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Editorial​

 

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Abílio Pires Lousada e Humberto Nuno d​e Oliveira​​​​


Apresenta-se, com o atraso de um mês sobre a data prevista da sua publicação, facto pelo qual solicitamos a indulgência dos leitores, este quinto número da Revista Portuguesa de História Militar (RevPHM), que encerra o seu terceiro ano de publicação.

Dedicado ao tema da “Génese do Império Português do Oriente", retoma, pela terceira vez, temática relativa à nossa Expansão Ultramarina, após o segundo número, «Da Fundação à Expansão Séculos XII-XVI», e o terceiro, «O Brasil na História Militar de Portugal 1500-1822»). Desta feita nos palcos das operações dos Oceanos Índico e Pacífico.

Portugal desbravou a rota do Cabo, em finais do século XV, decidido a fazer do Índico um espaço de interação comercial e, se necessário, de confronto militar, mediante acesso a produtos requintados como a seda, pedras preciosas e especiarias, transacionados para a Europa a preços elevadíssimos. À época da sua chegada a Oriente, o xadrez geopolítico do Índico era complexo. Na faixa costeira oriental africana, as cidades de Quíloa, Mombaça e Melinde, de traço afro-árabe, prosperavam comercialmente. Na Península Arábica, campeavam o xá de Ormuz e Ismael I da Pérsia, este em expansão territorial e em rota de colisão com os turcos otomanos. No Mediterrâneo Sul sobressaía o império mameluco, que assentava a prosperidade nas alfândegas comerciais terrestres das rotas idas para a Europa, através do mar Vermelho e do Golfo Pérsico. A costa indiana repartia-se entre muçulmanos, no centro norte (principados de Guzarate, Deli e Bengala, e os sultanatos de Decão), e os hindus, a Sul, destacando-se o império Vijayanagar. Mais a Sul, Ceilão era uma terra rica em especiarias e de orientação budista, enquanto Malaca, a Sudeste, era capital de um sultanato recentemente instaurado. Com a chegada dos portugueses, os autóctones ficaram entre o dilema de colaborar com os muçulmanos ou aproximarem-se dos cristãos. Como fazer comércio no Índico equivalia a fazer a guerra, este contexto de incompatibilidade dos poderes instalados  aproveitou aos portugueses.

Realmente, aproveitando a dispersão de poderes local e as complexas relações de vizinhança, a edificação do Império do Oriente deveu-se à determinação estratégica da coroa, em concreto de D. João II, primeiro, e D. Manuel I, depois, à coragem e arte de marear dos navegadores e à intrepidez combativa dos capitães de mar e de terra.

Afastados da metrópole, combinavam uma extensa e interligada rede logística e de comunicações marítima com uma tática de combate que fazia depender a sorte dos confrontos da combinação entre robustez e capacidade de manobra dos navios e o poder de fogo da artilharia naval. Os navios de guerra eram uma fortaleza móvel bem guarnecida e melhor artilhada, que desferiam golpes decisivos nos oponentes e combatiam por aniquilamento. Não havia tréguas na guerra da Índia e os portugueses tornaram-se veteranos em pouco tempo. Bem-sucedidos, “foram ainda além da Taprobana", sulcando o Pacífico e aportando a território chinês e japonês.

Decorrente da investigação de nove autores, procurámos que da pluralidade resultasse a maior cobertura possível do amplo espaço geográfico no decurso de um tão rico tempo histórico. Sabíamos como seria difícil abordar todos os aspectos de tão diversificada presença e actividade militar nas longínquas paragens orientais. Ainda assim, pensamos que o elenco de autores e temas fornece uma leitura interessante da temática proposta. Geograficamente, os artigos vão da Índia, Sri Lanka e Molucas, ao Japão e China. É o período áureo da Expansão Portuguesa naquelas paragens e da edificação do mítico e glorioso Império do Oriente. Em termos técnico-tácticos, o destaque incide nas fortalezas flutuantes (embarcações), nas fortificações de implantação territorial e em armas de fogo como a artilharia naval e a espingarda de mecha.

Apresentando em síntese os artigos, João Brandão Ferreira, que colaborou em edições anteriores da RevPHM, elenca conceptualmente as diferentes designações “do território pátrio" desde a Fundação à Expansão e daqui até à actualidade. A abordagem inclui os títulos que os reis de Portugal ostentaram e, a partir de 1822, é feita análise das “diferentes Constituições Portuguesas, relativamente à definição do território nacional em cada época e a da evolução dos direitos políticos dos seus habitantes".

O artigo de Ana Paula Avelar empresta ao acervo da revista um enquadramento temático a partir da análise da descrição cronística do contacto com os espaços asiáticos na primeira metade do século XVI. Por esse via, deriva a reflexão “sobre como se construiu uma presença portuguesa extra-europeia e como o domínio em mares e terras do Oriente se constituiu como o tópico narrativo de uma História que se escreve em Quinhentos".

José Rodrigues Pereira, colaborador da Revista em outras edições temáticas, aborda a rainha das batalhas da Marinha de Guerra Portuguesa – Diu 1509. Da necessidade portuguesa em impor pela força a sua presença no Índico e usufruir das dinâmicas comerciais da região, à “emboscada" sofrida em Chaul até ao “massacre" perpetrado em Diu. Batalha decisiva, D. Francisco de Almeida fixou e destruiu em Diu as frotas egípcias, guzerates e de Calecute, mercê de uma vontade de vingança pelo ocorrido em Chaul, determinação férrea e planeamento e execução táctica naval quase perfeitas. Do feito militar, resultou para Portugal “o controlo do Oceano Índico durante 30 anos".

Os dois textos seguintes orientam o estudo para as fortificações portuguesas implantadas no Oriente, enquanto marca importante de presença na vasta região, concretamente na Índia e em Ceilão, através de Joaquim Santos, e nas Ilhas Molucas, por Manuel Lobato, académicos especialistas na temática com vasto trabalho concretizado in loco.

No primeiro caso, mediante uma “panorâmica geral", o autor refere que “a presença portuguesa passou de um estabelecimento pontual em pontos-chave ao longo da costa ocidental da Índia, para um domínio territorial em algumas áreas específicas, até ser forçado a uma reorganização na segunda metade do século XVIII, fruto das vastas perdas territoriais sofridas".

No texto referente às Ilhas Molucas, “irradiando de Malaca, a presença dos representantes do Estado da Índia fez-se sentir em diversas zonas do arquipélago malaio de forma desigual e descontínua, no espaço e no tempo. Tal herança diz respeito a diversos domínios, sendo um deles o património arquitetónico militar (...) em ponto nevrálgicos da atual Indonésia, (…), onde a presença oficial portuguesa se prolongou entre 1522 e 1606".

Seguem-se duas abordagens especificamente centradas no armamento português: a Artilharia na China e a Espingarda de Mecha no Japão. Pedro Marquês de Sousa recupera o conflito naval luso-chinês de 1521-1522 e os “combates navais entre portugueses e chineses na foz do rio das Pérolas, a sul da cidade de Cantão". Caracterizando em termos técnico-tácticos a relevância do poder naval português no Oriente, com destaque para a supremacia da artilharia, o autor coloca em destaque a capacidade de resposta autóctone perante as dificuldades portuguesas ao nível das longínquas linhas de comunicações e a escassez de meios humanos e materiais à disposição.

Os autores destas linhas dão conta “da importância que a arma de fogo teve para a redefinição e ajustamento do complexo xadrez político do Japão, a partir da segunda metade do século XVI". A análise centra-se nas certezas e dúvidas relativamente ao surgimento da espingarda de mecha no Japão por mãos lusitanas, em concreto quem, como e quando, no usufruto dos locais com a nova arma, no seu funcionamento técnico e às suas valências enquanto «vector» importante na História do Japão.

Reiterando a disposição de a RevPHM apresentar nas suas edições um museu militar ou museu com acervo de história militar, este número presenteia os leitores com as duas versões, mediante colaboração do Museu Militar de Lisboa e do Museu do Oriente.

Relativamente ao Museu Militar de Lisboa, o Director Francisco Amado Rodrigues inicia com a apresentação geral do Museu, a sua história e acervo geral. Da diversidade temática, geográfica e temporal constante no seu espólio, presenteia com coleções de armaria, pintura, escultura, azulejaria e artes decorativas enquanto exemplo do importante legado referente ao Oriente. Convenientemente legendadas, catalogadas e funcionalidades explicadas.

O Museu do Oriente apresenta-se “como espaço de encontro de culturas e civilizações através da arte, expõe em permanência um conjunto de coleções relacionadas com o património histórico da Presença Portuguesa na Ásia". Nesse sentido, Joana Belard da Fonseca, Directora-adjunta e Conservadora responsável pela coleção “Presença Portuguesa na Ásia", seleciona do riquíssimo espólio museológico um conjunto de gravuras, pinturas e peças relacionadas com a arte da guerra referentes à Índia, Sri Lanka, China e Japão, com descrição de enquadramento que facilita a compreensão e apreciação.

Por fim, na habitual colaboração extra-Dossier, apresentam-se dois textos. Jorge Rocha conduz-nos até ao Timor português de meados do século XIX e às dificuldades na garantia de pacificação territorial, por reduzida presença militar, por um lado, e a irredutibilidade de submissão de alguns povos locais, por outro. As revoltas de Lacló e Ulmera, tidas como as mais significativas, ocorridas em 1861, e a resposta militar portuguesa, dominam a narrativa. Júlio Rodrigues da Silva dá nota da Proclamação de Emancipação pelo presidente dos EUA Abraham Lincoln, no contexto da Guerra Civil Americana, e respectivas reacções vertidas na Imprensa Portuguesa, em 1862-1863.

Como sempre os directores da RevPHM agradecem penhoradamente a todos os autores que, com o seu saber e cortesia, agraciaram a Revista e presentearam os leitores. A bem do conhecimento histórico-militar de Portugal.​






ABÍLIO PIRES LOUSADA​

Militar Historiador e Mestre em Estratégia, co-Director da Revista Portuguesa de História Militar. Membro do Conselho Científico da Comissão Portuguesa de História Militar e membro fundador da Associação Ibérica de História Militar. Autor/co-autor de 18 livros e de mais de 70 artigos sobre História Militar e Estratégia. Prémio Defesa Nacional e Jornal do Exército​


HUMBERTO NUNO DE OLIVEIRA

Historiador (doutor em História), co-Director da Revista Portuguesa de História Militar. Membro do Conselho Científico da Comissão Portuguesa de História Militar e da Direcção de História e Cultura Militar. Presidente da Academia Falerística de Portugal. Professor da Universidade Pedagógica Nacional- Dragomanov (Quieve). Cumpriu, como Miliciano, o Serviço Militar Obrigatório no Exército Português



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Como citar este texto:

LOUSADA, Abílio Pires, OLIVEIRA, Humberto Nuno de – Editorial. Revista Portuguesa de História Militar - Dossier: Génese do Império Português do Oriente. [Em linha] Ano III, nº 5 (2023); https://doi.org/10.56092/MJHN1715​.​  [Consultado em ...].

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