, viu morrer onze filhos[1] o que gerou uma crise sucessória. Na realidade, a morte do príncipe D. João Manuel[2], a 2 de Janeiro de 1554, com apenas 16 anos, deixando grávida a sua jovem mulher de dezoito anos, deixara o reino sem um sucessor imediato, criando incertezas mesmo quanto à continuidade da dinastia de Avis[3]. Assim, o nascimento de D. Sebastião, em 20 de Janeiro de 1554, dezoito dias após a morte do pai, marcou um momento crucial na história de Portugal, constituindo enorme alívio e motivo de júbilo popular[4].

De imediato visto como um herdeiro providencial, pelas expectativas messiânicas nele depositadas, destinado a liderar militarmente Portugal numa nova era de conquistas. E embora o destino trágico do rei tenha acabado por gerar uma crise ainda maior para o reino, devido à derrota em Alcácer-Quibir e à ausência de um sucessor directo, precipitando a União Ibérica e lançando o país num longo período de dependência e incerteza, a verdade é que o legado de D. Sebastião, perdura até hoje, simbolizando a esperança, a perda e a promessa de redenção para a nação portuguesa.

Ainda no plano interno importa referir as Cortes de Lisboa de 1562-1563[5], que funcionaram como cerne da atenção e verdadeiro vector da política do "Desejado", que às suas decisões - como desígnio do país - se quase subjugou para cumprir os anseios do povo que governava. Não sendo propósito deste estudo a análise destas Cortes, importa apontar, ainda assim, os aspectos atinentes a algumas questões político-militares. Resulta claro que as Cortes pugnaram por uma estratégia de acção política de claro pendor nacionalista e sustentada pelo povo. Parece, pois, defensável, que um jovem de apenas 8 anos, tendo presenciado tal ambiente tenha ficado sugestionado pelo mesmo. Como afirmou Sales Loureiro "Os capítulos das Cortes de 1562-1563 são o espelho vivo de como a consciência pública estava ciente do grau de degradação física e moral do Reino e da necessidade de se lhe conceder pronto remédio"[6].

Não teria sido este “pronto remédio" que D. Sebastião tentou aplicar ao longo do seu reinado? Não dizia a resolução 18°, que se não largassem os lugares de África, nem Mazagão, e a 19°, que apelava a que se edificassem fortalezas no Algarve, ou as resoluções onde se afirmava que todos deviam contribuir para a guerra de África, ou o dever de fortificar e prover militarmente Tânger e, finalmente, que todos tivessem armas até duas léguas da costa. Parece evidentemente expressa a preocupação das Cortes em prover militarmente o país. Será, por conseguinte, aceitável acusar D. Sebastião de ter tomado opções irreflectidamente?

No plano externo relembremos que D. João III herdou um vastíssimo e disperso império e embora tenha tentado prosseguir a política do seu pai cedo, quer a reavaliação feita ao projecto imperial pelos conselheiros (que aliás maioritariamente herdara de seu pai), quer a situação no Norte de África[7] o impeliram a refrear o projeto expansionista que recebera. Na realidade, vastas áreas do império encontravam-se cada vez mais sob pressão de potências emergentes como a Inglaterra e os Países Baixos, e igualmente acossadas por novos rivais, especialmente a Espanha e a França, que haviam emergido no cenário global. Tal opção de abandono mostrava-se, no dizer de alguns, avisada para um estado arruinado e endividado. 

Resultante desta opção externa relativa ao abandono do Norte de África, devemos referir que o litoral do país e muito especialmente as costas algarvias passaram a ser locais privilegiados de ataques sarracenos, além dos de corsários de outras nações, que não só lesavam as actividades económicas das populações, as reduziam à escravatura para os mercados norte africanos como afectavam o nosso comércio marítimo. Esta situação levou mesmo D. Sebastião a ter que empreender uma política de fortificação das costas do Reino, uma vez que o número das fortificações costeiras do país se revelava reduzido e as estruturas militares existentes se encontravam num estado ruinoso[8].

Se a opção pelo abandono das praças do Norte de África se revelou acertada não importa aqui cuidar, embora seja indesmentível a privilegiada posição geográfica e estratégica de Portugal no Norte de África na defesa da cristandade contra o avanço do Islão. Importa apenas, constatar como tal teve impacto nos anos subsequentes.

Ainda no plano externo importa lembrar que durante o Reinado do “Desejado", para além das enormes tensões sócio-políticas, ideológicas e religiosas que dilaceravam a Europa, o flanco sul e leste do continente debatia-se com um verdadeiro assalto dos Turcos[9]. No nosso caso era evidente que tal avanço se dava "através da aliança com os Mouros, que dominavam a África Setentrional"[10].

Na realidade, desde 28 de Dezembro de 1569 que pelo breve Quo in statu, o Papa Pio V, incitou D. Sebastião a realizar o seu projecto de submeter a zona de Marrocos. Posteriormente, quando da expedição preparatória de 1574, em 28 de Setembro de 1574, o breve Lectis literis, abençoava o Rei e todo o exército na sua expedição à África. Finalmente a bula Chistianus filius noster Sebastianus, de 31 de Janeiro de 1578, de Gregório XIII outorgou ao Rei português a Cruzada por um período de dois anos, apelando a que, os príncipes cristãos auxiliassem o monarca português na expedição a África. Uma conjuntura que muito se afasta de uma decisão irreflectida.

Após a morte de D. João III em 1557, o seu neto, D. Sebastião, ainda menor de idade, herdou o trono, assumindo inicialmente a regência a rainha D. Catarina. E nessa época em que se assistia ao declínio económico e militar do país, renascia paradoxalmente entre muitos o desejo de retomar o ideal de cruzada e de afirmação de um período de renovada ambição militar.

Assim, o período sebástico veio a tornar-se o catalisador do desejo militar da época, um reinado marcado pela ideia da guerra, como uma forma de reforçar o poder real e revitalizador do império português. Nesta conformidade, desde tenra idade que D. Sebastião foi educado no espírito cavaleiresco e na tradição da guerra santa contra os muçulmanos, algo que moldaria decisivamente a sua visão de mundo. Igualmente desde muito novo que o jovem rei demonstrou um profundo desejo de seguir o exemplo dos seus antecessores, que haviam expandido as fronteiras de Portugal e consolidado o poder cristão através de campanhas militares primeiro na Península Ibérica e depois nas mais distantes paragens do mundo.

É neste contexto que surge o que denominaremos “Sebastianismo Real", ou contemporâneo do Rei, que encontrou particular eco nos grandes literatos e poetas de então que, quase a uma só voz, advogam e incitam o jovem soberano a dar corpo a um sentimento que era então maioritário no país: o regresso ao Norte de África. Foram assim, entre outros como conselheiros, tutores e conselheiros religiosos, os literatos da corte, que alimentaram um esforço literário e político de exaltação militar, espírito de cruzada, de expansionismo e que ajudaram a criar o mito de um “rei guerreiro". 

Poetas que incentivaram o monarca no sentido da expansão africana como remédio para um país profundamente afectado pelos “fumos das Índias", como muito bem sinalizou o poeta Francisco Sá de Miranda[11], da corrupção, luxo e ociosidade. “Eco dos sentimentos gerais do Reino, são-no ainda as estrofes dos poetas de primeira água que, no seu tempo, lhe ofereceram os mais belos versos elegíacos."[12].

Uma geração de intelectuais e escritores que continuavam a defender o projeto imperial de Portugal, uma cultura nacional em oposição a um crescente estrangeirismo e a renovação do espírito guerreiro como único meio de renascimento de um Portugal glorioso.

Um Portugal renascentista e de tradição cavaleiresca, que viu em D. Sebastião a personificação da esperança de uma nova era de expansão e de glória militar. Assim, a imagem do jovem rei como líder de uma desejada grande expedição militar foi cultivada, não apenas como meio de aumentar o seu prestígio pessoal, mas também como forma de renovar a glória dos Descobrimentos. Desejo de guerra e expansão que culminou na tentativa de invadir o Norte de África, reforçando a presença portuguesa na região. 

É justamente através desses literatos presentes ou contemporâneos da corte do “Desejado", de Diogo de Teive a Luís de Camões, que acompanharemos a enorme pulsão militar criada em D. Sebastião ao longo do seu breve reinado.

O primeiro desses literatos, responsáveis por fortalecer tal visão é, indiscutivelmente, Diogo de Teive[13]. A produção literária de Teive invocava o ideal de cruzada e a necessidade de Portugal reafirmar a sua liderança no combate aos inimigos da fé cristã, especialmente os muçulmanos do Norte da África. Este ideal encontrou campo fértil em muitos nobres, que tinham na guerra a sua razão de ser e que alimentavam um inequívoco espírito militarista. Tal espírito glorificava e exaltava os feitos dos antepassados e encorajava à continuidade dos mesmos através de novas campanhas bélicas que, no caso português, teriam como destino o Norte da África, a região historicamente vista, desde 1415, como o “campo de batalha" da cruzada portuguesa e que fora abandonada no reinado anterior.

No capítulo Instituto Sebastiani Primi Felicissimi Lusitaniae Regis (Regras para a educação de ElRei D. Sebastião) da sua obra Epodon de 1565[14] apresentou extensamente e de modo claro, os quesitos necessários à educação de D. Sebastião e as virtudes que um soberano deve possuir, ao mesmo tempo que lançava as sementes de um regresso militar ao Norte de África. Para tal regresso, o jovem monarca revestia a missão divina de continuar essa tradição, assumindo o papel de líder militar de uma nova cruzada.

“Que elle por Deos foi dado a este Reino. / Porque em todolos bens, glorias, e honras / O accrescente, encha, honre, e enriqueça, / E levante a cabeça deste Reino, / Sempre tão poderoso, ora opprimida / Com muitas, e grandissimas tristezas, / Que n'outro tempo já de mil vitorias / Africanas entrou triumfadora, (97) / (...) / A isto ajuntará com gloriosas / Vitorias a infiel terra Africana, (99) / (...) / Do nome Lusitano unica imiga, (101)".


A leitura deste breve trecho além de realçar o sentido mítico do nascimento do soberano incentivava-o objectivamente à guerra no Norte de África.

Também Pedro (ou Pêro) de Andrade Caminha[15] se revelou um fervoroso defensor das campanhas africanas do soberano, recuperando as ideias dos escritos de Diogo de Teive a quem publicamente louva pelos seus ensinamentos e exortações nos seus “Poemas Dispersos":

“Um peito do que deve desejoso / Como pode esconder-se, ó Teive caro? / Como não dará fruito um engenho claro / Num esprito do bem comum zeloso? / O grão Sebastião, Rei milagroso, / Dado do céo por comum bem e emparo, / Em tudo desejaste ver tão raro / Que o tenham já na terra por glorioso. / Dás-lhe para isto exemplos e doutrina / Com que a toda virtude se levante: / Para nós a ele, e a nós para ele ensinas. / Co estas lembranças de teu peito dinas / Farás que o amemos mais e que ele ávante / De todos os reis ponha as santas quinas". (1096)


Evidenciava, assim, a corroboração de todos os aspectos ideológico-mentais iniciados por Diogo de Teive, assumindo-se Caminha como um dos principais membros do rol de portugueses fervorosos apoiantes da expansão para África.

António Ferreira[16], embora justamente mais conhecido pela tragédia "A Castro", e um dos principais representantes do classicismo em Portugal, uma figura profundamente respeitada pela sua erudição e compromisso com a renovação literária e cultural do reino, publicou a “Carta a El-rei D. Sebastião", um poema de características políticas que encoraja e aconselha o jovem rei, profetizando-lhe um futuro grandioso. Esta carta encontra-se publicada na sua obra Poemas Lusitanos, uma espécie de colectânea dos seus poemas (ou obra completa), publicada postumamente, em 1598, pelo seu filho, Miguel Leite Ferreira. 

“Rey bem aventurado, em quem parece / Aquella alta esperança jâ comprida / De quanto o ceo, & a terra te offerece; / Fermosa planta de Deos concedida / (...) / Em quanto este teu povo, & o d'Oriente / Novo acrescentamente por ti esperam / D'outros Reys, d'outra terra, d'outra gente: / Taes promessas os ceos de ti nos deram / No teu tam milagroso nascimento, / (...) (164 v.) / Despois virà hum tam ditoso dia, / Que as tuas Reaes Quinas despregadas / Na multidão de toda a Barbaria, / As vitoriosas frotas carregadas / Das cativas coroas, & bandeiras / D'outro sprito mayor sejam cantadas. / (...) (165) / (...) / Absoluto poder, não o ha na terra, (167) / Qu'antes serâ injustiça, & crueldade. / Que vontade mortal, senhor, não erra, / S'a ley justa, & a razão a não enfrea? / De que nasce a injusta, & cruel guerra?" (167 v.).

 

Embora António Ferreira nunca se tenha envolvido diretamente em campanhas militares ou produzido obra focada exclusivamente na exaltação da guerra, como literato e conselheiro, participou do movimento cultural que glorificava a guerra santa e o expansionismo cristão. Com a sua formação humanista, acreditava nos valores da virtude, do dever e da defesa da pátria, ideais, comuns na literatura renascentista. Tais ideais foram incorporados na visão sebástica de um rei guerreiro, um cruzado moderno, destinado a conduzir Portugal a novos triunfos, embora tenha alertado para a necessidade da preponderância da razão sobre os actos intempestivos.

Igualmente o poeta Diogo Bernardes[17], não tendo sido um dos principais propagadores diretos do ideal militar, devido ao seu estilo lírico e pastoril, não deixou na sua poesia de expressar um profundo amor pela pátria, sentimento que estava em sintonia com a pulsão patriótica e expansionista que caracterizava a corte sebástica. Na realidade, o ambiente cultural e literário da corte de D. Sebastião era de glorificação da ideia de sacrifício em prol da Pátria. Nesta conformidade, Diogo Bernardes mesmo sem ser um cultor da guerra e não a tomar como cerne da sua poesia, acabou de modo indirecto por alimentar a ideia de um rei heroico e a utilidade da campanha africana na sua obra “O Lima".

“Que diz que o grão pastor dos Lusitanos. / Da larga Foz do Tejo, / Com fato, e com cabana / Passa nos largos campos Affricanos. (120) / Onde mil soberanos / Triunfos delles dignos / Lh'ordena a fatal sorte, / Com grande estrago e morte / De brutos, mas nascidos Sarracinos" (121) (...) Todavia de funda e de cajado /Te vay apercebendo o som da guerra, / Que naõ foy tal pastor cá do Ceo dado, / Pera naõ dar ao Ceo tam larga terra." (122) / (...) Christo co vosso braço fará guerra / A todo o inimigo seu, e o torpe mouro / Largando vos hirá o valle, e serra (236) / (...) / E mil bandeiras vossas arvoradas / Em mil torres vereis, e muitas mais / Aquem vos resistir, vereis tomadas / (...) / A victoria vos chama que' esperais?" (237).

 

Não restando dúvidas dos apelo de Bernardes foi, além do mais, homem do Paço, sendo mesmo escolhido por D. Sebastião como seu moço de câmara e igualmente por ele escolhido para cantar os seus projectados factos heróicos na expedição africana, tendo por tal facto, acompanhado o rei a Alcácer Quibir, onde ficou prisioneiro.

O “rei" dos nossos poetas Luís Vaz de Camões[18], terá sido eventualmente o maior e mais eloquente de todos no incitamento militar a D. Sebastião. O ​épico e maior nome da literatura portuguesa, viveu durante este período de intensas mudanças e desafios para Portugal na segunda metade do século XVI. Será o seu "Os Lusíadas", publicado em 1572, não apenas o épico sobre os gloriosos feitos históricos dos portugueses, mas também um instrumento literário de incitamento ao desejo militar, particularmente direcionado a D. Sebastião. Mais do que uma mera celebração dos feitos passados dos navegadores e guerreiros portugueses, é uma obra que comporta um forte apelo ao presente e ao futuro de Portugal. Camões constrói o seu poema épico tendo por base a gloriosa história de Portugal, desde a fundação do reino até aos feitos heróicos de Vasco da Gama na descoberta do caminho marítimo para a Índia, mas sempre norteado pela intenção de que o passado heroico deve ser replicado.

Nesse contexto, Camões desempenhou um papel fundamental de inspiração do jovem rei, imbuindo-o com um espírito de cruzada e de expansão imperial, alinhado às aspirações militares da época e dos literatos seus contemporâneos.

O Norte da África, e particularmente Marrocos, foi visto como o cenário ideal para o desejado renovado impulso militar, com o objectivo de reafirmar a presença portuguesa no Mediterrâneo e realizar uma nova cruzada contra os mouros. Esse desejo de conquista e reafirmação estava profundamente enraizado na mentalidade da época, e Camões, como cronista poético desse sentimento nacional, alimentou e amplificou essa visão.

A narrativa de “os Lusíadas" combina uma visão do destino glorioso para Portugal e dos seus governantes, servindo como uma convocação ao rei para continuar essa missão civilizadora e cristã de Portugal no mundo. Em “Os Lusíadas", o passado glorioso é apresentado como um guia para o futuro, e Camões deixa claro que a missão do rei é continuar a expandir o império e defender a fé.

Embora seja fundamentalmente no Canto X d' “Os Lusíadas" que tal incitamento militar se transforma num apelo directo ao jovem rei D. Sebastião, instando-o a seguir os passos dos heróis do passado, já no Canto V havia colocado na boca do Gigante Adamastor, a figura simbólica por excelência dos desafios que os portugueses enfrentaram nas suas expedições, uma advertência velada, que visa lembrar o rei dos perigos que ele deve enfrentar, mas também das recompensas da glória. 

«E disse: – «Ó gente ousada, mais que quantas / No mundo cometeram grandes cousas, / Tu, que por guerras cruas, tais e tantas, / E por trabalhos vãos nunca repousas, / Pois os vedados términos quebrantas / E navegar meus longos mares ousas, / Que eu tanto tempo há já que guardo e tenho, / Nunca arados d' estranho ou próprio lenho; (est. 41) / «Pois vens ver os segredos escondidos / Da natureza e do húmido elemento, / A nenhum grande humano concedidos / De nobre ou de imortal merecimento, / Ouve os danos de mi que apercebidos / Estão a teu sobejo atrevimento, / Por todo o largo mar e pola terra / Que inda hás-de sojugar com dura guerra. (est. 42).

 

Este trecho pode ser interpretado como um encorajamento para D. Sebastião levar a cabo suas ambições militares e imperiais, não obstante eventuais adversidades, especialmente a campanha no Norte de África. Camões liga o papel do rei ao de figuras históricas ou míticas que lideraram os seus povos em tempos de crise. A intenção era clara: incitar D. Sebastião a assumir o seu lugar nessa continuidade histórica. O poema também reflecte uma concepção de providência divina, sugerindo que a missão de Portugal e a do seu rei era guiada por uma vontade superior, legitimando assim a vontade do jovem monarca de buscar a glória militar e religiosa.

O Epílogo da obra, nas estrofes 145 a 156 do Canto X, são aquelas que merecem a nossa atenção mais detalhada, por constituírem a um mesmo tempo um grito de lamento quanto ao estado na nação e, simultaneamente, a exortação clara a D. Sebastião. Um epílogo que transmite sentimentos claramente contraditórios do poeta: o desalento, o orgulho e a esperança.

Na estrofe 145, que inicia o epílogo, Camões manifesta o seu desencanto relativamente ao estado de decadência a que a Pátria chegara e que contrastava com toda a gloriosa história que acabara de cantar:

“Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho / Destemperada e a voz enrouquecida, / E não do canto, mas de ver que venho / Cantar a gente surda e endurecida. / O favor com que mais se acende o engenho / Não no dá a pátria, não, que está metida / No gosto da cobiça e na rudeza / Dũa austera, apagada e vil tristeza".

 

Mas após este breve momento de desânimo, na estrofe 146, o poeta parece abandonar o desalento antes manifestado para, dirigindo-se ao Rei, lhe recomendar que olhe para o seu povo, constituído exclusivamente de “vassalos excelentes":

“E não sei por que influxo de Destino / Não tem um ledo orgulho e geral gosto, / Que os ânimos levanta de contino / A ter pera trabalhos ledo o rosto. / Por isso vós, ó Rei, que por divino / Conselho estais no régio sólio posto, / Olhai que sois (e vede as outras gentes) / Senhor só de vassalos excelentes".

 

Tal exortação continua na estrofe seguinte, a 147, onde através da comparação é feito o elogio da coragem e bravura dos portugueses:

“Olhai que ledos vão, por várias vias, / Quais rompentes liões e bravos touros, / Dando os corpos a fomes e vigias, / A ferro, a fogo, a setas e pelouros, / A quentes regiões, a plagas frias, / A golpes de Idolátras e de Mouros, / A perigos incógnitos do mundo, / A naufrágios, a pexes, ao profundo".

 

Continua na estrofe 148, onde exalta as características dos portugueses de tudo capazes e a tudo dispostos se souberem que são olhados e considerados pelo soberano pelo qual tudo farão para o tornarem vencedor:

“Por vos servir, a tudo aparelhados; / De vós tão longe, sempre obedientes; / A quaisquer vossos ásperos mandados, / Sem dar reposta, prontos e contentes. / Só com saber que são de vós olhados, / Demónios infernais, negros e ardentes, / Cometerão convosco, e não duvido / Que vencedor vos façam, não vencido".

 

A estrofe seguinte, 149, retoma o sentido da anterior, aconselhando o Rei nalgumas medidas necessárias como o alívio de leis demasiado rigorosas e o concurso de conselhos de homens experimentados, devendo ser valorizada a sua sabedoria:

“Favorecei-os logo, e alegrai-os / Com a presença e leda humanidade; / De rigorosas leis desalivai-os, / Que assi se abre o caminho à santidade. / Os mais exprimentados levantai-os, / Se, com a experiência, têm bondade / Pera vosso conselho, pois que sabem / O como, o quando, e onde as cousas cabem".

 

Na estrofe 150 Camões apela para que todos apoiem, nas suas profissões, segundo as suas capacidades. Que os religiosos rezassem pelo reinado, cumprindo os seus votos sem vícios nem ambições, uma vez que todos os bons religiosos não pretendem nem glória ou dinheiro mas o bem dos outros:

“Todos favorecei em seus ofícios, / Segundo têm das vidas o talento; / Tenham Religiosos exercícios / De rogarem, por vosso regimento, / Com jejuns, disciplina, pelos vícios / Comuns; toda ambição terão por vento, / Que o bom Religioso verdadeiro / Glória vã não pretende nem dinheiro".


Na estrofe seguinte​, a 151, aconselha o soberano à relação com a nobreza, lembrando-lhe a sua bravura e serviço, estendendo a “Lei de Cima" (a cristandade) e, também, o Império português, em terras remotas, servido o Rei, e enfrentando os seus inimigos:​

“Os Cavaleiros tende em muita estima, / Pois com seu sangue intrépido e fervente / Estendem não sòmente a Lei de cima, / Mas inda vosso Império preminente. / Pois aqueles que a tão remoto clima / Vos vão servir, com passo diligente, / Dous inimigos vencem: uns, os vivos, / E (o que é mais) os trabalhos excessivos".


Na estrofe 152 Camões pede ao Rei que faça com que os outros povos temam os portugueses, criados para mandar e não para serem mandados. Aconselhando-o seguidamente, uma vez mais, a que busque os conselhos dos experientes, acima do dos estudiosos, uma vez que só a experiência permite obter as respostas certas.

“Fazei, Senhor, que nunca os admirados / Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses, / Possam dizer que são pera mandados, / Mais que pera mandar, os Portugueses. / Tomai conselho só d' exprimentados, / Que viram largos anos, largos meses, / Que, posto que em cientes muito cabe, / Mais em particular o experto sabe".

 

Na estrofe 153 o poeta recupera o afirmado no final da estrofe anterior recorrendo à memória do filósofo grego, Formião, que discursara sobre as artes da guerra perante o General cartaginês Aníbal Barca, que o arrasou afirmando o primado da prática militar sobre “as filosofias": 

“De Formião, filósofo elegante, / Vereis como Anibal escarnecia, / Quando das artes bélicas, diante / Dele, com larga voz tratava e lia. / A disciplina militar prestante / Não se aprende, Senhor, na fantasia, / Sonhando, imaginando ou estudando, / Senão vendo, tratando e pelejando".

 

A estrofe 154 é assaz curiosa, classificando-se Camões, a um mesmo tempo, como desprovido de valor e valioso. Começando por dizer que o Rei nem sabe quem ele é, lembra-lhe, todavia, que o louvor ao soberano vem do povo. Referindo, adiante, ter estudado, ter experiência e dotes de escrita, conjugação rara numa mesma pessoa. Habilmente e propositadamente rebaixando-se perante o Rei lhe diz, simultaneamente ser de valor para ele:

“Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo, / De vós não conhecido nem sonhado? / Da boca dos pequenos sei, contudo, / Que o louvor sai às vezes acabado. / Nem me falta na vida honesto estudo, / Com longa experiência misturado, / Nem engenho, que aqui vereis presente, / Cousas que juntas se acham raramente".

 

Na estrofe 155 Luís de Camões manifesta a vontade de servir pelas armas o Rei na sua futura empresa, bastando para tal que o Rei o aceitasse igualmente se disponibilizando para cantar os seus futuros feitos[19]:

“Pera servir-vos, braço às armas feito, / Pera cantar-vos, mente às Musas dada; / Só me falece ser a vós aceito, / De quem virtude deve ser prezada. / Se me isto o Céu concede, e o vosso peito / Dina empresa tomar de ser cantada, / Como a pres[s]aga mente vaticina / Olhando a vossa inclinação divina".

 

Na última estrofe, a 156, Camões incentiva abertamente D. Sebastião a continuar com a guerra de cruzada no Norte de África, oferecendo-se, uma vez mais, para cantar essa gesta por todo o mundo. Nos dois primeiros versos usa a hipérbole recorrendo à figura de Atlante, um titã, transformado em pedra por Medusa, para nos mostrar o temor que o Rei infundiria em Marrocos. Feitos militares nos quais o próprio Alexandre Magno se reveria e que causariam inveja ao herói Aquiles, tal a proporção dos feitos do Rei português:

“Ou fazendo que, mais que a de Medusa, / A vista vossa tema o monte Atlante, / Ou rompendo nos campos de Ampelusa / Os muros de Marrocos e Trudante, / A minha já estimada e leda Musa / Fico que em todo o mundo de vós cante, / De sorte que Alexandro em vós se veja, / Sem à dita de Aquiles ter enveja".

 

Verificamos, assim que, Luís de Camões, em "Os Lusíadas", não se limitou a contar os feitos passados de Portugal, como também incitou o jovem rei D. Sebastião a seguir o caminho das armas e da glória militar. Nesta perspectiva o seu poema funcionou como um instrumento de exortação e legitimação das aspirações de cruzada do monarca, reflectindo o espírito do tempo, no qual o desejo militar e a missão religiosa estavam profundamente entrelaçados.

Embora não se possa responsabilizar Camões directamente pelo desastre militar, a sua obra contribuiu para alimentar o fervor guerreiro e o sentido de missão divina que caracterizaram o reinado de D. Sebastião. "Os Lusíadas" celebravam a glória militar, e D. Sebastião interpretou essa exaltação como um chamamento para seguir os exemplos heroicos do passado. A visão camoniana de um rei guerreiro e missionário, defensor da fé e do império, foi fundamental para a formação da auto-percepção de D. Sebastião como líder militar.

O incitamento militar de Camões e o ambiente de fervor que rodeava D. Sebastião culminaram na fatídica batalha de Alcácer-Quibir em 4 de Agosto de 1578. O rei, convencido da sua missão providencial, decidiu liderar uma expedição ao Norte da África contra o sultão mouro Mulei Moluco. A expedição resultou numa derrota catastrófica para Portugal, que perdeu grande parte das suas forças militares, e o próprio D. Sebastião desapareceu no campo de batalha, deixando o país numa crise dinástica que acabaria por resultar na União Ibérica (1580-1640).

A trágica campanha de Alcácer-Quibir, embora tenha sido um ponto de inflexão na história de Portugal, é também um testemunho da influência que obras como "Os Lusíadas" tiveram sobre o imaginário político e militar do reino. Camões, na senda de outros antes de si, através do seu poema épico, ajudou a cristalizar o ideal de um rei-guerreiro que, embora glorioso na intenção, se revelou fatal na execução. O incitamento militar contido na sua obra continuou, no entanto, a ser uma das grandes marcas da literatura portuguesa e do legado cultural deixado para as gerações seguintes.

D. Sebastião cresceu imbuído de valores cavaleirescos, e entre muitos Camões foi uma das vozes que ajudou a cristalizar esses ideais. O jovem rei via-se como um cruzado moderno, destinado a liderar Portugal numa nova era de conquistas. “Os Lusíadas", com suas referências constantes ao heroísmo dos antigos guerreiros e navegadores, funcionou como uma espécie de manual simbólico para o monarca, exaltando as virtudes militares e espirituais da cruzada.

Poder-se-á, assim, ver na propensão de D. Sebastião em atender e organizar militarmente a nação, uma obsessão individual ou uma manifestação de insânia como tantos autores pretenderam ao longo de séculos?

Parece-nos claramente que não. O soberano sempre demonstrou, de facto, uma enorme preocupação pelos serviços militares do reino, mas tal mostra tão somente, quanto a nós, um vasto conhecimento sobre quais eram as necessidades do reino.

Tantos afirmaram o contrário e que foi de facto um exagero e insânia, atestatória da loucura do monarca e apenas o resultado de uma má educação e de educadores excessivamente militaristas. Embora tais premissas sejam verdadeiras, eram-no transversalmente na sociedade portuguesa de então e, como sabemos hoje, tal ideia não corresponde minimamente à verdade.

Embora os homens de cultura, como vimos, o tenham conduzido a tal, parece-nos demonstrado que tais medidas foram absolutamente necessárias e resultantes das profundas transformações porque passava a nação e a cristandade. 

 

BIBLIOGRAFIA

ANASTÁCIO, Vanda – Visões de Glória (uma introdução à poesia de Pêro Andrade de Caminha). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian/Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, Vol. II, 1998.

BERNARDES, Diogo – Obras Completas. Vol. II O Lima. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 1946.​​

CAMÕES, Luís Vaz de – Os Lusíadas. Leitura, prefácio e notas de Álvaro Júlio da Costa Pimpão. Lisboa: Instituto Camões, 4.ª ed., 2000.

CRUZ, Maria Leonor García da – Os Fumos da Índia». Uma Leitura Crítica da Expansão Ultramarina. Lisboa: Edições Cosmos, 1998.

FERREIRA, António – Poemas Lusitanos (Das Cartas. Livro II). Lisboa: Impresso com licença, por Pedro Crasbeeck, 1598.

IRIA, Alberto – Da Importância Geopolítica do Algarve na Defesa Marítima de Portugal nos Séculos XV a XVIII. Lisboa: Academia Portuguesa de História, 1976.

LOUREIRO, Francisco de Sales – D. Sebastião Antes e Depois de Alcácer-Quibir. Lisboa: Editorial Vega, 1978.

MÚRIAS, Manuel Maria – A Política de Africa de El-Rei D. Sebastião. Lisboa: Nação Portuguesa, 1926.

OLIVEIRA, Humberto Nuno de e Silva, Sérgio Vieira da – “Elementos para o Estudo da História Militar do Reinado de D. Sebastião". In Boletim do Arquivo Histórico Militar., Lisboa: 62.º Volume, 1997, pp. 35-89.

SÁ DE MIRANDA, Francisco de – Obras Completas. Texto fixado, notas e prefácio de Rodrigues Lapa. Lisboa: Livraria Sá da Costa, 4.ª edição revista, 1976.

TEIVE, Diogo de – Epódos que contem sentenças uteis a todos os homens, as quaes se accrescentão Regras para a boa educação de hum Principe: composto tudo na Lingua Latina. Pelo insigne Portuguez Diogo de Teive (...). Traduzido na vulgar em verso solto por Francisco de Andrade. Copiado fielmente da Edição de Lisboa de 1565. Lisboa, Na Of. Patr. de Francisco Luiz Ameno, 1786.

 

 

 


NOTAS

[1] Apenas lhe sobreviveu uma filha natural, Ana Chaves (1520-1600) gerada antes do casamento de sua mãe (e, igualmente,​ do pai), Cezília de Chaves, uma mulher judia, desterrada, juntamente com a filha, pelo então Príncipe para São Tomé e Príncipe. Ana Chaves chegou a ser uma rica proprietária de terras e importante figura local.

[2] Casado com D. Joana de Áustria, com o objetivo de fortalecer os laços entre as coroas portuguesa e espanhola. Era filha de Carlos V e Isabel de Portugal e irmã de Filipe II. Voltou a Espanha logo em Maio de 1554, a pedido do irmão Filipe, deixando o seu filho recém-nascido com a sua sogra, a rainha D. Catarina de Áustria, a irmã mais nova de Carlos V. 

[3] O problema em Portugal não era o da eventual falta de herdeiros, mas sobretudo o resultante do acordo de casamento de D. Maria Manuela, irmã do príncipe defunto, com Filipe II de Espanha (em 14 de Novembro de 1543), pelo qual, caso não houvesse sucessores directos, o reino passaria ao filho desta união, Carlos (8 de Julho de 1545), ocorrendo assim a união com Espanha, que os portugueses sempre abominaram.

[4] No dia 27 de Janeiro foi batizado pelo Cardeal D. Henrique, irmão do rei D. João III, recebendo o nome de Sebastião por causa de ter nascido no dia de São Sebastião, sendo seus padrinhos os seus avós, o rei e a rainha. Em virtude de ser um herdeiro tão esperado para dar continuidade à Dinastia de Avis, ficou conhecido como “O Desejado".

[5] Convocadas devido à renúncia da rainha regente D. Catarina, e da necessidade de nomeação de outro regente, o cardeal D. Henrique. Apesar do apoio do seu sobrinho, Filipe II, porquanto servia uma política conivente com os interesses do monarca espanhol, a rainha foi forçada a renunciar devido ao inflamado nacionalismo do povo e à vontade de pôr termo à política desastrosa de D. João III, que ela perpetuava.

[6] Loureiro, Francisco Sales, p. 97

[7] Ainda no final do reinado de D. Manuel I, em 1518, os xerifes do norte da África haviam proclamado a guerra santa contra o infiel e tendo como objectivo a libertação das praças ocupadas. Nessa campanha logo em 1524 apoderaram-se de Marraquexe, em 1533 moveram um cerco a Safim e em 1541, conquistaram a fortaleza de Santa Cruz de Cabo de Gué (Agadir). Esta conquista levou a um abandono das Fortalezas de Azamor e da Praça-forte de Safim, em 1542. Após a conquista de Fez em 1549, no mesmo ano foi abandonada a Praça-forte de Alcácer-Ceguer e no ano seguinte a Praça-forte de Arzila.

[8] Pode-se, também por esta razão, compreender a opção pela política militar norte-africana. De facto, dominando territorialmente o Norte de África defendia-se as costas do reino e, evitava-se a subida das hostes mouras às mesmas. O “Regimento das Alçadas" de 25 de Janeiro de 1570, refere “uma vistoria que se deveria efectuar no sentido de detectar possíveis estragos, avaliar o estado de conservação das fortalezas, bem como averiguar a sua existência em locais onde se julgava existirem. Refere-se, de imediato, que caso estivessem danificadas se deveriam prontamente tomar providências para colmatar tal situação, com especial incidência nas fortalezas de portos de mar e ainda de lugares junto à fronteira (raya), pois semelhante estado de coisas exigia uma rápida reparação", in Oliveira e Silva, p. 59-60.

[9] Nesta conjuntura podemos dizer que foram vários os reinos que empreenderam "cruzadas" particulares, sendo um dos melhores exemplos para esta situação a batalha naval de Lepanto (no golfo de Corinto), em 7 de Outubro de 1571, em que a armada cristã comandada por D. João de Áustria, derrotou a turca, quando a ameaça destes era uma realidade bem próxima, ocupando mesmo, zonas significativas do Norte de África.

[10] Loureiro, Francisco Sales, p. 113.

[11] Para Sá de Miranda, a poesia não era uma ocupação ociosa de intelectuais de salão, como havia sido para tantos que o antecederam, mas uma verdadeira missão sagrada, na qual o poeta deveria denunciar os vícios da sociedade, sobretudo da Corte, pautada pelo luxo que tudo corrompe. Ao invés deveria exaltar os hábitos tradicionais, simples e geradores de felicidade e de sociedades sãs.

[12] Loureiro, Francisco Sales, p. 76.

[13] Nasceu em Braga c.1513/1514, falecendo depois de 1569. Foi um dos primeiros portugueses a receber uma bolsa de estudo para estudar em Paris, no colégio de Santa Bárbara, regressando por poucos meses a Portugal com 19 anos. Seguiu posteriormente para a Universidade de Salamanca, acabando por rumar à Universidade de Toulouse. Leccionou depois na Universidade de Paris, na Universidade de Montauban e na Universidade de Coimbra. A convite de Dom João III, fez parte do corpo docente do Colégio das Artes.

Em 1550 foi preso pela Inquisição, acusado de luteranismo e suspeitas de ateísmo. Foi liberto ao fim de um ano, regressando ao Colégio das Artes e tornando-se seu director. Posteriormente tomou ordens religiosas.

[14] Traduzida em 1786 por Francisco de Andrade.

[15] Nasceu no Porto cerca de 1520, vindo a falecer em Vila Viçosa a 9 de Setembro de 1589. Fidalgo e poeta português a quem se atribuí rivalidade com Luís de Camões.

[16] Nasceu em Lisboa, em 1528, falecendo na mesma cidade em 29 de Novembro de 1569, vítima da peste. Devido ao cargo do pai, na sua educação, conviveu com os filhos do Duque Coimbra e com outras pessoas de grande relevância nobiliárquica. 

Frequentou os cursos de Humanidades, na Faculdade de Letras e de Leis, na Faculdade de Leis da Universidade de Coimbra, onde se doutorou em Cânones na Faculdade de Cânones. Foi temporariamente professor na mesma Universidade. Escritor e humanista português, é considerado como um dos maiores poetas do classicismo renascentista de língua portuguesa. Em 1567, foi nomeado Juiz Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa.

[17] Nascido em Ponte da Barca, cerca de 1530 e falecido cerca de 1605. Terá muito novo ido viver para Lisboa, tendo posteriormente regressado a Ponte da Barca, onde foi tabelião. Além disso exerceu vários cargos nas cortes de D. Sebastião e de Filipe II.

[18] Luís Vaz de Camões terá nascido em Lisboa, cerca de 1524, sendo filho de Simão Vaz de Camões e Ana de Sá e Macedo.

Em 1527, durante uma epidemia de Peste, a corte transferiu-se para Coimbra, e a família de Camões também, vindo a estudar no colégio do convento de Santa Maria. Em 1537, a Universidade de Lisboa é transferida para Coimbra e Camões inicia o curso de Teologia que abandona em 1544, para ingressar no curso de filosofia. Por esses anos envolve-se num com um espanhol, que vence embora termine preso Camões acabaria perdoado, com a condição de ser desterrado durante um ano para Lisboa. Na capital atinge notoriedade como poeta mas concita intrigas para o seu afastamento da corte. 

Para se ver livre de tais intrigas, em 1547, resolveu embarcar, como soldado, para a África, onde serviu dois anos em Ceuta e onde perdeu o olho direito.

Em 1549, regressou a Lisboa entregando-se a uma vida boémia desregrada. Em 1553, fere um empregado do paço, sendo preso por um ano.

Libertado, em 1554, embarcou para as Índias. Esteve em Goa, participou em expedições militares e foi nomeado provedor em Macau. Em 1556 partiu para Goa, mas sua embarcação naufragou na foz do rio Nekong.

Em 1569, resolveu regressar a Portugal, chegando a Cascais em 7 de Abril de 1570.

Em 1572 a sua obra “Os Lusíadas", passando a receber do rei D. Sebastião uma pensão de quinze mil réis.

Passando dificuldades económicas e doente morreu em Lisboa, no dia 10 de Junho 1580, na mais absoluta pobreza.

[19] Tarefa que, como vimos, D. Sebastião tinha atribuído a Diogo Bernardes.




Humberto Nuno de Oliveira

Historiador (doutor em História), co-Director da Revista Portuguesa de História Militar. Membro do Conselho Científico da Comissão Portuguesa de História Militar e da Direcção de História e Cultura Militar. Presidente da Academia Falerística de Portugal. Professor da Faculdade de História da Universidade Estatal Ucraniana - Dragomanov (Quieve). Cumpriu, como Miliciano, o Serviço Militar Obrigatório no Exército Português


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Como citar este texto:

OLIVEIRA, Humberto Nuno de – “Para servir-vos, braço às armas feito". A pulsão militar nos literatos do reinado D´“O Desejado". De Diogo de Teive a Luís de Camões. Revista Portuguesa de História Militar – Dossier: O reinado de D. Sebastião, a “perda de independência" e o período Filipino. [Em linha] Ano IV, nº 7 (2024); https://doi.org/10.56092/LNFN4897 [Consultado em ...].​




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