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O fim do Império e o início da guerra na Guiné
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O FIM DO IMPÉRIO COLONIAL PORTUGUÊS. O CASO DA GUINÉ-BISSAU



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Fernando Policarpo​

 



Resumo

As colónias africanas do Império Colonial Português, mantiveram-se até 1974, sendo a maior parte no continente africano. Após a 2.ª Guerra Mundial e com a Guerra Fria, criou-se na comunidade internacional um clima propício à autodeterminação desses povos colonizados. As superpotências Estados Unidos (EUA) e União Soviética (URSS) uniram-se no apoio aos movimentos emancipalistas das colónias de Cabo Verde, Guiné, S. Tomé, Angola e Moçambique. Na Guiné, o PAIGC, sob a liderança de Amílcar Cabral, conduziu a politização dos povos e desencadeou a luta armada em 23 de Janeiro de 1963, contra a Administração Portuguesa, com o apoio directo da URSS e da Guiné Conacri e, indirecto, do Senegal. Até 1965, o Exército Português não foi capaz de encontrar a resposta adequada à ofensiva psicológica e militar do PAIGC, permitindo aos guerrilheiros que consolidassem posições em toda a Frente Sul, ocupando a ilha do Como e que abrissem as hostilidades na Frente Norte e na Frente Leste. A operação militar mais significativa desencadeada neste período foi a “Batalha da Ilha do Como".

Palavras- Chave: Colonialismo; Guerra Fria; Movimentos de Libertação; Luta Armada – Séc. XX

 

Abstract

The African colonies of the Portuguese Colonial Empire remained until 1974, most of them on the African continent. After the 2nd World War, a favorable climate for the self-determination of these colonized peoples was created in the international community. The superpowers, Russia and America, joined in supporting the emancipation movements in the colonies of Cape Verde, Guinea, S. Tomé, Angola and Mozambique. The Cold War facilitated the creation of an international climate for the liberation of colonized peoples. In Guinea, the PAIGC, under the leadership of Amílcar Cabral, led the politicization of peoples and unleashed the armed struggle on January 23, 1963, against the Portuguese Administration, with direct support from Russia and Guinea Conacri and indirect support from Senegal. Until 1965, the Portuguese Army was unable to find an adequate response to the PAIGC's psychological and military offensive, allowing the guerrillas to seize and consolidate positions across the Southern Front, occupying the Island of Como and opening hostilities on the Northern Front and on the Eastern Front. The most significant military operation unleashed during this period was the “Battle of the Island of Como.

Keywords: Colonialism; Cold War; Liberation Movements; Armed Struggle; 20th Century

 


1. O Desmoronamento do Império Colonial Português.

O Império Português perdeu as Índias Ocidentais no século XVII e o Brasil em 1822. Chegou ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, com todas as outras possessões intactas. Privado da supremacia militar e comercial na Índia, o governo português fixou toda a sua atenção na riqueza do Brasil. O Império Africano, cuja economia assentava, essencialmente, na exploração esclavagista, definhou depois da independência do Brasil. A partir de então, Portugal manteve as colónias africanas abandonadas, inexploradas e sem qualquer desenvolvimento até ao Acto Colonial de 1933. Ciente do perigo que as colónias enfrentavam, com a proliferação das novas ideias anti-coloniais, de natureza liberal e socialista, o Governo Português empreendeu um desenvolvimento apressado das suas colónias africanas, convicto de ser essa a melhor forma de as proteger.

Ironicamente, esse desenvolvimento proporcionou a consciência independentista nos povos africanos, na medida em que muitos dos seus elementos tiveram acesso à educação na capital do Império, fundindo-se, aparentemente, com as elites coloniais. Poderia ter sido este o caminho para salvar o Império? Puro engano! O movimento anticolonialista mundial estava lançado e germinava com apoios paradoxais, de soviéticos e americanos, a que se juntou, depois, a voz da ONU! Toda a formação de quadros africanos que se realizou em Portugal acelerou a politização desses povos, despertando-os para a criação da sua consciência independentista. Foram muitos os contributos que os países do bloco socialista e do bloco ocidental, governo americano em destaque, deram à formação de quadros africanos, preparando-os para regressarem ao seu chão e iniciarem a politização dos seus respectivos povos, com o firme propósito de os conduzirem ao caminho da autodeterminação!

As nações entretanto libertadas organizaram estratégias de ajuda aos restantes povos, concretamente na África e na Ásia. Nestas duas grandes áreas geográficas, a influência comunista dominava as iniciativas de apoio às independências, quer vindas da União Soviética, quer da China, recentemente declarada comunista sob a liderança de Mao Tse Tung. Foram criadas estratégias de apoio efectivo, fornecendo quadros políticos, forças militares, armamento, apoio logístico e financeiro.

As nações recém independentes em África, como o Gana, a Guiné Conacri e o Egipto, entre outras, organizaram-se numa frente comum, definindo estratégias de apoio à libertação das colónias existentes no continente, entre as quais as cinco portuguesas: Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe, Angola e Moçambique.

Depois da 1.ª Guerra Mundial, nada ficou como antes. A Europa, por tão destruída, virou-se sobre si própria, abdicando da sua presença estratégica pelo mundo e, por consequência, do seu protagonismo internacional.  Os EUA não perderam tempo a substituir a influência europeia nas regiões onde ela enfraqueceu. A sua acção diplomática levou a muitos países a inesperada visão da doutrina da autodeterminação de todos os Povos ainda colonizados, enquanto a Rússia Bolchevique se afirmava claramente como inimiga do colonialismo. A recém-criada Sociedade das Nações também tornou público o seu apoio aos movimentos emancipalistas.

No período 1920-1939, alguns povos alcançaram a independência por comum acordo com a Inglaterra, potência colonizadora, o Egipto, em 1922 e o Iraque, em 1932. A independência destes territórios reforçou a motivação dos demais. Apesar de todos os atrasos, a mentalidade dos povos africanos evoluiu muito neste período, apesar de o movimento pan-africanista português ter iniciado o seu percurso de forma muito atribulada. A criação da Junta de Defesa dos Direitos de África (1912) foi evoluindo através de uma sucessão de organismos, até à formação do Conselho Nacional Africano, em 1931, órgão que procurou congregar todos os esforços para lutar pela causa africana, mas no quadro da grande Nação Portuguesa (Continente e Ultramar), como claramente o expressou o deputado José Magalhães, eleito por São Tomé e Príncipe: “Os regionalistas africanos não proclamam a 'África para os africanos'; mas também não podem aceitar 'a Africa para os Europeus"[1]. As orientações do Conselho Nacional Africano, desde a sua fundação, estão em linha com a estratégia do governo português para os territórios ultramarinos. É nossa convicção de que aquele Conselho foi criado por impulso de Lisboa.

Como é conhecido, o fim da 2.ª Guerra Mundial destacou duas superpotências na cena internacional: os EUA e a URSS. Cada uma destas potências passou a actuar com vista a construir as suas áreas de influência estratégica em todo o mundo, recorrendo a meios políticos, económicos, militares, diplomáticos e culturais, aplicando-os onde pudessem ser mais eficazes. Directa, ou indirectamente, apoiaram também o uso da força militar, sempre que todos os outros meios falharam. Tratava-se de disputar a liderança do mundo e, no auge dessa “peleja", muitos povos foram enredados nas teias de interesses da potência que os envolvia e aliciava. Desta disputa resultou a divisão do mundo em dois “blocos", gerando enormes tensões que, normalmente, se continham nos limites do pragmatismo diplomático. Cada potência definiu as suas áreas, objectivos e alvos estratégicos de interesse. Seguiu-se, depois a acção concertada dos meios para garantir o controlo dessas áreas. Neste quadro de partilha forçada de áreas de interesse estratégico, o domínio da África e de parte da Ásia, tornou-se o objectivo prioritário das duas potências.

É no âmago desta definição estratégica do manifesto interesse pelo continente africano que devemos encontrar a explicação para a convergência, inexplicável, de russos e americanos, no objectivo de controlar este continente. Os EUA concluíram que, para terem êxito junto dos povos africanos, tinham que apoiar as independências das colónias que ainda faltava libertar. Seria mais profícuo relacionar-se com eles, do que como usurpador, privilegiando os valores económico-liberais para estabelecer boas relações com os novos países. A conferência de Bandung, de onde resultou o lema “A África para os africanos", deu a Moscovo a grande oportunidade para desencadear ofensivas diplomáticas no Sudoeste Asiático e em África, permitindo-lhe penetrar estrategicamente em ambos os continentes[2].

Nos territórios onde ainda não havia qualquer embrião de movimento independentista, Moscovo promoveu as condições para a sua criação, disponibilizando ajuda político-ideológica, financeira e militar. Foi analisada a situação das colónias portuguesas, cujos representantes reclamaram a independência de Angola, Moçambique e Guiné. A consciencialização dos povos africanos e da comunidade internacional, levou à independência da maioria das colónias do Continente. Antes da conferência Bandung, havia apenas cinco países africanos independentes, depois, e até 1963, alcançaram-na mais 32 países africanos, provenientes de colónias administradas pela França, Inglaterra e Bélgica. Nessa altura, havia quatro colónias portuguesas, uma inglesa (Rodésia do Sul) e a Namíbia, partilhada pela África do Sul e pela Alemanha.

 

2. E Agora, Portugal?

Defendendo veementemente a soberania plena sobre os territórios ultramarinos, Portugal iniciou uma campanha no seio da ONU, desde a sua entrada na Organização, em 14 de Dezembro de 1955. Inclusivamente, a partir de 1951 e prevendo o pior cenário, o governo português, tomou um conjunto de iniciativas para criar a imagem de um Portugal d'Aquém e d'Além Mar, uno e indivisível. Alterou a Constituição, integrando o Acto Colonial de 1933; mudou a designação do Ministério das Colónias para Ministério do Ultramar; fez publicar a Lei Orgânica do Ultramar (1952); aprovou o Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique (1954), criando três categorias de nativos: os brancos, os assimilados e os indígenas. Nesse mesmo ano, os territórios coloniais foram integrados na Política de Segurança e Defesa Nacional[3​]. Todas estas iniciativas visavam esvaziar os argumentos e pressões da comunidade internacional, demonstrando que os territórios ultramarinos não eram colónias, mas sim partes integrantes e descontínuas do território nacional.

O Governo sustentava esta posição ao arrepio do Art.º 73.º da Carta das Nações Unidas, que determinava a obrigatoriedade de todos os seus membros prestarem informação anual sobre o estatuto e as condições em que se encontravam todos os territórios não-autónomos, sobre a sua administração. Depois, poucos meses após a entrada na Organização, o secretário-geral do ONU questionou se Portugal administrava algum território dependente, não autónomo, conforme os definia o Art.º 73 da Carta. A resposta insistiu que esses territórios “já eram independentes com a independência da nação"[​4]. Em 1957, a ONU censurou publicamente Portugal por ter torpedeado o espírito e a letra do Art.º 73, reafirmando que Portugal mantinha colónias. Não questionava a soberania de Portugal; mas criticava severamente a admissão do Indigenato, na legislação portuguesa, ou seja, Portugal mantinha populações privadas de liberdades fundamentais e do direito de cidadania.

Acossado, o governo português decidiu fazer a fuga para a frente, continuando a criar novas estruturas administrativas e militares unificadoras de todo o “território nacional". Seguiu-se uma profusa produção legislativa no que toca ao reforço da estrutura militar das colónias, bem como em toda a filosofia orçamental para o Ultramar. O Ministério do Exército ordenou a criação de unidades terrestres, especializadas na contra-guerrilha. O Conselho Superior de Defesa Nacional aprovou o “Plano de Reapetrechamento das Forças Terrestres dos Territórios Ultramarinos".

Em Abril de 1960, a AG/ONU rejeitava qualquer moldura jurídica que deturpasse a dimensão colonial dos territórios portugueses de Além-Mar, exigindo o cumprimento do Art.º 73ª, mediante criação de um governo próprio para cada um desses territórios. Em resposta, Portugal não reconhecia competência à AG/ONU para fazer qualquer tipo de exigência sobre os territórios ultramarinos. Na XV Sessão da AG/ONU, iniciada a 20 de Setembro do mesmo ano, foi aprovada uma proposta da URSS que consagrava o direito aos povos dos territórios coloniais à independência. Reconhecia, especificamente, que Portugal possuía territórios coloniais e que lhes negava o direito à autodeterminação. Esta recusa era interpretada como “uma ameaça ao bem-estar da humanidade e à paz internacional"[5]. Assim, deixou de reconhecer as províncias ultramarinas como partes integrantes da nação portuguesa, fazendo aprovar as Resoluções 1514, 1541 e 1542, que tratavam, respectivamente, da “Declaração Anticolonialista" da definição de “Território Não Autónomo" e da “Imposição ao Governo Português" de prestar informações detalhadas sobre o verdadeiro estatuto dos seus territórios africanos. Igualmente elucidativo foi o comportamento das duas superpotências. Sendo ideológica e estrategicamente rivais na disputa das áreas de influência, viriam a convergir no apoio aos movimentos independentistas africanos, especialmente depois do início da luta armada em Angola. Os EUA foram generosos nos apoios diversos que concederam a muitos dos movimentos, principalmente no apoio diplomático internacional para as suas causas e no apoio financeiro que disponibilizaram para financiar a sua propaganda e o seu apetrechamento para a guerrilha, sendo Kennedy o grande inspirador da estratégia americana para África na ajuda aos movimentos independentistas[6]

Pelo exposto, Portugal viu-se confrontado numa complexa encruzilhada da sua História, confrontado com a hostilidade da comunidade internacional, por querer preservar as poucas colónias que ainda mantinha. O acordo entre as potências sobre o destino das colónias motivou os movimentos, ditos de libertação, a desencadearem a luta armada nos territórios portugueses de África. Teria bastado ao governo português seguir a experiência de outras nações coloniais europeias, tomando a iniciativa de promover o direito de autodeterminação aos povos das suas colónias, com serenidade e firmeza, de modo que daí resultassem vantagens para ambas as partes. Competia ao governo português encontrar uma solução para o estatuto dos seus territórios coloniais, num quadro de entendimentos e consultas permanentes com os seus parceiros europeus. Portugal optou por seguir uma via diferente, contrariando a lógica da emancipação dos povos. Assim, preferiu empenhar-se numa guerra sem objectivo estratégico claro e sem calendário político de solução. Durante 13 anos, as Forças Armadas Portuguesas sustentaram a mais longa frente de batalha do mundo, de Lisboa a Timor. As FFAA Portuguesas cumpriram tudo aquilo que se exigiu delas, por ser esse o seu desígnio. Porém, o governo não foi capaz de, simultaneamente, construir uma solução política para o problema colonial. Prevendo o desencadear de acções hostis nas províncias, foram criadas as Regiões Militares de Angola e de Moçambique, bem como sete Comandos Territoriais Independentes, incluindo o da Guiné, designado Comando Territorial Independente da Guiné (CTIG).

 

3. O Caso Específico da Guiné Portuguesa

A criação do PAIGC é uma consequência directa do impulso dado pela Conferência de Bandung (1955) aos movimentos independentistas das colónias africanas. Em 18 de Setembro de 1956, Amílcar Cabral fundou o movimento em Bissau, apoiado pelo irmão, Luís Cabral, Aristides Pereira, Rafael Barbosa, Júlio de Almeida, Fernando Fortes e Eliseu Turpin, entre outros. A palavra de ordem principal era “actuar e operar na clandestinidade"[7]. Apesar de terem sido criados outros movimentos, com o mesmo objectivo de obter a independência do território[8], a partir de 1962 apenas dois movimentos são protagonistas, o PAIGC e a FLING (Frente de Libertação para a Independência da Guiné).

Mas foi o PAIGC quem desempenhou o papel preponderante na luta armada contra a administração portuguesa, beneficiando das recentes independências da Guiné Conacri (1958) e do Senegal (1960). Proclamou, como objectivo imediato, unir os povos da Guiné e de Cabo Verde, apesar da rivalidade histórica existente entre os dois povos, assente na diferenciação com que as autoridades coloniais trataram os dois povos. Aos negros e mestiços das ilhas permitiu-se-lhes o acesso amplo à escolarização, tornando-os mais aptos para exercer funções na administração colonial. Os cabo-verdianos desempenhavam os cargos mais qualificados e beneficiaram sempre de um tratamento privilegiado. Essa distinção germinou a revolta nos guineenses e um sentimento de superioridade nos cabo-verdianos, realidade que explica que a maioria dos fundadores do PAIGC, Amílcar Cabral incluído, fossem cabo-verdianos. De tal forma que quando os guerrilheiros do PAIGC desencadearam as hostilidades contra as autoridades civis e militares portuguesas, os comandantes dos grupos eram mestiços de origem cabo-verdiana, enquanto os combatentes eram naturais da Guiné. Esta diferenciação será futuramente responsável pelo mau relacionamento, tensões e conflitos que se irão instalar entre os dois povos, mesmo ao nível da direcção do Partido. Não obstante, Amílcar Cabral acreditava que conseguiria ter autoridade para estabelecer os compromissos necessários, com vista a derrotar o adversário comum. Acreditava que o PAIGC conseguiria gerir esse estatuto de partido “bi-nacional", capaz de promover a independência dos dois territórios distintos, sob a mesma bandeira.

Entre os estudiosos deste período existe a convicção que Amílcar Cabral planeou à distância, com Sekou Touré da guiné Conacri, a greve dos trabalhadores portuários de Bissau, em 1959, os quais vinham pedindo, sem sucesso, aumentos salariais. Acabaram por entrar em greve, em Agosto desse ano. A administração da CUF, em Lisboa, autorizou o aumento de salários, mas o administrador local da empresa decidiu reservar para si a competência de processar os aumentos, quando entendesse mais oportuno. Os grevistas não cederam e mantiveram-se em greve e o administrador chamou a polícia, composta essencialmente por efectivos africanos, crendo que assim os trabalhadores seriam mais facilmente convencidos a voltarem ao trabalho.

No dia 3 de Agosto, os grevistas concentraram-se no cais de Pidjiguiti, onde foram cercados pela polícia e as forças militares metropolitanas descarregou sobre eles intenso tiroteio, apesar de todos se encontrarem desarmados. Muitos grevistas atiraram-se ao mar, procurando a fraca protecção da água[9]. O massacre, que contabilizou 50 mortos, constituiu o ponto de viragem na estratégia do PAIGC, até aqui desenvolvida de forma pacífica, passando a dar prioridade aos camponeses[10].

A partir de Conacri, o PAIGC definiu, então, três objectivos prioritários para a sua actuação: formar quadros e militantes para implantarem núcleos do partido no interior da Guiné Portuguesa; garantir o apoio activo ou, pelo menos, a neutralidade dos países vizinhos, principalmente do Senegal; obter toda a ajuda internacional que fosse possível. Os apoios não se fizeram esperar. A china declarou publicamente prestar todo o apoio à formação de quadros do novo partido, sendo Amílcar Cabral e uma delegação do PAIGC recebidos pelo governo de Pequim, em 1960. Receberam conhecimentos de formação ideológica e de guerrilha, aprenderam que a guerra subversiva devia ter como objectivo principal a conquista das populações e a articular acções visíveis, com acções clandestinas, de natureza psicológica ou acções armadas[11].

Entretanto, com o apoio do exército da Guiné Conacri, o PAIGC ia treinando e organizando as suas unidades de combate, em instalações cedidas para o efeito, contando ainda com meios logísticos, técnicos e armamento, que ia chegando de países amigos. Efectivamente, Sekou Touré aderiu, sem reservas, à estratégia soviética de criar países de sua influência em África, colaborando generosamente com Moscovo e permitindo que o seu país se transformasse numa retaguarda segura, onde o PAIGC instalou as suas bases de treino militar, bases de operações e de apoio logístico, com capacidade de servir toda a estrutura dirigente do partido e a estrutura militar de combate.

Já Senghor, presidente do Senegal, não era um apoiante da estratégia soviética. Revia-se mais no modelo político-económico da Europa Ocidental. Porém, isso não o impediu de ser um defensor da libertação dos povos africanos, constituindo o seu conceito de negritude um contributo valioso para a sua causa. Senghor manteve sempre uma atitude prudente, não activa, mas dubiamente colaborativa, autorizando que os guerrilheiros do PAIGC utilizassem o seu território, para nele promoverem a criação de infraestruturas logísticas, como a “Base de Cumba Mori", na faixa fronteiriça senegalesa, que corria ao longo da fronteira norte da Guiné portuguesa. Essa liberdade de movimentos permitiu às unidades do PAIGC movimentarem-se pela fronteira da Guiné portuguesa, para combater ou transportar material logístico, ou apoio às operações na frente Norte.

Em Junho, Amílcar Cabral foi convidado a deslocar-se à ONU, tendo apresentado perante a Comissão um relatório sobre a situação na Guiné, que ele intitulou de “O nosso Povo, o Governo Português e a ONU"[12]. No regresso, dedicou-se a preparar a ofensiva militar armada contra as tropas portuguesas. Em Janeiro de 1963, ordenou à componente militar do seu Partido que desencadeasse acções armadas contra o Estado Português, na Guiné. Preparou-se para implantar no terreno uma organização administrativa de enquadramento das populações, investindo muito na mentalização ideológica, nos cuidados primários de saúde, na educação e no recrutamento de homens para receberem treino militar e de combate e engrossarem as fileiras dos combatentes pela independência. Tratava-se de agir de forma subversiva junto das populações, mobilizando-as para participarem activamente na tomada do poder, no futuro.

 

4. O Início do Conflito Armado na Guiné Portuguesa 1963-1965

Atento a todos os movimentos do PAIGC no interior do território, o governo da província da Guiné intensificou a vigilância e as medidas preventivas, tudo fazendo para contrariar a acção do adversário. Em 1962, a PIDE procedeu à prisão de Rafael Barbosa e Fernando Fortes, enquanto colocava no terreno uma nova organização de voluntários mista, procurando, dessa forma, contrariar o crescendo de influência do PAIGC junto das populações.

Entretanto, o PAIGC iniciou as hostilidades em 23 de Janeiro de 1963, desencadeando um ataque armado à guarnição portuguesa de Tite, na margem sul do Geba. Neste primeiro ataque, os guerrilheiros demonstraram um bom padrão de organização e de treino militar, bem como armamento moderno de qualidade, com potencial de fogo equivalente, quiçá superior, às forças portuguesas.

Vindos da Guiné Conacri, transpunham a fronteira sul com enorme facilidade, por terra, por mar e por rio, e penetravam no território. Durante os seis meses seguintes, garantiram o controlo de algumas áreas nas regiões dos rios Geba e Corubal e ocuparam a ilha de Como. Simultaneamente, prepararam a abertura da Frente Norte. Na Frente Sul, no segundo semestre de 1963, apoderaram-se de diversas embarcações militares portuguesas a motor (A Mirandela, o Arouca, o Bandim e o Bissau), colocando-as ao serviço do transporte de armas e munições, homens e comida, de Conacri para a Frente Sul, penetrando pelos rios Corubal, Cacine e Cumbijã. Ainda neste semestre, o movimento instalou as bases avançadas de Kadigné, nas Ilhas Tristão, de Kandiafara, à entrada do “Corredor de Guilege" e de Sansalé, a partir da qual desencadeavam acções sobre a região de Cafine e Cadique[13]. A utilização das embarcações capturadas à Marinha Portuguesa explica o aumento das acções armadas na região sul do território.

O Exército Português demonstrava incapacidade para conter o alastramento da guerrilha. O comandante militar, Brigadeiro Louro de Sousa, informou o governo de Lisboa das enormes dificuldades que sentia em conter esse alastramento, por ter à sua disposição meios militares simbólicos. No seu relatório, afirmava que a batalha podia considerar-se quase perdida. Alarmado, o governo providenciou o reforço de meios militares, humanos e equipamentos para a Guiné, indicando ao Comandante Militar que estabelecesse como prioridade operacional a reconquista da ilha do Como. Para dar ânimo ao comandante, às tropas ali estacionadas e a todas as que iam chegar, o governo enviou a Bissau o ministro da Defesa para assistir ao lançamento dessa grande operação, com o nome de código Tridente, conhecida como a “batalha da ilha do Como".

Esta operação de “grande envergadura" iniciou-se no princípio de Janeiro de 1964, tendo-se prolongado por 70 longos dias. Saldou-se por um fracasso, pois as tropas portuguesas sofreram imensas perdas, não conseguiram desalojar os guerrilheiros do PAIGC, nem reconquistar a ilha. Devemos destacar a participação nesta operação do Batalhão de Cavalaria, comandado pelo Tenente-Coronel Fernando Cavaleiro, e do Destacamento de Fuzileiros n.º 8, comandado pelo 1.º Tenente FZE, Alpoim Galvão. A “batalha da ilha do Como" foi uma das mais duras campanhas realizadas na Guiné[14].

A experiência recolhida durante este primeiro semestre do conflito armado revelou algumas fragilidades, que não poderiam ser ignoradas. O território configurava um teatro de operações com perigosas fragilidades tácticas. Por ser um território pequeno, dava vantagem aos grupos de guerrilha que, num período de 24 horas, tinham a capacidade de realizar acções agressivas sobre diversos alvos, muito profundos no terreno, e regressar às suas bases de estacionamento em segurança, localizadas no Senegal, ou na Guiné Conacri, furtando às tropas portuguesas a capacidade de retaliar com sucesso. Acrescia ainda o facto de a fronteira ser muito longa, apresentar um traçado variável e de o território ser compartimentado em quatro partes longitudinais, demarcadas pelos rios Cacheu, a Norte, Geba, na região central e Corubal, no Sul. Esta compartimentação dificultava, sobremaneira, os deslocamentos das tropas portuguesas de umas regiões para as outras. A orografia do terreno obrigava a envolver os três ramos das Forças Armadas, pois as operações desenrolavam-se em terreno, ora firme, ora pantanoso, ou aquático, obrigando a adaptar as tropas de combate a estas características. Forças terrestres, navais e aéreas eram indispensáveis ao cumprimento de qualquer missão, independentemente da sua dimensão.

A operação Tridente foi complementada com uma série de operações mais pequenas, mas não menos importantes, pois permitiram reconhecer o dispositivo do inimigo em toda a região sul. Em Março de 1964, foi lançada a “Operação Rio Camexibó", por lanchas da Marinha, transportando secções do Destacamento de FZE N.º 8. O objectivo era penetrar neste rio e identificar todas as ligações que ele permitia estabelecer com toda a rede fluvial de abastecimentos do PAIGC. A “Operação Rio Camexibó" tornou possível constatar que o PAIGC dispunha de uma forte implantação armada e de uma completa liberdade de movimentos na região sul, servida pelos rios Caraxe, Nhafuane, Camexibó e Inxanche, dispondo da capacidade de abastecer as suas bases de Cassumba, Cassunja, Campeane e Canefaque, sem necessitar de navegar pelo rio Cacine, mais exposto à visibilidade e regularmente patrulhado pela Marinha portuguesa[15].

Com as informações recolhidas durante esta operação, foi planeada, para Abril de 1964, a operação Hitler, cuja missão consistia em montar emboscadas de grande envergadura, na confluência dos rios, e capturar ou destruir as embarcações inimigas, carregadas de abastecimentos. Pretendia-se, também, afirmar a superioridade aérea. A operação Hitler acabou por ser abortada durante o seu decurso, por razões políticas, pois o cumprimento completo do plano da operação obrigaria a penetrar em território da Guiné-Conacri. Por essa razão, o comandante-chefe suspendeu-a. Foi a última operação que se fez na região Sul, até à chegada do Brigadeiro António Spínola, em 1968. Sem a presença militar portuguesa no Sul, o PAIGC pôde reforçar e abastecer as suas bases sem restrições e navegar em toda a rede fluvial. Permitiu-se ainda manter uma presença permanente junto das populações e exercer a sua acção psicológica com tranquilidade.

De qualquer forma, o insucesso da operação da ilha do Como acentuou a convicção de que a situação operacional continuava a fugir ao controlo. Nos finais de 1964, temia-se que, se o PAIGC aumentasse os seus efectivos, intensificasse as suas acções armadas e diversificasse os alvos a atingir, poderia impor uma pesada derrota às unidades do Exército Português ali destacadas. Continuava a não existir uma estratégia definida e um conceito táctico claro, para fazer face aos crescentes sucessos do PAIGC. Em 1964, o Governo decidiu substituir o comandante Militar, nomeando o General Arnaldo Schultz, com a dupla função de comandante-chefe e de governador geral da província da Guiné.​​

5. A Estratégia Militar do PAIGC

A estratégia militar da guerrilha indiciava, desde o início, dividir o território da Guiné em duas partes, uma com sede em Bissau, a Oeste, e a outra a Leste, polarizada em Nova Lamego. O objectivo do PAIGC seria concentrar todo o seu potencial militar com vista a isolar a região de Bissau, para constranger o Exército Português a movimentar-se livremente por todo o território. Esta estratégia continha riscos, pois a região Leste era habitada pela etnia Fula, a segunda maior do território e muito fiel à soberania Portuguesa. Os estrategas do PAIGC acreditavam que, se conseguissem isolar Bissau, tornavam impossível a defesa do Leste, obrigando as tropas portuguesas, estacionadas nessa região, a retirarem-se. Seguidamente, lançaria a ofensiva final sobre a capital.

Era esta a situação quando o novo comandante-Chefe, General Arnaldo Schultz, chegou ao território para tomar posse. Altura em que o PAIGC abre as hostilidades na frente Leste e consolida as posições que ocupava no interior do território. Algumas dessas posições ficaram célebres entre os combatentes, como a “Mata do Cantanhez" e “Mata do Óio-Morés", bases estratégicas avançadas para apoio às operações. Localizavam-se em matas muito densas, de vegetação quase impenetrável ao homem e à luz solar. Eram as duas únicas bases existentes, que concentravam meios logísticos em alimentos, armamento e munições. Dispunham de infraestruturas educativas e sanitárias para apoio directo aos combatentes e outros militantes. Tinham capacidade para promover o recrutamento e de ministrar treino militar. Mantinham-se em ligação permanente com as bases da rectaguarda, protegidas fora do território, no Senegal e na Guiné Conacri, através de linhas de comunicações bem estruturadas e vigiadas, usualmente designadas de “itinerários de abastecimento". Tratava-se de aquartelamentos bem defendidos, cuja posse conferia ao PAIGC vantagens estratégicas, tácticas e psicológicas. Os militares portugueses designavam estas bases de “santuários", significando a aceitação da incapacidade de as reconquistar, ou até de operar nas proximidades dos seus limites.

A partir destas bases avançadas, o comando da guerrilha acompanhava de perto as acções de controlo da população e podia estruturar de forma mais eficaz as operações militares a desencadear na sua área de acção. Para além de tudo isso, a presença permanente no interior do território “inimigo" facilitava a recolha de informações tácticas. As acções de guerrilha concretizaram-se por fases e alastraram como um incêndio, dirigidas de formas metódica e eficiente, ignorando conceitos básicos da arte da guerra, como os de “frente" e “rectaguarda" do campo de batalha. Ao PAIGC foi fácil interiorizar todos os princípios da guerrilha, porque não conheciam outra doutrina militar.

Os grupos guerrilheiros flagelavam, à distância, os aquartelamentos das tropas portuguesas, com armas ligeiras e pesadas, ou montavam emboscadas às forças de quadrícula, explorando os trilhos mais utilizados. Concretizada a acção, dispersavam-se e “desapareciam" rapidamente, procedendo muito raramente à exploração do sucesso. Estas acções visavam provocar baixas nas tropas portuguesas, com vista a enfraquecer o seu moral e circunscrevê-las aos aquartelamentos. Contando com o apoio das populações, os grupos de combate do PAIGC dispunham de informações actualizadas do estado geral das tropas portuguesas. Os habitantes das aldeias que viviam dentro dos aquartelamentos passavam, diariamente, informações aos guerrilheiros sobre a chegada de novas unidades portuguesas de substituição e sobre as rotinas de saída e os itinerários adoptados pelos grupos de combate portugueses. Assim, os guerrilheiros podiam planear as suas emboscadas para os locais obrigatórios de passagem.

Até 1965, o PAIGC obteve o controlo de uma grande parte da zona Sul do território e todas as tentativas feitas pelo poder militar português para recuperar as regiões de Madina do Boé e de Guilege, fracassaram. O PAIGC manteve, definitivamente, a posse do Corredor de Guilege, itinerário essencial de abastecimento que, proveniente da Guiné Conacri, estabelecia a ligação directa com as bases avançadas do Sul. Todas as operações levadas a cabo pelas tropas portuguesas para inverter esse status quo fracassaram.

A abertura da Frente Leste obrigou o comando-chefe a desdobrar os efectivos, fragilizando todo o dispositivo. A longa fronteira permitia ao PAIGC operar livremente ao longo dela, entrando e saindo da Guiné, sem qualquer dificuldade.

6. As Dificuldades Sentidas pelo Exército Português

Diferentemente dos guerrilheiros do PAIGC, as Forças Armadas Portuguesas foram forçadas a abandonar o modelo convencional de fazer a guerra e de se preparar do zero para a luta subversiva. Foi necessário substituir doutrinas tácticas e estratégicas, ajustar modelos de formação e treino, adaptar os meios de apoio de combate e o seu emprego e, acima de tudo, preparar as mentes de Oficiais e Sargentos do quadro permanente para interiorizarem uma nova maneira de ministrar treino militar e de fazer a guerra.

Contrariamente à guerra convencional, em que a concepção, o planeamento e a conduta das operações visavam a conquista de objectivos previamente definidos no terreno, com vista a obter a rendição do inimigo, na guerra de guerrilha o objectivo essencial a conquistar é a população, cuja colaboração é determinante para a vitória. Neste tipo de confronto, o inimigo é fluido e versátil, a sua táctica segue o princípio da economia de meios, com acções rápidas e retirando em seguida de forma planeada, entranhando-se na mata, recolhendo às suas bases, ou acoitando-se junto da população das aldeias que lhes conferia protecção e cedia alimentação. A sua zona de acção é todo o território. Dispersa os meios, em vez de os concentrar, e não tem como prioridade conquistar objectivos de forma metódica e previsível. Utiliza o efeito surpresa, as acções de desgaste e a sabotagem. O seu objectivo principal é vencer pelo desgaste, pela saturação, pela pressão continuada, de modo a conseguir quebrar a vontade ao adversário e conduzi-lo lentamente à aceitação da derrota.

O planeamento e a acção do Exército Português focou-se, prioritariamente, na salvaguarda da posse do território, procurando aproximar-se das populações e, simultaneamente, conter o ímpeto atacante do PAIGC. Mas as dificuldades para instalar um dispositivo fixo de quadrícula eram imensas. Exceptuando algumas povoações mais expressivas, como Bissau, Bafatá, Mansoa, Farim e Nova Lamego, a restante população continuava a viver num estádio de chocante primitivismo. Sempre que o dispositivo militar planeava a ocupação de novos pontos estratégicos em todo o território, acentuava-se a dificuldade em materializar essa ocupação. Não havia qualquer infraestrutura construída, a unidade que ia ocupar determinado ponto teria de construir todo o seu aquartelamento, itinerários de acesso e pistas de aviação para o abastecimento logístico e transporte de pessoal.

Não havendo produção agrícola local, essas unidades permaneciam na total dependência alimentar da cadeia de abastecimentos, operada a partir de Bissau. As tropas que prestaram serviço na Guiné foram as mais castigadas no aspecto da alimentação, cuja base era composta, maioritariamente, por produtos enlatados. A fama rapidamente se divulgou, colando-se ao teatro de operações da Guiné, o epíteto de “Vietnam Português", destino de pesadelo para os combatentes.

 A guerra subversiva exigia uma resposta global, desenvolvendo e articulando acções políticas, sociais, económicas, psicológicas e militares, dentro e fora do teatro de guerra. Esta acção concertada exigia uma coordenação muito estreita entre as Forças Armadas, as autoridades administrativas e as populações. Tratava-se de um “mundo novo", com um dispositivo complexo, que exigia o empenhamento de elevados efectivos, portugueses e guineenses. Qualquer resposta às accções subversivas deveria merecer do Exército Português o desenvolvimento simultâneo de múltiplas acções. Era indispensável conhecer a importância relativa de cada grupo étnico da Guiné, bem como a sua projecção de ambos os lados da fronteira.

A Administração político-militar da Guiné teria de garantir a sobrevivência e a subsistência da população e, principalmente, o bem-estar das tropas. Os serviços administrativos teriam de interferir em todo o sistema produtivo e de distribuição de bens, apoio sanitário e educativo, que levou anos a implementar. Quando o conflito eclodiu não existia qualquer organismo responsável por dirigir as acções psicológicas. As primeiras preocupações com o desenvolvimento de acções psicológicas despertaram durante o ano de 1963. O comando emitiu directivas e instruções avulsas, ordenando a elaboração de relatórios periódicos, com o objectivo de despertar e motivar as unidades para esta componente do conflito. Contudo, a primeira directiva de acção psicológica só foi publicada pelo comandante-chefe e governador General Schultz, em 1965. Ele estava convicto que, sem as acções psicológicas no terreno, não conseguiria fazer face à subversão activa, de forma eficaz.

Nestes três anos de guerra activa e, por vezes, feroz, perpassa uma amarga realidade: a acção militar das tropas portuguesas limitou-se a suportar os embates hostis, a distribuir, pelo território, as novas unidades de reforço do efectivo que iam chegando de Lisboa. Essas unidades, com imensas responsabilidades nas operações de quadrícula, não dispunham de meios mínimos para recolher informações, ou promover acções psicológicas junto das populações. Instalavam-se numa atitude defensiva, sendo visível algum desnorte e muita desmotivação nos comandos das unidades e subunidades territoriais, carentes de planos, de ordens claras e meios adequados.

Esta atitude passiva poderá ter resultado do facto de o comando-chefe e comandos subordinados terem desvalorizado o potencial e o valor dos combatentes do PAIGC, desprezando elementos essenciais que, analisados com atenção, poderiam ter ditado uma estratégia mais agressiva e consequente. Podemos mesmo falar de negligência inicial na avaliação da ameaça e uma manifesta impreparação no planeamento da resposta militar.

Até 1968, o comando-chefe cedeu sempre a iniciativa ao PAIGC, permitindo as suas incursões e a criação de bases avançadas permanentes. Com esta conduta, mostrou ao inimigo uma indisfarçável incapacidade de lidar com a nova realidade militar, da forma mais eficaz.

 

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Notas

[1] Resenha Histórica das Campanhas de África (1961-1974), vol. I, 2.ª ed. 1988.

[2] Fernando Policarpo, A Guerra de África – Guiné. 1963-1974, Porto, Editora Quidnovi, 2010.

[3] Idem.

[4] Franco Nogueira, Salazar. A Resistência (1958-1964), Vol. V, Livraria Civilização Editora, Porto, 1984.

[5] O texto da moção aprovada pela AG/ONU considerava, expressamente, como territórios não autónomos o Arquipélago de Cabo Verde, a Guiné Portuguesa, São Tomé e Príncipe, São João Baptista de Ajudá, Angola, incluindo o enclave de Cabinda, Moçambique, Goa e dependências e Timor.

[6] Fernando Policarpo, op. cit.

[7] Idem.

[8] Alguns foram apoiados pelo Senegal, como a UPG (União Popular da Guiné, em 1958; a UDC (União Democrática Cabo-Verdiana) em 1959; o MLG (Movimento de Libertação da Guiné) em 1961; e a UNGP (União dos Naturais da Guiné Portuguesa) em 1962. Um outro, foi apoiado pela Guiné Conacri, o MLGCV (Movimento de Libertação da Guiné e Ilhas de Cabo-Verde) fundado em 1958. Nos anos seguintes, muitos destes movimentos viriam a fundir-se.

[9] Fernando Policarpo, op. cit.

[10] Numa derradeira tentativa de resolver a questão colonial pelo diálogo, Amílcar Cabral enviou ao governo português, em finais do ano de 1960, um memorandum no qual se inscreviam as “12 medidas, para a liquidação pacifica da dominação colonial em África". Nunca obteve resposta.

[11] As acções psicológicas, para além de visarem condicionar a vontade das populações envolvidas, pretendiam, acima de tudo, enfraquecer a vontade do adversário. Estas operações psicológicas, procuravam, essencialmente, desenvolver acções de propaganda, com o objectivo de explorarem as fraquezas e ressentimentos da população em relação à administração portuguesa, tentando desequilibrar a balança do apoio político a favor do PAIGC.

[12] Fernando Policarpo, op. cit.

[13] Fernando Policarpo, op. Cit.

[14] Idem.

[15]Idem ibidem.



FERNANDO POLICARPO

Coronel de Infantaria do Exército Português na reforma. Como Alferes, foi comandante de um Grupo de Combate no teatro da Guiné 1973-1974. Mestre em Didáctica da História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, prestou serviço na Direcção do Serviço-Histórico Militar e foi docente no Colégio Militar. Autor do livro Guerra de África – Guiné. 1963-1974, da Quidnovi.



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​Como citar este texto:

POLICARPO, Fernando – O fim do Império colonial português. O caso da Guiné-Bissau. Revista Portuguesa de História Militar - Dossier: Início da Guerra de África 1961-1965. [Em linha]. Ano I, nº 1 (2021). [Consultado em ...], https://doi.org/10.56092/HXZR5022

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