EDITORIAL

João Vieira Borges
A “Restauração Portuguesa 1640-1668” é o tema central deste número 8 da Revista Portuguesa de História Militar, afinal um tema tão atual em 2025, em função das posturas imperialistas das grandes potências como os EUA, a Rússia e a China. Para quem vive na Ucrânia, em Gaza, em Taiwan ou mesmo na Gronelândia, no Canadá e no Panamá, o exemplo de sucesso de Portugal no século XVII pode constituir um bom estudo de caso, independentemente da “distância” temporal, política, diplomática, económica, tecnológica, social e militar.
Mas voltemos aos tempos de D. João IV, D. Luísa de Gusmão, D. Afonso VI e D. Pedro II, altura em que Portugal volta a ser um Estado soberano e independente até aos dias de hoje, numa conjuntura particularmente complexa, mas em que os ventos da história nos foram favoráveis. No entanto, os ventos também foram favoráveis a outras gentes que não lutaram, nem tiveram a determinação e o engenho para se tornarem independentes. Com ou sem ventos, D. João IV teve uma visão global para a necessária Restauração (que hoje apelidamos de Grande Estratégia), a qual incluiu as estratégias que hoje apelidamos de gerais e particulares, com destaque para a diplomática e para a militar. Mas também teve de se empenhar a nível interno no sentido da necessária coesão nacional, confrontando-se, em particular com alguma oposição da nobreza e do clero mais ligadas aos filipes e à manutenção do status quo.
Durante os 28 anos de guerra, em que foi aplicada a “Grande Estratégia” de D. João IV, para consolidação do Portugal Restaurado, muitos e diversificados foram os obstáculos vencidos, num equilíbrio decisivo e calculado entre a Pena (da diplomacia) e a Espada (do militar). Mas não podemos esquecer o trabalho desenvolvido por todos os Portugueses, que contribuiu, direta e indiretamente, para a concretização do Tratado que reconheceu finalmente Portugal como Estado soberano e independente no concerto das Nações em 1668, atingindo assim os objetivos delineados por D. João IV (em 1668 já com D. Pedro II) através da coordenação e integração dos três vetores de ação estratégica: política interna; política externa; e política de defesa.
Ao nível da dimensão militar, em que as ações mais conhecidas estão relacionadas com as batalhas do Montijo (1644), de Arronches (1653), das Linhas de Elvas (1659), do Ameixial (1663), de Castelo Rodrigo (1663) e de Montes Claros (1665), com líderes como D. João IV, o Marquês de Marialva, o Conde de Castelo Melhor, o Conde de Vila Flor ou o Conde de Schomberg, o planeamento, a disciplina e a coragem foram decisivos para o sucesso das operações contra um exército bem maior e mais equipado.
Muito para além do “Poder das Circunstâncias” foi fundamentalmente o “Poder da Determinação” do Portugueses em geral que foi mais decisivo no sentido de restaurarmos a Independência e de nos mantermos uma Nação Soberana 360 anos depois de Montes Claros.
Por tudo isto, é de louvar a opção dos diretores da Revista, Abilio Lousada e Humberto Nuno Oliveira, por este tema tão importante em termos históricos, mas também em termos de uma História do Futuro (tal como escreveu o Padre António Vieira, um estandarte da literatura deste período). Mas, apesar de ser um Vieira e um admirador da sua obra, não vou “contar as coisas que estão por vir”, mas fazer um resumo dos resumos deste número da Revista, começando por agradecer a todos os amigos(as) que colocaram na pena o seu conhecimento em prol dos leitores e do futuro, merecendo o título de “novos conjurados”, numa sociedade crescentemente desconhecedora da nossa história em geral e da história militar em particular.
São 15 os artigos, que vão da “Restauração – Uma Perspetiva Estratégica“, com António Paulo Duarte (defende que, na prática, existia uma incipiente lógica “estrutural” da “Estratégia total e integral”, em linha com o General Gabriel Espírito Santo), ao extra-dossier “Gerhard Von Scharnhorst. Aluno do Conde de Lippe – Mentor de Clausewitz” da autoria de Martin Rink (que analisa a relação dupla entre mentor e aluno). Como faz parte da linha editorial da Revista Portuguesa de História Militar, este número inclui ainda um artigo sobre um museu, neste caso escrito pelo Humberto Nuno Oliveira e sobre “Um Museu da Restauração: A obra azulejar da sala das batalhas do Palácio dos Marqueses de Fronteira (Lisboa)”.
Voltando ao resumo, destaco “Guerra e Diplomacia na Restauração de Portugal” da autoria da professora doutora Ana Leal de Faria, artigo fundamental para compreendermos a importância da ligação entre a pena e a espada. Para Ana Leal de Faria, “a política externa portuguesa foi marcada por grande pragmatismo, recorrendo a todos os meios disponíveis para atingir os seus objetivos: o pleno reconhecimento internacional da independência e o tratamento régio à Dinastia de Bragança.” Segue-se um artigo sobre um diplomata, escritor e jornalista de referência neste período, D. António de Sousa Macedo, que foi ministro de Portugal em Londres (1642-1646) e, mais tarde, embaixador na Holanda (1650-1651), e ainda por ter redigido o Mercurio Portuguez entre 1663 e 1666. Este artigo foi escrito por um historiador que se tem dedicado ao estudo dos jornais portugueses da época, o professor doutor Eurico Dias Gomes, para quem, o Mercurio Portuguez foi, na sua essência, um ‘tributo’ ao Soldado português.
Temos de seguida uma abordagem da Guerra da Restauração por espaços territoriais, com a Fronteira Mirandesa, da autoria do professor Jorge Pereira Araújo e o Baixo Alentejo tratado pela historiadora Emília Salvado Borges. Seguem-se depois artigos mais diretamente relacionados com a Guerra e as Batalhas; a Batalha do Montijo (1644), escrito a duas mãos por Manuel Cavaco e Lourenço Azevedo; o Combate de Arronches (1653), pelo historiador e professor Jorge Penim de Freitas; a Batalha das Linhas de Elvas (1659), pelo investigador João Moreira Tavares; e a Engenharia na Batalha de Montes Claros, pelo “engenheiro” José Paulo Berger.
Para o final os diretores reservaram as lutas e combates no Ultramar, tão maltratado e tão mal defendido pelos Filipes, desde a América até ao Oriente, passando por África. E aqui, o Brasil tem destaque com dois artigos: o primeiro, da autoria do Carlos Roberto Carvalho Daróz e da Ana Beatriz Ramos de Souza sobre “A Resistência nativa e a Guerra Irregular na primeira fase da insurreição Pernambucana”; e um segundo, da autoria de Hermes Barreto Gonçalves, sobre “Francisco Barreto [um dos maiores soldados de Portugal no século XVII] e seu papel militar na restauração do Brasil entre 1647 e 1654”. E finalmente, um artigo sobre “A Conquista de Angola 1648”, escrito pelo diretor e editor Abílio Lousada, relevando um evento liderado por Salvador Correia de Sá e Benavides (sem esquecer N’Ginga, a rainha da Matamba), com consequências enormes em termos da manutenção do Império, do reforço do comércio e da maior liberdade de ação na relação com outros atores para além dos Países Baixos.
E imediatamente antes do artigo já referido sobre “Um Museu da Restauração”, podemos ainda ler “A Restauração da Artilharia, nas Fortificações e nos Navios”, pelo “artilheiro” e historiador Pedro Marquês de Sousa.
Como cidadão, como Presidente da CPHM, e muito especialmente como “conjurado n.º 13” do Conselho Supremo da Sociedade Histórica da Independência de Portugal, tenho particular orgulho neste número da Revista Portuguesa de História Militar, que tal como os anteriores será disponibilizado aos portugueses em geral de forma digital, mas também e para memória futura, em papel aos autores e às diferentes bibliotecas.
Aos diretores da Revista, aos autores e ao conselho de redação (com especial destaque para o Jorge Rocha), os nossos sinceros agradecimentos, pois cumpriram uma das nossas prioridades, ao contribuírem significativamente para valorizar o contexto histórico-cultural nacional, muito para além da História Militar de Portugal.
Viva Portugal.
JOÃO VIEIRA BORGES
Major-General do Exército, Presidente da Comissão Portuguesa de História Militar.
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Como citar este texto:
BORGES, João Vieira – Editorial. Revista Portuguesa de História Militar - Dossier: Restauração Portuguesa (1640-1668). [Em linha] Ano V, nº 8 (2025); https://doi.org/10.56092/BJNI8921 [Consultado em ...].