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FORTIFICAÇÕES PORTUGUESAS NA ÍNDIA E CEILÃO: PANORÂMICA GERAL

 

 

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JOAQUIM RODRIGUES DOS SANTOS



Resumo

A chegada de Vasco da Gama à Índia em 1498 iniciou um processo de estabelecimento português no espaço do subcontinente indiano que só terminaria em 1961. Apoiado por um vasto conjunto de fortificações que foram acompanhando a evolução da poliorcética, a presença portuguesa passou de um estabelecimento pontual em pontos-chave ao longo da costa ocidental da Índia, para um domínio territorial em algumas áreas específicas, até ser forçado a uma reorganização na segunda metade do século XVIII, fruto das vastas perdas territoriais sofridas. A presença de estruturas fortificadas de origem portuguesa na maioria destes territórios patenteia a enorme importância que as mesmas tiveram na construção do império português no Oriente. O presente ensaio pretende dar uma panorâmica geral da evolução das fortificações portuguesas na Índia e no Sri Lanka, apoiando-se também num conjunto de investigações desenvolvidas por diversos autores.

Palavras-chave: Portugal; Índia; Sri Lanka; fortificações; poliorcética.

Abstract

Vasco da Gama's arrival in India in 1498 began a process of Portuguese settlement in the Indian subcontinent that would only end in 1961. Supported by a vast array of fortifications that accompanied the evolution of the poliorcetic, the Portuguese presence went from the establishment at key points along the west coast of India to territorial dominance in a few specific areas, until it was forced to reorganise in the second half of the 18th century as a result of the vast territorial losses suffered. The presence of fortified structures of Portuguese origin in most of these territories shows the enormous importance they played in building the Portuguese empire in the East. The aim of this essay is to provide a general overview of the evolution of Portuguese fortifications in India and Sri Lanka, based on a series of studies carried out by several authors.

Keywords: Portugal; India; Sri Lanka; Fortifications; polyorcetic.

 

 

Introdução

As fortificações construídas pelos portugueses na Índia e Sri Lanka – e mesmo no Bangladesh e Mianmar – constituem um impressionante testemunho da presença portuguesa nesta área do mundo durante mais de quatro séculos. A diversidade de soluções construtivas reflecte por isso os vários contextos em que as mesmas foram erigidas, sejam as áreas geográficas, os momentos cronológicos, as estratégias político-económicas, as culturas envolvidas, o desenvolvimento tecnológico ou os sistemas construtivos existentes.

A evolução da poliorcética pode ser acompanhada através das várias fortificações construídas pelos portugueses ao longo dos territórios que estiveram sob o seu controlo directo (e indirecto), num desenvolvimento que vai desde as primeiras fortificações, ainda com carácter medievalizante, até àquelas totalmente adaptadas à pirobalística e apoiadas numa tratadística cada vez mais fundamental para a arte de fortificar. Também as circunstâncias nas quais foram construídas determinaram as suas formas e estruturas: a constante capacidade de adaptação dos engenheiros militares e mestres-de-obras portugueses às condições locais foram fundamentais para lograr a construção de tão vasto número de fortificações no subcontinente, sobretudo tendo em conta a pequena dimensão da população portuguesa quando comparada com outras potências coloniais, e os seus limitados recursos financeiros.

De facto, se o conhecimento técnico era eminentemente europeu, a mão-de-obra era essencialmente local, assim como os materiais disponíveis e muitas das técnicas construtivas que foram sendo adoptadas e readaptadas aos condicionamentos locais. Os portugueses possuíam o conhecimento da construção de fortificações com pedra (granito ou calcário), mas também com terra (tijolo, adobe ou taipa) ou madeira, utilizando ainda sistematicamente a cal, feita a partir de pedra calcária, como ligante das argamassas e dos rebocos; porém, quando algum ou vários destes elementos não estavam disponíveis nos lugares das fortificações a construir, os engenheiros e mestres-de-obras portugueses adaptavam-se às condicionantes existentes – sejam os materiais disponíveis localmente, sejam as competências técnicas dos trabalhadores locais.

O pragmatismo da adaptação portuguesa às condições locais no que diz respeito aos materiais existentes e competências dos trabalhadores locais permitia frequentemente evitar o transporte de materiais construtivos a partir de outras regiões, bem como o processo de formação desses trabalhadores locais a técnicas construtivas com as quais não estariam familiarizados. Com isso era possível poupar tempo e custos desnecessários, tornando o processo de construção das fortificações mais rápido, barato e optimizado. Não é por isso de estranhar o uso de alvenarias feitas a partir de pedra coral, latrite ou tijolo assentados com argamassas de chunambo, uma espécie de cal feita a partir de conchas (ao invés de pedra calcária).

Se muitas destas fortificações permanecem ainda dispersas pelos territórios que outrora estiveram sob o domínio português, em melhor ou pior estado de conservação – ou mesmo em ruína –, muitas outras simplesmente desvaneceram-se no tempo, restando delas apenas memórias patentes em documentos iconográficos, escritos ou até na memória oral das populações locais.

De referir que a temática das fortificações portuguesas na Índia e no Sri Lanka tem vindo a ser investigada, com maior ou menor profundidade, por inúmeros investigadores, destacando-se Dejanirah Couto, Amita Kanekar, Nuno Lopes, João Barros Matos, Sidh Mendiratta, Rafael Moreira, Vítor Rodrigues, Walter Rossa, Prakashchandra Pandurang Shirodkar, André Teixeira e Mayur Thakare, para além do próprio autor[1].

 

Ocupações portuguesas iniciais

À chegada dos portugueses à Índia seguiu-se o estabelecimento de feitorias comerciais em pontos-chave da costa ocidental indiana, que amiúde evoluíram para feitorias fortificadas até se tornarem fortificações[2]. O domínio territorial português cingia-se, por esta altura, aos pequenos perímetros amuralhados das fortificações, embora pudesse existir um controlo em maior ou menor extensão das áreas em torno das mesmas – consoante era, também, consentido pelos poderes e populações locais.

Assim, logo por volta de 1503 os portugueses terão erigido uma primeira fortificação em Cochim, que chamaram Forte Manuel (ou Emanuel), em honra ao monarca português; Cochim era, por essa altura, aliado de Portugal, e do seu porto poderia ser exportada a pimenta. Seguiram-se estabelecimentos fortificados em Cananor (1506), importante porto de comércio de cravinho; Cranganor (1507), que possuía uma comunidade cristã são-tomense significativa e constituía-se um ponto fulcral de defesa de Cochim contra os ataques do Samorim de Calecute; Goa (1510), importante porto para o comércio de cavalos com o Império de Bisnaga (Vijayanagara); Calecute (1513), mau-grado a inimizade do samorim local para com os portugueses, instigado pelos mercadores muçulmanos; Chaúl (1516), famosa pelos seus tecidos de algodão; Colombo (1518), de onde provinha a canela do Ceilão; e Coulão (1519), que se foi tornando, a par de Cochim, um dos principais portos de exportação da pimenta.

Apoiando-se essencialmente no poder marítimo, a presença portuguesa na Índia fez-se inicialmente através de pequenas feitorias fortificadas implantadas em locais estratégicos para o comércio marítimo e com forte ligação ao mar – seja em penínsulas que poderiam ser facilmente defendidas, seja em baías ou na foz de rios. À imagem de outras fortificações construídas pelos portugueses ao longo das costas africana e asiática, os primeiros fortes construídos pelos portugueses na Índia apresentavam características medievalizantes, seguindo as experiências que por então se iam fazendo também em Portugal e na Europa, com intuito de as adaptar à pirobalística.

Podemos antever, através de várias representações iconográficas disponíveis, diversas fortificações portuguesas que apresentavam muralhas ameadas distribuídas segundo plantas mais ou menos regulares, possuindo torres de planta quadrangular em alguns dos seus ângulos; verifica-se que estas fortificações possuíam, frequentemente, uma torre mais elevada que sobressaía das restantes e à qual se associava, por vezes, a casa do capitão, sendo muito provavelmente uma reminiscência do simbolismo senhorial das torres de menagem medievais; podem-se ainda observar elementos arcaizantes, como balcões com matacães. Apesar de tudo, é possível vislumbrar troneiras (simples e cruzetadas) e canhoneiras nos diversos panos de muralha, demonstrando já uma preocupação relativa à utilização de armas de fogo – seja em casamatas para tiro a um nível rasante, seja em baterias situadas em posições mais elevadas.

Segundo desenhos patentes em códices ilustrados de meados do século XVI, poderíamos apontar os casos das fortificações iniciais na foz do rio Mandovim (Bardez e Pangim, em Goa), de Chaúl (Forte de Nossa Senhora do Mar), de Calecute, e de Coulão (Forte de São Tomé); ou ainda as fortificações construídas em pequenas penínsulas que, depois de construído um fosso “de mar a mar", tornavam-se uma espécie de “ilhas" mais facilmente defensáveis, como nos casos das fortificações de Colombo (Forte de Santa Bárbara), de Cananor (Forte de Santo Ângelo), ou de Diu (Fortaleza de São Tomé).

A maior parte destas fortificações iniciais desapareceu, encontra-se em ruínas, ou foi muito desvirtuada pelas sucessivas operações de actualização e melhoramento defensivo. Porém, podemos vislumbrar vestígios de como estas fortificações terão sido: em Coulão ainda são visíveis as ruínas da torre fortificada que terá sido a casa do capitão do Forte de São Tomé; e em Chaúl ainda se podem encontrar reminiscências do primitivo Forte de Nossa Senhora do Mar, mormente o perímetro amuralhado inicial com algumas das suas torres.

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Figura 1 – Ruínas da Casa do Capitão, em Coulão - Malabar (fotografia do autor)


Apesar do abandono da feitoria fortificada de Colombo em 1524 e da perda da fortificação de Calecute em 1525, a estratégia de estabelecimento português ao longo de pontos-chave da costa ocidental da Índia prosseguiu, expandindo a sua acção cada vez mais a norte: em 1531 foi construído o Forte de Chalé, alguns quilómetros a sul de Calecute, para compensar a sua perda; em 1534 foi oferecido aos portugueses o povoado de Baçaim, no seguimento de um tratado de paz com o Sultanato de Guzerate de modo a evitar ataques portugueses; e em 1535 foi a vez de ser autorizada a construção de uma feitoria portuguesa em Diu, novamente no seguimento de um tratado de paz com o mesmo sultanato e após várias tentativas infrutíferas dos portugueses para a conseguirem conquistar.

A iconografia histórica mostra-nos que, cerca de década e meia depois das primeiras fortificações construídas pelos portugueses, algumas inovações são já visíveis: se em Diu (no Forte de São Tomé e no Forte de Santo António do Mar) e em Chalé ainda são visíveis torres de índole senhorial associadas às casas dos capitães dessas fortificações, por outro lado podemos verificar que a construção de torres quadrangulares foi sendo geralmente substituída por bastiões redondos por vezes reforçados nas suas bases, que eram considerados mais robustos para obstar à pirobalística. Além disso, existe uma proeminência dada às canhoneiras em baterias baixas – ainda que complementadas por baterias mais elevadas.

Em Diu ainda se podem observar vestígios da torre que antes havia sido a casa do capitão da Fortaleza de São Tomé (embora encastrados na fortificação actual), a primitiva cerca amuralhada da fortificação com um dos bastiões redondos, e ainda o respectivo fosso. Em frente a esta fortificação encontramos o Forte de Santo António do Mar, edificado num baixio arenoso sobre uma primitiva estrutura defensiva guzerate na boca do rio Chassis; este fortim é constituído por uma torre central mais elevada que funcionava como bateria alta, e duas baterias baixas anexas à torre mas em posições opostas. Já o Forte de São Sebastião, em Baçaim, apresenta uma forma pentagonal com uma torre quadrangular num dos ângulos e bastiões redondos em três dos outros ângulos, sendo o quinto ângulo defendido pela casa do capitão.

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Figura 2 – Forte de São Sebastião, em Baçaim - Província do Norte (fotografia do autor)

 

Cerca de duas décadas depois assistimos a um novo impulso na densificação de pontos estratégicos controlados pelos portugueses ao longo da costa ocidental indiana, malgrado a perda de Chalé em 1571 às mãos das forças do Samorim de Calecute. Além do regresso ao Ceilão, e depois de consolidadas as posições no Malabar e no Concão, os portugueses pretendiam agora controlar pontos-chave no Canará e expandir o seu domínio para norte, na Cambaia.

Assim, ainda em 1551 os portugueses voltaram a reedificar a fortificação de Colombo, provavelmente mais robustecida que a anterior, no seguimento da aliança com o Reino de Cota; pouco depois, em 1560, foi construído o Forte de Manar para protecção das populações cristãs da ilha homónima, a pedido dos missionários jesuítas após a chacina perpetrada pelo Reino de Jafanapatão em 1544. Damão, cujas terras eram ricas em madeira de teca, foi conquistada ao Sultanato de Guzerate em 1559. Já no Canará os portugueses fortificaram posições em Onor (1565), Barcelor (1568) e Mangalor (1569), o que permitiu ter uma sucessão de posições portuguesas fortificadas mais ou menos equidistantes na costa ocidental da Índia.

A iconografia histórica produzida no início do século XVII mostra-nos que as fortificações de Damão, Barcelor e Mangalor possuíam plantas quadrangulares com bastiões redondos reforçando os seus ângulos – no caso de Damão existiu o reaproveitamento da fortificação abexim tomada pelos portugueses, renomeada como Forte de Nossa Senhora da Purificação; já a fortificação de Onor, mais irregular, parece apresentar alguns baluartes poligonais complementando o bastião redondo e uma torre medievalizante mais elevada.

Mais inaudita é a fortificação de Manar, que Herédia representa com uma planta quadrangular e com baluartes poligonais nos seus ângulos; a confirmar-se, é de facto uma das fortificações portuguesas mais avançadas e precoces no Oriente, uma vez que por essa altura ainda se estavam a começar a generalizar os baluartes de orelhão, mais arcaicos que os baluartes poligonais. Verdade seja dita, o Forte de Manar apresenta actualmente esse tipo de baluartes poligonais, embora estes tanto possam ser os originais portugueses, como uma actualização holandesa posterior. Quanto às restantes fortificações antes mencionadas, nada resta delas com excepção de pequenos apontamentos dos bastiões na primitiva fortificação de Damão.

 

Conquistas territoriais portuguesas

Goa

A estratégia de conquista territorial por parte dos portugueses em Goa foi sendo desenvolvida muito lentamente: num primeiro momento deu-se a conquista da ilha de Tissuari, onde se situava a cidade de Goa, capital do império português no Oriente, de modo a consolidar aqui a posição portuguesa; mais tarde, no intuito de dar sustentabilidade alimentar a Goa e defesa em profundidade, o controle português estendeu-se para Bardez, a norte do rio Mandovim, e para Salcete, a sul do rio Zuari. Pouco depois iniciou-se o estabelecimento territorial português na que se viria a denominar como Província do Norte; finalmente, um pouco mais tarde, empreendeu-se a tentativa de domínio da ilha de Ceilão.

Após conquista da cidade de Goa ao Sultanato de Bijapur, os dois anos seguintes foram dedicados à conquista da restante ilha de Tissuari[3], colocando nas mãos dos portugueses várias estruturas fortificadas bijapures que foram reaproveitadas: além da cerca amuralhada e do pequeno forte da cidade de Goa, foram reutilizadas duas pequenas fortificações em Bardez e em Pangim, protegendo a entrada no rio Mandovim, e foram melhoradas as fortificações nos passos[4] de Daugim, Gandaulim, Benasterim e Agaçaim, ao longo do canal de Comburjuá; na ilha de Divar, localizada frente à cidade de Goa e que pouco depois já havia caído nas mãos dos portugueses, também a fortificação no Passo de Naroá foi robustecida.

Em c.1520 uma pequena fortificação localizada numa ilhota no rio Zuari foi cedida aos portugueses pelo Império de Bisnaga, com o qual os portugueses haviam estabelecido fortes laços comerciais e políticos, sendo aliados contra o Sultanato de Bijapur. Em 1535 a fortificação foi remodelada pelos portugueses, que a adaptaram aos preceitos bélicos ocidentais. A doação desta fortificação permitiu aos portugueses estender o seu domínio territorial para fora da ilha de Tissuari, a sul do rio Zuari, colocando sob o seu controlo a região de Salcete.

Se as ilhas de Chorão, Divar, Capão (Vanxim), Juá e Comburjuá foram sendo tomadas pouco depois do estabelecimento português na ilha de Tissuari, o território de Bardez foi incorporado sob domínio português em meados do século XVI, altura em que se procedeu à reconstrução da pequena fortificação de Bardez, implantada numa colina à entrada do rio Mandovim. Renomeada como Forte dos Reis Magos, a fortificação projectada por Inofre de Carvalho em c.1551 apresentaria uma planta triangular.

A instabilidade que se foi instalando no Decão a partir de meados de Quinhentos, com a aliança dos sultanatos islâmicos de Bijapur, Amadanagar, Golconda e Bidar contra o Império de Bisnaga, que levaria à queda deste último, motivou a construção de um conjunto de fortificações para defesa da ilha de Tissuari e da sua capital, Goa. Assim, por volta de 1560 foi iniciada a construção de uma muralha abaluartada unindo as fortificações dos passos localizados ao longo do canal de Comburjuá, com o intuito inicial de amuralhar a ilha. Essas fortificações terão sido então melhoradas, dando origem aos fortes da Madre de Deus de Daugim, do Passo Seco de São Brás (em Gandaulim), de São Tiago de Benasterim, e de São Lourenço de Agaçaim. Terão sido estas fortificações que ajudaram a suster o cerco a Goa em 1571, realizado conjuntamente pelos sultanatos de Bijapur e de Amadanagar.

O final do século XVI viu chegar uma nova ameaça a Goa, desta feita proveniente do mar, com a chegada ao Oriente de outras potências europeias rivais – sobretudo após o advento da Monarquia Dual espanhola. Os bloqueios marítimos à cidade de Goa perpetrados pelos holandeses motivaram a execução de uma estratégia de defesa das embocaduras dos rios Mandovim e Zuari, com intuito de impedir um ataque directo a Goa ou o desembarque de forças inimigas nas suas proximidades.

Neste sentido, em 1588-89 o Forte dos Reis Magos foi ampliado segundo projecto de João Baptista Cairato, que terá acrescentado à fortificação uma bateria baixa ladeada por dois baluartes na parte junto ao rio, de modo a poder efectuar tiro rasante contra embarcações[5]; o fortificação inicial converteu-se na praça alta, tendo um dos seus baluartes sido reformulado para servir como ponto de articulação entre os dois pólos da fortificação.

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Figura 3 – Forte dos Reis Magos, em Goa (fotografia do autor)

Na margem oposta do rio Mandovim, na praia de Miramar (localizada nas proximidades de Pangim), foi construído em 1598 o Forte de Gaspar Dias, também com projecto de Cairato, permitindo assim efectuar fogo cruzado; este forte, do qual nada resta actualmente, apresentava planta quadrangular com baluartes nos quatro vértices. Alguns quilómetros a sudoeste havia sido já construído o Forte de Nossa Senhora do Cabo, iniciado por volta de 1594. A sua localização no cabo mais ocidental da ilha de Tissuari permitia vigiar as entradas nos rios Mandovim e Zuari e, sobretudo, cruzar fogo com a Fortaleza da Aguada a norte, na margem direita do rio Mandovim, e com a Fortaleza de Mormugão a sul, na margem esquerda do rio Zuari.

A Fortaleza da Aguada foi iniciada em 1604 segundo projecto de Júlio Simão. Numa primeira fase foi construída a praça alta (ou Forte Real), no topo da colina, e a bateria baixa junto ao mar, que permitia tiro rasante. A praça alta possuía planta aproximadamente quadrangular, adossando-se num dos seus lados ao bordo da colina. O complexo fortificado foi sendo ampliado até 1635, englobando a totalidade da península com a construção de cercas abaluartadas nos locais mais vulneráveis (onde não existia falésia) e um fosso no istmo ligando o ribeiro de Sinquerim ao mar, tornando assim a península numa ilha fortificada.

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Figura 4 – Praça alta da Fortaleza da Aguada, em Goa (fotografia do autor)

Em 1624 foi iniciada a construção da Fortaleza de Mormugão na península homónima, também projecto de Júlio Simão. Uma vez mais vemos a existência de uma praça alta com planta triangular, articulada com uma bateria baixa para tiro rasante junto ao mar; o istmo foi fortificado com uma extensa cerca abaluartada e um fosso de “mar a mar", complementado com trechos amuralhados nas partes da península onde não existia falésia.

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Figura 5 – Praça alta da Fortaleza de Mormugão, em Goa (fotografia do autor)

Conforme se pode observar, por esta época começou-se a assistir a um novo desenvolvimento da poliorcética, com a progressiva rejeição dos baluartes de orelhão em prol da adopção de baluartes poligonais: se a maioria das fortificações apresentava ainda baluartes de orelhão, consegue-se já vislumbrar a opção por baluartes poligonais em alguns casos (bateria baixa dos Reis Magos, cerca abaluartada da Aguada, e praça alta e cerca abaluartada de Mormugão). Tal mudança ter-se-ia devido à aplicação pelos engenheiros-militares portugueses de modelos derivados da tratadística e à vinda de engenheiros-militares italianos, associado à influência espanhola na arte de fortificar; mas também a chegada ao Oriente da Companhia de Jesus havia causado grande impacto a vários níveis no império português – entre os quais a arte de fortificar, uma vez que os jesuítas eram versados na matemática e geometria.

O alvor do século XVII assistiu a alguma instabilidade no Decão central, provocada pela expansão do Império Mogol rumo a sul e, mais tarde, por ataques bijapures a Goa na década de 1650. O advento do Império Marata em meados do século XVII trouxe ainda maiores perigos para o território de Goa, tendo-se sucedido perigosas incursões maratas a partir de finais da década de 1660 e, sobretudo, em inícios da década de 1680. Pressagiando certamente esse clima de insegurança, fomentou-se a construção de um conjunto de fortificações que defendiam o território de Goa de ameaças terrestres.

Assistiu-se assim à extensa ampliação e modernização da fortificação de Rachol a partir de 1604, por intermédio dos jesuítas: a Fortaleza de São João de Rachol passou a incluir uma muralha abaluartada com pequenos baluartes poligonais, destacando-se um poderoso baluarte poligonal protegendo a entrada principal da fortaleza e o vizinho colégio jesuíta. O impacto da fortaleza jesuíta foi tal que, por si só, bastou para proteger todo o território de Salcete[6]. Desta fortificação sobra somente o portal, o fosso[7], e alguns trechos esparsos de muralha.

Também a cerca abaluartada na ilha de Tissuari recebeu um novo incremento por volta de 1615; porém, ao invés de se prosseguir com a sua construção ao longo do canal de Comburjuá até ao Forte de São Lourenço de Agaçaim (junto ao rio Zuari) e daí até ao Forte de Nossa Senhora do Cabo, foi decidido inflectir o seu traçado para o interior da ilha. Durante o meio século seguinte a muralha foi sendo construída até às proximidades de Panelim, junto ao rio Mandovim, circunscrevendo assim a cidade de Goa dentro desse perímetro amuralhado.

Assim, a partir do Forte de São Tiago de Benasterim a muralha ainda acompanha o canal de Comburjuá até junto à lagoa de Carambolim; aí foi construído o Forte do Mangueiral, que marca a inflexão da muralha para o interior, ladeando o terreno pantanoso da lagoa pela parte norte; do outro lado da lagoa ergueu-se o Forte de São João Baptista de Carambolim, a partir do qual a muralha começa novamente a inflectir na direcção do rio Mandovim. Esta muralha, com a extensão de quase 20 quilómetros, foi a mais longa muralha alguma vez construída pelos portugueses, restando actualmente as fundações da muralha em alguns dos seus trechos e as ruínas de alguns dos fortes que lhe estão associados.

Em 1635 foi a vez de ser iniciada mais uma cerca abaluartada, desta feita na região de Bardez. Junto ao rio Chaporá, na fronteira norte do território sob domínio português, foi construído por esta altura o Forte de São Sebastião de Colvale, que marca o início da Muralha de Tivim; esta muralha acompanha um fosso construído pelos portugueses, que vai do rio Chaporá até ao rio Mapuçá, tornando assim a maior parte da região de Bardez uma ilha; sensivelmente a meio da muralha foi construído pela mesma altura o Forte do Meio (ou Forte de São Sebastião) de Tivim.

As investidas maratas (e em especial a incursão de 1683) provenientes essencialmente do flanco nordeste do território dominado pelos portugueses motivou o reforço da Muralha de Tivim com a construção do Forte de São Tomé em inícios da década de 1680, e do Forte Novo (ou Forte de Nossa Senhora da Assunção) em inícios do século XVIII. Além de partes do fosso, as ruínas destes dois fortes são os únicos vestígios ainda visíveis na actualidade.

Na ilha de Juá, território mais oriental sob domínio português e onde existiria um pequeno recinto fortificado desde inícios do século XVI, foi construído o Forte de São Francisco Xavier (depois renomeado Forte de Santo Estevão) provavelmente em meados da década de 1660; este forte é composto por um recinto de planta trapezoidal com dois baluartes flanqueando a entrada. Em 1682 foi ainda construído o Forte de Angediva na ilha homónima, situada a sul do território sob domínio português, para obstar à sua ocupação por parte da marinha marata; esta fortificação compõe-se de uma cortina amuralhada pontuada com baluartes poligonais, implantada na costa nordeste da ilha.

Como resposta aos ataques maratas, em inícios do século XVII foi ocupada pelos portugueses a ilha de Corjuém, situada a leste de Bardez, tendo sido aí construído em 1706 o Forte de Corjuém, de planta quadrangular com baluartes poligonais nos seus ângulos. A Fortaleza de Chaporá foi edificada em 1717 na colina que domina a foz do rio Chaporá, apresentando planta irregular com alguns baluartes poligonais irregulares e semi-circulares distribuídos ao longo do perímetro amuralhado. Tem-se ainda conhecimento da construção, por esta altura, do Forte de Quitula, em Aldoná (Bardez), e em 1720 do Forte de São Bartolomeu, na ilha de Chorão, mas nada resta de ambas as fortificações na actualidade.

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Figura 6 – Forte de Corjuém, em Goa (fotografia do autor)

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Figura 7 – Forte de Chaporá, em Goa (fotografia do autor)

 

Província do Norte

O território sob domínio português designado como Província do Norte constituía-se como uma estreita faixa costeira no Golfo da Cambaia, compreendendo os distritos de Baçaim e Damão, e ainda as capitanias de Diu e Chaúl. A singularidade de Diu obriga a tratar este território de modo separado da restante Província do Norte: desde cedo que esta cidade, situada numa ilha do sul da península de Catiavar, foi alvo das atenções dos portugueses devido à sua posição estratégica a meio caminho entre a Península Arábica e o sul da Índia. E a fortificação deste território deu-se de forma independente da restante Província do Norte[8].

O início da presença portuguesa no Golfo da Cambaia fez-se em confronto com o Sultanato do Guzerate aliado à presença otomana, que consideraram os portugueses uma ameaça ao seu empório. Depois de várias tentativas para estabelecer uma feitoria em Diu, aproveitando as debilidades do sultanato guzerate decorrentes dos confrontos deste com o Império Mogol – e já após a cedência de Baçaim e respectivo território envolvente em 1534 em troca de um eventual apoio português contra os mogois –, em 1535 os portugueses voltaram a pressionar o sultanato, que sob pressão mogol acabou por ceder um baluarte na ponta mais oriental da ilha de Diu e um baluarte localizado num ilhéu arenoso na embocadura do rio Chassis.

Os portugueses logo trataram de ampliar e fortificar as estruturas recebidas, construindo uma fortificação de formato quase triangular com dois bastiões redondos do lado de terra, a casa do capitão torreada do lado do rio, e um fosso ligando o rio Chassis ao mar, tornando a fortaleza uma espécie de ilha. A defesa da foz do rio Chassis fazia-se ainda através de uma corrente entre a casa do capitão e o baluarte situado no ilhéu arenoso, a qual era levantada em caso de ataque, impedindo assim a entrada de barcos no rio; e uma estacada num esteiro arenoso que, na maré vazia, ligava a fortificação insular a um baluarte costeiro construído de novo na península de Gogolá, junto à “vila dos rumes" (turcos).

Em 1538 posições portuguesas em Diu sofreram um duro cerco por parte das tropas guzerates coligadas com os otomanos. As fortificações puderam resistir aos ataques, não obstante terem ficado seriamente arruinadas, pelo que foram reparadas reforçadas: a Fortaleza de São Tomé recebeu novos bastiões redondos e uma torre na muralha do lado de terra, e o baluarte no ilhéu recebeu uma torre e uma nova bateria, passando a ser designado como Forte de Santo António do Mar. Além disso os portugueses, que até aí se cingiam às suas fortificações, passaram a controlar também a cidade de Diu e a aldeia de Gogolá, ambas protegidas por cercas amuralhadas guzerates.

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Figura 8 – Forte de Santo António do Mar, em Diu (fotografia do autor)

Em 1546 a posição portuguesa em Diu sofreu novo ataque guzerate-otomano que, mais uma vez, resistiu a muito custo ao invasor mas com grande destruição das fortificações. Decidiu-se por isso construir uma nova cortina abaluartada seguindo os mais avançados ditames poliorcéticos da época, ao nível do que por então se fazia também em Marrocos. Durante as décadas seguintes foi sendo construída uma nova muralha abaluartada do lado de terra, com três potentes baluartes de orelhão e um novo fosso, que foram complementados por baluartes construídos ao longo das restantes muralhas. A Fortaleza de São Tomé passou a ser considerada inexpugnável, pelo que não voltou a ser atacada.

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Figura 9 – Fortaleza de São Tomé, em Diu (fotografia do autor)

Após o segundo cerco, os portugueses ocuparam a restante ilha de Diu, tendo edificado ao longo dos séculos XVII e XVIII várias fortificações que protegiam os pontos mais vulneráveis: os fortes de Santo Inácio do Passo Seco, de Derame, e do Passo Covo, localizados em passos situados ao longo da margem norte da ilha onde, durante a maré vazia, a travessia do rio Chassis era mais fácil; os fortes de Santa Rita de Brancavará, de Santo António da Barra, e de Nossa Senhora da Graça, situados na extremidade ocidental da ilha, que permitiam proteger a outra embocadura do rio Chassis e a travessia nesse ponto, bem como a praia adjacente contra desembarques inimigos; e ainda o Forte de São Tiago de Naroá, que defendia a praia homónima também contra desembarques inimigos. De todas estas fortificações, restam somente a Fortaleza de São Tomé, o Forte de Santo António do Mar, a cerca amuralhada de Diu e o Forte de Derame (em Patel-Wadi, hoje transformado num templo hindu).

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Figura 10 – Forte de Derame, em Diu (fotografia do autor)

De referir ainda a ocupação de uns pequenos ilhéus arenosos situados a cerca de 15 quilómetros a oriente de Diu, com intuito de controlar a actividade corsária que por aí se desenvolvia. Neste território, denominado como Simbor, os portugueses construíram em 1722 o Forte de Santo António, do qual restam apenas algumas ruínas.

Quanto ao restante território da Província do Norte, a sua história compõe-se de uma quase constante batalha para a sua manutenção sob domínio português[9]. Depois da autorização concedida pelo Sultanato de Amadanagar para a construção de uma feitoria em Chaúl em 1516, que originou o Forte de Nossa Senhora do Mar; da cedência em 1534 de Baçaim e terras envolventes pelo Sultanato de Guzerate, onde se construiu o Forte de São Sebastião; e da conquista de Damão e região adjacente em 1559, onde a fortaleza abexim foi renomeada como Forte de Nossa Senhora da Purificação, os portugueses passaram a controlar um vasto território com aproximadamente 200 quilómetros de comprimento por cerca de 25 quilómetros de largura, estendendo-se ao longo da costa do Golfo da Cambaia.

Este território foi o primeiro a ser efectivamente colonizado no Oriente português, com terras a serem doadas a foreiros portugueses, geralmente fidalgos e soldados, como pagamento pelos serviços prestados à Coroa portuguesa. Estes foreiros tinham a seu cargo a administração das terras e respectivas aldeias, mas também a sua defesa, pelo que se assistiu à construção de casas senhoriais fortificadas dispersas por este vasto território, que serviam de apoio às fortificações construídas pelos portugueses ou a fortificações locais que ficaram sob domínio português. Também os religiosos – sobretudo os jesuítas – construíram algumas estruturas religiosas com carácter defensivo, tendo mesmo sido incumbidos, a partir de finais do século XVI, da administração e construção de várias fortificações da Província do Norte, nomeadamente Damão, Baçaim e Chaúl.

Se em Baçaim se iniciou, ainda em 1554, a construção de uma nova cerca abaluartada em torno da florescente cidade que se havia tornado a capital da Província do Norte, já em Chaúl e Damão a construção das respectivas cercas abaluartadas apenas viria iniciar-se após o cerco sofrido pela primeira em 1570, no âmbito da guerra movida pelo Sultanado de Amadanagar – que haveria de mover nova guerra aos portugueses em 1593-94. A crescente ameaça mogol contribuiu também para o progresso das obras em Damão: após a anexação do Sultanato de Guzerate por parte do Império Mogol, este protagonizou um cerco a Damão em 1581-82, que no entanto não foi bem-sucedido precisamente devido à cerca abaluartada que estaria já em construção.

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Figura 11 – Cerca abaluartada de Chaúl, na Província do Norte (fotografia do autor)

As três cercas abaluartadas foram terminadas em inícios do século XVII, sendo que em Damão e Chaúl foram construídos fossos que ligavam o mar a esteiros de água que ladeavam ambas as cidades – talvez por isso estas praças-fortes nunca tenham sido tomadas, ao contrário de Baçaim cujo fosso nunca foi construído e, por isso, sofreu trabalhos de minagem que levaram à derrocada de trechos da cerca amuralhada e, consequentemente, à sua capitulação em 1739.

Uma vez que os portugueses possuíam, na segunda metade do século XVI, o domínio dos mares no Oriente, verifica-se que os primeiros baluartes construídos nas cercas abaluartadas das três praças-fortes foram aqueles virados para terra, pelo que a sua forma em orelhão é demonstrativa dessa precocidade. Porém, se em Chaúl os trechos virados para o mar e o rio possuíam antiquados cubelos a reforçá-los, já em Damão e Baçaim se podia observar a construção baluartes poligonais que, embora não tão imponentes, possuíam já uma feição mais moderna – certamente a adivinhar o perigo que se avizinhava, proveniente do mar.

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Figura 12 – Cerca abaluartada de Damão, na Província do Norte (fotografia do autor)

Durante a primeira metade do século XVII o maior perigo vindo de terra era, para além dos potentados locais, os ataques do Império Mogol que, no seu movimento de expansão, acabaram por anexar o Sultanado de Amadanagar em 1636; assim, existiram estados de guerra com os mogois em 1612-14 e em 1638-39. Várias fortificações foram por isso construídas pontualmente no território sob domínio português, desde tranqueiras a casas e igrejas fortificadas, mas também fortes de pedra e cal, complementando as fortificações preexistentes que haviam sido ocupadas pelos portugueses: a Fortaleza de Asserim, o Forte de Sangens, o Forte de Nossa Senhora da Penha (na ilha de Caranjá) ou, mais tarde, o Forte do Morro de Chaúl, e o Forte de Santa Cruz em Belaflor do Sabaio.

Entre as fortificações construídas pelos portugueses, podemos referir o Forte de São Miguel de Caranjá, o Forte da Serra de Santa Cruz, e o Forte de Tarapor, a que se poderiam juntar as fortificações edificadas nos passos do canal junto a Taná (Baluarte de São Pedro do Passo Seco, Baluarte de Santa Cruz do Passo Cansado, e o Baluarte do Mar), para obstarem à passagem de invasores para a ilha de Salsete – o território mais fértil da Província do Norte. Nada resta destas fortificações, com excepção de um baluarte e trechos de muralha em Tarapor.

Já do lado marítimo, os portugueses acabaram por perder a hegemonia frente aos seus rivais europeus, perdendo importantes batalhas marítimas contra britânicos e holandeses; as ameaças cessaram apenas com o tratado de paz celebrado com os holandeses em 1661, e a cedência de Bombaim aos britânicos em 1665, como dote de casamento da infanta portuguesa Catarina de Bragança com o rei britânico Carlos II. Porém, a ameaça dos omanitas que se iniciou a partir da década de 1660, ao efectuarem diversas incursões ao longo da costa da Província do Norte, motivou a continuação da sua fortificação costeira.

É por isso visível a construção de fortificações protegendo a embocadura de rios, como: o Forte da Aguada de Dongrim, iniciado em 1634 e que permitia cruzar fogo com Baçaim, do outro lado do canal de Taná; o Forte do Morro de Chaúl, que após ter sido tomado em 1594 e melhorado pelos portugueses na década de 1640, permitia cruzar fogo com Chaúl do outro lado do rio Cundalica; o Forte de São Jerónimo em Damão Pequeno, na margem do rio Sandalcalo oposta à praça-forte de Damão Grande[10]; o Forte do Mar em Quelme; e a torre-martelo da Ilha das Vacas.

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Figura 13 – Forte do Mar, em Quelme - Província do Norte (fotografia do autor)

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Figura 14 – Forte de São Jerónimo, em Damão - Província do Norte (fotografia do autor)

Mas também se protegeram praias mais expostas a desembarques, como: o Forte do Nome de Jesus em Bandorá, edificado na década de 1640; o Forte de Versová, construído por volta de 1644; o Forte da Praia em Quelme, construído no último quartel do século XVII; e o Forte da Aldeia do Mar. Todas estas fortificações são ainda visíveis, algumas em bom estado de conservação, outras em estado degradado ou desvirtuadas por intervenções posteriores, e outras ainda em acentuado estado de ruína.

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Figura 15 – Forte da Praia, em Quelme - Província do Norte (fotografia do autor)

De referir que, com excepção do Forte de São Jerónimo em Damão (com baluartes de orelhão) e do Forte do Morro de Chaúl (com um baluarte de cauda de andorinha e bastiões semi-redondos), as restantes fortificações costeiras são de dimensões reduzidas, apresentando planimetria mais irregular com baluartes que, quando existem, possuem formas mais arcaicas e modestas. De referir que os fortes do Morro de Chaúl, de Dongrim, de Bandorá e de Versová possuíam uma praça alta e uma bateria baixa para tiro rasante.

A segunda metade do século XVII trouxe um novo inimigo com a emergência do Império Marata, que desafiou os mogois e acabou mesmo por dominar grande parte do Decão em meados do século XVIII. Os maratas fizeram guerra aos portugueses em 1683-87, em 1723-24, em 1730-32 e, finalmente, em 1737-39, a última das quais fazendo cair a Província do Norte após a capitulação de Baçaim.

Para fazer frente a esta ameaça continuaram a ser construídas fortificações ao longo da Província do Norte por parte dos portugueses: o Forte de Manorá, edificado na transição do século XVII para o XVIII; o Forte de São Luís de Pareri, construído depois de 1720; o Forte da Saibana Nova em Chandipo, de inícios do século XVIII; ou o imponente Forte de Taná, projectado por André Ribeiro Coutinho e iniciado em 1734. Este último, de planta pentagonal e com baluartes poligonais, estava ainda em fase de finalização quando foi tomado pelos maratas, e é o único exemplo ainda visível em relativo bom estado de conservação.

Resta referir a existência de vestígios arruinados de cerca de meia centena de casas senhoriais fortificadas espalhadas pelo território da antiga Província do Norte e que tiveram um papel fundamental na defesa do mesmo – algumas deram mesmo origem a pequenas fortificações, como a casa senhorial de Bombaim, de Danu ou de Maim –, destacando-se ainda as ruínas das casas senhoriais de Sirgão, Pargão, Assagão, Quelme, Calagão, Ducatana, Varacunda, Solsumba, Danda, Dongripada, Panchali, Catravará, Palagão, Dongaripada (ainda habitada), Cambolim, e Viratão. Quanto aos edifícios religiosos fortificados, destacam-se o Convento da Madredeus em Chaúl, o Colégio de Santa Ana de Bandorá, a Igreja de Nossa Senhora de Lurdes em Dongrim, e a Igreja de São Boaventura em Arengal, as duas últimas ainda existentes mas bastante arruinadas.

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Figura 16 – Ruínas da casa senhorial fortificada de Assagão, na Província do Norte (fotografia do autor)

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Figura 17 – Igreja fortificada de São Boaventura, em Arengal - Província do Norte (fotografia do autor)

 

Ceilão

Conforme mencionado anteriormente, depois do curto estabelecimento em Colombo entre 1518 e 1524, onde se construiu o Forte de Santa Bárbara, apenas em 1551 os portugueses voltaram a estabelecer-se na ilha, novamente em Colombo; aí reconstruíram e melhoraram o forte português inicial, no seguimento de uma aliança estabelecida com o Reino de Cota[11]. Escassos três anos volvidos, em 1554 ter-se-á construído uma primeira cerca amuralhada em torno da crescente povoação portuguesa, que uma década volvida, em 1565, sofreu nova ampliação com uma segunda linha amuralhada para englobar o povoado nativo que havia crescido nos arrabaldes, para receber os habitantes e instituições da cidade de Cota, ameaçada pelo vizinho Reino de Ceitavaca.

Já na ilha de Manar, território que se havia cristianizado sob a acção missionária dos jesuítas e que se encontrava ameaçada pelo Reino de Jafanapatão, foi construído em 1560 o Forte de Manar, que colocou a ilha sob o domínio português. Conforme referido antes, a darmos crédito à iconografia produzida em inícios do século XVII, onde este forte possuiria já planta quadrangular com baluartes poligonais nos seus ângulos, e considerando que o actual forte não sofreu alterações de vulto após a conquista holandesa, então este seria um exemplo muito precoce da arte de fortificação abaluartada.

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Figura 18 – Forte de Manar, no Ceilão (fotografia do autor)

O processo de ocupação portuguesa na ilha sofreu um incremento a partir da década de 1590, no seguimento da guerra com o Reino de Ceitavaca e da sua consequente queda. Assim, a expansão deu-se a partir de Colombo na direcção norte, onde se procedeu à construção do Forte de Negombo em meados da década de 1590, e na direcção sul, com a ocupação de Gale e a construção de uma fortificação a partir de 1597. Ambas as fortificações, de exíguas dimensões, foram construídas em pequenas penínsulas que seriam facilmente defensáveis. Se o Forte de Gale apresentava uma bateria alta e uma bateria baixa, a primitiva fortificação de Negombo teria uma planta aproximadamente quadrangular, com dois baluartes e um bastião poligonais.

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Figura 19 – Forte de Gale, no Cielão (fotografia do autor)

O domínio português foi-se estendendo na década seguinte ao longo da costa, indo desde Manar, ao norte, até Maturé, a sul. Também as lutas contra o Reino de Cândia, o novo potentado local, motivaram um prolongado estado de guerra que durou até 1612, permitindo um singelo alargamento do território português para o interior. Durante este período construíram-se diversas fortificações ao longo do território sob domínio português que, à imagem do sucedido na Província do Norte, iam desde tranqueiras até fortificações de pedra a cal, passando por casas senhoriais fortificadas – o Ceilão foi o outro território português no Oriente onde existiu um intento de colonização, através da cedência de terras e aldeias a foreiros portugueses com a condição de as administrarem e defenderem. Construíram-se assim fortificações em Calituré, Panaturé, Sofragão, Ceitavaca, e Manicavaré (Forte de Santa Fé) – actualmente nada resta destas fortificações com excepção da última, onde se pode vislumbrar ainda uma base de terra compactada de planta quadrangular com baluartes nos ângulos.

Em 1619 foi anexado pelos portugueses o Reino de Jafanapatão, no norte do Ceilão, tendo sido erigidas mais fortificações: o Forte de Nossa Senhora dos Milagres, em Jafanapatão; e o Forte do Cais (na ilha do Cais dos Elefantes), restando este último em estado muito arruinado mas onde ainda se pode vislumbrar uma fortificação de planta quadrangular com dois baluartes no trecho de muralha virado ao mar. Na ilha das Vacas existe uma casa senhorial fortificada em estado arruinado, quiçá o único exemplar deste tipo de edificações que teriam pontuado o Ceilão português.

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Figura 20 – Ruínas da casa senhorial fortificada na ilha das Vacas (ilha de Delft), no Ceilão (fotografia do autor)

A conquista de Triquilimalé em 1623 e de Batecalou em 1628, acompanhada pela ampliação do domínio territorial rumo ao interior da ilha a partir de Colombo e Gale, marca o zénite de domínio territorial no Ceilão. O Forte de Nossa Senhora da Guadalupe, em Triquilimalé, construído no istmo de uma península montanhosa, teria uma planta de formato triangular, sendo a defesa da península complementada com um bastião a oriente da fortificação; o forte foi remodelado e ampliado pelos holandeses, mas poderão restar alguns vestígios da fortificação portuguesa no trecho amuralhado norte e no baluarte mais oriental. Já o Forte de Nossa Senhora da Penha de França, em Batecalou, possuía planta quadrangular com baluartes poligonais em três dos seus ângulos, sendo que a fortificação na actualidade possui quatro baluartes, indicando a remodelação executada pelos holandeses.

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Figura 21 – Forte de Nossa Senhora da Penha de França, em Batecalou - Ceilão (fotografia do autor)

Por esta altura a cerca abaluartada de Colombo foi reforçada com bastiões e baluartes poligonais; em Gale construiu-se, no istmo da península para onde, entretanto a cidade se havia desenvolvido, uma cortina abaluartada com um poderoso bastião poligonal ao centro e dois baluartes poligonais nos extremos, e no sul da península foi erigido o Baluarte de Santa Cruz. Se nos dias de hoje já nada resta das fortificações portuguesas de Colombo, em Gale ainda subsiste o primitivo forte português (com modificações efectuadas ao longo dos tempos), o Baluarte de Santa Cruz, e ainda o bastião poligonal central da cerca abaluartada portuguesa, bem como trechos dessa cortina e canhoneiras.

Também no interior da ilha foi edificado o Forte de Santa Helena, em Malvana, para onde se transferiu a sede política da administração portuguesa – o que era demonstrativo do intuito expansionista português rumo à cidade de Cândia, capital do reino homónimo. Ainda subsiste um forte de pedra e cal em Malvana, que poderá ser a fortificação portuguesa ou uma reconstrução holandesa.

De referir a existência de pelo menos mais três fortificações que poderão ter origem portuguesa e que ainda podem ser observados nos nossos dias: os fortes de Punarim, de Aripo e um forte num ilhéu localizado entre a ilha do Cais dos Elefantes e a ilha de Cardiva. A propósito deste último, que se apresenta em boas condições de conservação, sabe-se que existia uma fortificação portuguesa nesse ilhéu, ficando por saber se esta foi alvo de remodelação por parte dos holandeses. Quanto aos fortes de Punarim e Aripo, as suas plantas quadrangulares com dois baluartes poligonais em ângulos opostos lembram as plantas dos fortes de Maturé e Calituré visíveis em iconografia histórica do segundo quartel do século XVII, mas a origem da sua construção permanece ainda incerta.

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Figura 22 – Forte do Mar, entre as ilhas do Cais dos Elefantes e de Cardiva - Ceilão (fotografia do autor)

 

Outras fortificações

Embora não tenha conduzido a um controle territorial significativo por parte dos portugueses, foram ampliadas ou incorporadas por esta altura no domínio português várias fortificações que, contudo, possuíam origem diversa. Tal como sucedeu na Província do Norte e no Ceilão, algumas fortificações portuguesas foram ampliadas para envolver assentamentos urbanos que foram sendo construídos nos seus arrabaldes. Mas o facto mais interessante terá sido a incorporação sob domínio português de algumas cidades e fortificações onde o controle informal português era evidente mas não efectivo.

Em Cochim, onde o rajá local era um forte aliado português e, por isso, existia um relativo domínio luso sobre as terras lagunares em redor, ergueu-se em finais do século XVI uma cerca amuralhada, englobando a florescente cidade; alguns bastiões pontuavam a muralha, e dois baluartes defendiam o istmo entre o mar e o canal que ligava à laguna. Não muito longe de Cochim foi construída uma torre fortificada em Paliporto, talvez para proteger contra o Samorim de Calecute o canal que liga o sistema lagunar de Cochim ao rio Periar (onde Cranganor se situava, alguns quilómetros a montante); esta torre ainda pode ser observada, embora em estado decadente de conservação.

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Figura 23 – Torre fortificada de Paliporto, no Malabar (fotografia do autor)

Cananor e Coulão viram também serem construídas, pela mesma época, cercas abaluartadas que ampliaram as respectivas áreas fortificadas. Se da cerca abaluartada de Coulão nada resta, já a de Cananor terá sido emparedada pelas obras de remodelação efectuadas pelos holandeses após a conquista da cidade. De referir ainda a construção do Forte de Candolim, de planta quadrangular e com baluartes nos ângulos, na margem norte da embocadura do rio Panchagangavali, protegendo assim a sua foz de ataques que pudessem ocorrer contra Barcelor, localizada na margem sul do rio. À imagem de Barcelor, também nada resta desta fortificação.

De referir um conjunto de fortificações no Coromandel e no Golfo de Bengala que foram originadas em assentamentos informais de portugueses nestas regiões. De facto, a presença portuguesa no Oriente ia muito além da presença oficial: missionários, comerciantes, mercenários e aventureiros portugueses foram-se estabelecendo de modo informal um pouco por todo o litoral do subcontinente, de forma independente da administração portuguesa. Mesmo em casos em que existia um capitão nomeado pela administração portuguesa, tal não significava de modo algum que esse assentamento estava sob domínio português. E por isso surgiram algumas fortificações que, não obstante terem sido erigidas por portugueses, não faziam parte da rede defensiva portuguesa.

São Tomé de Meliapor é um caso particular: este povoado constituía um forte magneto para os portugueses, devido à crença de aqui ter sido encontrado o túmulo de São Tomé, o Apóstolo da Índia, e de aqui se encontrar o local do seu martírio. Os portugueses começaram a instalar-se nesta região a partir do segundo quartel do século XVI, e em finais desse século a cidade era já um florescente centro urbano português que, contudo, não estava sob a alçada da administração oficial portuguesa. As ameaças holandesas do início do século XVII levaram os habitantes da cidade a pedir a protecção portuguesa, colocando-se assim sob o domínio oficial português.

De facto, em 1609 os holandeses haviam conquistado Paliacate, uma cidade informal portuguesa situada 45 quilómetros a norte de Meliapor e que conteria uma pequena fortificação portuguesa, também ela informal (da qual nada resta). Face a esta ameaça, os habitantes de Meliapor ergueram uma muralha abaluartada em redor do assentamento português, pontuada com bastiões e pequenos baluartes. Se a fortificação impediu a sua conquista por parte dos holandeses, já não impediu a sua tomada pelo Reino de Golconda em 1662 e pelos franceses dez anos depois; em 1687 voltou às mãos portuguesas mas com autonomia limitada face ao potentado mogol que entretanto havia derrotado o Reino de Golconda, tendo sido imposta a demolição de todas as muralhas. Em 1749, já em estado decadente, a cidade foi definitivamente ocupada pelos britânicos.

No Golfo de Bengala, os portugueses haviam-se estabelecido em Chitagão no segundo quartel do século XVI, tendo-lhes sido concedido o controlo da cidade em finais do mesmo século por parte do Reino de Arracão, em troca do seu apoio na guerra contra o Império Mogol. Os portugueses terão construído uma fortificação na cidade, que não impediu ataques por parte do próprio Reino de Arracão em inícios do século XVII e, em 1666, por parte dos mogois. Actualmente não se conhecem vestígios da eventual fortificação portuguesa, que não fazia parte do sistema defensivo português oficial. Não muito longe ficaria ainda outro local que teria um eventual forte português, o Forte de Dianga, mas sobre o qual muito pouco se sabe.

Ugulim é outra cidade onde os portugueses se estabeleceram na segunda metade do século XVI, também de modo autónomo do poder oficial português. Em 1632 a cidade foi tomada pelos mogois, após um longo cerco – o que poderá evidenciar a existência de algum sistema fortificado, embora nada se saiba sobre este. De referir ainda outra situação, também fora da esfera oficial portuguesa, onde os portugueses construíram uma fortificação: em finais do século XVI o aventureiro português Filipe de Brito e Nicote logrou dominar a cidade de Sirião, construindo aí uma fortificação. Nicote reinou sobre a cidade e territórios envolventes até 1613, ano em que foi morto após um cerco da cidade pelo Reino de Pegu. Nada resta dessa fortificação.

 

Reorganização territorial

Se o final do século XVI viu iniciar-se o período de declínio do poderio português no Oriente, o século seguinte confirmou essa decadência com a perda da grande maioria das possessões portuguesas na região hindustânica. Assim, logo no início do século XVII foram perdidos vários assentamentos informais fortificados que os portugueses tinham na região de Bengala e Coromandel, como Paliacate (1609) para os holandeses; Arracão (1632) para o Reino de Pegu; e Ugulim (1632) e Chatigão (1666) para o Império Mogol.

No Ceilão, as derrotas com o Reino de Cândia em 1630 e 1638 enfraqueceram o poderio português; nesse mesmo ano os holandeses, aliados dos cingaleses, tomaram Batecalou, a que se seguiu Trinquilimale em 1639, Gale em 1640 e Negombo em 1644; após uma década de relativa paz, os holandeses retomaram a ofensiva contra os portugueses, tomando Colombo em 1656, e Manar e Jafanapatão em 1658. Seguidamente os holandeses viraram-se para o Malabar e Coromandel, tomando as fortificações de Coulão em 1661, Cranganor em 1662, e Cochim e Cananor em 1663.

Pouco antes, em meados do século XVII, também as posições portuguesas no Canará (Onor, Barcelor e Mangalore) haviam sido perdidas para os nayakas de Keladi; apesar de ter sido permitido aos portugueses voltarem mais tarde a instalar-se nestas cidades através de feitorias, a perda definitiva deu-se pouco depois de meados do século XVIII, na sequência da sua conquista pelo Reino de Misore. Conforme se verificou anteriormente, também a quase totalidade da Província do Norte havia sido perdida em 1739 com a sua conquista pelo Império Marata, ficando somente sob domínio português as possessões existentes em Diu e em torno de Damão (Chaúl, apesar de não ter sido conquistada, foi cedida aos maratas em 1740).

O foco do interesse português há muito que se havia deslocado do Oriente para o Brasil, cuja proximidade geográfica a Portugal, as vastas riquezas existentes, e a inexistência de potentados locais poderosos tornava mais fácil o estabelecimento colonial e a exploração de recursos. Como tal, o traumático século de declínio de poder e perda de possessões que afectou o Oriente português não foi eficazmente contrariado pela Coroa portuguesa.

De facto, a concorrência dos poderes europeus tornou o comércio com o Oriente significativamente menos lucrativo; por outro lado, o domínio das armas de fogo por parte dos potentados locais tornou-os mais letais; aliado a isto verificava-se ainda uma enorme dispersão geográfica das possessões portuguesas, com três áreas de efectivo domínio territorial, o que motivava a dispersão de meios e consequente enfraquecimento destes, aumentando por isso os custos com pagamento de soldados, abastecimento de víveres, e manutenção das fortificações.

A perda da quase totalidade das possessões na área hindustânica levou os portugueses a concentrarem os seus esforços no que ainda restava do seu antigo império, o que permitiu de algum modo o fortalecimento da presença portuguesa remanescente. Assim, logo após a perda da Província do Norte, os portugueses reconquistaram em 1741 os territórios de Bardez e Salcete, que haviam perdido para os maratas cerca de dois anos antes. Em 1746 atacaram o clã marata dos Bonsolós, conquistando várias das suas fortificações e o domínio de algum território a norte e nordeste de Goa. Apesar de terem sido restituídas aos maratas em 1761, em 1781 as fortificações foram novamente conquistadas pelos portugueses, sendo confirmada a posse portuguesa dos territórios de Perném, Satari e Bicholim em 1788.

A sul do território de Goa também foi incorporado sob domínio português um significativo território que possuía algumas fortificações pertencentes aos reis de Sundem, os quais se tornaram vassalos de Portugal para assim obterem a sua protecção face à ameaça do Reino de Misore. Assim, em 1663 entraram na posse portuguesa os territórios de Pondá, Sanguém, Quepém e Canácona, cuja ocupação foi consolidada por volta de 1790. A aquisição destes territórios a norte, leste e sul de Goa veio triplicar a área sob domínio português, o qual ficou protegido pela fronteira oriental da cordilheira dos Gates Ocidentais. Estes novos territórios passaram a ser designados como Novas Conquistas, enquanto aqueles há mais tempo na posse dos portugueses se chamaram Velhas Conquistas[12].

Enquanto algumas das fortificações tomadas aos Bonsolós ou cedidas pelos reis de Sundem foram demolidas ou abandonadas, como as fortificações de Bicholim, Rarim, Sanquelim ou Mandur (nada ou quase nada resta destas), outras sofreram algumas remodelações e continuaram ocupadas pelos portugueses para defesa dos seus novos territórios, como as fortificações de Tiracol (protegendo a embocadura do rio Tiracol), Alorna (dominando o rio Chaporá a montante), Cabo de Rama (defendendo os vastos territórios mais a sul) ou Nanuz. Enquanto a última desapareceu quase completamente, as primeiras três ainda se encontram em bom estado de conservação.

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Figura 24 – Forte de Cabo de Rama, em Goa (fotografia do autor)

Estas fortificações apresentavam características arcaicas relativamente à poliorcética desse tempo, possuindo estruturas obsoletas para obstar à pirobalística – como os bastiões redondos ou a própria espessura mais diminuta das muralhas. Ainda assim, terá existido um esforço de modernização do Forte de Tiracol, que possuía na praça alta dois proto-baluartes poligonais e um pequeno baluarte poligonal da parte do mar.

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Figura 25 – Forte de Tiracol, em Goa (fotografia do autor)


Conclusão

A evolução das fortificações construídas pelos portugueses na Índia e Ceilão seguiu o desenvolvimento da própria poliorcética europeia – umas vezes acompanhando esse desenvolvimento com pouca diferença temporal, outras vezes demorando mais tempo a receber as inovações defensivas. Se num primeiro momento a presença portuguesa se fez sentir através do estabelecimento autorizado ou da conquista de posições pontuais ao longo da costa ocidental da Índia, num segundo momento estabeleceu-se uma estratégia de conquista e domínio territorial em três áreas específicas: Goa, a Província do Norte, e o Ceilão. O século XVI foi assim um século de rápida expansão, de domínio marítimo, e de supremacia na construção de fortificações, que se iam adaptando às inovações da pirobalística.

A chegada de potências rivais europeias e o desenvolvimento dos potentados locais nas artes da guerra, aliado à mudança geográfica dos interesses prioritários portugueses do Oriente para o Brasil, vieram acentuar o declínio do poderio português que já se fazia sentir em inícios do século XVII. Ainda que o primeiro quartel desse século seja de consolidação do domínio territorial português, começa-se já a assistir à perda de algumas possessões, algo que se acentuou em meados desse século até se chegar à perda quase total dos territórios sob domínio português em finais da primeira metade do século XVIII. Neste constante estado de guerra, um imenso rol de fortificações foram sendo construídas: se algumas foram fruto de parcos recursos financeiros ou tecnológicos, outros houve que seguiram as mais modernas tecnologias de construção militar da época. 

A reestruturação forçada que o Império Português no Oriente teve que fazer em meados do século XVIII permitiu concentrar esforços e meios em poucos territórios, o que aumentou a sua capacidade e poderio. Assim foi possível ampliar o domínio português em Goa através da aquisição dos territórios das Novas Conquistas, triplicando a área de Goa. Nesse âmbito foram ocupadas várias fortificações dos potentados locais, algumas das quais reaproveitadas pelos portugueses apesar do seu arcaismo – mas não havia problema, pois a pax britanica estava prestes a impor-se e, com isso, as fortificações acabaram por perder a sua importância estratégica.

Na actualidade ainda podemos reconhecer muitas destas fortificações construídas ou remodeladas pelos portugueses: umas em perfeitas condições de conservação; outras arruinadas ou severamente deterioradas; e outras ainda remodeladas ou incorporadas em sistemas fortificados por parte de outras potências europeias, após a sua conquista aos portugueses. Interessa por isso estudar este vasto e riquíssimo património antes que desapareça por completo em muitos casos, mas também para que não seja perdida a sua memória portuguesa. De facto, existem casos de fortificações portuguesas que foram conquistadas, reparadas e melhoradas por outras potências europeias; algumas destas fortificações estão presentemente a ser restauradas como sendo património apenas desses países que as conquistaram aos portugueses, desvirtuando e esquecendo assim a camada (e memória) portuguesa.

 

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NOTAS

[1] Para uma introdução geral que aborda as fortificações portuguesas no mundo, ver: MATTOSO e ROSSA, 2010; ROSSA, 1997; MOREIRA, 1989.

[2] Sobre as primeiras fortificações portuguesas na Índia, ver: TEIXEIRA, 2008.

[3] Sobre o processo de fortificação no território de Goa ver: LOPES, 2020; MENDIRATTA, 2015; SANTOS e MENDIRATTA, 2012; ROSSA e MENDIRATTA, 2012; MATTOSO e ROSSA, 2010; RODRIGUES, 1999; TELLES, 1937.

[4] Os passos são pontos de atravessamento de rios e canais, geralmente onde estes estreitam mais ou são menos profundos.

[5] A bateria baixa terá sofrido uma remodelação em 1707.

[6] Existe a menção, em vários documentos históricos, de uma pequena fortificação na praia de Cansaulim, o Forte de São Tomé de Cansaulim – hoje completamente desaparecido.

[7] O fosso foi construído em 1745, no seguimento das invasões maratas de 1738-41.

[8] Sobre o processo de fortificação no território de Diu ver: MATOS, 2012; SANTOS e MENDIRATTA, 2012.

[9] Sobre o processo de fortificação na Província do Norte ver: THAKARE e SANTOS, 2022; THAKARE, 2018; MENDIRATTA, 2012; SANTOS e MENDIRATTA, 2011; COUTO, 1994.

[10] Embora neste caso, devido à pouca largura do rio Sandalcalo, os intuitos de protecção do forte, cuja construção se iniciou em 1614, fossem mais dirigidos para terra.

[11] Sobre o processo de fortificação no território do Ceilão ver: SANTOS, 2019; BIEDERMANN, 2006; NELSON, 1984.

[12] De referir que em 1774 os portugueses organizaram uma frota armada para reconquistar a Província do Norte; porém, o seu aparecimento em Bombaim despoletou a conquista de parte desses territórios pelos britânicos, inviabilizando assim as pretensões portuguesas que não queriam confrontar os seus aliados. Também em 1783 foi cedido pelos maratas aos portugueses o território de Nagar Aveli como compensação pelo afundamento de um navio, e Dadrá foi comprada dois anos depois. Ambos os territórios eram enclaves que ficavam nas proximidades de Damão, embora não fossem confinantes com este; nenhuma fortificação foi aqui construída pelos portugueses.

Investigação apoiada pela FCT - Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., com a referência DL/57/2016/CP1443/CT0004 (DOI 10.54499/DL57/2016/CP1443/CT0004)​


Joaquim Rodrigues dos ​Santos

Investigador no ARTIS-IHA-FLUL, licenciado em Arquitectura pela Universidade de Coimbra, especialista em reabilitação patrimonial pela Universidade Federal da Bahia, mestre pela Universidade de Coimbra com uma dissertação sobre a imagética cultural do castelo português, e doutorado pela Universidad de Alcalá com uma tese sobre reabilitação de fortificações medievais. Realizou pós-doutoramento na Universidade de Lisboa e no Goa College of Architecture sobre salvaguarda do património português na Índia. Membro especialista do ICOFORT e do ICOMOS ISCSBH. Investiga na área da História da Arquitectura Portuguesa no Mundo e na Salvaguarda Patrimonial. 



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Como citar este texto:
 
SANTOS, Joaquim Rodrigues dos – Fortificações Portuguesas da Índia e Sri Lanka: Panorâmica Geral. Revista Portuguesa de História Militar - Dossier: Génese do Império Português do Oriente. [Em linha] Ano III, nº 5 (2023); https://doi.org/10.56092/ZYLF7802 [Consultado em ...].​

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