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7 - O Combate de Arronches, 8 de Novembro de 1653 – Um Sobressalto na Rotina Militar da Raia
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O COMBATE DE ARRONCHES, 8 DE NOVEMBRO DE 1653

 

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Jorge Manuel Penim Carvalho de Freitas




Resumo

O combate da cavalaria portuguesa com a espanhola nos arredores de Arronches, em 8 de Novembro de 1653, teve origem numa operação de rotina da guerra de baixa intensidade na fronteira do Alentejo. Contra todas as expectativas, a vitória portuguesa iria ficar na História como um dos momentos mais significativos da Guerra da Restauração.

Palavras-chave: Guerra da Restauração; cavalaria; Arronches; 1653.

 

Abstract

The combat between Portuguese and Spanish cavalry in the environs of Arronches, on the 8th November 1653, started as a routine operation in the low-intensity warfare of the frontiers of Alentejo. Against all expectations, the portuguese victory would remain in History as one of the most significant moments of the War of the Portuguese Restoration.

Keywords: War of the Portuguese Restoration; cavalry; Arronches; 1653.

 

 

 

Introdução

[E]m o tempo daclamação de sua Mag[esta]de não ouve cousa que mais reputasão dese as armas de Portugal como esta" – assim se referiu o soldado Mateus Rodrigues ao combate travado em 8 de Novembro de 1653 nas proximidades de Arronches, no qual participou[1]. Na recapitulação dos muitos recontros onde esteve envolvido desde Setembro de 1641, sempre nas fronteiras do Alentejo, é de grande significado a importância que atribuiu ao combate, sobretudo porque Mateus Rodrigues também esteve presente na primeira batalha campal da guerra – Montijo, em 26 de Maio de 1644. O que deixou registado sobre a batalha e o sucedido nos dias subsequentes encontra-se nos antípodas da propagandística que logo saiu da prensa reclamando vitória (aliás, ambos os lados se declararam vencedores, cada qual com seus argumentos)[2]. Não será de estranhar, portanto, que para Mateus Rodrigues a inequívoca vitória portuguesa, a maior e mais importante até então alcançada, se deu quase uma década depois, naquele Outono de 1653.

Um outro memorial de natureza bem diferente coincide com a valoração atribuída pelo soldado de cavalaria, ao fixar o sucesso de Arronches na memória colectiva dos grandes enfrentamentos da Guerra da Restauração. D. João de Mascarenhas (2.º Conde da Torre e 1.º Marquês de Fronteira) destacou o combate, perpetuando-o num espaço nobre do seu palácio, nos painéis de azulejos da “Sala das Batalhas", a par de outros momentos relevantes do conflito onde ele próprio tomou parte.

Quando André de Albuquerque Ribafria saiu de Elvas à frente de uma força de cavalaria para empreender uma operação rotineira, nada fazia prever que estaria destinado a um sucesso de tamanha projecção. Uma combinação de acasos desembocou num confronto que o general da cavalaria desejava há algum tempo, mas não tinha planeado de antemão.

O objectivo principal deste estudo não é analisar em pormenor e numa vertente estritamente militar o combate de cavalaria que ocorreu nos arredores de Arronches. Para isso teria de ser alargado o fundo documental com a consulta de arquivos espanhóis, orientando a investigação num sentido mais específico. O propósito é compreender como um episódio recorrente nas fronteiras de guerra se transformou em marco perene da história militar portuguesa de Seiscentos, reconstruindo-o a partir do discurso das fontes narrativas, integrando-o nas condicionantes conjunturais do período e aferindo a sua real importância.

Fontes narrativas

Sobre o combate de Arronches existe um conjunto de narrativas coevas ou pouco posteriores ao acontecimento. Todas emergem do universo castrense, mas são diversas entre si quanto à origem social e cultural dos autores e ao propósito, conteúdo e forma de apresentação. Por ordem cronológica de elaboração, a primeira das quatro narrativas é a carta enviada a D. João IV pelo governador das armas da província do Alentejo, D. João da Costa, 1.º Conde de Soure[3]. Escrita quatro dias após o sucedido, na sequência de uma outra, muito breve, anunciando a vitória portuguesa, esta missiva descreve de forma pormenorizada os acontecimentos. Terá partido de um relatório do tenente-general da cavalaria Achim de Tamericurt e foi reproduzida com algumas diferenças de conteúdo na relação impressa, publicada pouco tempo depois[4]. Ainda que as alterações tivessem sido menores, a publicação pode considerar-se um segundo momento narrativo, dado que inclui informações complementares às expostas na carta do Conde de Soure. Em qualquer dos casos, está patente a perspectiva do comandante no terreno, com minúcia nos detalhes da organização, desdobramento das tropas e baixas sofridas. O terceiro relato surgiu pela pena do soldado Mateus Rodrigues. Dele sobressai a experiência pessoal do militar sem graduação que é simultaneamente elemento do estrato social mais baixo, tendo sido redigida cerca de um ano depois do combate[5]. Como em outras passagens das suas memórias, não está isenta de equívocos: por exemplo, Rodrigues confunde o nome de um oficial superior da cavalaria inimiga, trocando Bustamante por Mazacán. Contudo, é uma fonte imprescindível para o conhecimento aprofundado da operação, devido aos pormenores descritos por quem nela esteve envolvido. Por fim, a obra do Conde da Ericeira apresenta uma versão mais resumida do combate, mas não menos importante[6].

Do lado espanhol existe uma relação impressa que apresenta uma versão muito fantasiosa dos embates entre portugueses e espanhóis, situando-os em 5 e 6 de Novembro, tendo por objectivo ocultar o desaire de Arronches. Apesar de tudo, reconhece que “fue el choque más reñido y porfiado que ha sucedido en estas fronteras"[7].

1. A guerra de baixa intensidade

Findo o curto período de grandes movimentações militares sazonais no Alentejo e Extremadura espanhola, entre 1643 e 1646, a guerra de baixa intensidade assentou enquanto modo exclusivo de enfrentamento. Uma actividade bélica na qual cabia à cavalaria o papel primordial. As populações raianas sofriam a insegurança e a desorganização da vida económica, devido às incursões para pilhagem de gado, destruição de campos, casas e haveres. Na depredação assentava, em senso lato, o modus vivendi dos soldados profissionais e da oficialidade nobre ou plebeia. Tinha também uma função estratégica, porquanto o despovoamento de lugares e menor disponibilidade de recursos além-fronteira dificultava bastante o estacionamento prolongado de largos efectivos inimigos. Além das entradas de saqueio, outro objectivo comummente atribuído à cavalaria era montar emboscadas às unidades em guarnição nas praças e localidades, atacar colunas de abastecimento e obter informações (“tomar língua").

O exército português debatia-se com várias dificuldades para manter a cavalaria com capacidade operacional. A insuficiência de montadas e equipamento era um problema permanente. A manutenção das companhias cabia aos capitães que as comandavam, frequentemente a expensas próprias, embora ficasse a cargo da fazenda régia a reposição de montadas perdidas em combate. Escasseavam recursos humanos, pois a guerra não atraía os homens com obrigação de pegar em armas, qualquer que fosse o estrato social, e o número de combatentes experientes era muito reduzido. A cavalaria portuguesa do Alentejo, no período considerado, era qualitativamente inferior à espanhola e esteve quase sempre em desvantagem numérica.

No início da década de 50, o agravamento das finanças impôs medidas severas. Em Julho de 1652, o Príncipe D. Teodósio proibiu as entradas de pilhagem a partir da província do Alentejo, pois o que se obtinha com as incursões não compensava as extraordinárias despesas da fazenda régia. As outras operações de cariz estritamente militar continuaram a ser permitidas. O decreto foi revogado em Setembro, devido aos protestos da oficialidade acerca do inconveniente que a medida trazia para a subsistência dos soldados e a manutenção da força militar. Em Julho de 1653, o general André de Albuquerque remeteu ao Conselho de Guerra uma carta, na qual descrevia de forma muito detalhada a penúria e as dificuldades extremas de sustento dos soldados de cavalaria, que se repercutiam na economia local por causa das dívidas acumuladas junto dos moradores[8].

Todas estas contingências materiais devem ser levadas em consideração para se entender a importância dada ao desfecho do combate de Arronches. Acrescente-se um outro pormenor de natureza diferente, mas com peso na decisão de André de Albuquerque Ribafria procurar o inimigo e dar-lhe batalha: o conceito de honra. Após a morte do Príncipe D. Teodósio, em Maio de 1653, o Conde de Soure foi nomeado mestre de campo general e governador das armas da província do Alentejo e logo para ali partiu na companhia do general da cavalaria André de Albuquerque. Poucos dias após terem chegado a Elvas, uma incursão espanhola pilhou algumas cabeças de gado nos campos próximos, sem que André de Albuquerque tivesse conseguido recuperar a presa, dada a inferioridade numérica da cavalaria que comandava. Regressado à praça, foi repreendido publicamente pelo governador das armas, de quem ouviu que “era necessário, para não se degenerar dos antigos portugueses, seguir o exemplo de pelejar poucos contra muitos"[9]. O general não respondeu, mas terá interiorizado que só poderia redimir a humilhação pública através de uma futura demonstração de grande temeridade.

2. As operações de sexta-feira, 7 de Novembro

O tempo da redenção principiou a tomar forma no dia 6 de Novembro de 1653. Enquanto o Conde de Soure dava as suas ordens para que duas forças distintas entrassem em território inimigo, o napolitano Francisco de Tutavila y del Tuffo, Duque de San Germán, comandante do exército da Extremadura, procedia do mesmo modo, ordenando duas incursões em território português.

O capitão de cavalos Fernão de Mesquita devia partir de Portalegre com 5 companhias pagas e 4 de pilhantes daquele distrito militar, num total de cerca de 250 cavalos[10]. A sua missão: armar emboscadas às duas companhias de cavalos de Valência de Alcântara e de São Vicente. Segundo Mateus Rodrigues, o capitão tinha pedido autorização ao governador das armas e ao general da cavalaria para fazer esta entrada, com o fito muito particular de se apoderar de algum gado[11]. Quanto a André de Albuquerque, devia reunir todas as companhias pagas das principais praças – 12 de Elvas, 8 de Olivença (sob o comando do comissário-geral Duquesne) e 6 de Campo Maior (comandadas pelo capitão João da Silva de Sousa), totalizando cerca de 950 cavalos. Tinha como missão preparar uma emboscada à cavalaria da guarnição de Badajoz. As forças partiram dos respectivos pontos de concentração na noite de 6 para 7 de Novembro.

Da parte espanhola, o comissário-geral D. Cristóbal de Bustamante recebeu ordem para conduzir 18 companhias dos distritos militares de Alcântara e Albuquerque, totalizando cerca de 650 cavalos, numa incursão de pilhagem de gado a ser feita nas comarcas de Portalegre, Crato e Avis. Depois, devia seguir com a presa e reunir-se a outra força de 1.300 cavalos, proveniente de Badajoz sob o comando do tenente-general Juan de Lemos, Conde de Amarante, que o aguardaria algures entre Alegrete e Arronches na manhã de sábado, 8 de Novembro, após ter saqueado os campos daquela região.

Por um acaso da fortuna, os destacamentos de Fernão de Mesquita e de Bustamante iriam encontrar-se, dando origem ao primeiro dos combates entre a cavalaria portuguesa e a espanhola em dias sucessivos.

2.1. O combate entre Fernão de Mesquita e Bustamante

De início, a incursão de Fernão de Mesquita foi muito bem-sucedida. Percorreu sem oposição os campos nas proximidades de Valência de Alcântara e juntou uma boa presa de gado e cavalgaduras. As informações que recebeu de camponeses interrogados pelos caminhos foram animadoras: não havia cavalaria por aqueles lados, porque as tropas tinham-se deslocado para sul. Confiante, o capitão prosseguiu as pilhagens. Na tarde do dia 7, depois de reunir as unidades que tinham andado no saqueio, preparava-se para regressar a Portugal rumo a Castelo de Vide, quando os seus batedores avistaram uma força inimiga de cavalaria. Era o comissário-geral Bustamante, que tinha recebido aviso da entrada dos portugueses e partira em busca destes, adiando a sua missão original. Deixando a presa de parte, Fernão de Mesquita formou as suas tropas em 5 batalhões (formações tácticas), pronto para dar combate aos 6 batalhões que se encontravam dispostos pouco adiante e que constituíam a vanguarda de Bustamante[12]. O comissário-geral tinha escondido a segunda linha, mais numerosa, num barranco à retaguarda, ficando aí emboscado.

Ignorando a armadilha que lhe fora preparada, o capitão português deu ordem para carregar o inimigo. Aparentemente não houve lugar a uma descarga prévia de armas de fogo (carabinas ou pistolas), mas a um galope de espada na mão, o que aponta para a convicção de Fernão de Mesquita de que poderia resolver a contenda a seu favor se apostasse no ímpeto, dado que as forças lhe pareciam equiparadas. O choque quebrou os batalhões da vanguarda espanhola, pondo-os numa fuga desorganizada, sem que conseguissem romper o contacto com os portugueses. Quando as tropas assim misturadas se aproximaram do local onde Bustamante se encontrava, este deu ordem de ataque à cavalaria emboscada. A carga da segunda linha espanhola apanhou de surpresa os portugueses cujos batalhões, lançados na perseguição à rédea solta, tinham perdido a forma e coesão iniciais. Em combate estariam agora menos de 250 cavaleiros portugueses contra mais de 650 espanhóis. Nada podendo fazer para escapar da cilada em que tinham caído, restava lutar para tentar sobreviver ou vender cara a vida. E, de facto, foi bastante forte a resistência dos portugueses. No fim do combate caíram feridos e aprisionados 58 cavaleiros, entre os quais os capitães Fernão de Mesquita e Duarte Fernandes Lobo, 2 tenentes e 2 alferes[13]. As baixas podem ter sido superiores, pois o Conde de Soure não refere o número de mortos na sua carta. Segundo Mateus Rodrigues, foram capturados pelo inimigo 100 cavalos[14].

Apesar da derrota do destacamento de Fernão de Mesquita, as baixas infligidas ao inimigo terão sido importantes, sobretudo pelo número de oficiais que tombaram: 4 capitães mortos e 3 gravemente feridos, incluindo D. Álvaro de Luna, filho do Conde de Montijo. Ou seja, sete comandantes de companhia. O número total de mortos e feridos do lado espanhol não foi conhecido. Tendo perdido muitos oficiais e sofrido baixas que não esperava, mas satisfeito com a recuperação da presa, o comissário-geral Bustamante regressou a Valência de Alcântara com os prisioneiros e montadas capturadas. No dia seguinte lançou a incursão de que tinha sido incumbido pelo Duque de San Germán. Deste modo, não se reuniu no dia 8 com o destacamento do Conde de Amarante, como estava inicialmente previsto, o que terá sido decisivo para o desfecho do combate desse sábado.

2.2. A emboscada que não aconteceu

Na noite de 6 de Novembro, André de Albuquerque saiu de Elvas com a cavalaria paga daquela praça, bem como a de Olivença e Campo Maior. Aos soldados não foi dito onde iam, mas o facto de levarem apenas um penso de cevada para os cavalos fez supor que a jornada não seria demorada e que, provavelmente, iriam montar emboscada às tropas de Badajoz. Seguiram até à atalaia de Enxara, de onde se avistava, no outro lado do Caia, uma outra recentemente erigida pelo inimigo, a de D. Vasco. André de Albuquerque enviou o capitão Diogo de Mendonça com instruções para atravessar o Caia e posicionar-se abaixo da atalaia inimiga. Logo que os lavradores surgissem nos campos, devia lançar a sua companhia a pegar em tudo o que conseguisse. O grosso do destacamento permaneceria nos vinhedos da atalaia da Enxara, pronto a acorrer quando as tropas de Badajoz viessem em socorro dos paisanos.

Ao amanhecer, a companhia de Diogo de Mendonça estava desmontada e posicionada nuns barrancos, a cerca de 300 metros da atalaia, quando foi detectada pelas sentinelas, que logo dispararam as armas a dar aviso a Badajoz. Apesar de perdido o factor surpresa, André de Albuquerque ordenou que o capitão mantivesse a posição, continuando válidas as instruções dadas à partida até que recebesse ordem para se retirar.

Durante quase todo o dia estiveram assim dispostas as tropas portuguesas, sem que nenhum movimento se registasse do lado do inimigo. Mateus Rodrigues confessa que a demorada inacção enfadou os soldados, que já só pensavam no regresso a Elvas. O general da cavalaria, ajoelhado atrás de uma moita, perscrutava ao longe com um óculo e desesperava pela jornada empreendida ter sido em vão[15]. Ao fim da tarde, quando André de Albuquerque estava prestes a mandar recolher a companhia de Diogo de Mendonça e a dispersar as forças rumo às praças de origem, chegaram até ele três dos seus subordinados – o tenente-general Tamericurt e os comissários-gerais Duquesne e Rosières, veteranos franceses ao serviço de Portugal desde 1641. Levavam a informação de que tinha sido avistada cavalaria nos outeiros perto do forte de São Cristóvão, em Badajoz. Assumiram todos que se tratava da cavalaria daquela praça e que as tropas portuguesas tinham sido descobertas; e que se ali estavam os espanhóis era porque intentavam sair ao caminho das companhias da guarnição de Campo Maior, quando estas marchassem de regresso aos alojamentos.

André de Albuquerque concordou com este raciocínio e decidiu tirar partido disso. Ao invés de proceder à dispersão das tropas, encaminhou todo o dispositivo para Campo Maior, na esperança de surpreender o inimigo. O general desconhecia, porém, que o destacamento comandado pelo Conde de Amarante já tinha entrado em Portugal nesse mesmo dia 7, progredindo entre Ouguela e Campo Maior e avançando depois para Alter, pilhando e roubando, antes de se dirigir aos campos de Arronches e Assumar. Só faltavam as 6 companhias de cavalos de Talavera que se lhe deviam juntar mais tarde, perto de Arronches (tal como estava inicialmente previsto que as tropas de Bustamante fizessem). Foram estas que os batedores portugueses avistaram junto ao forte de São Cristóvão.

Quando caiu a noite, o destacamento tomou o caminho de Campo Maior, sempre ao longo do rio Caia. O general enviou um mensageiro a Elvas, informando o Conde de Soure das suas intenções. O tempo permanecia seco e o luar iluminava os campos. Já nas proximidades da vila, numa atalaia, defrontaram-se batedores portugueses e espanhóis. Ouvindo os tiros de aviso, André de Albuquerque mandou formar em batalha e enviou um tenente com 50 batedores para procurar o inimigo. Permaneceram as tropas formadas até que o oficial regressou com a notícia de que não havia qualquer força inimiga no caminho. Com um sentimento de frustração, o general mandou todo o destacamento pernoitar em Campo Maior. Depois de alimentarem as montadas, os soldados acomodaram-se como puderam na vila, a maior parte dormindo nas ruas[16]. André de Albuquerque recebeu alguns reforços de Elvas com uma mensagem do Conde de Soure, informando-o acerca do que sucedera a Fernão de Mesquita e ordenando que procurasse o inimigo[17].

3. As operações de sábado, 8 de Novembro

Na noite de 7 para 8, as companhias de Talavera tinham passado a meia légua de Campo Maior sem serem avistadas (e também sem terem avistado os portugueses). O rasto foi detectado de madrugada, na estrada para Arronches, pelos batedores que faziam o reconhecimento prévio à saída das tropas acantonadas em Campo Maior. Avisado André de Albuquerque, logo com grande alvoroço de trombetas mandou acordar os soldados e correu as ruas a aprestá-los a partir. Tomando a via de Arronches, decorrida uma légua deram com o trilho de numerosos cavalos, o que fez apressar ainda mais o general[18]. O seu contentamento cresceu quando veio ao seu encontro um furriel com uma carta do governador de Arronches, na qual se avisava que a cavalaria inimiga andava a pilhar nos matos entre aquela vila e Assumar e que, apesar de não se saber ao certo o número, havia informação de que seriam 600. O furriel ia entregar a carta a Elvas, mas quis o acaso que se cruzasse com a cavalaria portuguesa.

O destacamento prosseguiu até Arronches, saindo aí da estrada e entrando na zona de matagal. Os habitantes da vila saudaram os militares, afirmando que da muralha avistavam o inimigo a meia légua e que não seriam mais de 600. Depois de formar a cavalaria em batalha, o general adiantou-se a uma elevação, de onde descortinou por fim as tropas espanholas a um quarto de légua (cerca de 1.200 metros). Um grupo de batedores estava adiantado ao corpo principal da cavalaria, o qual se encontrava desorganizado e semi-encoberto por denso azinhal. Alertados pelos batedores, de pronto começaram a sair do azinhal para uma posição mais propícia: uma extensão de campos lavrados, sem arvoredo, onde formaram em batalha. Foi no decurso destes preparativos que os soldados portugueses puderam constatar, com preocupação, que se encontravam em inferioridade numérica[19].

André de Albuquerque fez o habitual discurso de incitamento às tropas e as necessárias recomendações: manter o silêncio e a formação cerrada nos batalhões até ao choque com o inimigo. Devoto da Virgem da Conceição, nela depositou a fé na vitória e declarou que o nome da Virgem serviria de contra-senha a usar no calor da batalha, quando os combatentes se confundissem. Depois, colocou a cavalaria em marcha através do matagal de carrascais e estevais, rumo aos campos lavrados. Já estavam a poucos metros do inimigo (“a tiro de pistola") quando se descobriu que o dispositivo espanhol beneficiava da protecção de grandes valados pela frente e pelos flancos, “que os não podia saltar hum cauallo". André de Albuquerque mandou fazer alto. Dada a proximidade entre as forças, principiou uma troca de tiros a coberto dos valados com pistolas e carabinas, que se prolongou por cerca de três horas[20].

A escaramuça foi momentaneamente interrompida por um singular episódio narrado por Mateus Rodrigues. De acordo com o soldado de cavalaria, testemunha privilegiada, André de Albuquerque trocara o vestuário que usava com o seu pajem, “para ficar desconhecido porque hum general em huma batalha ou em choque não há de leuar insígnia nenhuã de general"[21]. Foi este pajem que aceitou o desafio proposto, a dada altura, por um cavaleiro espanhol, numa bravata típica da mentalidade militar do período. Dizia o militar espanhol que desafiava quem se lhe quisesse opor em combate singular à espada, garantindo que nenhum tiro seria disparado enquanto se travasse o duelo. Houve quem se prontificasse a aceitar, mas André de Albuquerque a todos proibiu, excepto ao seu pajem Luís Pereira. O duelo foi breve: o espanhol lançou-se sobre o pajem, mas o estoque não conseguiu penetrar a couraça que Luís Pereira usava ocultada sob a casaca do seu general; logo recebeu uma estocada do pajem que o feriu mortalmente, pois não trazia outra protecção que a casaca de couro. O pajem juntou-se de imediato ao seu exército e o tiroteio recomeçou.

3.1. O combate de Arronches

Vendo que os portugueses não iriam atacar, os tenentes-generais Conde de Amarante e Ibarra, primeiro e segundo no comando da cavalaria espanhola, decidiram que era tempo de retirar. Receavam que chegasse alguma infantaria de reforço ao inimigo, dado que os campos lavrados se encontravam rodeados de denso matagal onde seria possível ocultar tropas apeadas. Por esta altura já seria do seu conhecimento que o destacamento de D. Cristóbal de Bustamante não se lhes juntaria. Foram retirando em boa ordem, batalhão a batalhão, iniciando a progressão através de densos azinhais e estevais.

Os portugueses seguiram o inimigo numa marcha paralela. Quando desembocaram em terreno mais descoberto, avistaram a cavalaria espanhola desdobrada em formação de batalha num azinhal. Logo André de Albuquerque fez o mesmo, organizando os 950 homens em 11 batalhões: 6 na vanguarda, sob o seu comando e dos comissários-gerais Duquesne e Rosières, e 5 de reserva na retaguarda, a cargo do tenente-general Tamericurt. A divisão do efectivo total da cavalaria pelos batalhões aponta para a composição mais usual desta formação táctica: 80 cavaleiros, com 4 fileiras de profundidade a 20 homens de frente[22]. A cavalaria espanhola, cerca de 1.300 homens, formou em 15 batalhões, 7 na vanguarda sob o comando do tenente-general Conde de Amarante e 8 na retaguarda/reserva, sob o comando do tenente-general Ibarra (dois destes eram compostos por cavalaria miliciana; colocados em cada flanco, não chegaram a entrar em acção, mas terão sido os primeiros a pôr-se em fuga na fase final do combate). Os batalhões espanhóis eram “muito grossos" – ou seja, mais densos que o habitual. A média aponta para 87 homens por batalhão, praticamente a mesma que a da cavalaria portuguesa, mas é plausível que os batalhões da vanguarda tivessem sido reforçados, compreendendo 5 ou 6 fileiras de profundidade[23].

Entretanto tinham chegado de Arronches duas companhias de infantaria da Ordenança daquela vila, com 90 homens sob o comando dos capitães Baltasar Pereira Castelo Branco e João da Ponte. André de Albuquerque ordenou que se posicionassem nos flancos da vanguarda: uma companhia a coberto dos matos, a outra numa horta murada e coberta de azinheiras. Apoiando os mosquetes no muro, os soldados começaram a disparar salvas sobre a cavalaria espanhola. A presença dos atiradores gerou inquietação no comandante espanhol, pois temia a chegada de um reforço mais substancial de infantaria. Decidiu resolver a contenda quanto antes e mandou carregar sobre a cavalaria portuguesa: “Eia! Boto a Cristo! Cierra com ellos, valerosos españoles!" – assim descreveu Mateus Rodrigues a ordem gritada pelo Conde de Amarante[24]. É provável que a tivesse ouvido, pois a sua companhia estava na vanguarda e, como veterano, ele devia fazer parte de uma das fileiras da frente.

Mateus Rodrigues recorda o avanço do inimigo: “paresia que uinha comendo a terra com tam grande furia que trasia". A vanguarda espanhola estava “mui reforsada de gente lustrosa e soldados uelhos e reformados; que metia medo"[25] . Enquanto o inimigo se aproximava, o general André de Albuquerque adiantou-se à sua vanguarda e virando-se para suas as tropas, exortou-as: “Eia! Famosos portugueses, valor do mundo! Aqui consiste o remédio de Portugal e sobretudo nossas vidas, vendê-las como honrados. Aqui está o vosso general diante de vós, que primeiro o haveis de ver oferecer!"[26].

O que se seguiu foi um combate característico da cavalaria de Seiscentos. Antes de chegarem ao choque com os portugueses, os espanhóis dispararam as armas de fogo – carabinas e uma das pistolas – provocando algumas baixas, mas sem desorganizar os batalhões que os esperavam, os quais permaneceram imóveis, de espada na mão. O ímpeto da carga esbarrou na firmeza da vanguarda portuguesa, que não quebrou no choque, nem no corpo-a-corpo que se seguiu[27]. Um dos primeiros a cair foi o general André de Albuquerque, derrubado do cavalo com vários ferimentos. Na fase do corpo-a-corpo caiu morto o Conde de Amarante, o que lançou o desânimo entre as suas tropas. Romperam o contacto e dirigiram-se em fuga para a sua retaguarda. Toda a vanguarda portuguesa se lançou na perseguição, ficando os batalhões descompostos.

Quando as tropas espanholas acabaram de passar pelos intervalos dos batalhões da retaguarda/reserva, para se reorganizarem a coberto desta, o tenente-general Ibarra mandou contra-carregar a cavalaria portuguesa que ia lançada à rédea solta. Após o choque inverteram-se os papéis: os perseguidores quebraram e passaram a ser perseguidos. Foi nesta ocasião que os portugueses sofreram mais baixas e em que provavelmente o próprio Mateus Rodrigues foi ferido (“me ui com poucas esperansas de uida; e a bem liurar sai com os queixos quebrados de que pasei bom trabalho primeiro que sarase")[28]. Mas Ibarra mandou fazer alto e esperou que as tropas que haviam participado no primeiro ataque se reorganizassem, a fim de as conduzir, juntamente com a reserva, a novo embate com o inimigo. Esta pausa favoreceu os batalhões da vanguarda portuguesa, que depois da fuga lograram reorganizar-se atrás da reserva, reforçando-a.

A carga da cavalaria espanhola esbarrou de novo na firmeza dos batalhões comandados pelo tenente-general Tamericurt, cujas fileiras cerradas aguardaram o embate de espada na mão. No combate corpo-a-corpo foi impossível quebrar a resistência da cavalaria portuguesa. O tenente-general Ibarra decidiu romper o contacto e bater em retirada, que se precipitou em fuga desordenada. A cavalaria portuguesa lançou-se de novo em perseguição, segura de que pela frente não havia mais tropas em reserva. O móbil dos soldados passou a ser então a rapinagem dos vencidos: retirar aos mortos e feridos peças de equipamento e vestuário, botas, alguns valores, além da apropriação das montadas. Segundo Mateus Rodrigues, o combate principiou pelas três horas da tarde e não terá chegado a durar uma hora, sempre com grande intensidade. A perseguição dos fugitivos prolongou-se para lá do anoitecer, tendo os últimos militares recolhido a Arronches pelas duas horas da noite.

3.2. Rescaldo

Existe uma pequena diferença entre o número de baixas dos portugueses mencionado por D. João da Costa e o apresentado na relação impressa. Mas, pelo facto desta incluir informações adicionais, foi a que se tomou para as estatísticas. Houve 179 baixas entre os portugueses: 40 mortos e 139 feridos (alguns viriam a morrer dos ferimentos, como o comissário-geral Rosières, atingido por um tiro de pistola no rosto; este oficial foi incluído nos óbitos na obra impressa). Isto corresponde a cerca de 19% do efectivo inicial. As baixas nas unidades da vanguarda foram bastante elevadas: 57% do total, sendo o número de mortos contabilizados na vanguarda (24) correspondente a 60% do total de óbitos. As companhias que mais baixas tiveram foram as do tenente-general Tamericurt, comandada pelo seu tenente André Gatino (19), posicionada na retaguarda, e a do capitão D. João da Silva (16), que fazia parte de um batalhão da vanguarda. A companhia de Mateus Rodrigues, uma das mais antigas do Alentejo, era comandada pelo capitão Francisco Pacheco Mascarenhas e tinha como tenente Feliciano Gomes, irmão do memorialista[29]. Registou 7 baixas – um morto e seis feridos, entre os quais o próprio Mateus Rodrigues e o seu capitão. Integrou um dos batalhões da vanguarda.

A perda mais importante foi o general André de Albuquerque Ribafria, caído com uma estocada no lado esquerdo e um ferimento no rosto, mas bastante maltratado por ter sido pisado pelos cavalos de ambos os exércitos nas idas e vindas das cargas e contra-cargas. Sem dar acordo de si, sujo e ensanguentado, ficou quase irreconhecível após o combate. Chegou a ser despojado dos seus haveres pelo trombeta da sua própria companhia da guarda, o que parece corroborar o episódio da troca de vestuário com o pajem. Por fim, alguns oficiais deram com ele e foi levado inanimado para Arronches, tal como outros feridos. Sobreviveu, mas passou por um longo período de convalescença, sem poder montar a cavalo.

Do lado espanhol foram contabilizados 186 mortos no campo de batalha. Rodrigues menciona 500 prisioneiros, todos com ferimentos, número próximo do apontado por D. João da Costa. Ericeira refere que foram capturados mais de 700 cavalos, logo transferidos para as companhias portuguesas. Foram perdas muito pesadas, podendo estimar-se em cerca de 40% do efectivo inicial. Entre os mortos mais importantes contou-se o comandante-em-chefe, tenente-general Juan de Lemos, Conde de Amarante, e o capitão D. Guilherme de Tutavila, sobrinho do Duque de San Germán.

Muitos feridos acabaram por morrer no campo de batalha, ficando expostos ao frio, pois tinham sido despidos pelos inimigos, que lhes tomavam o que fosse utilizável: peças de equipamento, roupa, botas; “todos nus e ao ar com as feridas e mal curados que era huã lastima o uer aquillo"[30]. O Conde de Soure, logo que tomou conhecimento do combate, enviou a Arronches médicos e cirurgiões para acudir aos militares feridos de ambos os lados. Ericeira refere que oficiais espanhóis prisioneiros protestaram contra o tratamento impiedoso a que estavam sujeitos os seus feridos. Porém, justifica que, espanhóis ou portugueses, tinham de permanecer despidos, porque tal era necessário ao tratamento das feridas com “óleo de ouro"[31]. Os mortos foram sepultados no local do combate por clérigos de Arronches, uma vez que não os podiam transportar para a vila, que ficava a meia légua de distância (aproximadamente 2 quilómetros).

Conclusão

A divulgação da vitória obtida pela cavalaria portuguesa teve como principal veículo a relação impressa, ainda que o caudal de publicações sobre os acontecimentos bélicos nas fronteiras já não fosse tão intenso como na primeira década do conflito. A evocação do triunfo e a sua fixação no imaginário da época emerge sobretudo do próprio universo militar, salientando-se os seguintes aspectos:

a) O acontecimento permitiu apagar um certo “complexo de inferioridade" que à época ainda afligia a cavalaria portuguesa. O receio da congénere espanhola, sobretudo em acções que envolviam um maior número de efectivos ou armas combinadas, está patente em documentos que transitavam pelo Conselho de Guerra e em disposições que amiúde procuravam melhorar o estado da cavalaria portuguesa. O próprio Mateus Rodrigues confessa nas suas memórias esses “grandes medos" que o afligiam e aos seus camaradas, sobretudo na década de 40.

b) No combate esteve presente toda a cavalaria paga – ou seja, do exército profissional e permanente – da província do Alentejo, batendo-se contra um inimigo numericamente superior. O risco de derrota e suas consequências era elevado, pois colocaria em perigo todo o sistema defensivo da província e eventualmente do reino. Mas resultou no desbaratar da cavalaria espanhola e morte do seu comandante – daí ser de imediato considerado o maior feito de armas dos portugueses desde o princípio da guerra.

c) André de Albuquerque Ribafria saiu da contenda com a aura de herói (Mateus Rodrigues não lhe poupa elogios, dedicando as suas memórias ao “famoso General da Caualaria Andre de Albuquerque alcaide mor de Sintra e senhor de Riba Fria")[32]. Ao contrário de grande parte da oficialidade nobre, que corria para Lisboa e lá se demorava sem autorização após cada acção militar em que participava, a fim de requerer os seus benefícios, André de Albuquerque raramente visitava a Corte. Não desprezava – muito pelo contrário – as mercês e acrescentos que lhe eram concedidos, mas o seu território era a zona de guerra[33]. Temerário ao ponto de motivar as tropas pelo exemplo pessoal, expôs-se na vanguarda em posição que não competia ao comandante-em-chefe e quase pagou com a vida essa emulação de Gustavo Adolfo em Lützen – aliás, a temeridade acabaria por lhe ser fatal anos mais tarde, na batalha das Linhas de Elvas. É provável que tivesse sentido a reputação beliscada pela reprimenda do Conde de Soure meses antes e quisesse afastar essa mácula, mesmo com o risco da própria vida, o que se enquadra perfeitamente na mentalidade da nobreza militar da época e do universo castrense em geral. Mas também pode ter considerado que seria a forma mais apropriada de encorajar os seus homens a combater contra um inimigo mais numeroso.

Se não tivesse ocorrido o combate no dia anterior entre as forças de Fernão de Mesquita e do comissário-geral Bustamante e caso este se tivesse juntado às tropas do Conde de Amarante, o desfecho de Arronches poderia ter sido muito diferente. O imprevisto faz parte da vida e da guerra. Ou, como escreveu o soldado de cavalaria que haveria de tomar o hábito de frade, “foi auxilio do ceo"[34].

Durante alguns meses a iniciativa passou para o lado português, beneficiando da vantagem em cavalaria. Essa fase culminou com a tomada de Oliva em Janeiro de 1654, numa operação que movimentou efectivos muito superiores à da jornada de Arronches. A vantagem foi, no entanto, episódica. Nesse mesmo ano, André de Albuquerque voltaria a alertar o Conselho de Guerra para as dificuldades de sustento dos soldados e conservação das montadas, num retorno aos problemas materiais que afligiam a cavalaria portuguesa. Todavia, a memória da vitória em Arronches perduraria como factor de moralização daquela força militar, elevando a confiança nos combates com o inimigo, mesmo em desvantagem numérica.

 


Bibliografia

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_____________________ – Entre a espada e a pena: as “Regras Militares da Cavalaria Ligeira" de D. João de Azevedo e Ataíde. s/l: Edições MnIAC, 2023.

Manuscrito de Matheus Roiz. Transcrição do original [Campanha do Alentejo (1641 1654), Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, cód. 3062], dactilografada e paginada pela paleógrafa D. Maria Vaz Pereira. Lisboa: Arquivo Histórico Militar, 1952 (1.ª div., 2.ª secç., cx. 3, n.º 2).

Relaçam da vitoria qve alcançov do castelhano, Andre de Albuquerque General da Cauallaria, & Alcayde mór de Sintra, entre Arronches, & Asumar, em 8 de Nouembro deste presente anno de 1653. Em Lisboa. Na Officina Craesbeeckiana anno de 1653.

Relación verdadera de la famosa victoria que han tenido las Armas de Su Magestad (Dios le guarde) contra las del tyrano Duque de Bergança en las dos refriegas que hubo a cinco y feis de nouiembre defte año de 1653. Sevilla: Iuan Gómez de Blas, 1653.

SANTO, Gabriel Espírito – A Grande Estratégia de Portugal na Restauração 1640-1668. Lisboa: Caleidoscópio, 2009. 

TEODORO, Álvaro Meléndez – Apuntes para la Historia Militar de Extremadura. Badajoz: 4 Gatos, 2008.



NOTAS

[1] Manuscrito de Matheus Roiz, p. 335.

[2] A este respeito sublinhe-se que a versão do soldado é comprovada pelo sentido geral de um conjunto de documentos oficiais produzido nas semanas e meses seguintes, os quais revelam a impreparação do exército português (em particular da cavalaria, que seria sujeita a diversas reformas) para operações de maior envergadura, contrastando com a composição laudatória das relações impressas.

[3] Livro 2.º do Registo das Cartas dos Governadores das Armas (1653-1657), pgs. 27-34, carta do Conde de Soure para D. João IV, 12 de Novembro de 1653. Os efectivos mencionados pelo Conde de Soure foram tomados como os mais seguros, em detrimento de ligeiras diferenças mencionadas em outras fontes. O painel de azulejos da “Sala das Batalhas" apresenta na legenda 800 portugueses e 1.200 espanhóis.

[4] Relaçam da vitoria qve alcançov do castelhano, Andre de Albuquerque General da Cauallaria, & Alcayde mór de Sintra, entre Arronches, & Asumar, em 8 de Nouembro deste presente anno de 1653. Em Lisboa. Na Officina Craesbeeckiana anno de 1653.

[5] O que se depreende pela seguinte passagem: “[…] ficou o noso famoso general muito maltratado […] e ainda oje tem hum braso mao a hum ano […]"; Manuscrito de Matheus Roiz, p. 353.

[6] ERICEIRA, Conde da, Historia de Portugal Restaurado, pp. 411-416.

[7] Relación verdadera de la famosa victoria que han tenido las Armas de Su Magestad (Dios le guarde) contra las del tyrano Duque de Bergança en las dos refriegas que hubo a cinco y feis de nouiembre defte año de 1653. Sevilla, Iuan Gómez de Blas, 1653. Entre muitíssimas imprecisões e fantasias, refere que o tenente-general Tamericurt foi ferido e aprisionado no decurso do combate com a cavalaria de Bustamante e que André de Albuquerque foi morto no combate de Arronches.

[8] Livro 2.º…, pp. 12-13, carta de André de Albuquerque Ribafria, de 30 de Julho de 1653, a propósito da restituição (por ordem régia) da presa indevidamente tomada aos moradores da povoação espanhola do Cerro e cujo valor devia ser abatido ao soldo dos militares.

[9] ERICEIRA, Conde da, Historia de Portugal Restaurado, p. 410.

[10] Pilhantes: cavalaria miliciana, equiparada à da Ordenança ou de Auxiliares, mas composta por voluntários montados em cavalos próprios, cuja principal motivação estava na raiz da designação daquelas unidades. Mesmo quando comandados por capitães da cavalaria paga, era notória a indisciplina dos pilhantes.

[11] Manuscrito de Matheus Roiz, pp. 355-356.

[12] Uma companhia podia bastar para formar um batalhão, ou seja, para se dispor no terreno formada a três fileiras de profundidade, à maneira sueca, ou a quatro ou mais, tendo uma frente de 20 elementos (ou ligeiramente superior, quando necessário). No caso das companhias se apresentarem desfalcadas, o batalhão juntava elementos de duas ou mais companhias.

[13] Três companhias pagas eram comandadas pelos respectivos tenentes, estando os capitães ausentes: as de Manuel de Mendonça, André de Azevedo e D. Fernando da Silva; Livro 2.º…, p. 29.

[14] Idem, pg. 29; Manuscrito de Matheus Roiz, p. 358.

[15] Manuscrito de Matheus Roiz, p. 339.

[16] “[…] que bem mao comodo tiuemos em rezão de ser ia meia noite e ningem se queria erger abrir suas portas"; idem, p. 341.

[17] Provavelmente tratar-se-ia de oficiais e soldados que se encontravam ausentes ou indisponíveis à partida do contingente no dia anterior e que o governador das armas reunira e despachara para Campo Maior. Entre eles encontrava-se o capitão D. Fernando da Silva, cuja companhia integrara o destacamento de Fernão de Mesquita, comandada pelo seu tenente.

[18] “[…] hiamos a meia rédea e as ueses a toda a rredea"; Manuscrito de Matheus Roiz, p. 343.

[19] É provável que os números referidos pelos arronchenses e mencionados por Mateus Rodrigues se reportassem ao destacamento de Talavera, que passara nas imediações da vila a caminho do ponto de reunião com as tropas do Conde de Amarante, as quais tinham andado em pilhagens mais a norte. 

[20] Manuscrito de Matheus Roiz, p. 346. O relato de Mateus Rodrigues difere das outras fontes, que mencionam a primeira posição dos espanhóis como a definitiva. No entanto, dada a sequência dos acontecimentos, parece mais plausível que se tenha passado como o soldado descreve. O terreno difícil que favorecia o inimigo na primeira posição terá servido a Tamericurt, ao reportar o sucedido ao Conde de Soure, para dar mais brilho à vitória, apresentando esse local como palco do combate.

[21] idem, pp. 345-346. Na organização militar da época o pajem correspondia, grosso modo, a um ordenança de tempos posteriores, embora frequentemente fizesse parte da clientela particular de um oficial nobre (por exemplo, um seu criado).

[22] A divisão de 950 por 11 dá 86,3, mas convém esclarecer que os oficiais generais e superiores não se integravam nos batalhões, bem como outros oficiais às ordens e os trombetas.

[23] De facto, 86,6 por batalhão. Veja-se a nota anterior. O efectivo total dos espanhóis é especulativo, baseando-se na informação que chegou ao Conde de Soure através dos prisioneiros. Mateus Rodrigues menciona 1.200 cavaleiros. Cf. Livro 2.º…, pg. 29 e Manuscrito de Mateus Rodrigues, p. 358.

[24] No original: “hea boto cristo sierra com elhos ualerosos espanholhes"; Manuscrito de Mateus Rodrigues, pg. 350. Sublinhe-se a utilização do termo “espanhóis" pelo comandante.

[25] Idem. O termo “reformado" designa todos os militares que se realistavam, na maior parte veteranos cujas unidades tinham sido desmobilizadas.

[26] No original: “hea famosos portugeses ualor do mundo aqui comsiste o remedio de Portugal e sobre tudo nosas uidas uendellas como onrrados aqui esta o uoso general diante de uos que primeiro o aueis de uer ofereser"; ibidem, pp. 350-351.

[27] Pelo menos a primeira fileira de uma companhia, ou batalhão quando em formação de batalha, devia ser constituída por soldados veteranos. Os inexperientes integrariam as restantes fileiras. O sucesso de um combate dependia frequentemente do comportamento da primeira linha.

[28] Manuscrito de Mateus Rodrigues, p. 335. Mateus Rodrigues não explica como foi ferido e em que momento, mas pela narrativa pode concluir-se, com alguma segurança, ter sido nesta fase do combate.

[29] Foi levantada pelo capitão D. João de Azevedo e Ataíde em 1641. A companhia foi entregue a Francisco Pacheco Mascarenhas quando o seu comandante, então comissário-geral, se retirou do exército em 1647. Cf. FREITAS, Jorge Penim de, Entre a espada e a pena: as “Regras Militares da Cavalaria Ligeira" de D. João de Azevedo e Ataíde.

[30] Manuscrito de Matheus Roiz, p. 353.

[31] O “óleo de ouro", que é mencionado com alguma frequência nos documentos da época, era uma mistura de cimas de hipericão floridas, trigo limpo, raiz de valeriana, cardo santo, vinho branco, azeite velho, tormentina fina e incenso. Cf. BORGES, Emília Salvado, A Guerra da Restauração no Baixo Alentejo (1640-1668), pp. 449-450.

[32] Manuscrito de Matheus Roiz, p. 2.

[33] Cf. COSTA, Fernando Dores, A Guerra da Restauração 1641-1668, p. 117.

[34] Manuscrito de Matheus Roiz, p. 360.



Jorge Manuel Penim Carvalho de Freitas

Mestre em História Moderna. Prémio Defesa Nacional 2004. Membro efectivo do Conselho Científico da Comissão Portuguesa de História Militar. Autor da obra “O Combatente durante a Guerra da Restauração. Vivência e comportamentos dos militares ao serviço da coroa portuguesa. 1640-1668”, Lisboa, Editora Prefácio, 2006.


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Como citar este texto:

FREITAS, Jorge Manuel Penim Carvalho de  – O Combate de Arronches, 8 de Novembro de 1653 – Um Sobressalto na Rotina Militar da Raia. Revista Portuguesa de História Militar – Dossier: Restauração Portuguesa (1640-1668)​. [Em linha] Ano V, nº 8 (2025​); https://doi.org/10.56092/BYXK6770 [Consultado em ...].​


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