O MUSEU DA GUARDA NACIONAL REPUBLICANA

António Joaquim Pinto Cardoso
Resumo
A Guarda é depositária de uma tradição histórica com mais de 200 anos de existência e conserva no seio das suas unidades uma variedade imensa de artefactos históricos, testemunhos de um tempo ido referente às guardas suas antecessoras até aos nossos dias, que importa conservar e preservar.
Este património é a própria memória e imagem da Instituição e traduz as legítimas aspirações de sucessivas gerações de militares e civis que serviram e que fizeram parte da história da Guarda e, também, da história do País.
Palavras-Chave: GNR; Museu; História; Tradição.
Abstract
The National Republican Guard is the custodian of a historical tradition dating back more than 200 years and preserves within its units an immense variety of historical artifacts, testimonies of a bygone era from its predecessors to the present day, which must be conserved and preserved.
This heritage is the very memory and image of the institution and reflects the legitimate aspirations of successive generations of soldiers and civilians who have served and who have been part of the history of the Guard and also the history of the country.
Keywords: GNR; Museum; History; Tradition.
Introdução
Fruto de uma longa história, a Guarda Nacional Republicana (GNR) vai buscar a sua génese aos corpos de polícia militar criados durante a Monarquia, ou seja, a Guarda Real da Polícia de Lisboa e do Porto, desde 1801, bem como da Guarda Municipal de Lisboa e do Porto, de 1834 até ao advento da República, em 5 de outubro de 1910, que deu origem à criação da GNR em 3 de maio de 1911. Deste percurso centenário, a Guarda dispõe de um elevado espólio documental, iconográfico e museológico das Guardas suas antecessoras, ao qual se junta o espólio da extinta Guarda Fiscal (1885 a 1993).
Em 2005, sob os auspícios do Tenente-general Carlos Manuel Mourato Nunes, à época Comandante-geral/GNR, deu-se início aos trabalhos de implementação do Arquivo Histórico, Biblioteca e Museu[1], resultando em 2007 na Divisão de História e Cultura da Guarda consignada na Lei nº 67/2007, 06 de novembro.
Para albergar o MGNR foi escolhido o Quartel do Carmo, edifício com mais de 600 anos (antigo Convento do Carmo de 1423 a 1834) e sede do Comando-geral das Guardas militares desde 1845.
O quartel do Carmo, edifício trecentista de quatro pisos, ocupando o Museu o piso 0, em espaço recuperado para o efeito, com acesso direto para o Largo do Carmo, onde se encontra a entrada principal. O edifício retratado insere-se na Zona Especial de Proteção das Ruínas do Convento do Carmo, classificado como Monumento Nacional e constitui-se maioritariamente como um espaço de acesso restrito e condicionado, excetuando-se o espaço de museu, de acesso público.
Uma das primeiras preocupações na projeção e constituição do Museu da instituição foi, como conciliar uma parte da história nacional com a criação de uma estrutura - o Museu -, onde o conceito da segurança é primordial, indo buscar sucessivos momentos da História, tal como a batalha de Aljubarrota (1385) até culminar com a data carismática do 25 de Abril de 1974?
A resposta a esta questão será dada no decorrer do presente artigo.
Génese da Iniciativa
Com o objetivo prioritário de garantir a sua proteção e valorização, enquanto fundamento da memória coletiva e individual e impulsionado pela iniciativa de consolidação do “Arquivo Histórico, Biblioteca e Museu da Guarda Nacional Republicana", o Comando da Guarda considerou por bem, proceder à identificação e arrolamento dos espólios documentais, fotográficos e museológicos dispersos pelos mais de 600 quartéis da Guarda.
Para o efeito, foram designados quatro elementos integrantes da Comissão Instaladora[2] do Arquivo Histórico, Biblioteca e Museu, que a partir de 6 de Março de 2006, deram início à Fase de Prospeção ao Dispositivo, com o objetivo prioritário de identificar e registar os espólios acima referidos, que pelo seu carácter de memória, antiguidade, autenticidade, originalidade, raridade, singularidade ou exemplaridade fossem suscetíveis de integrar o espólio documental, fotográfico e museológico do futuro Arquivo Histórico, Biblioteca e Museu da Guarda Nacional Republicana. Durante este período de 9 meses de prospeção contínua no terreno, foram visitadas mais de 600 instalações da GNR.
A prospeção ao dispositivo da Guarda possibilitou identificar e pré-inventariar os bens culturais da GNR, os quais vieram juntar-se aos espólios já existentes.
Assomando-se as doações de militares e familiares, segundo os critérios de incorporação preceituados na Política de Incorporações do Museu e concomitantes com o disposto na Lei-Quadro dos Museus Portugueses, nº 47/ 2004 de 19 de agosto.
Dois anos após a constituição da comissão instaladora e a Fase de Prospeção finalizada, e visando a apresentação do projeto à comunidade e sua envolvência com as temáticas militares e policiais, houve a necessidade de apresentar e divulgar o trabalho até aqui realizado. Para o efeito, em 2007, foi organizada a abertura do Quartel do Carmo ao público[3], que para além da possibilidade de os visitantes poderem aceder, livremente ou através de visitas guiadas, a alguns dos espaços interiores do quartel (Varanda sobre o Rossio, Gabinete do General Comandante[4] e o Salão Nobre), foi organizada uma exposição temporária na parada de Cavalaria, onde muitos dos bens museológicos expostos foram identificados durante a Fase de Prospeção.
A partir deste ano de 2007 e fruto do sucesso obtido desta 1ª edição de abertura do Quartel do Carmo aquando das comemorações do 25 de abril e do aniversário da GNR (03 de maio), outras edições se realizaram dentro dos mesmos moldes até 2015, ano de abertura ao público do Museu da GNR.
Como pode ser observado no quadro abaixo, de edição em edição, o número de visitantes foi quase sempre crescendo, não se tendo realizado em 2012. Foi também possível fruto destas iniciativas perceber o tipo de público afluente, traçar breve perfil também do publico que aflui na atualidade, que corresponde a um público maioritariamente adulto, entre os 25 e os 64 anos de idade.

Com este formato de exposições e sempre dentro de um espaço temporal definido, o Quartel do Carmo foi visitado por 120.661 pessoas, entre 2007 e 2014[5].
Inauguração e abertura do Museu da GNR
Até 2008, tudo indicava que, com o aproximar das comemorações dos 100 anos da implantação da República portuguesa e do centenário da GNR, o projeto de criação do Museu da GNR (MGNR) se concretizasse.
No entanto, dois fatores levaram a que o projeto enfrentasse um desaceleramento, por um lado com a mudança do Comando da Guarda e por outro com a publicação da nova Lei de Orgânica[6]. Mas a chefia da Divisão de História e Cultura da Guarda não baixou os braços e foi concebendo as melhores estratégias para evidenciar a urgente criação do MGNR, através da continuidade de exposições internas e externas à instituição.
Em 2009 foi elaborado o Programa Museológico do futuro museu de harmonia com o projeto arquitetónico previsto, destinando-se a edificar-se no piso 0, do Quartel do Carmo, sede atual do Comando-geral da GNR, sito no Largo do Carmo, em Lisboa, no espaço dos antigos vestiários dos militares. As obras do referido espaço somente viriam a decorrer a partir de fevereiro de 2014, assente num novo projeto museográfico e de forma faseada, inaugurando-se o primeiro núcleo expositivo, a 17 de abril de 2014 e o segundo, em 28 de abril de 2015, com abertura regular ao público a partir desta última data[7]. Embora não tivesse sido seguido o projeto inicial, o qual ocuparia um espaço do Quartel do Carmo com três pisos, num total de 2000m2, este passou a ocupar uma área de 400m2, conforme planta abaixo.
O Museu

A exposição do Museu da Guarda Nacional Republicana (MGNR) é essencialmente cronológica, começando pela História do Convento do Carmo e do seu Fundador D. Nuno Álvares Pereira, passando à história das Guardas desde os tempos mais longínquos quando ainda só havia quadrilheiros, até à Guarda Real da Polícia, à Guarda Municipal da Polícia de Lisboa e do Porto e, por fim, chegando ao nascimento da Guarda Nacional Republicana. Contiguamente dá-se a conhecer o papel da Guarda ao longo da história, passando pelas duas grandes guerras do séc. XX até aos dias mais recentes. A exposição termina com uma pequena sala dedicada a algumas atividades da Guarda Nacional Republicana e à recriação de um Posto Rural com a respetiva cela. Aposta-se numa circulação livre do visitante, sem imposições de percurso, mas recomendando-se que o acesso à exposição de longa duração se processe pela esquerda, percorrendo o núcleo cronológico dos acontecimentos, assim assinalado por meio de sinalética - faixas cronológicas que se impõem durante o percurso.
O Carmo, de convento a quartel
Em virtude de o Comando-geral da Guarda Nacional Republicana ocupar as instalações do antigo convento do Carmo, houve a necessidade de o circuito expositivo do MGNR iniciar com o fundador do edifício, D. Nuno Álvares Pereira.

Fig. 1: Núcleo Nuno Álvares Pereira. Foto do arquivo do autor.
Após uma série de vitórias militares frente aos castelhanos, das quais se destacam as batalhas de Aljubarrota e Valverde, D. Nun'Álvares Pereira mandou construir a Igreja e Convento do Carmo, tendo iniciado as obras em 1389 e a sua conclusão em 1423. Neste núcleo os visitantes encontram os seguintes artigos expostos: Hábito da Ordem do Carmo composto pela túnica, escapulário e capa. D. Nuno Álvares Pereira envergou no Convento do Carmo o hábito de meio-irmão (donato) carmelita; Chicote e Cilício, como instrumentos de penitência, disciplina e autoflagelação, utilizados desde a Idade Média como ato de purificação entre os religiosos; Relicário de Dom Nuno Álvares Pereira, onde foram depositados os seus restos mortais, em 1895, provenientes da Igreja do Convento; Réplica de espada encontrada em Aljubarrota[8], entre outros materiais militares utilizados à época.
As antecessoras
Após o Terramoto de 1755, a cidade de Lisboa sofreu uma grande destruição, ficando sem iluminação e muitos dos presos fugiram das cadeias. Para resolver a situação vivida na capital, foi criada em 25 de junho de 1760 a Intendência Geral da Corte e do Reino, mas esta só seria operacionalizada ao ser dotada de um Corpo militar com funções de Polícia, vindo a acontecer com a criação da Guarda Real da Polícia de Lisboa (GRPL) em 10 de dezembro de 1801, tendo como seu primeiro comandante o Conde de Novion[9]. Com esta força militar de polícia, a cidade de Lisboa passou a ser dotada de um corpo profissional, devidamente remunerado e uniformizado, com o objetivo de reprimir o crime e tornar a capital mais segura. Só em 1824, foi criada a Guarda Real da Polícia do Porto (GRPP), quando D. Miguel era comandante em chefe do Exército Português.

Fig. 2: Núcleo da Guarda Real da Polícia. Foto do arquivo do autor.
Neste espaço podem ser visualizados alguns materiais da época em que esta força militar de polícia esteve em funções, tais como a réplica de Capacete de Cavalaria da GRPL estabelecido pelo Plano de Criação dessa Guarda de 1801; Decreto de criação da Guarda Real da Polícia de Lisboa, de 10 de dezembro de 1801, assinado pelo príncipe regente D. João (depois rei D. João VI); pistola de pederneira de cavalaria de 1816, do reinado de D. João VI que transitou da 1.ª Companhia da Guarda Real da Polícia de Lisboa para a Guarda Municipal de Lisboa, calibre aproximado de 16,5mm; entre outros materiais da época.
Com o fim da Guerra Civil (1832-1834) entre liberais e absolutistas e assinado o Tratado de Évora Monte (26 de maio de 1834), foram as Guardas Reais da Polícia extintas e em seu lugar criadas as Guardas Municipais de Lisboa (1834) e do Porto (1835).

Fig. 3: Núcleo da Guarda Municipal. Foto do arquivo do autor.

Fig. 4: Núcleo da Guarda Municipal. Maria II - Foto do arquivo do autor.
Até 1868, as Guardas Municipais tinham comandos autónomos, passando a estar sob um comando único a partir desse ano, continuando o Comando-geral das Guardas Municipais sedeado no Quartel do Carmo[10].
Neste espaço podem ser vistos alguns artigos que equiparam a Guarda Municipal, tendo inicialmente natureza mais civilista, tais como: chapéu de serviço, terçado e algemas da Guarda Municipal; Matraca[11]; Revólver Galland Sommerville adquirido em 1871 pela Guarda Municipal para as tropas de cavalaria e oficiais, calibre 10mm; Lanterna da Guarda Municipal de Lisboa (GML) utilizada para iluminar os caminhos[12]. Além destes artigos, os visitantes podem visualizar o estandarte da Guarda Municipal, que foi ofertado pela Rainha D. Maria II.
Fig. 5: Núcleo do final da Monarquia. Fotos do arquivo do autor.
Após o Ultimato Inglês (11 de janeiro de 1890), pouco meses depois de D. Carlos ter subido ao trono (19 de outubro de 1889), este acede às condições impostas pela Grã-Bretanha a Portugal. Perante tal humilhação, gera-se na capital um movimento de contestação para o qual o Governo foi obrigado a tomar medidas repressivas e a reforçar a GML através do aumento de efetivos, essencialmente em efetivos de Cavalaria. Um ano depois, a 31 de janeiro de 1891, saem à rua forças do Exército, na sua grande maioria Sargentos, que pretendem implantar a República. Esta ação, além de não ter tido o apolo da Maçonaria, foi reprimida pela Guarda Municipal do Porto.
Entretanto, o movimento republicano continuou com a sua intenção de derrubar o regime monárquico para impor o regime republicano, dai que, em 28 de janeiro de 1908, organizasse o golpe que ficou conhecido pelo “Golpe do Elevador da Biblioteca"[13]. Do falhanço deste golpe, foram detidos alguns dos seus cabecilhas, mas não o suficiente que tivesse posto em causa o planeado assassinato de D. Carlos e do príncipe herdeiro Luís Filipe, a 01 de fevereiro de 1908, na Praça do Comércio.
Ligados aos acontecimentos, encontram-se expostas: Pistola FN Browning mod. 900, calibre 7,65 mm, igual à utilizada no regicídio do rei D. Carlos; Espada modelo 905 com guarda de meia roca, de igual modelo à utilizada pelos militares da Guarda que escoltavam o landau real aquando do regicídio; Capacete de Cavalaria da Guarda Municipal de Lisboa.
Da GNR aos nossos dias
Após o Regicídio e a subida ao trono de D. Manuel II, o PRP intensifica as suas ações de protesto e passa a dispor de um braço armado, a Carbonária. Serão os elementos afetos a esta organização secreta que, com o apoio do diretório da Maçonaria, saíram à rua no dia 3 de outubro de 1910 com a intenção de derrubar o regime vigente e implantar a República, o que veio a acontecer no dia 05 de outubro de 1910.
Com a implantação da República, foram extintas as Guardas Municipais e substituídas provisoriamente pelas Guardas Republicanas, em 12 de outubro de 1910[14]. Com o intuito de organizar uma força de gendarmaria, de forma a ocupar todo o território nacional, foi criado um grupo de trabalho para o efeito.
Passados cerca de 7 meses, foi publicado a 04 de maio de 1911, o decreto de criação da Guarda Nacional Republicana (GNR) assinado a 03 de maio do mesmo ano. A grande novidade da GNR foram as Companhias Rurais projetadas para cobrir todo o território nacional, enquanto as Companhias Urbanas assentaram nas extintas Guardas Municipais de Lisboa e do Porto.
No espaço expositivo do MGNR podem ser vistos alguns símbolos da Repúblicas, tais como o busto da República, a Bandeira nacional instituída pela República e aprovada pelo governo provisório a 29 de novembro de 1910 e a Partitura do Hino Nacional[15] “A Portuguesa", aprovado em dezembro com letra de Henrique Lopes de Mendonça e composição de Alfredo Keil.

Fig. 6: Núcleo da República. Foto do arquivo do autor.
Face à forte instabilidade política que o país vivia, as instituições foram afetadas e a Guarda viu o seu projeto de implantação pelo país demorado.
Entretanto, as forças monárquicas refugiadas na Galiza e sob a liderança do Capitão Paiva Couceiro, foram realizando algumas incursões no norte do país durante os anos de 1911 e 1912, mas sem resultados. Em janeiro de 1919, as forças monárquicas viriam a implantar a República na cidade do Porto, mas por pouco tempo. Ao mesmo tempo, em Lisboa, forças monárquicas e republicanas defrontaram-se em Monsanto (Escalada de Monsanto), tendo as forças da Guarda combatido ao lado dos republicanos, ostentando o Estandarte da Nacional que, pode ser visto no Museu/GNR bem como a as fotografias de dois militares da Guarda que morreram na defesa da República (Alferes Martins e Soldado Carneiro).
Com o deflagrar da Primeira Guerra Mundial, Portugal teve de mobilizar forças do Exército e da Armada para os teatros de operações de Angola e Moçambique. No entanto, o Partido Democrático, liderado por Afonso Costa levou o país a mobilizar tropas para o teatro de operações europeu, na Flandres. Muito dos oficiais em comissão de serviço na GNR foram mobilizados e uma força de cavalaria da GNR nomeada para fazer a segurança ao Depósito de Bagagens do Corpo Expedicionário Português (CEP)[16] e Depósito de Presos.

Fig. 7: Representação de uma trincheira. Foto do arquivo do autor.
Em 28 de maio de 1926, foi instituída a Ditadura Militar, que em 1933 daria lugar ao Estado Novo, tendo como Presidente do Conselho de Ministros o Professor António de Oliveira Salazar. No mês seguinte, em 22 de junho, passaria a funcionar nas instalações do Quartel do Carmo uma secção do serviço da Censura, permanecendo aí até 1934.
Portugal não participou na Segunda Guerra Mundial, mas não deixou de colaborar com as forças do Eixo e os Aliados, através do fornecimento de volfrâmio, tanto à Alemanha como à Inglaterra. A maioria das minas era explorada por companhias estrangeiras, as quais, por motivos de segurança, organizaram Postos privativos, sendo os vencimentos dos seus efetivos pagos pelas próprias companhias mineiras. Conforme imagem abaixo, no circuito expositivo do MGNR existe a recriação de uma mina de exploração de volfrâmio e a possibilidade de visualização de um filme demonstrativo do dia-a-dia vivido numa dessas minas.

Fig. 8: Representação de uma mina de extração de volfrâmio. Foto do arquivo do autor.
Em fevereiro de 1957, a Rainha Isabel II de Inglaterra visitou Portugal, tendo a GNR participado nas Honras de Estado. Como forma de agradecimento, a monarca ofereceu à Guarda um baú, com uma decoração simbólica alusiva aos 12 Cavaleiros de Inglaterra, imortalizados por Luís de Camões na sua obra épica “Os Lusíadas".
No ano seguinte, nas eleições para a presidência da República, o General Humberto Delgado apresenta a sua candidatura, em oposição ao candidato escolhido por Oliveira Salazar, o Almirante Américo Tomás.
Neste período começaram a surgir os movimentos de libertação dos povos africanos, situação que levou ao início da Guerra Colonial, com início em 15 de março de 1961, em Angola e em dezembro a independência de Goa. A guerra, que se prolongaria até 1974, envolveu Portugal em três teatros de operações principais, Angola, Moçambique e Guiné-Bissau.

Fig. 9: Núcleo do Estado Novo. Foto do arquivo do autor.
O esforço de guerra e o mau estar no seio das Forças Armadas seriam a base para que os militares saíssem á rua para depor o regime ditatorial no dia 25 de abril de 1974.
No espaço reservado aos acontecimentos do 25 de abril de 1974, podem ser vistos vários painéis demonstrativos das últimas 14 horas do regime, desde que o Professor Marcelo Caetano se refugiou nas instalações do Quartel do Carmo, cerca das 05h30, (situação que não estava prevista nos planos do MFA) até à rendição do mesmo após a chegada do General António de Spínola, cerca das 17h30. Durante esse espaço de tempo, a coluna militar que saiu da Escola Prática de Santarém, comandada pelo Capitão Salgueiro, cercou o Quartel do Carmo, cerca das 12h00, e exigiu a rendição de Marcelo Caetano. Após várias tentativas, o capitão Salgueiro Maia recebe ordens do Posto de Comando sedeado no Regimento de Engenharia da Pontinha, para abrir fogo sobre o Quartel do Carmo, de forma a obrigar Marcelo Caetano à rendição. Um dos livros que se encontra exposto no MGNR, testemunha os dois momentos de fogo que se realizaram sobre o Quartel do Carmo, onde é visível o corte realizado por uma munição.

Fig. 10: Núcleo do 25 de abril. Foto do arquivo do autor.
No final do circuito expositivo do MGNR, o visitante tem a possibilidade de conhecer a Guarda na atualidade, através de painéis e artigos alusivos às várias valências da Guarda, no âmbito da emergência, proteção e socorro, busca e salvamento, proteção da natureza, etc., e, também, as Missões Internacionais, com destaque para Iraque, Timor, Bósnia e Afeganistão.

Fig. 11: Núcleo das Missões de Paz. Foto do arquivo do autor.
Com a extinção da Guarda Fiscal em junho de 1993[17], esta foi transformada numa Brigada Fiscal através da integração dos poderes que lhe estão acometidos e os meios e pessoal na GNR. A Guarda Fiscal era herdeira dos antigos Guarda Barreiras pertencentes ao corpo da Guarda Real da Polícia, cujo seu efetivo era fixado pelo plano do decreto de 07 de maio de 1802. Quando Hintze Ribeiro era ministro da Fazenda (1883 – 1886), realizou-se uma profunda reforma fiscal e os serviços aduaneiros foram reorganizados. Com esta reorganização, foi criada a Guarda Fiscal por decreto de 17 de setembro de 1885[18]. Hoje, as suas missões encontram-se divididas por duas unidades, a Unidade de Ação Fiscal (UAF) e a Unidade de Controlo Costeiro e Fronteiras (UCCF).

Fig. 12: Núcleo da Guarda Fiscal. Foto do arquivo do autor.
Para terminar, o MGNR a possibilita ao visitante a visualização da recriação de um Posto Territorial de meados do século XX – caserna, gabinete do Comandante e cela.



Fig. 13: Representação de um Posto Rural de meados do século XX. Foto do arquivo do autor.
Considerações finais
Chegados a este ponto, é de salientar o percurso realizado pelo MGNR, o qual se traduz pelos seguintes números, que se passam a apresentar. Desde a inauguração em 2015 até 31DEC23, o MGNR recebeu a visita de 321.706 visitantes.
PERÍODO | ESTATÍSTICA (N.º de visitas) | MÉDIA (N.º de visitas/dia) | TOTAL DE VISITANTES (N.º acumulável) |
2015 | 28.039 | 139 | 28.039 |
2016 | 73.286 | 239 | 101.325 |
2017 | 70.368 | 237 | 171.693 |
2018 | 20.025 | 65 | 191.718 |
2019 | 50.282 | 164 | 242.000 |
2020 | 5.149 | 20 | 247.149 |
2021 | 4.540 | 18 | 251.689 |
2022 | 26.596 | 86 | 278.285 |
2023 | 43.421 | 141 | 321.706 |
Estes números quando somados ao total de visitantes que afluíram às iniciativas de Aberturas do Quartel do Carmo ao Público, de 2007 a 2014 - 120.661 visitantes – apresentam um total de 442.367 Visitantes.
Cientes da importância da documentação museológica e preservação de acervos, o MGNR vem desenvolvendo alguns procedimentos nesse âmbito. Contudo, afigura-se essencial a premência de normativos de uniformização de critérios e procedimentos, conducentes a uma política de gestão de acervos, à qual o MGNR não é alheio e pretende consolidar. Atenda-se, em prol da complexidade destas vertentes, à relevância de recursos humanos e a aposta em pessoal qualificado e especializado nos vários domínios da museologia.
Bibliografia
ANDRADE, Nuno – “Guardas Militares da Polícia em Portugal. A GNR e a abertura ao público do seu Arquivo Histórico, Biblioteca e Museu (2008,2013 e 2015)". In ROLLO, Maria Fernanda et al., Polícia(s) e Segurança Pública. História e Perspetivas Contemporâneas. Lisboa: MUP, 2020.
Legislação:
Decreto nº 4 de 17 de setembro de 1885.
Diário do Governo, nº 7 de 13-10-1910.
Decreto-Lei nº 230/93, de 26 de junho.
Despacho GCG de 20 de janeiro de 2005-OSCG Nº. 19/05.
Despacho GCG de 1 de junho de 2005.
Lei nº 67/2007, de 06 de novembro.
Artigos:
Criação do Arquivo Histórico e Museu da GNR. In Pela Lei, Pela Grei. N.º 69, janeiro-março, 2006.
Exposição “O Carmo, a GNR e o 25 de Abril". In Pela Lei, Pela Grei. N.º 74, abril-junho, 2007.
2.ª Edição da exposição “O Carmo, a GNR e o 25 de Abril". In Pela Lei, Pela Grei., N.º 82, abril-junho, 2008.
Exposição “O Carmo do Condestável à Guarda Nacional Republicana". In Pela Lei, Pela Grei. N.º 83, julho-setembro, 2009.
Exposição “A Guarda e a República". In Pela Lei, Pela Grei. N.º 88, outubro-dezembro, 2010.
Exposição “A Guarda e a República". In Pela Lei, Pela Grei. N.º 89, janeiro-março, 2011.
NOTAS
[1] Despacho GCG de 20 de janeiro de 2005-OSCG Nº. 19/05.
[2] Despacho GCG de 1 de junho de 2005.
[3] Exposição “O Carmo, a GNR e o 25 de Abril" in Pela Lei, Pela Grei, nº 74, abril-junho, 2007.
[4] Local onde se realizou a transferência do poder entre Professor Marcelo Caetano e o General António de Spínola em 25 de abril de 1974.
[5] ANDRADE, Nuno, Guardas Militares da Polícia em Portugal. A GNR e a abertura ao público do seu Arquivo Histórico, Biblioteca e Museu (2008,2013 e 2015) in ROLLO, Maria Fernanda et al., Polícia(s) e Segurança Pública. História e Perspetivas Contemporâneas. Lisboa: MUP, 2020, p.118.
[6] Lei nº 67/2007, de 06 de novembro.
[7] Aberto de 2.ª feira a sábado, das 10h00 às 18h00.
[8] Escavações arqueológicas realizadas entre 1958-1960, lideradas pelo coronel Afonso do Paço (oficial da GNR de 1919 a 1921).
[9] Coronel de origem francesa que, por razões políticas, após a Revolução Francesa se exilou nos Países Baixos e depois em Portugal. Comandou a Guarda Real da polícia de Lisboa entre 1801 e 1807, regressando a França juntamente com o Exército de Junot.
[10] Desde a criação da Guarda Real de Polícia de Lisboa que o antigo Convento do Carmo albergava uma Companhia de Infantaria e era residência do Comandante da GRP, coabitando os religiosos aí residentes. Com a nacionalização dos bens da Igreja em 1834, os monges foram desalojados e permaneceu nas instalações a GRP e outros serviços. O Comando-geral da Guarda Municipal de Lisboa passou da Calçada do Combro (Paulistas) para a Rua de S. José e apenas em 1845 ficou sedeado no Quartel do Carmo.
[11] Instrumento de advertência sonoro utilizado quer no interior dos conventos, quer pelas Guardas Municipais, no desempenho de serviço policial, para pedir auxílio a outras patrulhas.
[12] Funcionava a azeite e possuía um dispositivo «furta fogo» que permitia ocultar a luz e não denunciar a sua presença.
[13] Tentativa de Golpe de Estado, com o objetivo de proclamar a República, da iniciativa do Partido Republicano Português, como oposição à ditadura administrativa de João Franco.
[14] Diário do Governo, nº 7 de 13-10-1910, art. 1º.
[15] Transcrição para Banda.
[16] O Corpo Expedicionário Português (CEP) foi a principal força militar portuguesa que participou na frente europeia da Primeira Guerra Mundial e enviada para o norte de França, com a missão de participar no esforço de guerra contra a Alemanha.
[17] Decreto-Lei nº 230/93, de 26 de junho.
[18] Decreto nº 4 de 17 de setembro de 1885.
António Joaquim Pinto Cardoso
Tenente-Coronel TPS. Iniciou a carreira militar em 1985, ao ingressar como músico na Banda de Música da Região Militar Centro, em Coimbra. Em novembro de 1986, ingressa como alistado na Guarda Nacional Republicana e percorre vários postos das categorias de Guardas e Sargentos, até à sua formação a oficial na Escola Superior Politécnica do Exército (ESPE). Desde 05 de janeiro de 2023, é chefe da Divisão de História da Guarda.
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Como citar este texto:
CARDOSO, António Joaquim Pinto – O Museu da Guarda Nacional Republicana. Revista Portuguesa de História Militar - Dossier: 25 de Abril de 1974. Operações Militares. [Em linha] Ano IV, nº 6 (2024); https://doi.org/10.56092/DLUT3694 [Consultado em ...].