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AS TROPAS PARAQUEDISTAS E O 25 DE ABRIL DE 1974

 

 

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Miguel Silva Machado


Resumo

Este artigo explica em síntese o que era o Regimento de Caçadores Paraquedistas em 1974, quem eram os oficiais especializados em paraquedismo militar nesta unidade e a sua participação no MFA. Faz alusão às razões da neutralidade dos paraquedistas no desencadear do golpe militar e relata as três únicas acções de militares paraquedistas às ordens do MFA em 26 de Abril de 1974: aeroporto de Lisboa; forte-prisão de Caxias; escolta a Altas Entidades para o Funchal. Faz ainda alusão a factos da participação dos paraquedistas neste âmbito do 25 de Abril que têm referências contraditórias.

Palavras-chave: História Militar; Portugal; 25 de Abril de 1974; Tropas Paraquedistas.

Abstract

This article briefly explains what the Regimento de Caçadores Paraquedistas was in 1974, who the paratoopers officers in this unit were and their participation in the MFA. It alludes to the reasons for the paratroopers' neutrality in the outbreak of the military coup and recounts the only three actions by paratroopers on the orders of the MFA on the 25th and 26th of April 1974: in Lisbon's airport; in Caxias prison; and while escorting defeated politicians under arrest to Funchal. It also alludes to some facts about the paratroopers' participation in 25 April that have contradictory references.

Keywords: Military History; Portugal; 25 April 1974; Portuguese Paratroopers

 

 

A participação do Regimento de Caçadores Paraquedistas (RCP) nas operações militares que em Abril de 1974 derrubaram o regime político vigente, foi nenhuma no dia 25 e mínima no dia 26. Como aqui se chegou sabendo-se que vários oficiais paraquedistas estiveram presentes desde a primeira hora nas reuniões do Movimento das Forças Armadas (MFA), outros estavam ligados ao general António de Spínola, e qual foi de facto o empenhamento operacional dos paraquedistas no dia 25 e 26 de Abril de 1974 às ordens do MFA, é o objectivo deste texto.

Regimento de Caçadores Paraquedistas

O RCP era em 1974 a única unidade paraquedista existente na Metrópole. Oficialmente criado e integrado na Força Aérea em 1 de Janeiro de 1956 como Batalhão de Caçadores Paraquedistas, sediado em Tancos, ali se mantinha desde 1961 Regimento, frente à Base Aérea n.º 3 que o apoiava com meios aéreos. Formava todos os paraquedistas portugueses (instrução básica, curso de paraquedismo, instrução de combate, e vários cursos de especialização), e servia de base logística e de mobilização para os Batalhões de Caçadores Paraquedistas N.º 12 (Bissalanca, Guiné Portuguesa), N.º 21 (Belas-Luanda, Angola), N.º 31 (Beira, Moçambique) e N.º 32 (Nacala, Moçambique). Cedia ainda quadros para os Grupos Especiais Paraquedistas (Nacala, Moçambique). Depois de 13 anos empenhados na contra-guerrilha ultramarina, «os Boinas Verdes» – os paraquedistas foram a primeira força militar portuguesa a usar uma boina como cobertura de cabeça – tinham justamente conquistado prestígio no seio das Forças Armadas. Os paraquedistas eram na realidade militares de elite fruto de uma rigorosa selecção assente a 100% no voluntariado – única força militar portuguesa metropolitana em que isto se verificava – uma instrução psicofísica, individual de combate e táctica muito exigente e um emprego operacional como forças de intervenção com um sólido enquadramento por oficiais e sargentos do quadro permanente e do quadro de complemento. Muitas praças permaneciam ao serviço para além do tempo obrigatório, cumprindo várias comissões no Ultramar.

O seu emprego na guerra, sobretudo para os militares do quadro permanente empenhados em sucessivas comissões de serviço, teve a nível profissional, corporativo se quisermos, impacto semelhante ao que se passava no Exército. Não devemos esquecer que parte importante dos oficiais paraquedistas era oriunda da Academia Militar, do Exército, estando na Força Aérea em comissões de serviço automaticamente prorrogáveis. Por regra ofereciam-se como alferes terminado o curso da Academia Militar e encerravam a carreira nos paraquedistas no máximo com o posto de coronel. A maioria fazia toda a sua vida militar nos paraquedistas, cumprindo, no entanto, os cursos inerentes à carreira no Exército. Podiam regressar ao quadro de origem no Exército a seu pedido ou serem mandados regressar por motivos de saúde, disciplinares e outros. Nos paraquedistas coexistiam, no entanto, três quadros de oficiais: estes já referidos, os “Paraquedistas" (PARAQ), oriundos das Armas e Serviços do Exército, que constituíam quadro próprio na Força Aérea[1]; os do “Serviço Geral Paraquedista" (SGPQ)[2], maioritariamente oriundos de sargentos e dois antigos oficiais milicianos ingressados em 1962, uns e outros integrados neste quadro depois de frequentarem em Águeda na Escola Central de Sargentos o curso para oficiais dos quadros permanentes da Força Aérea. Os oficiais SGPQ tinham como quadro de origem o Serviço Geral da Força Aérea, para onde podiam transitar a seu pedido, por questões de saúde, disciplinares ou outras; “Oficiais Milicianos Paraquedistas" (OfMilPARAQ)[3], voluntários com determinadas habilitações literárias que apenas cumpriam o tempo de Serviço Militar Obrigatório, mas que por vezes assinavam contratos anuais.

Para os oficiais da Academia Militar, e referimo-nos apenas a estes porque foram de facto o motor do golpe militar, podemos dizer que os problemas corporativos eram semelhantes aos do Exército. Ainda assim a impressão que fica dos relatos ouvidos aos paraquedistas sobre esses tempos, é a de que, para além do mal-estar derivado da conhecida legislação que despoletou o “movimento dos capitães", nos paraquedistas o principal problema mesmo era a falta de oficiais da Academia Militar para suprirem as necessidades. E tanto assim era que oficiais SGPQ, em princípio destinados a funções técnicas, desempenharam por vezes cargos de comandantes de pelotão e de companhia de caçadores paraquedistas nas operações em África. Também se verificou, em operações, haver sargentos[4] a desempenhar funções de comandante de pelotão de caçadores paraquedistas. Todos com excelentes resultados operacionais.

O RCP era uma unidade com efectivo sempre na ordem dos dois mil militares, podendo por alturas do 25 de Abril 1974 aprontar 9 companhias[5]! Nos paraquedistas as rendições no Ultramar eram por regra a nível individual e não por sub-unidades por isso havia permanentemente em Tancos um número muito razoável de quadros experimentados na guerra a ministrar instrução. Entre 1964 e 1974 o RCP enviou para os BCP´s de Angola, Moçambique e Guiné, em média, 927 caçadores paraquedistas por ano, mantendo em Tancos pessoal nas várias fases da instrução, mas também uma componente operacional disponível para intervenção imediata. O RCP dispunha, portanto, de uma força muito relevante, era uma unidade desejada pelos conspiradores[6]!

Oficiais do RCP juntam-se ao MFA

Foi assim com naturalidade – problemas semelhantes e importância da unidade – que cinco capitães paraquedistas oriundos da Academia Militar estiveram presentes nas reuniões deste movimento que nascia[7]: Cristóvão Manuel F. Avelar de Sousa; José Manuel da Silva Pinto; Manuel Bação da Costa Lemos; Maximino Cardoso Chaves; António Loureiro Costa.

Não só oficiais do RCP participaram nas reuniões iniciais do MFA. Por exemplo em Angola, pelo menos um oficial, o major SGPQ Carlos Ferreira Morais, participou numa reunião nos arredores de Luanda ainda em 1973[8].

Outros oficiais paraquedistas viriam a ter intervenção nas fases seguintes deste processo conspirativo, com acções mais ou menos relevantes (hoje difícil de aferir). Cito os nomes (ordenados por postos) referidos em vários livros sobre este período, em declarações dos próprios ou de quem assistiu aos factos, não esgotando naturalmente a sua relação com esta lista:

Coronel Rafael Ferreira Durão, nomeado pelo general Spínola como seu elemento de ligação ao MFA; tenente-coronel Horácio de Oliveira (deslocação à Pontinha); tenente-coronel Ângelo Silva e Sousa (deslocação à Pontinha); major José Alberto de Moura Calheiros, participou em acções/reuniões relativas à eventual participação do RCP no golpe; capitães António Joaquim Ramos, ajudante de campo do general Spínola; Mário Fernando Pinto (Caxias); Luciano Lopes Nunes (Pontinha); Silva Pinto (Aeroporto); Adelino Martins (Aeroporto); Carlos Alves (Aeroporto); Bação Lemos (Aeroporto); José António Brás (Caxias).

O RCP não foi, no entanto, incluído na “ordem de operações" elaborada pelo MFA, sendo considerado pelo major Otelo Saraiva de Carvalho, como “neutro"[9]. Otelo, sobre quem recaiu o planeamento operacional do golpe conseguiu em definitivo esta neutralidade do RCP pela boca do seu comandante, coronel paraquedista Fausto Pereira Marques, numa reunião com ele havida em 21 de Abril de 1974[10]. Este acordo pressupunha que se o RCP recebesse ordem do governo ou da Força Aérea para intervir, não iria actuar contra o MFA. Mas também não lhe seria atribuída pelo MFA nenhuma missão contra as unidades que se mantivessem fiéis ao governo.

25 de Abril de 1974

Durante a madrugada e manhã de 25 de Abril de 1974 em Lisboa as operações militares decorreram vitoriosas. O RCP em Tancos, quando soube do golpe – não foram informados do seu desencadear – entrou de prevenção rigorosa, mas, como previsto, não foi empregue contra o regime nem para o defender.

Julgo aqui interessante referir um aspecto ligado com o golpe falhado de 16 de Março. Em 25 de Abril o chefe do governo refugiou-se, a conselho do director da DGS, no Comando-Geral da GNR um local sem defesa possível, no centro de Lisboa e não em Monsanto – Comando da 1.ª Região Aérea (como tinha acontecido em 16 de Março), local onde era suposto reunir-se o governo, em caso de crise, por ter condições de defesa e meios de comando e controlo. Em 16 de Março uma companhia de caçadores paraquedistas[11] foi enviada para garantir a segurança àquela entidade. A descolagem de Tancos das aeronaves da Força Aérea ainda demorou o seu tempo, quando os paraquedistas chegaram a Lisboa, o “golpe das Caldas" já tinha sido neutralizado e Marcello Caetano saído da 1.ª RA[12]. Terá este antecedente levado Marcello a não se deslocar novamente para Monsanto no dia 25? É bem possível, juntamente com a desconfiança relativamente à fidelidade ao governo, naquela altura, por parte das Forças Armadas. Mas na realidade em 25 de Abril a Força Aérea manteve-se ali, ao lado do governo, operando helis, e acolhendo governantes, durante toda a manhã e parte da tarde, apenas sendo ocupado sem resistência pelos revoltosos só pelas 19h00!

A situação no RCP, alertados sobre o golpe já pela madrugada pela comunicação social, é de alguma ansiedade e o comandante determina pela hora de almoço o envio a Lisboa de dois tenentes-coronéis – Horácio de Oliveira e Silva e Sousa – para tentar avaliar a situação. Usaram um Allouette III da BA 3 para rumar à Pontinha e falar com o MFA. Ao final do dia, Otelo refere pelas 19H45, Silva e Sousa e o capitão paraquedista Lopes Nunes, apresentaram-se no Posto de Comando do MFA na Pontinha para colocar “…quatro a cinco companhias de paraquedistas, bem enquadradas, comandada cada uma delas por dois capitães…"[13], à disposição do Movimento. Otelo fica satisfeito, necessita com urgência de tropas frescas para render unidades empenhadas e ainda há um objectivo que não foi alcançado: o Forte Prisão de Caxias. Otelo recorda “combinamos frequências radio e indicativos (rede LAGARTO) para ligações radio. Os «paras» entram, por fim, na acção directa!"[14].

Duas companhias do RCP são transportadas para o Aeródromo Base N.º 1 (Lisboa) onde chegam pelas 23h00. Uma companhia permanece no Aeroporto de Lisboa, para substituir as forças da Escola Prática de Infantaria que o tinham ocupado, e garantir a segurança da infraestrutura aeronáutica o que começava a ser problemático; outra, com os capitães Mário Pinto e José Brás, irá rumar no dia seguinte de manhã a Caxias.


26 de Abril de 1974 - Caxias

Os paraquedistas chegam pelas 08h30 e cercam o Forte-Prisão, objectivo atribuído ao Regimento de Infantaria N.º 1 (Amadora) mas não cumprido. Em Caxias a GNR garantia a segurança dos presos (Reduto Norte), mas também havia pessoal da DGS (Reduto Sul). Quando os paraquedistas chegam o comandante da GNR coloca-se sem qualquer problema à disposição do capitão Mário Pinto e o capitão José Brás, com dois pelotões, vai ocupar o reduto sul, onde deteve o director da prisão, inspector da DGS Parra da Silva e os seus 40 agentes sem resistência. Militares paraquedistas são colocados nos postos de vigilância e os presos informados que se aguardam instruções da Junta de Salvação Nacional (JSN) para a sua libertação. Pouco depois da chegada dos paraquedistas às instalações prisionais de Caxias uma força de fuzileiros que também tinha sido posta à disposição do MFA, reforça o dispositivo. Os presos são libertados das suas celas e aguardam no interior da prisão a autorização para saírem de Caixas. Ao final do dia 26 chega a ordem da JSN para se libertarem os presos políticos sem qualquer restrição e assim foi feito, paraquedistas e fuzileiros deixam sair em liberdade os 85 detidos.

Funchal

Neste mesmo dia 26, bem cedo, sai de Lisboa rumo ao Funchal onde aterra pelas 09h00 um avião DC 6 da Força Aérea, tendo como comandante o tenente-coronel piloto aviador Baptista Pereira. Transporta uma secção de caçadores paraquedistas sob o comando do primeiro-sargento paraquedista Fernando Picanço Gonçalves. Fizeram a escolta ao Presidente do Conselho de Ministros desde o Posto de Comando do MFA na Pontinha, onde tinha passado a noite, até ao AB1 e depois até ao aeroporto do Funchal. Na aeronave seguem outras altas entidades do regime deposto[15] que vão ser entregues ao Comando Territorial Independente da Madeira (CTIM). Spínola e Costa Gomes[16] decidiram enviar os detidos para a Madeira por questões de segurança e para conferir alguma dignidade aos governantes derrotados. À chegada ao aeroporto do Funchal dá-se um facto meio-caricato, mas que acaba por ficar na história e documentado. O primeiro-sargento Picanço, 37 anos de idade, 3 Comissões na Guerra do Ultramar, recusa-se a proceder à entrega dos detidos sem que lhe deem documento que comprove esse facto[17]. Calejado da burocracia militar, decide que assim, caso haja algum problema na Madeira, ninguém o poderá acusar de não ter cumprido a ordem recebida. Gera-se algum mal-estar, mas perante a determinação de Picanço, o documento é realmente dactilografado e a “declaração de entrega" dos ex-membros do Governo, assinada pelo Governador Militar, brigadeiro Lopes da Eira e comandantes do avião e da escolta, e autenticada pelo major Faria Leal Chefe de Estado Maior do Quartel-General do CTIM.

Encerra-se assim, com estas três acções – aeroporto de Lisboa, Forte-Prisão de Caxias e escolta às mais altas entidades do regime deposto – o empenhamento directo dos «Boinas Verdes» em 25 e 26 de Abril de 1974.

A “neutralidade" do RCP

Tendo-me sido pedido um texto sobre as acções dos paraquedistas no golpe militar, o que em síntese está feito, julgo que a neutralidade do RCP a que já se aludiu merece mais umas linhas. Na ausência de provas documentais, e percebe-se bem porquê, muitas das reuniões não produziam naturalmente qualquer acta ou memorando, o que sobra na realidade são as declarações ou silêncios dos protagonistas. Otelo Saraiva de Carvalho deixou escrita a sua versão dos factos relativos à intervenção dos paraquedistas – o livro de 2011 (nota 10) apresenta detalhes diferentes do publicado em 1991 (nota 21) – outros protagonistas já faleceram, e dos vivos, os seus relatos sobre o dia 25 no RCP nem todos coincidem.

Vários aspectos, mais detalhe menos detalhe, acabam coincidentes. Os paraquedistas envolvidos nas reuniões do MFA, ao contrário da generalidade das unidades do Exército, davam conhecimento ao comandante da unidade do que se estava a passar[18], adotando uma postura de “participamos todos no golpe ou não participamos". Otelo recorda em 1991:

…Eles, «paras», só actuam como um bloco, ou todos ou nenhum. E se o comandante não aderir, nada feito por aquelas bandas. Para mim, essa jactância final sobre o tão apregoado espírito de corpo dos paraquedistas oferece-me a garantia plena de que eles não participarão efectivamente no golpe… …Nem sequer conto com eles para o cumprimento de qualquer missão, por mais insignificante que seja, no plano de operações. Interessa-me, sim, é motivá-los para que não actuem, em caso algum, a favor das «forças governamentais» contra o Movimento, mantendo-se neutros…"[19].​


Os paraquedistas, capitães e comandante, duvidaram muito da qualidade do planeamento executado por Otelo para o golpe militar. Acharam que a ser executado resultaria num fracasso. Ofereceram-se para serem eles a fazer esse plano, pedindo – nas vésperas do 16 de Março de 1974 – 1 mês para esse efeito[20]. Otelo também fala disto, embora refira que se fartou de esperar pelo plano dos paraquedistas e que eles nada apresentaram. Os então delegados paraquedistas referem que o 16 de Março e o 25 de Abril provam que o MFA não esperou pelo plano e decidiu avançar sem os paraquedistas. A propósito desta pressa e o que a justificava, Avelar de Sousa refere que:

«O 25 de Abril é um movimento de cobardes, exactamente, não tem ideologia nenhuma. Eu sei porque estive lá do primeiro ao último dia… … (recorda, por exemplo, numa reunião do MFA dirigindo-se a um tenente do Exército sem nenhuma comissão no Ultramar mas que não queria ir para África:) «…isto é, não quer andar o resto da vida com os costados em África mas não foi vez nenhuma, veio para a Academia Militar, para Infantaria, mas não está disposto a ir para a guerra!»[21].

Sobre estas reuniões preparatórias nas quais os paraquedistas participaram e a importância sempre aí atribuída ao RCP muito há para referir, no entanto dada a finalidade deste texto, avanço para o dia 21 de Abril, outro facto consensual. Otelo Saraiva de Carvalho, transportado pelo coronel paraquedista Rafael Durão – elemento de ligação ao general António Spínola – encontra-se com Fausto Marques, tendo como objectivo conseguir a adesão do RCP ao seu plano de operações ou então a sua neutralidade. Refere Otelo sobre esta reunião 4 dias antes do golpe:

…obtenho dele a garantia reiterada de que, em caso algum, os «paras» actuarão contra as forças do Movimento… …Nem sequer os mencionava nas «forças amigas» da «ordem de operações». A sua neutralidade era suficiente. Tal como a da Força Aérea, em relação à qual contava com a recusa, por parte dos pilotos, de tomar acções de bombardeamento sobre Lisboa ou sobre unidades de província ocupadas pelo Movimento"[22].

Até aqui, portanto, apesar de interpretações e detalhes aqui e ali diferentes, os factos coincidem. No RCP os capitães paraquedistas do MFA actuavam coordenados com o comandante, oficial que respeitavam e admiravam. A dúvida que persiste 50 anos depois, reporta-se a detalhes sobre o que realmente aconteceu no RCP na manhã do dia 25 de Abril de 1974. Otelo descreve em 1991[23] com detalhe o que se terá passado a partir das 06h30 no RCP, factos que levaram à não intervenção dos paraquedistas em Lisboa – apesar da ordem recebida do comando da 1.ª Região Aérea para descolarem de Tancos 4 helicópteros com paraquedistas destinados a montar a segurança àquela infraestrutura. Otelo, certamente informado por algum oficial presente no RCP porque ele estava na Pontinha, justifica com naturalidade a não-intervenção com a manutenção do compromisso que Fausto Marques assumira com ele dia 21. No entanto no livro de 2011[24] já descreve a situação noutros termos – certamente falou com pessoas diferentes deste vez – sugerindo que face às ordens recebidas do comando da Força Aérea, Fausto Marques queria mesmo enviar para Lisboa (Monsanto) os paraquedistas, o que na prática seria feito para defender altas entidades do regime ali refugiados ou…para os prender. O coronel paraquedista Moura Calheiros, então major no RCP, refere que apesar das dúvidas que Fausto Marques sempre manifestou sobre o que se seguiria ao golpe e suas consequências para o esforço de guerra no Ultramar, desejava uma mudança de regime e aderiu ao golpe “imediatamente após ele ter sido desencadeado"[25]. Bação Lemos[26], oficial de dia (24/25), foi ele que acordou o comandante e acompanhou o processo de entrada em prevenção rigorosa e preparação da unidade para eventual intervenção, não valoriza as informações que referem ter havido pressão sobre o comandante – Otelo refere isso em 2011 – para não intervir. Lembra que nas reuniões havidas nesse dia com o coronel Fausto Marques, vários intervenientes manifestaram de facto as suas opiniões, sendo consensual a não intervenção até cabal esclarecimento do que estava a acontecer.

O facto é que Fausto Marques foi substituído no comando do RCP pelo coronel paraquedista Alcínio da Fonseca Ribeiro em 4 de Maio, por alguns dias, e ainda em Maio o coronel paraquedista Rafael Ferreira Durão assume o comando do RCP.

Consequências imediatas

Apesar desta intervenção mínima no 25 de Abril as Tropas Paraquedistas veem a sua importância reforçada. Em 21 de Maio (Decreto-Lei Nº 211/1974), apenas vinte dias após o golpe, a JSN que tinha assumido os poderes legislativos que competiam ao governo, decretou a sua reorganização e expansão. Esta apontava claramente para a manutenção do esforço de guerra no Ultramar. Assim, a nova organização introduzia as seguintes alterações:

  • O Regimento de Caçadores Paraquedistas (RCP) passava a depender diretamente do Chefe do Estado-Maior da Força Aérea e não do Serviço de Instrução da Força Aérea.
  • Em Angola era criado o BCP 22, com sede na cidade do Luso, e um Centro de Instrução (CI) na cidade de Luanda;
  • Em Moçambique era criado, também, um CI, com sede na cidade da Beira que, assim como o CI de Luanda tinha a missão de preparar anualmente, duas Companhias de Caçadores Paraquedistas de recrutamento local.

Com o objetivo de implementar esta organização ainda foram tomadas algumas medidas em Angola para activar o BCP 22 e formar pessoal. Iniciaram-se no BCP 21 (Belas – Luanda) dois cursos de paraquedismo, mas apenas um foi concluído. O evoluir da situação político-social na Província e a urgência incutida pelo poder de Lisboa na descolonização condicionou a aplicação destas medidas organizacionais.

O Regimento de Caçadores Paraquedistas, poucos na altura certamente o poderiam imaginar perante estes desenvolvimentos, a que acrescia a nomeação ainda em Maio de 1974 do seu comandante, coronel paraquedista Rafael Durão, para o Conselho de Estado, um lugar muito relevante a nível nacional, iria em breve participar num processo que culminaria na quase extinção das Tropas Paraquedistas Portuguesas.

Nota do autor

Sem os comprometer com as minhas interpretações, agradeço aos Tenente-General Bação da Costa Lemos, Major-General Cristóvão Avelar de Sousa e Coronel Carlos Ferreira Morais, os testemunhos pessoais prestados, e ao tenente-coronel José da Fonseca Barbosa, o apoio na elaboração deste artigo.

 

Bibliografia

BARBOSA, José da Fonseca – Oficiais Milicianos Pára-Quedistas da Força Aérea Portuguesa (Volume I – 1955-1974). Porto: Fronteira do Caos Editores, 2018.

CABRAL, Rui e ALMEIDA, Luís Pinheiro – Capitães de Abril, a conspiração e o golpe. Lisboa: Edições Colibri, 2024.

CAETANO, Marcello – Depoimento. Rio de Janeiro: Distribuidora Record, 1974.

CALHEIROS, José Alberto de Moura – História das Tropas Pára-quedistas Portuguesas, Regimento de Caçadores Pára-quedistas, 1961-1975. Vila Nova da Barquinha: União Portuguesa de Paraquedistas, 2022.

CARVALHO, Otelo Saraiva de – O Dia Inicial, 25 de Abril hora a hora. Lisboa: Editora Objectiva, 2011.

CARVALHO, Otelo Saraiva de – Alvorada em Abril (I e II). Lisboa: Publicações Alfa, 1991.

CRUZEIRO, Maria Manuela – Costa Gomes o último Marechal. Lisboa: Notícias Editorial, 1998.

MACHADO, Miguel Silva e CARMO, António Sucena do – Tropas Pára-Quedistas Portuguesas, 1956-1993. 2.ª Edição. Lisboa: Edição dos Autores, 1992.

SALVADA, Rui – Abril em Novembro. Lisboa: Lisbon International Press, 2023.

 

 

NOTAS

[1] Nas unidades paraquedistas (RCP, BCP 12, BCP 21, BCP 31, BCP 32) em 1974 eram 77, dos quais 6 tinham sido oficiais milicianos que concorreram à Academia Militar e regressaram ao RCP como PARAQ. 34 estavam colocados no RCP.

[2] Nas unidades paraquedistas (ver nota 1) em 1974 eram 75. 25 estavam colocados no RCP.

[3] Nas unidades paraquedistas (ver nota 1) em 1974 eram 54.

[4] Nas unidades paraquedistas (ver nota 1) em 1972, havia 443 sargentos paraquedistas do Quadro Permanente e 72 sargentos Milicianos.

[5] Tenente-General Paraquedista Bação da Costa Lemos (capitão no RCP em 25ABR1974), em declarações ao autor a 23MAI2024 no Regimento de Paraquedistas em Tancos.

[6] Isto é muito evidente, por exemplo, no livro de Otelo Saraiva de Carvalho, Alvorada em Abril (I).

[7] Entrevista do autor ao Major-General Paraquedista (Reforma) Cristóvão Avelar de Sousa em 07JUN2023 na Associação da Força Aérea em Lisboa.

[8] Entrevista do autor ao Coronel SGPQ (Reforma) Carlos Ferreira Morais em 11JAN2024 na Associação da Força Aérea em Lisboa. Morais esteve nesta reunião acompanhando do então Major Piloto Aviador Ribeiro Cardoso, oficial ligado ao MFA.

[9] Note-se que a 3 de Março de 1974, ainda a ordem de operações para o golpe não estava elaborada, Otelo disse considerar colocar o RCP como força de reserva para eventual falhanço da acção principal em Lisboa. Segundo Bação Lemos (ver nota 5), Otelo referiu-lhe e a Durão (na casa deste) isto mesmo em reunião havida nesse dia e onde estava também presente Moura Calheiros. A ideia era – em caso de falhanço – retirar de Lisboa para Santarém e aí, com a EPC e o RCP, tentar inverter a situação.

[10] Otelo Saraiva de Carvalho, Alvorada em Abril (II)

[11] Uma das duas companhias de intervenção sempre disponíveis no RCP, esta sob o comando do capitão António Oliveira de Figueiredo.

[12] Nesta ocasião tem lugar um acontecimento insólito o qual após anos “reservado" acabou divulgado por um dos intervenientes, o então capitão paraquedista Avelar de Sousa, já com duas comissões na Guiné e que depois ainda cumpriria mais duas na descolonização em Moçambique e Angola. Simplificando: ao saber que iam fazer a segurança ao Presidente do Conselho neste 16 de Março, Avelar pediu ao comandante para acompanhar a companhia de caçadores paraquedistas, e ir falar directamente com Marcello Caetano. A finalidade era dizer de viva-voz: «alguma coisa tem que mudar, caminhamos para uma desgraça, os paraquedistas estão consigo se o problema for impor a sua vontade no contexto do regime». Não se tratava de fazer cair o regime, mas de lhe dar condições de força para resolver o problema do Ultramar pela via que entendesse mais adequada, melhorar o modo de fazer a guerra e/ou negociações. Tudo autorizado não se concretizou, Marcello abandonara Monsanto antes dos paraquedistas chegarem. Avelar de Sousa revelou ao autor este episódio com muitos mais detalhes em 07JUN2023 na Associação da Força Aérea em Lisboa e também o refere no livro de Rui Salvada Abril em Novembro.

[13] Idem nota 10.

[14] Idem nota 10.

[15] Américo Tomás, Marcello Caetano, Joaquim da Silva Cunha e César Moreira Baptista, respectivamente, antigos Presidente da República, Presidente do Conselho de Ministros, Ministro da Defesa e Ministro do Interior e Carlos Benvindo dos Reis da Fonseca, Oficial às Ordens de Américo Tomás.

[16] Costa Gomes assume essa decisão “a dois", sem sequer pedir opinião a terceiros, no livro de Maria Manuela Cruzeiro, Costa Gomes o último Marechal.

[17] A actuação desta escolta de caçadores paraquedistas a Marcello Caetano mereceu do antigo governante, que a considerou excessiva, uma referência pouco simpática no seu livro Depoimento.

[18] Idem nota 7.

[19] Idem nota 10. Apesar desta afirmação em 25 de Abril Otelo fica aliviado quando os paraquedistas se colocam ao lado do MFA e atribui-lhes as missões já referidas.

[20] Idem nota 7.

[21] Rui Salvada, Abril a Novembro.

[22] Idem nota 10.

[23] Idem nota 10.

[24] Otelo Saraiva de Carvalho, O Dia Inicial, 25 de Abril hora a hora.

[25] Miguel Silva Machado e António Sucena do Carmo, História das Tropas Pára-quedistas Portuguesas, Regimento de Caçadores Pára-quedistas, 1956-1993.

[26] Ver nota 5.


Miguel Silva Machado

Oficial paraquedista, especializou-se em informação pública, área em que trabalhou em Portugal e nas missões expedicionárias. Investigador, autor e conferencista de temas militares, com obra publicada em livros, revistas e na imprensa nacional e estrangeira.


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Como citar este texto:

MACHADO, Miguel Silva – As Tropas Paraquedistas e o 25 de Abril de 1974. Revista Portuguesa de História Militar - Dossier: 25 de Abril de 1974. Operações Militares. [Em linha] Ano IV, nº 6 (2024); https://doi.org/10.56092/PWLD3057 [Consultado em ...].​

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