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EDITORIAL



Abílio Pires LousadaHumberto Nuno de Oliveira

Abílio Pires Lousada & Humberto Nuno de Oliveira


Dadas as contingências político-militares vigentes, a queda do regime do Estado Novo, através do golpe militar de 25 de Abril de 1974, era não só inevitável, como desejável.

No centro da questão esteve a Guerra de África, em curso desde 1961 na Província Ultramarina de Angola, 1963 na Guiné e 1964 em Moçambique. Não devido a uma suposta incapacidade de sustentação das Forças Armadas Portuguesas (FFAA) nos teatros de guerra africanos, sendo evidente a impossibilidade de se esgrimir uma hipotética derrota militar. Se assim fosse, tinha-se assistido, do lado português a uma rendição ou retirada sob pressão, enquanto da parte insurrecionária se verificaria o controlo da maioria dos territórios e das populações, ou seja, tinham a guerra ganha. A realidade dos factos está longe desta assunção. Na verdade, enquanto instrumento útil da política, os militares portugueses criaram durante 13 anos condições objectivas, nos teatros de operações, para que o poder político pudesse actuar livremente e por sua iniciativa, esbarrando este nas suas crescentes contradições e divisões, falta de visão e inacção. Em 1974, com mais de 150.000 homens em armas, dos três ramos das Forças Armadas, nos domínios africanos, fortalecidos por um contingente militar autóctone que chegou aos 50% dos efetivos totais, a situação militar no Ultramar estava sob controlo. Em Angola, onde a guerra "mal se fazia sentir" e o MPLA, a FNLA e a UNITA, remetidos a franjas territoriais, se guerreavam entre si, dominavam a quase totalidade do território. Em Moçambique a guerrilha estava a ser combatida e repelida, limitando a margem operacional da FRELIMO ao eixo Niassa/Tete, sobretudo depois da construção da barragem de Cahora Bassa. Na Guiné, a situação militar face ao PAIGC era de complexidade crescente, com franjas territoriais divisivas entre os contendores, mas longe de aventar um Dien Bien Phu «à francesa».

Será exagerado falar-se numa vitória militar traída, é impraticável aludir-se a Guerra perdida.

Há, sim, uma guerra longínqua, geograficamente dispersa, crescentemente internacionalizada e, sobretudo, arrastada no tempo, sem um vislumbre de solução à vista. Os poderes públicos alienaram o decisivo factor tempo, a jogar a favor, sobretudo politicamente, do actor subversivo/revolucionário. Se o início da guerra em África reforçou os laços entre o Poder Político e as Forças Armadas, agitados com o General Humberto Delgado e as presidenciais de 1958, a partir da substituição de António de Oliveira Salazar por Marcello Caetano na Presidência do Conselho de Ministros, o desgaste face à durabilidade do conflito e as crescentes exigências de recursos militares alterou a dinâmica. Com sucessivas comissões de serviço em África, ao voluntarismo inicial por parte dos graduados do Quadro Permanente (QP) sucedeu a imposição, por manifesto cansaço do Ultramar. A formação de Oficiais QP e subalternos e capitães foram-se revelando crescentemente insuficientes para garantirem o comando de sub-unidades. O próprio Marcello Caetano, intuiu a crescente gravidade da situação, desabafando: "temos de continuar a guerra e de apostar na autonomia progressiva e participada. Agora quanto à continuação da guerra tenho as maiores dúvidas. Porque as Forças Armadas já não se querem continuar a bater, e o que desejam é fazer a paz. O moral das tropas é péssimo, e a infiltração comunista nos oficiais milicianos e nos sargentos é enorme. Não sei dizer por quanto tempo mais aguentarão o grande esforço que lhes é pedido. Suspeito de que não será por muito"[1].

Os primeiros factores a desequilibrarem o regime foram por ele provocados: 1) o Congresso no Porto dos Combatentes do Ultramar, em inícios de Junho de 1973, destinado a oficiais milicianos e com a tónica "Nós nunca seremos a geração da traição"; 2) os Decretos-Lei de Julho e de Agosto a permitirem o acesso ao quadro de oficiais milicianos com comissões no Ultramar após passagem de dois semestres pela Academia Militar e com possibilidades de ultrapassagens na antiguidade de oficiais QP. Estes acontecimentos originaram o Movimento dos Capitães e tiveram a sua origem na … Guiné! Portanto, se a continuidade da guerra representou o catalisador geral do Movimento dos Capitães, foram questões de carreira e de folha salarial que motivaram uma postura antiguerra e só subsequentemente contra o regime, com a ocorrência de uma série de acontecimentos e eventos determinantes. Destacaremos: 1) sucessivas reuniões clandestinas do Movimento dos Capitães, depois Movimento dos Oficiais das Forças Armadas (MOFA); 2) a publicação do livro "Portugal e o Futuro", a 22 de Fevereiro de 1974, do general António de Spínola, antigo e conceituado comandante-militar da Guiné e vice-chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA), que representou uma pedrada no charco por preconizar uma solução negociada para África; 3) depois, a 15 de Março, o chefe do EMGFA, general Costa Gomes, e o próprio Spínola, são demitidos por se recusarem a fazer parte do preito de obediência castrense a Marcello Caetano, ocorrida no dia anterior; 4) a situação de espoleta do falhado golpe de 16 de Março com epicentro no Regimento de Infantaria N.º 5, das Caldas da Rainha, o "Tiro de Partida", como se lhe refere o Coronel Vitor Silva Carvalho em texto constante desta Revista.

Em síntese, o golpe militar de 25 de Abril de 1974 não pode ser justificado com a degradação militar da guerra, seja ao nível de uma hipotética derrota militar ou da existência de uma situação crítica no terreno (que não existiram), mas com o designado "cansaço do Ultramar". A conspiração que desembocou no 25 de Abril evoluiu, citando Medeiros Ferreira, durante cerca de um ano e conheceu três fases[2]: 1) a primeira (Julho-Setembro de 1973) é de cariz corporativo e centrou-se nas carreiras ao nível do quadro de oficiais, tendo no DL Nº 353/73, de 13 de Julho, a motivação principal; 2) a segunda (Setembro de 1973-Fevereiro de 1974) marca a vontade, por alguns sectores das Forças Armadas, em encontrar uma solução política para a guerra; 3) da terceira (Fevereiro-Abril de 1974) consta a decisão de derrubar o regime do Estado Novo e por fim à guerra que lavrava em África há 13 anos.

A operação militar desencadeada pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), na madrugada de 25 de Abril de 1974, teve uma durabilidade de 24 horas e foi conclusiva: derrube inequívoco do regime de 41 anos do Estado Novo. Tal foi possível porque foi planeada com critério, coordenada com abrangente coerência e executada com determinação? Ou porque o regime foi apanhado de surpresa, reagiu tarde e de forma desconexa e mal encontrou quem por ele se batesse? Ambas as questões aceitam resposta afirmativa.

O 16 de Março motiva o Movimento a enveredar por uma acção de força numa óptica de tudo ou nada. Amadurecida e planeada durante cerca de um mês e executada exclusivamente por militares, isto é, sem conhecimento ou intromissão de elementos civis, procurou captar o envolvimento das unidades do Exército através do contacto com oficiais de patente intermédia com experiência de comando e timbre de assertividade entre os pares e, no mínimo a não intromissão nos acontecimentos da Marinha e da Força Aérea. As forças policiais - GNR, PSP, Direcção Geral de Segurança (DGS)​, Legião Portuguesa - foram assumidas como pró-regime, logo hostis, mas não consideradas "perigosas".

A maioria das unidades do Exército «levantou armas pelo MFA», com notável destaque para todas as escolas práticas das armas combatentes e da Administração Militar e muitas das unidades de caçadores, ou seja, as especificamente "vocacionadas" para a guerra em África e que maioritariamente a alimentavam. O planeamento das operações e a coordenação e convergência entre militares afectos ao MFA referenciou o ethos castrense e a prevalência face a ideologias na sociedade, resultando nas motivações aduzidas para a sua intervenção contra a ordem estabelecida, em que o segredo e o código de conduta inter pares foram a garantia de uma mobilização comprometida e confiante no seio das unidades militares. Por sua vez, quando o entendimento era de não inserção no «desenho golpista», a passividade apresentava-se. Passividade ou neutralidade, que é como quem diz, no limite as unidades não aderentes ao Movimento assumiram que não se movimentariam conta ele, sendo os exemplos mais sintomáticos os do Regimento de Caçadores de Paraquedistas (RCaçP) em Lisboa e do Regimento de Infantaria 8 de Braga (RI 8), que foram «chamados» a socorrer o regime e … não se mexeram. O mesmo importa referir relativamente aos ramos da Marinha e da Força Aérea, sendo certa a presença de elementos seus na estrutura do MFA e nas operações militares do dia, conforme verificado na ocupação do aeroporto de Lisboa, Rádio Clube Português (RCP) ou instalações da DGS em Lisboa.

Operações militares coordenadas ao «cronómetro», unidade a unidade, objectivo a objectivo, numa movimentação de «fora para dentro», tendo Lisboa e o triângulo Terreiro do Paço (centro político-militar), Quartel-General da Região Militar de Lisboa (QG/RML, poder militar operacional) e o Quartel Geral da GNR a partir do momento que se soube que o Presidente do Conselho ali se tinha refugiado, como centros de gravidade estratégicos. Quanto ao «palco secundário», a região Norte e em particular o Porto, a ocupação do respectivo Quartel-General (QG/RMP) constituiu o objectivo principal.

Ao nível do planeamento, coordenação e execução há protagonistas que se revelaram determinantes. O primeiro, e o mais importante entre todos, o Major Otelo Saraiva de Carvalho, mentor e o estratega do golpe militar, que organizou, planeou e coordenou, a partir do Posto de Comando da Pontinha (PC/MFA), a Operação "Viragem Histórica" como quem movimenta harmoniosamente as peças num «jogo de xadrez». Depois, o Tenente-Coronel Amadeu Garcia dos Santos, responsável pelo funcionamento das transmissões e comunicações, que permitiu dar instruções às unidades, mantê-las a par da evolução da conjura, receber, a partir do terreno, relatórios verbais do desenrolar da acção e, ainda, escutar conversas entre altas figuras do regime e ficar a par das suas intenções. No terreno, ao nível da execução, os destaques em Lisboa pertencem aos Capitães Fernando Salgueiro Maia, da Escola Prática de Cavalaria (EPC, Santarém) e João Bicho Beatriz, do Batalhão de Caçadores N.º 5 (BCaç 5, Lisboa). Salgueiro Maia foi o operacional que ocupou o Terreiro do Paço com as forças de «Santarém», onde chegou a ter as suas forças sob a mira da fragata Gago Coutinho, fundeada no Tejo, mediu tensos argumentos com forças dos Regimentos de Cavalaria N.º 7 (RC 7) e de Lanceiros N.º 2 (RL 2) e subiu ao Carmo para cercar o quartel da GNR e intimar a rendição de Marcello Caetano. Foi o «homem do dia». Bicho Beatriz comandou o assalto ao QG/RML, que conquistou de forma célere e eficaz, um sucesso operacional do MFA feito pela calada da noite, sem grande alarido e arredado dos holofotes mediáticos. No Porto há três protagonistas a destacar: Capitão Eurico Corvacho, elemento do MFA a prestar serviço no QG/RMP, que foi o alter-ego de Otelo, liderando a coordenação das operações militares no Norte do país; Tenente-Coronel Carlos Azeredo, comandante do Centro de Condução Auto 1 (CICA 1), «conquistador» do referido Quartel-General e da sede da DGS; Capitão Delgado da Fonseca, do Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE, Lamego), que foi uma espécie de ponto-de-socorro prestando apoio ao QG/RMP, coagiu a Legião Portuguesa, desincentivou as ações de repressão da PSP contra a população e ocupou a RTP no Monte da Virgem e o RCP no Porto, restabelecendo as comunicações telefónicas e rádio televisivas.

Relativamente ao regime e à reacção desencadeada o pouco que há a referir é que ela mal existiu. Acordou tarde, já com a tropa do MFA na rua e os centros de comando, controlo e comunicações nas suas mãos, e reagiu de forma desordenada e incoerente (quem comandava, coordenava e executava?). A acção do governo foi nula, com o Presidente do Conselho a esconder-se no «buraco do Carmo», os Ministros dispersaram-se pelo Ministério do Exército, «bunker» de Monsanto, RL 2 e Carmo, e o Presidente da República permaneceu em casa. A única resposta militar, feita a partir da Calçada da Ajuda, foi marcada pelo porte desgarrado do RL 2 e do RC 7 sob comando do Brigadeiro Junqueira do Reis, entre ordens contraditórias ou não acatadas, falta de vontade em combater os operacionais do MFA e a defecção de parte das forças para o campo oponente. Junqueira do Reis, que do Terreiro do Paço subiria ainda com os carros de combate ao Carmo para, em desespero de causa, tentar travar as forças da EPC, ficou como a «alma danada do dia». Mas a verdade é que, visto pelo lado que defendia, foi dos poucos que militarmente mostrou dever de função, lealdade e coragem no contexto de uma missão que se revelou impossível. E que dizer das unidades ditas indefectíveis do regime e listadas como inimigas pelo MFA fora de Lisboa, como o RI 5 das Caldas da Rainha, RI 7 de Leiria, RI 8 de Braga, RI 13 de Vila Real, RI 15 de Tomar ou os BCaç 8 e 10 de Elvas e Chaves, respectivamente! No Norte, aquando da tomada do QG no Porto, os RI 8 e 13 ainda foram contactados pelo General Comandante Martins Soares para apoiarem a sua libertação e a resposta foi a inacção. Na Região Militar de Tomar, o RI 7 e o 15 ficaram aquietados. Circunstâncias que levaram Marcello Caetano a lamentar-se que o Governo se viu desamparado pelas Forças Armadas e das forças do regime em o sustentarem[3].

Convenhamos, com uma Nação em guerra e um Estado autoritário então inquestionável, o facto de o grosso das unidades do Exército se movimentarem a favor do derrube do regime e de este não ter verdadeiramente quem o defendesse significa que a sua degradação era de tal ordem que o seu fim era, de facto, inevitável!

Há um momento decisivo neste contexto e que importa evidenciar: a não obediência, pelo Alferes miliciano Fernando Sottomayor, de Cavalaria 7, às ordens de abrir fogo de carro de combate sobre as forças de Salgueiro Maia, na Rua Ribeira das Naus, dadas pelo Brigadeiro Reis, por não ter autorização para tal, que nunca foi dada, do Coronel Romeiras Júnior, comandante do Regimento; e depois pelo próprio cabo apontador José Alves Costa sem ordens do … Alferes Sottomayor! Assim se evitou o precedente do primeiro tiro e um confronto de resultados imprevisíveis e que, eventualmente, poderia ter mudado o rumo dos acontecimentos.

 

Esta Edição N.º 6 da Revista Portuguesa de História Militar (RevPHM) é dedicada ao «25 de Abril de 1974. Operações Militares», no contexto do seu cinquentenário. Um desafio e uma obrigação. Não só para guardar memória de um feito militar que conduziu à alteração de regime político, merecendo os seus fautores o devido reconhecimento nacional, mas também para que as novas gerações não se desvirtuem da realidade factual do 25 de Abril de 1974 enquanto genuína "operação militar" e das motivações e modus operandi subjacentes.

Os directores depararam-se com inesperadas dificuldades que, para memória futura, importam reter. Foram mais do que o esperado os autores contactados que se demitiram de colaborar, alegando diversificadas razões. Em todas nos pareceu estar presente o receio de afirmar certas verdades (incómodas, por questões de camaradagem?) ou de fornecer perspectivas diferentes do que vem sendo o registo oficial.

Não foi fácil reconstituir estes acontecimentos de apenas há cinquenta anos. Falta documentação coeva, sobretudo das unidades menos "comprometidas", e são relativamente poucas as memórias legadas com o necessário cuidado factual e de pormenor., sobressaindo a máxima de "cada cabeça sua sentença". Parece-nos claro que, sobretudo em unidades entretanto extintas, muito se terá perdido. Os próprios arquivos militares pouco ou nada têm em sua posse. Não podemos deixar de contar um sintomático episódio. Após aturada pesquisa soubemos que, em dada unidade, num cofre estariam relatos escritos sobre a participação da sua antecessora geográfica no golpe militar. Contactado o comandante, desconhecia a existência desses documentos no cofre. Aberto e verificados os "papéis históricos", classificados há 50 anos de "Muito Secreto", secretos ficaram, não obstante as nossas diligências; que nem um banco de jardim pintado de fresco há … 50 anos! Lastimável.

Em termos de acervo, além de uma alargada Cronologia inicial, delineada pelos Directores, que procura dar acompanhamento a par-e-passo dos principais acontecimentos e respectivos intervenientes da "Operação Militar de 25 de Abril de 1974, a RevPHM apresenta 15 artigos exclusivamente centrados na componente militar do golpe do MFA. O formato encontra-se organizado por Ramos das Forças Armadas e Guarda Nacional Republicana e o Exército por Armas e Serviços, incluindo as operações militares a Norte do país. A que se acrescenta as Informações, a habitual inclusão de museus militares ou com acervo militar e o derradeiro texto extra-dossier.

Os antecedentes remetem, necessariamente, para "A Acção Militar de 16 de Março" a que o autor, Coronel Vitor Silva Carvalho, protagonista dos acontecimentos, acrescenta o oportuno sub-título "Tiro de Partida". Relatado na primeira pessoa, Acrescenta que "o Regimento de Infantaria N.º 5, das Caldas da Rainha, foi a primeira unidade a desenvolver uma acção de força contra o regime. Que não foi bem-sucedida por falta de coordenação entre as várias unidades disponíveis para participar, com o RI 5 a ser o único a sair do quartel".

Quanto às Armas combatentes do Exército, a Cavalaria, a mais robusta e determinante no 25 Abril, é tratada pelo Tenente-General Alexandre de Sousa Pinto, combatente na Guerra de África e antigo Director da Arma, relacionando a actuação das unidades de Cavalaria envolvidas, tanto as revoltosas como as afectas ao Regime, numa espécie de «jogo da guerra». O autor indica ainda que "por se considerar que se tratou de um movimento de oficiais e não de unidades, entendeu-se dar relevo aos nomes e às actuações de cada um com prejuízo das respectivas unidades".

O risco do tratamento das "Unidades de Infantaria nas Operações Militares de 25 de Abril" foi assumido pelos Directores da Revista, na ausência de resposta afirmativa ao desafio lançado a diversos autores-protagonistas ou contemporâneos dos factos que declinaram o convite. Neste caso, o procedimento descritivo foi feito por unidades, afectas ao MFA ou pró regime, elencando as respectivas individualidades para anexo.

O Coronel Rodrigo Sousa e Castro, oficial de ligação do MFA à época dos eventos, analisa a participação da "Artilharia na Operação Viragem Histórica", percorrendo as diversas unidades e interveniente de Norte a Sul, "quer do lado dos vencedores quer do lado dos defensores do regime, e eventuais posições de neutralidade ou de não participação". Considera como principais momentos "a participação de oficiais de Artilharia no período conspiratório, as contribuições para a elaboração dos vários documentos políticos e a preparação e comando operacionais".

Já o Major-General Aníbal Alves Flambó, ex-Comandante da Escola Prática de Engenharia (EPE), apresenta a interacção da Engenharia destacando a presença maioritária de oficiais da Arma no PC/MFA no Regimento de Engenharia da Pontinha (RE 1) e a actuação da respectiva Escola Prática e de oficiais engenheiros militares a nível nacional. Acrescenta que o RE 1 foi a primeira unidade afecta ao MFA a entrar em acção.

As Transmissões, Arma determinante para o bom sucesso do 25 de Abril, conta com a explanação do Major-General Pedro Pena Madeira, o oficial coadjuvante chefe do serviço telefónico, então Capitão Veríssimo da Cruz. Enfatiza o "planeamento, o lançamento do cabo telefónico aéreo e, finalmente, as escutas telefónicas que permitiram conhecer e controlar as movimentações das forças leais ao governo". O autor sustenta, assim, que "as operações de transmissões devem ser consideradas as primeiras operações militares do 25 de Abril".

A abordagem à Administração Militar, que se destacou principalmente pela ocupação das instalações da RTP em Lisboa, é efectuada pelo Sargento-Chefe José Alves dos Santos, licenciado em História e autor de obras relacionadas com este Serviço Militar. "Integrados desde o início do processo conspirativo, alguns oficiais de Administração Militar iriam exercer uma ação mobilizadora sobre as Unidades do serviço que, principalmente pela sua localização geográfica, viriam a ter um papel relevante no sucesso das operações que conduziram ao derrube do regime".

O artigo seguinte acolhe "Os Comandos" redigido pelo Coronel Manuel Amaro Bernardo, combatente do Ultramar e com prestação de serviço no Regimento de Comandos em 1975. Lembra que encontrando-se "as tropas Comandos no então ultramar português, a sua actuação nos acontecimentos circunscreve-se à Companhia de Comandos 4041 e à actuação pessoal do Major Jaime Neves e dos militares Comando que o acompanharam" nas negociações desenvolvidas durante o "confronto" entre forças de Cavalaria de ambos os lados no Terreiro do Paço.

Por fim, e ainda no contexto do Exército, o Coronel David Martelo, elemento do MFA que prestava serviço na Escola Central de Sargentos em Águeda, assumiu a responsabilidade de desenvolver as "Operações Militares a Norte de Portugal". Com especial incidência no Porto, onde o MFA equacionou "constituir uma reserva regional que pudesse ser empregue a nível nacional". Quanto aos objectivos conquistados, salienta a "ocupação do Quartel-General da RMP, do aeroporto de Pedras Rubras". Acrescenta que "os objectivos sede da PIDE/DGS e Legião Portuguesa só seriam ocupados no dia 26 de Abril".

"A Marinha e a Participação no 25 de Abril" conta com a pertinente análise do Contra-Almirante Manuel Martins Guerreiro, elemento do MFA e interventor reconhecido, sobressaindo a "caracterização dos meios humanos e materiais navais e a organização do movimento sócio-profissional e de estrutura política, assumida por oficiais oriundos da Escola Naval". Assinala ainda as "decisões e compromissos assumidos na reunião de 130 oficiais na sede do Clube Militar Naval no Marquês de Pombal".

Relativamente ao papel desempenhado pela Força Aérea, infelizmente o artigo em questão, por razões que nos são alheias, não foi entregue conforme comprometimento. No âmbito deste Ramo das Forças Armadas, o Tenente-Coronel Miguel Silva Machado, oficial Paraquedista e historiador, agraciou a Revista com a postura do Regimento de Caçadores Paraquedistas em 1974, referindo as razões da sua neutralidade face ao golpe militar e relata "as três únicas acções de militares paraquedistas às ordens do MFA em 26 de Abril de 1974: aeroporto de Lisboa; forte-prisão de Caxias; escolta a Altas Entidades para o Funchal".

Relativamente às forças policiais, o Coronel da GNR e historiador Nuno Andrade elenca os derradeiros momentos e demais incidências ocorridos na tarde de 25 de abril que tiveram como "palco o exterior e interior do Quartel do Carmo, com a transmissão do poder do aí deposto chefe de governo, professor Marcelo Caetano, para o general António de Spínola". Uma interessante narrativa «vertida ao segundo». A ideia inicial de inclusão dos previstos textos respeitantes à Polícia de Segurança Pública e à Legião Portuguesa, atendendo à ausência de foco na centralidade do tema, ou seja, o dia 25 de abril de 1974, não foram acolhidos.

O tema das "Informações", orientado pelo Major-General Rodolfo Bacelar Begonha, especialista no assunto e que nessa qualidade viveu in loco o antes durante e o pós 25 de Abril, é diferenciador porque usualmente não tratado. Relatadas na primeira pessoa, o autor aponta a importância, as lacunas e as especificidades dos sistemas de Informações até a particularidades centradas na PIDE e no Estado-Maior do Exército.

Nesta edição presenteamos os leitores com dois acervos museológicos: do Posto de Comando do MFA, na Pontinha, e da Guarda Nacional Republicana. O primeiro é-nos apresentado pelo Dr. Paulo Domingos Rainha, Técnico Superior da Divisão de Cultura e Turismo da Câmara Municipal de Odivelas. Apoiado em imagens do espaço, faz o "enquadramento histórico do edifício e do seu papel na Revolução de Abril" e descreve o "espaço desde a sua transformação em núcleo museológico e a dinamização que o mesmo tem tido ao longo dos anos com o objetivo principal de evocar os valores do 25 de Abril". O segundo, exposto pelo Major António Pinto Cardoso, Director do Museu da GNR, leva-nos em visita guiada pela secular história da instituição, mostrando "uma variedade imensa de artefactos históricos, testemunhos de um tempo ido referente às guardas suas antecessoras até aos nossos dias". Um espaço que dá vida aos acontecimentos de 25 de Abril vividos no Largo do Carmo e no interior do próprio quartel.

O artigo de fecho, conforme norma da RevPHM, é feito por artigo extra-dossier. No caso concreto, o tema é "O Sabre de D. Miguel e o Capitão Atanásio, seu Autor", da autoria do historiador de Arte João Nunes Teixeira. Um esquecido e icónico sabre que lhe foi oferecido pela mãe e rainha D. Carlota Joaquina "na véspera de D. Miguel dar o passo que espoletou a guerra civil" de 1828-1834.


Uma Nota Final de Pesar

A 16 do corrente mês de Junho recebemos a triste notícia do falecimento do Senhor Coronel Manuel Amaro Bernardo. Embora fragilizado, manteve a intenção de desenvolver o artigo relativo aos "Comandos". Como a situação entretanto se agravou, já não lhe foi possível levar o texto ao "ponto de qualidade" que desejaria e que sempre foi imagem de marca. Assumimos a publicação com o "rascunho" que nos deixou em mãos, o seu último trabalho, cientes de uma reconhecida homenagem a um militar e historiador de mérito e credor dos nossos respeitos e orações. Em Paz.


Notas

[1] Freitas do Amaral, O Antigo Regime e a Revolução. Memórias Políticas (1941-1975), Lisboa, Círculo de Leitores, 1995.

[2] José Medeiros Ferreira, O Comportamento Político dos Militares. As Forças Armadas e Regimes Políticos em Portugal no Século XX, Lisboa, Editorial Estampa, 1992.

[3] Marcello Caetano, Depoimentos, Rio de Janeiro, Distribuição Record, 1974.


ABÍLIO PIRES LOUSADA​

Militar Historiador e Mestre em Estratégia, co-Director da Revista Portuguesa de História Militar. Membro do Conselho Científico da Comissão Portuguesa de História Militar e membro fundador da Associação Ibérica de História Militar. Autor/co-autor de 18 livros e de mais de 70 artigos sobre História Militar e Estratégia. Prémio Defesa Nacional e Jornal do Exército​


HUMBERTO NUNO DE OLIVEIRA

Historiador (doutor em História), co-Director da Revista Portuguesa de História Militar. Membro do Conselho Científico da Comissão Portuguesa de História Militar e da Direcção de História e Cultura Militar. Presidente da Academia Falerística de Portugal. Professor da Universidade Pedagógica Nacional - Dragomanov (Quieve). Cumpriu, como Miliciano, o Serviço Militar Obrigatório no Exército Português


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Como citar este texto:

LOUSADA, Abílio Pires & OLIVEIRA, Humberto Nuno de – Editorial. Revista Portu​guesa de História Militar - Dossier: 25 de Abril de 1974. Operações Militares. [Em linha] Ano IV, nº 6 (2024); https://doi.org/10.56092/DWWU4712 [Consultado em ...].


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