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A BATALHA NAVAL DE DIU 1509

 

 

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JOSÉ ANTÓNIO RODRIGUES PEREIRA

 

 

 

Resumo

Após a descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco da Gama e das tentativas de estabelecer, de modo pacífico, o comércio com o Oriente, Portugal decidiu impor pela força a sua presença no Oceano Índico, garantindo o direito à aquisição das tão cobiçadas especiarias orientais. Este comércio, efectuado pela rota do Cabo da Boa Esperança – a Carreira da Índia --, tornava os produtos mais baratos na sua chegada à Europa o que levou à perda de rendimentos do Sultão do Egipto e da República de Veneza.

Para expulsar os portugueses, foi preparada no Egipto, destinada a combater a presença portuguesa. Num primeiro embate, em Chaul, os portugueses tiveram uma derrota táctica pelo afundamento de um dos seus navios, a perda de 100 homens e, especialmente, a muito explorada morte de D. Lourenço de Almeida, filho do vice-Rei; mas a frota egípcia ficou tão maltratada que se foi abrigar em Diu de onde não voltou a sair.

D. Francisco de Almeida, em final de mandato, preparou uma poderosa esquadra para ir a Diu combater o inimigo. Mercê de um excelente planeamento e uma execução táctica quase perfeita, os navios egípcios foram todos destruídos ou tomados bem como muitos dos navios dos seus aliados de Guzerate e de Calecute. Tudo sem a perda de um único navio português.

Tratou-se de uma batalha decisiva que garantiu a Portugal o Controlo do Oceano Índico durante 30 anos.

Palavras-Chave: Diu; D. Francisco de Almeida; Controlo do Mar; Oceano Índico; Carreira da Índia.

 

Abstract

After the discovery of the sea route to India by Vasco da Gama and the attempts to peacefully establish trade with the Orient, Portugal decided to impose its presence in the Indian Ocean by force, guaranteeing the right to acquire the coveted oriental spices. This trade, carried out via the Cape of Good Hope route - the Carreira da Índia - made the products cheaper when they arrived in Europe, which led to a loss of income for the Sultan of Egypt and the Republic of Venice.

In order to expel the Portuguese, preparations were made in Egypt to combat the Portuguese presence. In their first clash, at Chaul, the Portuguese suffered a tactical defeat with the sinking of one of their ships, the loss of 100 men, and particularly the much-exploited death of D. Lourenço de Almeida, the viceroy's son; but the Egyptian fleet was so badly beaten that it took shelter in Diu, from where it never left.

D. Francisco de Almeida, at the end of his mandate, prepared a powerful naval fleet to go to Diu to fight the enemy. Thanks to excellent planning and almost perfect tactical execution, the Egyptian ships were all destroyed or taken, as well as many of the ships of their allies in Gujarat and Calicut. All without the loss of a single Portuguese ship.

It was a decisive battle that guaranteed Portugal control of the Indian Ocean for 30 years.

Keywords: Diu; D. Francisco de Almeida; Control of the Sea; Indian Ocean; India Career.

 

 

Na sequência das viagens de descobrimento mandadas executar por D. João II, na segunda metade do Século XV terá surgido, pela primeira vez, a ideia de chegar à Índia por mar. Esse objectivo surge numa época em que o domínio turco no Mediterrâneo dificultava as ligações da Europa com o Oriente e as peregrinações à Terra Santa.

A mítica capital do Império Romano do Oriente, Constantinopla caiu em poder dos turcos em 1453 e torna o Mediterrâneo Oriental num lago muçulmano onde os navios cristãos muito dificilmente podem navegar.

A posse do Egipto também permitiu aos turcos dominar as rotas comerciais do Oriente fazendo incidir sobre o comércio das especiarias enormes impostos onerando os preços com que, depois, as Repúblicas Italianas – especialmente Veneza – as vendiam na Europa.

Recordemos que estes produtos, a que genericamente chamamos especiarias eram fundamentais na Europa para a conservação dos alimentos.

O objectivo das navegações portuguesas seria, portanto, conseguir comprar na Índia os produtos de que a Europa necessitava e trazê-los directamente para Lisboa, sem transitarem por áreas sob o controlo dos turcos. Os produtos chegariam à Europa muito mais baratos e os turcos (e também os venezianos) perderiam as receitas que este comércio lhes proporcionava.

Quando em 1497 Vasco da Gama parte de Lisboa com o objectivo de atingir, por mar, o sub-continente industânico, o rei D. Manuel I e a Corte portuguesa imaginavam que seria possível estabelecer relações comerciais, mais ou menos pacíficas, com os soberanos locais, nomeadamente com o Samorim de Calecute, o mais importante monarca da região.

Contudo, a animosidade e as intrigas levadas a cabo pelos comerciantes muçulmanos já alí radicados, dificultou a acção diplomática portuguesa criando-se, desde cedo, uma manifesta má vontade daquele monarca contra os portugueses. Perdidas as esperanças de negociar com o Samorim, Gama foi forçado a procurar alternativas, o que foi feito através de acordos com o rei de Cochim.

Pedro Álvares Cabral, que seguiu para a Índia em 1500, com uma poderosa esquadra de 13 navios – de que apenas 6 chegaram ao destino – voltou a ter dificuldades nas suas relações com o reino de Calecute, ficando definitivamente provado que a presença portuguesa no Índico teria de ser mantida pela força das armas e que os pontos de aquisição de especiarias seriam Cochim e Cananor.

João da Nova, o alcaide de Lisboa, é nomeado comandante da terceira armada que partiu para a Índia. Esta esquadra composta apenas de 4 naus destinava-se a carregar especiarias e era a primeira de carácter meramente comercial que se realizava para aquela área.

Quando em Março de 1501 larga de Lisboa, João da Nova imagina que o trato do comércio das especiarias está organizado em Calecute e que a sua missão comercial será simples. 

Só quando a armada faz escala na Angra de São Brás, para fazer aguada, encontra uma mensagem de um dos capitães da esquadra de Cabral – deixada dentro de um sapato pendurado numa árvore – dando-lhe conta do estado em que tinham deixado as negociações da Índia.

Os navios deveriam dirigir-se a Cochim e a Cananor e evitar o porto de Calecute. João da Nova assim procedeu e, depois de fazer escalas em Quiloa, Melinde, Angediva e Cananor, chega a Cochim para carregar os seus navios.

Quando em 30 de Dezembro os navios estão em Cananor, prontos a iniciar a torna-viagem (viagem de regresso), surge no horizente uma poderosa esquadra de Calecute composta de 40 naus e 180 paraus e zambucos (pequenas embarcações de remo e vela, semelhantes às fustas portuguesas) que bloquearam a saida do porto, e cujo objectivo era destruir os navios portugueses. 

Na manhã do dia 31 de Dezembro, aproveitando o vento terreal (vento que sopra de terra para o mar) os navios portugueses suspendem, formam em coluna e avançam contra o inimigo começando a disparar a sua artilharia; os estragos provocados no inimigo fazem abrir uma brecha na linha inimiga por onde passam, em direcção ao alto mar, os navios portugueses.

Perseguidos pelo inimigo que os tentava abordar, os portugueses continuam com o seu fogo de artilharia e tiros de bestas, provocando-lhe numerosas baixas. O combate continuaria por mais dois dias; só a 2 de Janeiro de 1502 o inimigo abandona o combate, retirando para Calecute, depois de perder 20 navios, com a maioria dos restantes fortemente danificados, mais de 400 mortos e milhares de feridos. 

Esta batalha é a primeira que os portugueses travam no Oceano Índico e mostrou a supremacia do armamento português e a robustez dos seus navios. Foi também uma viragem na táctica do combate naval pela utilização exclusiva da artilharia – sem abordagem e combate corpo a corpo – e da formatura com os navios em coluna, o que lhes permitia disparar toda a sua artilharia por qualquer dos bordos.

Mostrou também aos nossos aliados e aos nossos inimigos, a vontade dos portugueses e a sua capacidade militar para lutar pelos novos mercados comerciais que buscavam no Índico; e que não seria fácil impedí-los de ter acesso às fontes das matérias-primas, cuja aquisição estava em litígio.

Após o estabelecimento da Carreira da Índia, verificou-se a impossibilidade de prosseguir no Oriente uma política de relações comerciais pacíficas entre Portugal e os soberanos locais, como era desejo dos portugueses.

Em 1500 pensava-se em Lisboa que o comércio das especiarias poderia ser realizado através de acordos comerciais com os monarcas locais e com o estabelecimento de feitorias nos principais portos de carga, nomeadamente em Calecut; mas logo em 1502, após a viagem de João da Nova, era patente a inimizade do Samorim de Calecut e dos comerciantes muçulmanos há muito radicados naquela zona e detentores do monopólio daquele importante mercado.

Conseguira-se, apesar de tudo, o apoio dos monarcas de Cochim, Cananor e Coulão, onde foram instaladas feitorias portuguesas; mas esta sua abertura valeu-lhes a inimizade do poderoso vizinho de Calecut.

A evolução dos chamados Negócios da índia, no início do século XVI, foi extremamente rápida e os resultados e as notícias trazidas da Índia pelas armadas de 1502 e 1503 obrigaram à mudança radical da política manuelina para aquela região. Os ataques do Samorim contra os aliados dos portugueses, nomeadamente Cochim, e as suas feitorias, no período em que não havia navios portugueses na região, punham em perigo a continuação da presença portuguesa no Índico.

O monarca, estava a tomar decisões sobre informações com meio ano de atraso e que demorariam mais oito meses até se tornarem efectivas, tais eram os tempos de duração das viagens de e para a Índia.

Desta situação resulta a decisão de nomear D. Francisco de Almeida como Vice-Rei da Índia e a preparação de uma poderosa esquadra de 20 navios que o deveria acompanhar.

Uma parte dessa esquadra ficaria na Índia e outra regressaria a Portugal depois de carregada com especiarias.

Iniciava-se a presença da Marinha Portuguesa no Índico que se manteria quase cinco séculos.

Figura 1 - Dom Francisco de Almeida.jpg

Figura 1 – D. Francisco de Almeida, primeiro Vice-rei da Índia. Quadro a óleo do Museu de Marinha. Cópia do original existente no Museu Nacional de Arte Antiga.

 

D. Francisco de Almeida estabelece e põe em prática os princípios da política portuguesa no Índico. Esta deveria basear-se na existência de uma esquadra que controlasse e impedisse o comércio dos navios muçulmanos e que, como base, contasse com os portos das cidades cujos soberanos fossem aliados de Portugal – que eram então Cochim e Cananor – onde estacionaria um feitor encarregado da aquisição de carga para as naus.

Os navios locais deveriam possuir um salvo-conduto – o cartaz – ou seja um documento passado pelas autoridades portuguesas e que lhe permitia navegar.

A presença da Armada Portuguesa obrigou os comerciantes muçulmanos a solicitar ajuda ao monarca do Egipto. A diminuição do comércio para o Egipto e o Mediterrâneo de que a própria República de Veneza sentiu os seus efeitos levou-a também a financiar e participar – especialmente com artilheiros – numa expedição punitiva contra os portugueses.

Na sequência daquelas acções surgiu no Índico, em 1508, uma frota muçulmana para dar combate aos portugueses. A esquadra egípcia, sob o comando do Emir Hussein (o Mirocem dos cronistas portugueses) era composta de 6 naus e 6 galés. 

Nela vinham embarcados, para além de soldados de elite do Sultão do Egipto, algumas tropas mercenárias de que destacamos os archeiros abexins e núbios que tiveram grande influência nos combates que se viriam a travar; de referir ainda a presença dos bombardeiros venezianos. Depois de percorrer toda a costa da Arábia, e entrar no Índico, a frota muçulmana foi acolher-se a Diu, cujo monarca manteria uma posição dúbia durante todo o conflito.

A esquadra egípcia, sob o comando do Emir Hussain era composta de 6 naus e 6 galés. Nela vinham embarcados, para além de soldados de elite do Sultão do Egipto, algumas tropas mercenárias de que destacamos os archeiros abexins e núbios que teriam grande influência nos combates que se iriam travar; de referir ainda a presença dos bombardeiros venezianos.

Depois de percorrer toda a costa da Arábia, e entrar no Índico, a frota muçulmana foi acolher-se a Diu.

No lado português, o vice-rei estava em Cochim preparando o regresso das naus da carreira da Índia que deveriam voltar ao Reino, na monção própria, carregadas com as especiarias.

Com as limitações provocadas pelo estado de guerra com o Samorim de Calecute, o processo de carga das naus portuguesas começava em Cochim, com parte do carregamento das especiarias, continuava em Cananor com o completar da carga e a aquisição de mantimentos para a viagem, a que se seguia a aguada na ilha de Angediva, antes da partida para o Reino.

Nesse ano de 1508, depois de despachadas para o Reino as naus da carreira, o vice-rei mandou o seu filho D. Lourenço de Almeida, capitão-mor da esquadra, comboiar as naus dos aliados portugueses ao longo da costa, até Cambaia, esperar que elas carregassem e escoltá-las de volta a Cochim.

Quando se encontra em Chaúl, D. Lourenço é informado da presença em Diu da esquadra egípcia. Pressionado pela necessidade de proteger os navios malabares que alí se encontravam a carregar, e dos que tinha deixado, ao longo da costa, noutros portos, D. Lourenço mantém-se expectante quanto ao aparecimento dos navios egípcios.

A carga dos navios mercantes prolonga-se no tempo, aumentando os riscos de a frota portuguesa ser surpreendida, no porto, pelos inimigos.

No dia 24 de Março de 1508 surgem diante de Chaúl os navios egípcios – 5 naus e 6 galés. Os portugueses – 3 naus, 4 caravelas e 2 galés – preparam-se para o embate, carregando a artilharia. Quando os egípcios entram no rio com o vento e a corrente a favor, e se aproximaram das naus portuguesas, estas atacaram-nos violentamente com sucessivas bordadas de artilharia.

O primeiro tiro é dado pela capitânia de Hussain que atinge a capitânia portuguesa – a São Miguel – com tiro de ferro de grande calibre, mas sem consequências, para além do buraco no casco.

A primeira bordada portuguesa, dada pela São Miguel, com 8 tiros, provoca, num navio sobrelotado, um verdadeiro masacre; depois os pedreiros, cujas balas de pedra se estilhaçavam quando atingiam o alvo, provocaram ferimentos em grande quantidade de combatentes.

O navio egípcio fica desgovernado e muito maltratado, não conseguindo a pretendida abordagem ao navio português; vai rio acima com a corrente passando toda a linha portuguesa até conseguir fundear a montante da cidade.

Toda a linha egípcia segue o percurso da sua capitânia, travando-se um duelo de artilharia entre as duas esquadras; os navios lusos, embora de menores dimensões, estavam armados com o dobro das peças de artilharia e os seus artilheiros conseguiam uma cadência de tiro superior. Quando conseguem fundear junto da sua capitânia, os egipcios estão seriamente danificados e com elevado número de baixas.

A situação complica-se para os portugueses com a chegada das 34 fustas de Malik Ayaz, o senhor de Diu, a quem os portugueses chamavam o Melquiaz.

Atendendo ao elevado número de feridos – entre eles o próprio capitão-mor – e ao cansaço provocado pelos dois dias de combates decidiram os portugueses abandonar Chaúl, logo atrás das naus de Cochim que, entretanto, já estavam carregadas.

Tendo as naus de Cochim largado cerca da meia-noite, os navios portugueses começaram a suspender ao amanhecer; as indicações eram para o fazer com a máxima discrição, sem chamar a atenção do inimigo; por isso a maioria dos navios picou as amarras e começou a navegar.

Mas a nau taforeia Santo António, aproximou-se inadvertidamente da nau-capitânia inimiga o provocou a reacção dos muçulmanos, que iniciaram também a manobra de suspender.

D. Lourenço de Almeida foi o último a largar pelo que, foi sobre ele que se concentrou o fogo do inimigo; a sua nau sofre as consequências cumulativas de duas situações distintas. Por um lado, um erro de navegação do mestre leva a nau a abater para a margem onde os fundos eram mais baixos e onde se viria a emaranhar nas estacas dos pescadores; por outro, uma das fustas de Diu, que ia no seu encalço, atingiu-lhe a popa com um tiro de camelete sem que ninguém a bordo se tivesse apercebido e o navio começou a meter água em abundância.

A entrada de água torna o navio de mais difícil manobra e ele acaba por assentar no fundo, imobilizando-se. Os restantes navios portugueses a sotavento e sota-corrente não conseguem ir em socorro do seu capitão-mor; apenas a galé São Cristóvão, mesmo desfalcada de remadores, consegue chegar junto da São Miguel para a rebocar, mas sem o conseguir por ela já estar encalhada.

A centena de homens da guarnição do navio de D. Lourenço, na sua maioria já ferida, organizou a defesa do seu imobilizado navio. Só ao fim de seis tentativas de abordagem, e quando apenas restavam 20 homens com vida e muito feridos, conseguiram os muçulmanos entrar a bordo e aprisionar os sobreviventes; segundo os cronistas, um deles terá subido para o cesto de gávea resitindo, a tiro e à pedrada, mais dois dias ao inimigo! D. Lourenço de Almeida foi morto durante o combate, mas o seu corpo nunca foi encontrado.

Os restantes navios lusos rumaram para Cochim acompanhando as naus de carga; o inimigo regressava a Diu para tentar reparar os estragos. 

Deste primeiro embate resultou para os portugueses a perda de uma nau e 200 homens; mas as perdas humanas egipcias deixaram a sua esquadra inoperativa. A derrota táctica portuguesa em Chaúl, muito explorada pelo inimigo – especialmente pela morte do filho do Vice-rei – viria a impedir a esquadra egipcia de voltar a tomar a iniciativa, mantendo-se em Diu, na defensiva, até ser aniquilada.

Sabedor do desaire de Chaúl e da morte do filho, o vice-rei prepara-se para dar combate ao inimigo na dupla lógica de salvar a presença portuguesa e vingar a morte do filho.

A primeira prioridade foi carregar as naus da carreira e enviá-las de volta a Portugal, enquanto se reparavam os navios danificados, preparando-os para nova campanha, o que obrigou os estaleiros de Cochim a trabalhar continuamente.

A esquadra foi reforçada com alguns navios entretanto chegados à Índia e totalizava 32 unidades, apesar de se terem abatido sete, considerados incapazes de navegar.

A 25 de Novembro largaram de Cochim os 19 navios armados e equipados que constituiam a armada do Vice-Rei cujo objectivo era destruir os navios egipcios ainda refugiados em Diu. Constituiam-na 6 naus grossas, 4 naus menores, 4 caravelas redondas, 2 caravelas latinas, 2 galés e um bergantim.

Navegaram para Norte, escalando Cananor, Baticalá e Onor, onde D. Francisco de Almeida recebeu as últimas informações sobre o inimigo. Em Angediva os navios fizeram aguada e a 12 de Dezembro, seguiram para Dabul, uma cidade considerada aliada dos egípcios e que fora escolhida para servir de exemplo aos inimigos.

Chegados a 30 diante da cidade, os portugueses lançam contra ela um violento ataque que se iniciou com um bombardeamento pelos navios, seguido do desembarque de tropas. Apesar da resistência, as forças portuguesas, sob o comando do próprio Vice-Rei tomaram de assalto a cidade, chacinaram toda a sua população que não conseguiu escapar e deitaram-lhe fogo.

A 2 de Fevereiro a esquadra portuguesa avistou Diu. O inimigo dispunha de 6 naus e 6 galés turcas, 4 naus e 30 fustas guzerates e 70 paraus de Calecute. Tendo fundeado na entrada do porto a cerca de 1.000 metros do inimigo, D. Francisco de Almeida inicia os preparativos para o combate.

Os egipcios fazem uma tentativa de atacar os portugueses, mas não se atreveram a avançar para fora do perímetro de protecção que lhes era dada pela artilharia grossa das fortalezas. Depois adoptam uma posição defensiva semelhante à que tinham utilizado em Chaúl.

O Emir Hussain mandou fundear os seus navios aos pares, de popa para terra, com as galés a montante. As naus e as fustas de Diu e os paraus de Calecute ficaram ainda mais para montante do canal.

D. Francisco de Almeida, face ao dispositivo inimigo, convoca os seus capitães para um conselho e determina o plano de ataque; o facto de as fortalezas estarem do lado inimigo obrigava os portugueses à abordagem porque, com os navios encostados uns aos outros, a artilharia de terra não dispararia sob risco de acertar nos aliados. As condições locais e a experiência das guarnições iriam permitir que a manobra se executasse com rigor.


Figura 2 - Gráfico da Batalha de DIU 1509.jpg 
 
Figura 2 – Gráfico da Batalha. Desenho conjectural de José Manuel Cabrita

 

Pelas 09h00 do dia 3 de Fevereiro de 1509, saltando o vento do mar e com a corrente a encher, suspenderam os navios portugueses ao sinal de um tiro de bombarda disparado da nau capitânia. Sucessivamente os navios portugueses vão entrando a barra sob o fogo das fortalezas, mas apenas a nau Santo Espírito foi atingida e perdeu 10 homens que manobravam as velas; mas conseguiu continuar a navegar e atingir a sua posição de combate.

Dando uma bordada de artilharia, atingiu a nau que se encontrava junto da capitânia egipcia, que de imediato se afundou. Depois foi atracar à capitânia de Hussain, mas sendo de maior calado que a sua inimiga bateu no fundo e imobilizou-se; pensando que iriam ser alvejados com a artilharia, os egipcios alam pela amarra para se colocarem em posição de abordagem, sendo seguida por outro dos seus navios. Deste modo a Santo Espírito ficou entre dois fogos, abordada por dois inimigos, um de cada bordo, mantendo um prolongado combate corpo a corpo.

Santo António, o segundo navio a entrar a barra, não foi atingido pela artilharia de terra e foi abordar uma das naus turcas; mas tendo esta outra amarrada a ela, os portugueses tiveram de combater com duas guarnições egipcias.

A nau Belém, foi o terceiro navio a entrar, mas tendo tomado demasiada velocidade, acabou por ir abordar duas das naus de Diu que estavam mais a montante e que foram tomadas sem dificuldade.

Seguiram-se as entradas da Rei Grande e da Flor de la Mar, com o Vice-Rei a bordo, e da Taforeia Pequena. Vendo a situação em que se encontrava a Santo Espírito – abordada por ambos os bordos por dois navios inimigos – a Taforeia Pequena foi também abordar a capitânia de Hussain pelo outro bordo, permitindo que, após duro combate, o navio fosse tomado, tendo Hussain fugido no seu esquife (batel), que estava amarrado à popa.

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Figura 3 – Nau Flor de La Mar (ou Frol de la Mar), nau capitânia da armada portuguesa. Quadro de Alberto Cutileiro, Museu de Marinha.

 

Flor de la Mar disparou toda a sua artilharia contra a última nau da linha egipcia, metendo-a no fundo. Continuando a navegar, a nau capitânia foi fundear a meio do canal, de modo a impedir a passagem dos navios de remos de Diu e de Calecute que não puderam participar no combate, mantidos à distância pela nau portuguesa que disparou contra eles quase 2.000 tiros.

Santo António foi depois atacar a maior nau inimiga, uma nau de Diu muito alterosa e de difícil abordagem. Seguiu-se a entrada em combate das caravelas e dos navios de remos; as galés e as caravelas Santa Maria da AjudaConceição e Espera, atacaram o flanco das galés egipcias que, imobilizadas, não podiam defender-se acabando por ser destruidas ou tomadas.

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Figura 4 – Batalha Naval de Diu. Quadro a óleo de Álvaro Hogan. Museu de Marinha

 

Só a grande nau de Diu ainda resistia à fúria dos ataques portugueses. Mesmo depois de abordado por três navios lusos, o inimigo continuava a resistir. Então, Garcia de Sousa mandou afastar os outros navios portugueses e deu ordem para que o inimigo fosse destruido a tiro de artilharia. Sob o fogo sistemático dos navios lusos o inimigo não resiste; o seu casco arrombado começou a meter água e o navio afundou-se. Este afundamento marca o final da Batalha de Diu.

Os portugueses perseguiram ainda as fustas de Diu e os paraus de Calecut que tentavam retirar-se da zona de combate.

A esquadra portuguesa não perdeu nenhum navio e afundou 4 naus inimigas, capturou 6 naus e 2 galés e afundou um elevado número de fustas e paraus. Perdas humanas, foram 32 portugueses mortos e cerca de 300 feridos e mais de 3.000 mortos e muitos mais feridos do lado muçulmano.

Esta foi uma batalha travada entre duas armadas com navios e armamento europeu, com guarnições portuguesas de um lado e turcas e venezianas do outro; e ambos os contendores possuiam navios construídos segundo os padrões europeus considerados então os mais avançados; este pormenor é muito importante porque dá ainda maior valor à vitória portuguesa.

A Batalha Naval de Diu ou dos Rumes, uma das mais emblemáticas da História da Marinha Portuguesa, foi em termos tácticos, uma batalha decisiva ou de aniquilamento, em que um dos contendores perde todo o seu poder naval.

Podemos, pois, colocá-la em termos de igualdade com Salamina (travada em 480 a.C. entre gregos e persas), Actium (trava em 31 a.C. entre os romanos Octávio e António), Lepanto (travada em 1571 entre cristãos e turcos), Trafalgar (travada em 1805 entre ingleses e franceses), Navarino (travada em 1827 entre ingleses e turcos) e Tsushima (travada em 1905 entre japoneses e russos).

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Figura 5 – Batalha Naval de Diu. Quadro a óleo de Vassalo de Miranda. Escola de Fuzileiros.

Em termos estratégicos representou o domínio absoluto do Índico pelos portugueses durante cerca de 30 anos, pois só em 1538 voltou a ser verdadeiramente posta em causa a presença portuguesa na Índia com o primeiro cerco de Diu.

 

Esquadra Portuguesa em Diu

TIPO
NOME
CAPITÃO
OBS.






Naus Grossas

Flor de la Mar
João da Nova
Capitânia
Santo António
Pero Barreto Magalhães
Taforeia

Rei Grande
Francisco Távora  
Santo Espírito
Nuno Vaz Pereira
Belém
Jorge Melo Pereira
Cirne




Naus Menores

Rei Pequeno
Manuel Teles Barreto
Taforeia Pequena
Garcia de Sousa
Taforeia

São Cristóvão
Martim Coelho
São João
D. António de Noronha




Caravelas  Redondas

Espera
Filipe Rodrigues
Santa Maria da Ajuda
Rui Soares
Flor da Rosa
António do Campo
Conceição
Pero Cão

Caravelas Latinas

São Cristóvão

Santiago


Galés

São Miguel
Paio de Sousa
São Cristóvão
Diogo Pires
Bergantim
Santo António
Simão Martins

NOTA: Apesar de terem sido feitos os esforços necessários para obter autorização de todos os detentores de direito, o ​autor agradeceria ser contactado no caso de alguma omissão.


Bibliografia

Fontes

BARROS, João de – Da Ásia (9 volumes). Lisboa: Livraria San Carlos, 1973.

CASTANHEDA, Fernão Lopes de – História da Conquista da Índia pelos Portugueses (2 volumes). Porto: Lelo & Irmãos Editores, 1979.

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Monografias

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COUTO, Jorge (Coord.) – Atlas de História de Portugal. Uma Perspectiva Geopolítica (Edição Limitada). Lisboa: Sociedade Francisco Manuel dos Santos, 2021

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GODINHO. Vitorino Magalhães – Os Descobrimentos e a Economia Mundial (2 volumes). Lisboa: Editora Arcádia, 1965.

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MONTEIRO, Armando da Silva Saturnino – Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa (8 Volumes). Lisboa: Sá da Costa Editora, 1990-97.

PEREIRA, José António Rodrigues – Grandes Batalhas Navais Portuguesas. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2009.

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SUBRAHMANYAM, Sanjay – O Império Asiático Português, 1500 – 1700. Uma História Política e Económica. Lisboa: Dinfel, Difusão Editorial, S.A, 1993.


José António Rodrigues Pereira

Capitão-de-mar-e-guerra reformado. Académico Emérito da Academia de Marinha; Académico Honorário da Academia Portuguesa da História; Vogal efectivo do Conselho Consultivo da Comissão Portuguesa de História Militar; Membro da Comissão de Estudos Corte-Real e da Secção de História da Sociedade de Geografia de Lisboa. Autor de várias monografias de que destacamos Marinha Portuguesa Nove Séculos de História


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Como citar este texto:

PEREIRA, José António Rodrigues – A Batalha Naval de Diu 1509. Revista Portuguesa de História Militar - Dossier: Génese do Império Português do Oriente. [Em linha] Ano III, nº 5 (2023); https://doi.org/10.56092/MZFI5048 [Consultado em ...].

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