
Emília Salvado Borges
Resumo
Este artigo aborda o impacto da Guerra da Restauração nas terras e nas populações das Comarcas de Beja e de Campo de Ourique, onde o conflito se caracterizou por sistemáticas razias e pilhagens, que instalaram o medo e desmantelaram as estruturas económicas dos povoados. Relata ainda o quanto foi exigido a estas populações para o esforço de guerra, em homens, cereais, carros, animais, alojamentos, dinheiro e trabalho e como isso contribuiu para a decadência da Província.
Palavras-chave: Guerra da Restauração; Baixo Alentejo.
Abstract
This article addresses the impact of the Restoration War on the lands and populations of the Comarcas of Beja and Campo de Ourique, where the conflict was characterized by systematic raids and pillage, which instilled fear and dismantled the economic structures of the villages. It also reports on the demands made on these populations for the war effort, in terms of men, grain, cars, animals, housing, money and labor, and how this contributed to the decline of the Province.
Keywords: Restoration War; Lower Alentejo.
Introdução
A Guerra da Restauração tem sido, ao longo do tempo, objecto de vários estudos e de diferentes tipos de abordagens, sobretudo as que se centram sobre os aspectos propriamente militares, estratégicos e políticos do conflito, estudando-a, quase sempre, a partir do centro político, em detrimento de análises centradas nas realidades locais e de outros factores que também influem de forma profunda e mesmo decisiva no desenrolar da guerra, como sejam os aspectos sociais e económicos e os efeitos sobre as populações. No nosso estudo sobre a Guerra da Restauração[1] estudámos essa guerra nas suas múltiplas abordagens, cruzando os aspectos militares do conflito com os dados económicos, sociais e políticos para obtermos uma visão mais abrangente. Centrámo-nos numa região periférica, e nunca estudada, da grande província transtagana – o Baixo Alentejo – procurando entender de que modo as terras de fronteira e as terras da retaguarda das comarcas de Beja e de Campo de Ourique foram, igual ou diferenciadamente, afectadas pelo conflito. O nosso estudo situa‑se na intersecção de dois grandes interesses: o da temática da Restauração e o da nossa assumida opção historiográfica de olhar as questões nacionais, não a partir do centro, mas sim da periferia e de trazer à ribalta os homens comuns, as gentes que, normalmente, permanecem nas sombras da História. Mesmo que não possamos ignorar o papel fundamental das nobrezas locais e dos fidalgos, alguns dos quais responsáveis pelo golpe de 1 de Dezembro de 1640, não sendo despiciendo que, pelo menos nove dos conspiradores e dos Aclamadores, sejam oriundos da comarca de Beja ou a ela tenham profundas ligações, trazemos à ribalta as populações civis do Baixo Alentejo, que, literalmente, alimentaram o exército do Alentejo com gente e com pão.
1. A guerra inevitável: levas, alistamentos e deserção
Desde a Aclamação de D. João IV que se sabia que o rei de Espanha não aceitaria a rebeldia portuguesa sem lhe dar adequada resposta. A previsível inevitabilidade de um conflito bélico e a inexistência de exército permanente, mostrou a necessidade de formá‑lo. Esperava‑se que os Portugueses acorressem, voluntariamente e em massa, a alistar‑se. Porém, nas povoações do Baixo Alentejo nunca houve voluntários em número suficiente e, por isso, foi sempre necessário lançar mãos das listas das Ordenanças, existentes em todas as Câmaras, para arranjar o número de homens necessários[2].
As levas de soldados começaram logo, poucos dias após a Aclamação de D. João IV. Entre 1640 e 1668, há, pelo menos, oitenta e três levas ou alistamentos documentados, nas comarcas de Beja e de Campo de Ourique[3]. O levantamento de homens para a guerra não era situação nova nas comarcas alentejanas. Se nos reportarmos ao domínio filipino, encontramos referências, na documentação camarária de Beja, a levas de gente para as armadas, para o Brasil, ou para a Índia, mas o número de homens levantados era diminuto[4]. Se pensarmos que após a Restauração, as levas de homens passaram a ser da ordem das centenas e mesmo dos milhares[5], perceberemos que, para os povos, nada melhorou após a Aclamação. Antes pelo contrário.
As ocasiões das levas eram, inevitavelmente, momentos de grande tensão para as populações, até porque os comissários encarregados das mesmas varriam literalmente os povoados, levando consigo quase todos os homens. Nalguns casos, o número de homens levados para a guerra era de tal modo excessivo que, nos lugares, só ficavam os velhos, os isentos, as mulheres e as crianças. Foi, por exemplo, o caso da leva feita, em 1643, por D. Francisco de Sousa, quando levou de Beja e da sua comarca 1500 homens, deixando Beja praticamente sem gente[6]. Para aliviar as populações, as autoridades locais tinham de estar muito atentas aos excessos do recrutamento e daí advieram muitos conflitos institucionais entre autoridades civis e autoridades militares.
Para além dos soldados pagos levantados nas duas comarcas do Baixo Alentejo, foram ainda constituídas companhias milicianas de infantaria e de cavalaria, quer dos Auxiliares quer das Ordenanças. Em 1647, existiam, em Beja, 21 companhias de Auxiliares de infantaria, envolvendo cerca de 2000 homens, da cidade e das freguesias do seu termo, a que se juntavam as companhias de cavalos e de éguas: em 1644, 5 companhias de cavalos com 424 homens e, em 1652, mais 3 companhias de éguas com 190 homens. Também em Moura, Serpa e Mértola, se formaram, quase sempre por vontade dos moradores, companhias de cavalaria miliciana, no intuito de impedirem o contínuo roubo de gado e lhes dar segurança para fazerem as sementeiras e as colheitas[7].
Obrigar os homens a ir à guerra era sentido pelo Povo como «uma especie de traição», pois decorrente do assentimento dado à criação da décima, estava subjacente a ideia de que esse tributo serviria para a contratação e pagamento dos soldados necessários à defesa do Reino e, deste modo, o dever de participação na guerra estaria cumprido. Aliás, a própria legislação reforçava a ideia de que o pagamento eximia da obrigatoriedade do serviço militar, não devendo, pois, o Povo ser obrigado a contribuir em duplicado: pagar e servir no exército. Porém, o modo pouco eficaz como se geria o dinheiro aplicado à guerra tinha como consequência passarem-se anos sem se pagar aos soldados, ditos pagos. Sem receberem soldo, doentes, esfomeados, «despidos e descalsos», os soldados desertavam e roubavam o que podiam, infestando estradas e povoações. Por isso, iam outros homens «assistir na guerra», apesar de já terem pagado as suas décimas. Obrigados a servir como soldados, mesmo contra a sua vontade, e não encarando isso como um dever, cada um procurava eximir-se à participação activa no conflito e só de forma coerciva e, por vezes, violenta, se conseguiam soldados para as fronteiras. Para fugirem ao recrutamento, os homens usavam todos os estratagemas: invocar privilégios, procurar acolhimento nos conventos, pagar pelo livramento ou até tomarem ordens sacras. Para os mais pobres, porém, a maneira mais fácil de fugir ao alistamento era a mudança de localidade. Nas listas dos Auxiliares da comarca de Beja aparecem, em percentagens por vezes significativas, à frente dos nomes de alguns deles, referências a que andam «ausentes» e cujas famílias dizem desconhecer onde se encontram[8].
Encarado pelos povos como prepotência, o recrutamento forçado gerou protestos, desencadeou motins e fez desenvolver comportamentos de autopreservação que desembocaram numa deserção sistemática que desorganizou ainda mais um exército que nunca primou pela organização, indisciplinado e mal equipado, e que se viu, permanentemente, a braços com a falta de soldados e que obrigava a que fossem chamados à fronteira os Auxiliares e as Ordenanças. Deserção essa, que ora era punida severamente, ora perdoada pelo poder central, conforme a conjuntura militar e financeira. Ora, este movimento contínuo de abandono dos postos das fronteiras, teve como consequência o desmantelamento sistemático de um exército que se quereria permanente, transformando-o assim num verdadeiro “exército de papel"[9], pois o número de nomes constantes das listas e dos papéis não coincidia nunca com o número de homens realmente disponíveis. Por isso, o exército do Alentejo, composto por poucas forças pagas e por muitos milicianos, se desfazia constantemente ao ritmo das estações e do ano agrícola, das saudades da família, da casa e da terra‑mãe, mas também da fome, da doença e do perigo[10].
2. As opções estratégicas: guerra defensiva e entradas
O crónico défice de dinheiro e de homens acabou igualmente por condicionar as opções estratégicas, e as acções ofensivas foram reduzidas ao mínimo. Porém, a guerra ofensiva nunca deixou de estar no horizonte dos Governadores das Armas do Alentejo e dos seus generais, que, nalguns momentos (por exemplo, em Agosto de 1645, no início de 1648, em 1649, no Verão de 1661 e em Maio de 1664), tentaram influenciar uma decisão régia no sentido de «o exército do Alentejo sair à campanha» e tomar uma grande praça inimiga. Mas nunca conseguiram os seus intentos[11]. Todavia, nenhum dos óbices que se colocava à ofensiva apoiada num grande exército se colocava à acção de pequenos destacamentos que entravam em território inimigo, devastavam e roubavam, semeando o pânico entre as populações civis. Apanhadas as presas (sobretudo cabeças de gado), regressavam à base. Até porque as próprias características orográficas do Alentejo obrigavam a que a defesa da grande província transtagana assentasse em forças de grande mobilidade, nomeadamente na cavalaria, capazes de interceptar e impedir a progressão inimiga em terras portuguesas, mas também capazes de retaliar rapidamente[12]. Daí que as entradas tenham sido a táctica preferida por ambos os contendores e a mais frequentemente utilizada nas terras raianas do Baixo Alentejo. Mesmo quando executadas por forças de cavalaria e de infantaria, a velocidade no terreno era maior do que a de um grande exército, que não ultrapassava as duas léguas diárias, quando estes destacamentos mistos percorriam, normalmente, sete léguas por dia, o que lhes permitia internarem‑se mais profundamente em território inimigo sem serem surpreendidos.
Este tipo de surtidas era, porém, muito mais desgastante para as populações civis do que uma guerra feita de grandes batalhas e onde se enfrentassem apenas os exércitos. Esta guerra, quotidiana e sem aviso, que elegia como alvo os pobres, os trabalhadores dos povoados, tinha como único fim roubar‑lhes os haveres. Arrasavam-se-lhes as casas, as searas, as vinhas, os olivais, punha‑se fogo ao mato, roubava-se-lhe o gado, o mel, até a comida que as mulheres levavam aos homens que andavam no campo. Era uma guerra que não permitia aos vizinhos das povoações raianas adormecer sem sobressalto e que não resolvia, de vez, as questões políticas.
Porém, as entradas tinham muitos adeptos e cumpriam vários objectivos: distrair o inimigo para este ter menos tempo para fortificar e abastecer as suas praças, manter os homens activos e fazer presas, que enriqueciam, sobretudo, os oficiais. Aliás, os pretensos objectivos militares serviam apenas para dissimular o verdadeiro móbil: o interesse material dos comandantes que escolhiam os alvos das incursões mais pela previsão da grossa pilhagem, do que pelo interesse estratégico de neutralizar um posto inimigo. As presas, mais do que o magro soldo, pago quase sempre tardiamente, constituíram a grande motivação dos soldados portugueses e estrangeiros, ao longo da guerra[13].
D. João IV era por demais crítico deste tipo de surtidas em terras inimigas por a experiência ter demonstrado ser maior o dano do que o benefício conseguido, achando preferível fortificar as praças e tê-las preparadas para possíveis ataques, do que entrar em território inimigo a fazer danos e exigiu ser informado desse tipo de iniciativas. Em diversos momentos o Rei proibiu mesmo as entradas pela fronteira alentejana, sempre sob muitos protestos e alguns incumprimentos, pelo que, na maior parte dos casos, as ordens acabaram por ser revogadas[14].
No Baixo Alentejo, a guerra tornou‑se, assim, uma guerra de pilhagem sistemática de ambos os lados da fronteira, de surtidas inesperadas, de razias quase permanentes, que aceleraram o despovoamento total dos povoados, desmantelaram a estrutura económica dos lugares, roubando‑lhes mão-de-obra, quebrando os circuitos comerciais legais, fazendo desenvolver o contrabando, fazendo decrescer a produção e aumentar os preços.
1.1. «Em todas as praças de huã e outra parte se repetiam as entradas…»
Apesar de o conde da Ericeira afirmar que só passados sete meses sobre a Aclamação se deu a primeira escaramuça entre portugueses e «castelhanos», ocorrida na fronteira de Elvas, no dia 9 de Junho de 1641, acontecimento esse que terá marcado o início das hostilidades[15], e um outro autor referir que, na comarca de Beja, até ao dia 26 de Junho, «não houve que contar»[16], isso é desmentido por outras fontes que provam que, no Baixo Alentejo, a guerra começou mais cedo: logo a 27 de Dezembro de 1640, o pânico assaltou a vila de Mértola, quando houve notícia de que grande quantidade de «castelhanos» se juntava do lado de lá da fronteira com o intuito de atacar a vila, tendo sido necessário pedir reforços quer à cidade de Beja quer ao poder central e, em Fevereiro de 1641, os «castelhanos» entraram, pela primeira vez, a roubar vacas no termo de Serpa, tendo o conde de Vimioso, que ali andava a fazer levas de cavalos e de éguas, tomado a iniciativa de enviar alguns homens a cavalo que os obrigaram a devolver o gado roubado[17]. A partir desta data as terras da comarca de Beja começaram a sentir a pressão do inimigo vizinho, que, frequentemente, aparecia, atacando núcleos urbanos ou devastando as terras dos termos e limites dos mesmos. Iniciou-se, aliás, um período de guerra deveras estranho, sentido pelas populações, sobretudo das zonas fronteiriças, como se fosse uma guerra civil, porque passou a opor vizinhos que, pouco tempo antes, mantinham relações familiares e comerciais muito próximas. Os ataques a Paimogo, Aroche, Encinasola, Cerro, Valencia de Mombuey, Alcaria, Oliva, e a muitos outros povoados espanhóis foram frequentes. Enquanto, do lado de cá da fronteira, o castelo de Noudar, Serpa e aldeias do seu termo e as aldeias do termo de Mértola, mas, sobretudo, Moura e o seu termo, foram também sistematicamente atacadas pelos «castelhanos», que chegaram mesmo, nalguns momentos, ao termo de Beja. No cômputo geral, as mais de cem entradas,bem documentadas, que aconteceram na raia do Baixo Alentejo, foram maioritariamente portuguesas[18].
O mais cruel ataque português foi, a nosso ver, o realizado, logo em Junho de 1641, pelos militares portugueses contra a povoação, também portuguesa, de Barrancos. Tendo havido notícia de algumas «sedições & alvorotos», provocados por barranquenhos, «que não erão Portugueses, nem deixavam de o ser, porque a vizinhança, trato & parentesco os tinha tam radicados em Castela que pareciam Castelhanos na lingoa», D. João IV ordenou a D. Francisco de Sousa que, como medida preventiva, fosse «despejar e arrasar» Barrancos. D. Francisco saiu de Beja com 1400 infantes e vários homens a cavalo, levados do Torrão, Vidigueira, Portel, Moura, Safara e Santo Aleixo, e dirigiu‑se àquela vila raiana. Chegados a Barrancos a 28 de Junho, mandaram sair os moradores, deitaram fogo às casas e arrasaram‑nas até aos fundamentos, com excepção da igreja, roubaram tudo o que puderam e abandonaram os moradores à sua sorte, tendo estes ficado «no campo como ciganos»[19]. Alguns, apesar da proibição, passaram «a Castela», outros fixaram-se em Santo Aleixo. Foram, aliás, acusados de, não tendo esquecido solidariedades antigas com os «Castelhanos», lhes terem feito saber qual a ocasião propícia para o ataque a Santo Aleixo, o mais feroz ataque inimigo em terras do Baixo Alentejo: a 12 de Agosto de 1644, a aldeia de Santo Aleixo, onde, na ocasião, estavam apenas 230 homens, foi cercada por 1000 infantes e 1800 cavaleiros, saídos de Badajoz. Os habitantes, depois de combaterem sozinhos o exército inimigo, porque as forças portuguesas demoraram muito a chegar, foram praticamente dizimados e a aldeia destruída. Safara foi também cercada, mas os moradores, sabendo do sucedido em Santo Aleixo, renderam-se ao inimigo sem pelejar. Comunicações difíceis, notícias desencontradas, a grande distância e a progressão difícil sob o calor alentejano fizeram com que as tropas pagas saídas à pressa de Elvas e de Olivença não conseguissem chegar a tempo às aldeias. Todavia, também não apareceram as Ordenanças das terras vizinhas, da própria comarca de Beja, a que se tinha pedido socorro, porque poucos homens responderam ao rebate, o que causou muita indignação e pedidos de castigo exemplar[20]. Se, por vezes, a gente se mostrava «tão fria e Remissa em acodir» aos vizinhos, o mesmo não acontecia quando se tratava de defender o que era seu. Em Março de 1642, por exemplo, para recuperarem o seu gado roubado pelos «Castelhanos», as gentes de Moura, «se lãçaram pelas estradas, achando na desobediência créditos, & no recuperar o seu, desculpas», sem comando, deixando até os calções espalhados pelo campo para não se atrapalharem na jornada[21].
1.2. As pazes particulares: Serpa e o condado de Niebla
Porque a guerra parecia ser assunto apenas do interesse do distante Rei e dos seus generais, que só serviam para oprimir os Povos, estes, sempre que lhes foi possível e onde isso foi possível, mantiveram e desenvolveram solidariedades transfronteiriças que não tinham em conta as questões políticas que opunham os reis. Foi o caso das pazes entre o povo de Serpa e os seus vizinhos do condado de Niebla que durou 23 dos 27 anos de guerra. Tudo começou em 1643, data em que se dizia que por ordem de D. João IV, parente do duque de Medina Sidónia, senhor daquele condado, se tinham proibido os roubos em terras do Condado, enquanto «de lá se tivesse a mesma correspondência». Nada o provava, porém, e muitos afirmavam que elas tinham sido tratadas entre os moradores das povoações da raia, apenas com o consentimento dos Governadores das Armas do Alentejo. Fosse como fosse, tinham trazido muitos benefícios quer para o povo de Serpa quer para os habitantes do condado de Niebla [22]. Também os habitantes de Santo Aleixo e de Safara tinham feito «pacto com os vesinhos de Castella de que resultava comersearem e darlhe avisos» e, por isso, continuavam a colher as suas searas, semeadas para lá da raia, como sempre acontecera. As pazes transfronteiriças eram de tal importância para as populações que, em 1652, outros povos da Andaluzia negociavam, às escondidas, o fim dos saques com as autoridades de Serpa, Moura e Mértola, na esperança de terem um pouco de paz[23].
Todavia, a avidez de oficiais e soldados estacionados quer em terras andaluzas e extremenhas quer nas principais praças do Baixo Alentejo, sobretudo em Serpa e em Moura, contrariava o desejo dos Povos e multiplicaram‑se os mútuos ataques e as surtidas, sobretudo no intuito de destruir haveres e de roubar gado. Em 1648, por exemplo, companhias de Elvas, Monsaraz e Mourão e a companhia das Ordenanças de Moura, resolveram fazer uma entrada em Alcaria de la Vaca, terra do condado de Niebla, por saberem que seria de «bom proveito». Um português de Aldeia Nova vendo-os passar, e sabendo que iriam atacar terras do Condado à revelia das pazes concertadas, montou numa égua e partiu à desfilada, em direcção a Serpa e depois a Alcaria, para avisar que tropas portuguesas estavam em marcha. Para além deste aviso pessoal, os habitantes do Condado foram também avisados por dois tiros da artilharia de Serpa e recolheram parte dos seus gados[24]. Por várias vezes, os oficiais da Câmara de Serpa escreveram ao Rei recordando-lhe que, devido à ambição da cavalaria de Moura, Mourão e Monsaraz, que entrava sistematicamente nos lugares do Condado, roubando e devastando, se estavam a colocar em risco as pazes, que se iam mantendo porque, nalguns casos, o Rei obrigava à devolução das presas feitas. Finalmente, os detractores dessas pazes, entre os quais Schomberg, conseguiram convencer o Rei de que era mais prudente acabar com elas, por se suspeitar que os «Castelhanos» armazenavam mantimentos e gados e aquartelavam soldados nas terras do Condado, preparando um possível assalto a Serpa, Moura ou mesmo a Beja. Todavia, a verdadeira razão, e talvez a mais imperiosa, era a perspectiva de um saque de tal modo avultado que satisfizesse oficiais e soldados, já que as terras do Condado tinham sido relativamente poupadas às investidas portuguesas, durante quase todo o período do conflito. Assim, o ataque ao condado de Niebla consumou-se em Janeiro de 1666[25].
2. O contributo dos Povos para a guerra
A formação e manutenção do exército e a necessidade de fortificação das praças exigia um esforço económico suplementar. Ao apelo do Rei responderam os Povos “oferecendo" aquilo a que, eufemisticamente, se chamou donativo voluntário para a defesa do Reino, mas que, na realidade era um novo imposto – a décima[26] – e que era, de facto, um dos mais pesados tributos que recaía sobre eles. A décima a que, progressivamente, foram feitos acrescentamentos, era especialmente gravosa na comarca de Beja. A sua difícil cobrança era tão violenta, que, para a pagarem, as populações ficavam na mais completa miséria, o que motivou repetidas queixas ao longo da guerra[27]. Porém, a necessidade cada vez maior de dinheiro para a defesa levou, ao longo do conflito, não só à necessidade de se criarem outros impostos, mas também ao aumento dos já existentes.
A nova guerra e a constituição dos exércitos provinciais tornaram também necessário que o Reino se apetrechasse de artilharia, armas e munições, que o poder central se encarregou de providenciar e com que abastecia regularmente (pelo menos, em teoria) as praças mais importantes. Todavia, nos restantes lugares, as armas necessárias à defesa dos seus moradores ficou a cargo destes e, mesmo quando fornecidas pelo poder central, as armas tinham de ser pagas pelos Povos. Acontecia, porém, que, recorrentemente, quando o exército tinha falta de armas, as autoridades militares despojavam os moradores das armas que tinham pago, sendo estes obrigados a comprar outras[28]. Mas, na maioria das praças, também não havia peças de artilharia suficientes. Bastam dois exemplos: o castelo de Noudar, separado de Espanha apenas por uma ribeira, onde assistia uma companhia paga, não tinha qualquer peça de artilharia e Sines pediu, repetidamente, mas em vão, artilharia de bronze, de longo alcance, para que se pudesse defender não só a praça e o porto, mas também a comarca, já que as peças existentes no castelo estavam tão ferrugentas que rebentavam, mesmo só com meia carga[29].
Outro pesado encargo para os civis foi a obrigação de alojarem os soldados, quer portugueses quer estrangeiros, em suas casas. Na comarca de Beja, as povoações mais sobrecarregadas com o encargo dos alojamentos foram as praças da raia: Serpa, onde se alojaram soldados portugueses, ingleses e franceses; Moura, onde se alojaram tropas portuguesas e inglesas, e Santo Aleixo e Mértola, onde se alojaram soldados portugueses. Alojamentos de que não ficaram, todavia, isentas as terras da retaguarda da comarca. A cidade de Beja e a aldeia de Cuba, povoações da retaguarda, sofreram igualmente o ónus dos alojamentos: na cidade, foram alojados soldados ingleses e franceses e, em Cuba, ingleses. Os alojamentos representaram uma violência enorme para os civis, sujeitos aos muitos desacatos que os soldados praticavam nas terras onde se alojavam, mas, sobretudo, por serem obrigados a conviver, dentro de suas casas, com a soldadesca cúpida e brutal. Na realidade, porém, só os mais pobres suportavam esse encargo, porque muitos outros, pela sua condição social ou por privilégio particular, estavam isentos, assim como as mulheres que vivessem sozinhas. Isso, porém, não as pôs a salvo de actos de violência de diversa índole[30].
Para além de todos estes encargos, os Povos contribuíram ainda com o seu trabalho e com tributos voluntários para o reforço da defesa passiva do Baixo Alentejo, isto é, para as obras de fortificação das velhas fortalezas da Província. A opção de Portugal por uma política defensiva, passava necessariamente pelo reforço das fortificações antigas e pela construção de novas. Por isso, logo nas Cortes de 1641, se consignaram as terças dos concelhos para as obras de fortificação. Todavia, prevendo que o poder central não providenciaria dinheiro suficiente para as obras de reparação das suas fortalezas medievais, as populações de Beja, Moura e Serpa, decidiram autotributar-se (pagando mais um real de água), para arrecadarem dinheiro para as suas obras de fortificação. Mas nem isso lhes valeu.
Às fortificações da comarca de Campo de Ourique, apesar de repetidos pedidos, não se deu praticamente nenhuma atenção. Mértola, apesar dos apelos, nunca viu o seu velho castelo reforçado por obras modernas e, na fronteira marítima, pouco foi feito no forte de Vila Nova de Milfontes e nada se fez nos fortes de terra e da ilha do Pessegueiro, mesmo quando ali foram avistados barcos inimigos a «reconhecer» a Ilha. No castelo de Sines fizeram-se obras na praça baixa, segundo desenho do engenheiro Pedro de Santa Colomba, mas que de pouco valiam sem as peças de artilharia[31]. Contrariamente ao que aconteceu com as fortificações da comarca de Campo de Ourique, as fortificações da comarca de Beja receberam toda a atenção do poder central. Contudo, atenção não significou de modo algum assunção total das despesas necessárias. Só o pequeno forte de Santo Aleixo, construído apenas seis anos depois de a aldeia ter sido arrasada, e as modestas obras no castelo de Noudar, em 1662, foram cobertas pelo erário régio. As obras de Moura, de Serpa e de Beja, só foram comparticipadas parcialmente pela fazenda régia.
Os moradores de Beja juntaram, zelosamente, dinheiro para a sua fortificação e as obras iniciaram-se segundo o projecto de Pedro Pellefigue. Contudo, foram suspensas, em 1645, por a prioridade ser a fortificação dos vaus do Guadiana, obras estas que duraram vários anos. O certo, porém, é que o termo de Beja ficou protegido por uma linha de pequenas fortificações, situadas na margem direita do Guadiana, algumas das quais ainda hoje existem. Depois, o seu dinheiro foi «devertido» sucessivamente, para as obras das fortificações do Alto Alentejo e para as fortificações de Moura e de Serpa. Quando a guerra terminou, a obra da fortificação de Beja ainda não estava terminada. Os moradores de Moura também se autotributaram para arranjarem dinheiro para a sua fortificação, mas as obras não avançaram por diversas razões: porque foi preciso aguardar que terminassem as obras das praças ao Alto Alentejo; porque os vários projectos passavam pela necessidade de se arrasar parte da vila, o que gerou muita discussão, e pela urgência de se construir um «posto» na confluência do rio Ardila com o rio Guadiana. Em 1660, mesmo quando o dinheiro de Beja foi aplicado às obras de Moura, estas avançaram muito devagar por serem demasiado extensas. Quando a guerra terminou as obras ainda continuavam. Quanto a Serpa, mesmo que consideradas prioritárias, pouco se avançou até 1657, apesar da aplicação do dinheiro de Beja. Em 1661, Schomberg, que visitou a vila, achou preferível parar-se a obra de fortificação da praça e fazer-se um forte real exterior à mesma. Nele se gastou o dinheiro, para depois se concluir que, afinal, o forte de S. Pedro não servia para nada e que se tinha de voltar a pensar na fortificação da praça. Em 1665, alguém (ninguém sabia quem) mandou iniciar um outro forte (forte do Salvador), a que, porém, não se deu continuação[32].
Portanto, no fim da guerra nenhuma das principais fortificações do Baixo Alentejo tinha sido terminada, devido à ausência de um programa coerente e sistemático de obras novas ou de reforço das fortificações existentes, decorrente também da crónica falta de dinheiro: as obras faziam‑se erraticamente quando havia notícias de que uma das praças estava em perigo iminente e para ela se transferiam engenheiros, soldados e dinheiro, que se iam buscar a outras terras, as quais, assim, ficavam desguarnecidas. Tudo isso era também consequência da falta de preparação adequada dos militares, da mudança contínua de chefias e dos engenheiros responsáveis, bem como da falta de diálogo com as populações e com as suas governanças, que sabiam, melhor do que ninguém, do que precisavam para sua defesa. Daí a construção de obras começadas por uns e continuadas por outros com ideias diferentes, inevitavelmente defeituosas ou inúteis, de que é acabado exemplo os fortes de Serpa.
Os Povos do Baixo Alentejo foram ainda sobrecarregados com outras contribuições não menos onerosas, entre as quais o fornecimento de carros e carretas, sobretudo para transporte dos mantimentos para as fronteiras e ainda de cavalos, para a remonta da cavalaria paga, sendo obrigados também a ter cavalo todos os que estivessem em condições de servir na cavalaria miliciana. A obrigação de criar cavalos destinados ao exército levantou resistências, bem como a obrigatoriedade do alistamento nas companhias milicianas de cavalaria. Reactivadas as coudelarias, elas foram motivo para fraudes e conflitos institucionais, pelo menos na comarca de Beja[33].
Para além da obrigatoriedade de os seus homens servirem como soldados, do pagamento de impostos extraordinários, do fornecimento de cavalos, éguas e carros, e de darem alojamento às tropas, as populações do Baixo Alentejo foram também fornecedoras de cevada e palha para os cavalos, e de trigo, com que se fazia o pão de munição, base da alimentação dos soldados. A comarca de Beja era a que, geralmente, fornecia mais cereais para o assento[34]. Em todos os anos da guerra foram‑lhe sempre exigidas quantidades muito elevadas de cereais: entre 300 e 1500 moios de trigo e 300 e 800 moios de cevada, vendidos obrigatoriamente pelo preço «do meio», isto é, nem o mais alto nem o mais baixo dos preços praticados no Terreiro do Trigo da cidade. Preço quase sempre contestado pelos lavradores, que nunca vendiam voluntariamente os seus cereais e se sentiam «defraudados», não só «por lho tirarem contra sua vontade», mas também pelos preços a que eram obrigados a vendê-los[35]. Preços também quase sempre contestados pelas autoridades militares e pelos assentistas, que pretendiam pagar menos. O processo de venda de cereais para provimento do exército do Alentejo não era nem fácil nem pacífico e deu azo a muitos conflitos entre aqueles a quem cabia a responsabilidade do provimento do exército, e as Câmaras, que fixavam os preços e zelavam pelos interesses dos civis que viviam sob a sua jurisdição. Era dever das Câmaras providenciarem para que as populações, que dependiam essencialmente do pão, não sofressem as carências inevitáveis que decorreriam se as saídas de cereais da Província fossem excessivas. Nalguns anos estéreis, quando as colheitas já mal davam para o abastecimento regular do Terreiro do Trigo, tratava‑se, efectivamente, de uma questão de sobrevivência. E, por vezes, a situação era dramática. Daí que cada um procurasse guardar o mais possível para si, não parecendo sentir como dever seu a manutenção dos exércitos, enquanto os que tinham a seu cargo prover à sobrevivência dos combatentes procuravam, por todos os meios, obrigar as populações alentejanas à venda compulsiva dos seus cereais. E todos sabiam que, quando a produção de cereais não era suficiente para todos, a prioridade seria sempre dada ao provimento do exército, mesmo que o povo passasse fome[36].
3. Conflitualidade, decadência e morte
O empobrecimento generalizado dos Povos do Baixo Alentejo e a ausência dos homens na guerra reflectiram-se nos comportamentos demográficos, sobretudo na diminuição ou estagnação da nupcialidade, afectando igualmente a natalidade, que, nalguns anos, não conseguiu repor o número dos que morreram. A presença dos militares, os maus anos agrícolas, a fome e as epidemias fizeram aumentar a mortalidade até níveis considerados de crise. Os anos de saldo fisiológico negativo comprometeram o crescimento populacional da Província. Acentuou-se ainda a migração interna e acelerou-se o despovoamento rural[37].
As surtidas inimigas espalharam o medo e devastaram propriedades e gados nos termos das principais praças da raia, mas também nas terras da retaguarda. Dezenas e dezenas de herdades ficaram ao abandono e sem cultivo, diminuiu a criação de gado e a sua transumância, fecharam‑se alfândegas, desmantelaram‑se as vias do comércio. As extorsões dos soldados, a exigência da venda de cereais a baixo preço, aliadas à mobilização dos homens válidos e aos saques inimigos, desarticularam a vida económica local com todas as nefastas consequências para as populações[38].
A decadência económica arrastou consigo a dificuldade da gestão financeira dos concelhos, cujas rendas diminuíram e cujas despesas aumentaram, devido aos novos encargos trazidos pelo conflito. As nobrezas das governanças depararam‑se com novos problemas no exercício das suas funções, muitos deles decorrentes do conflito de jurisdições com os militares, pois as autoridades militares, que viram aumentada a sua jurisdição sobre as autoridades civis, abusaram, com frequência, do seu poder sobre as populações, procurando submetê‑las às necessidades do exército. As instituições civis, como é o caso das Câmaras, resistiram quanto puderam à total militarização da vida local e o Rei foi chamado várias vezes a intervir para repor a legalidade num ou noutro campo. No contexto do conflito de jurisdições entre militares e justiças civis inscreve-se o caso particular da constante interferência dos homens de guerra nas jurisdições da Casa e Estado do Infantado, já que Beja, Serpa e Moura eram terras do «Senhor Infante»[39].
A esta instabilidade jurisdicional se agregou ainda o aumento da conflitualidade despoletada pela forte presença dos militares entre as populações. Conflitualidade entre os homens de armas, entre comandantes e comandados e entre militares e população civil, que, nalguns momentos de desespero, se levantaram contra aqueles e os afrontaram. As prepotências exercidas pelos militares sobre a população civil foram, nalguns momentos, motivo de motins: na Corte do Pinto (1642); no Pedrógão (1646); em Brinches (1658), onde o motim chegou a assumir contornos de sublevação contra o Rei, contra a sua justiça e contra os seus impostos; em Serpa (1648, 1666 e 1667), contra os «excessos» dos soldados franceses ali alojados e, em Beja (1646, 1659, 1660, 1661, 1662, 1663 e de 1665 a 1667), onde o estado de motim ou de pré-motim era permanente. Após o motim bejense de 1637 contra a política fiscal de Filipe IV[40], seria de esperar que o povo acatasse com mais paciência o que lhe era agora exigido pelo seu rei “natural". Todavia, o povo da cidade reclamou violentamente contra as «tiranias» dos capitães-mores, contra os impostos, contra a falta de pão e contra os desmandos dos soldados franceses e ingleses[41].
A conflitualidade e a agressividade despoletadas pelo clima de guerra, aliada ao poder militar de capitães‑mores e governadores das comarcas, potenciou ainda comportamentos de prepotência e de crueldade de alguns deles contra as populações indefesas. Os casos mais graves têm na sua génese «excessos» e prepotências de governadores, oficiais ou capitães‑mores, criminosos cobertos de honras, dos quais se destacam, entre outros, pelas piores razões, alguns capitães-mores de Serpa e de Mértola, mas, sobretudo, Jerónimo da Costa, capitão dos Auxiliares de Beja; Gomes Freire de Andrade e seu filho Gil Vaz Lobo, e seus primos, Cristóvão Pantoja de Almeida e irmãos. Todavia, a justiça, sempre branda com os poderosos, permitiu que todos eles crescessem em honra e em proveito[42].
4. Conclusão
Uma guerra tão longa, tão exigente em homens e em recursos, contribuiu decisivamente para a decadência económica e populacional da Província. Criou ainda, modificou ou potenciou novos ou antigos comportamentos, individuais ou sociais, quase todos egoístas, em resultado do exacerbado instinto de sobrevivência e como resposta ao perigo e ao medo. As atitudes dos homens perante a guerra dependeram, porém, do grupo social a que pertenciam ou da situação em que se encontravam. No Baixo Alentejo, os únicos que pareciam verdadeiramente empenhados nas tarefas militares eram alguns fidalgos, membros das “dinastias" locais de alcaides‑mores e de capitães‑mores ou seus parentes, e todos aqueles que, por nomeação régia, ali foram colocados em diversos cargos. Todos eles pertenciam ao grupo dos que esperavam «acrescentamento» pela sua participação activa no conflito, parecendo ser esse o verdadeiro motivo do seu empenhamento[43]. A atitude dos Povos em relação à guerra foi, obviamente, diferente. Todos procuraram fugir-lhe. Até porque, como vimos, nem consideravam isso como dever. Dever seu era pagar para a guerra, e a obrigação de nela participarem era sentida como uma dupla penalização pessoal. As prioridades de cada um passou a ser a de eximir-se à participação pessoal na guerra, sobreviver a qualquer custo, defender a sua casa, a sua terra e os seus haveres, esperando alívio nas suas obrigações, mesmo que isso sobrecarregasse os outros. As populações estudadas revelam atitudes de evidente falta de solidariedade vicinal, regional e mesmo nacional. Porém, na prossecução do objectivo de manterem a normalidade possível naqueles tempos conturbados e de defenderem o que era seu, sempre que foi conveniente, mantiveram solidariedades antigas, nomeadamente em relação aos povos agora considerados inimigos[44]. Mais do que as ameaças contra a vida, o que as populações do Baixo Alentejo mais sentiram e que mais as motivou ao esforço de guerra foram as ameaças contra a (sua) propriedade, atitude essa consentânea com atitudes semelhantes detectadas noutras populações e noutros locais[45].
A resistência de Portugal, ao longo de mais de um quarto de século de conflito armado, foi, indiscutivelmente, um esforço hercúleo, mas que, todavia, não nos atrevemos a classificar de esforço comum. Que o esforço foi enorme, é certo, mas, gizado de cima, foi sempre visto pelas populações como assunto de reis e de generais, e poucas vezes encarado como seu. A guerra era assunto do Rei – «serviço de sua Magestade», nunca dever colectivo ou propósito nacional.
Referências bibliográficas
Fontes primárias
Arquivo Histórico Militar
Manuscrito de Matheus Rodrigues, transcrição dactilografada e paginada por Maria Vaz Pereira do códice 3062 da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Lisboa, Arquivo Histórico Militar, 1952.
Arquivo Histórico Municipal de Beja
Câmara de Beja:
Livros das Vereações, 1638, 1639, 1640, 1645, 1651.
Livros dos Registos das Provisões e Alvarás da Câmara de Beja - Livro 4.º (1619-1700).
Arquivo Nacional da Torre do Tombo
Casa do Infantado, Maço 995
Conselho de Guerra:
Consultas, Maço 1, n.ºs 21 e 31; Maço 3, n.ºs 64 e 75; Maço 4, nº 33; Maço 4B, nºs 363; Maço 10, nº 91; Maço 15A, nºs 157 e 189.
Decretos, Maço 4, nº 134.
Biblioteca Nacional de Portugal. Reservados
COD. 6687 – Relação do que sucedeo na villa de Moura e seu termo depois que foi alevantado e aclamado por Rej destes Reinos de Portugal o muito Alto e muito Poderoso Rej Dom Joaõ o quarto do nome, Duque que foj de bargança, 1641.
COD. 6687 – Relação do que suççedeo na villa de Moura, e nas Aldeas de S.to Aleixo, e Çafara do prinçipio do mês de Agosto passado ate o fim de outubro deste presente anno de 1644.
Fontes impressas
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SANTOS, Horácio Madureira dos (prefácio, notas e índices) – Cartas e outros documentos da época da Guerra da Aclamação. Lisboa: 1973.
Bibliografia
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NOTAS
[1] Emília Salvado Borges, A Guerra da Restauração no Baixo Alentejo (1640-1668), Edições Colibri, Lisboa, 2015.
[2] Ibidem, pp. 29-40 e respectivas notas.
[3] Ibidem, pp. 40-46 e respectivas notas.
[4] A.H.M.B., Câmara de Beja, Vereações, 1638, fols. 23 v, 25 v, 30‑30 v, 31‑32 v, 33 v‑34, 36 v, 38 v‑41 v, 45‑49 v; 1639, fols. 33‑33v; 1640, fols. 9, 31-31v, 32, 33‑33v, 44‑44 v, 47, 66.
[5] Emília Salvado Borges, ob. cit., pp. 496-502 e respectivas notas.
[6] A.N./T.T., C.G., Consultas, Maço 3, n.º 64 e 75.
[7] Emília Salvado Borges, ob. cit., pp. 46-51, 287-293, 493-495, 503, 512, 513 e respectivas notas
[8] A.N./T.T., C.G., Decretos, Maço 4, nº 134; A.N./T.T., Casa do Infantado, Maço 995; P. Laranjo Coelho, Cartas dos Governadores da Província do Alentejo a El-Rei D. João IV e a El-Rei D. Afonso VI, Academia Portuguesa de História, 1940, III, pp. 346-347; Emília Salvado Borges, ob. cit., pp. 54-59 e respectivas notas.
[9] Lorraine White, «War and Government in a castilian province: Extremadura, 1640-1668», East Anglia, 1985, pp. 251-260 cit. por Rafael Valladares, La Guerra olvidada. Ciudad Rodrigo y su comarca durante la Restauración de Portugal (1640-1648), Centro de Estudos Mirobrigenses, Ayuntamiento de Ciudad Rodrigo, 1998, p. 37.
[10] Emília Salvado Borges, ob. cit., pp. 60-76 e respectivas notas.
[11] Ibidem, pp. 76-80 e respectivas notas.
[12] Jorge Manuel Penim de Freitas, O combatente durante a Guerra da Restauração. Vivência e comportamentos militares ao serviço da Coroa portuguesa, 1640-1668, Lisboa, Prefácio, 2007, p. 138.
[13] A.H.M., Manuscrito de Matheus Rodrigues, transcrição dactilografada e paginada por Maria Vaz Pereira do códice 3062 da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, Lisboa, Arquivo Histórico Militar, 1952, pp. 236-242; Penim de Freitas, ob. cit., p. 260; Emília Salvado Borges, ob. cit., pp. 80-87 e respectivas notas.
[14] Emília Salvado Borges, ob.cit., pp. 80-87.
[15] Conde da Ericeira, Historia de Portugal Restaurado, Tomo I, Lisboa, na Officina de Joaõ Galraõ, 1679-1698, p. 206.
[16] B.N.P., COD. 6687, Relação do que sucedeo na villa de Moura e seu termo depois que foi alevantado e aclamado por Rej destes Reinos de Portugal o muito Alto e muito Poderoso Rej Dom Joaõ o quarto do nome, Duque que foj de bargança, 1641, fol. 243.
[17] A.N./T.T., C.G., Consultas, Maço 1, n. 21 e n.º 31.
[18] Emília Salvado Borges, ob. cit., pp. 95-169 e respectivas notas.
[19] B.N.P., COD. 6687, Relação …, 1641, fol. 243 v; Luís Marinho de Azevedo, Comentarios dos Valerosos Feitos, que os Portuguezes obraram em Defensa de seu rey e pátria na guerra de Alentejo, Lisboa, officina de Lourenço de Anveres, 1644, pp. 15-16.
[20] B.N.P., COD. 6687, Relação do que suççedeo na villa de Moura, e nas Aldeas de S.to Aleixo, e Çafara do prinçipio do mês de Agosto passado ate o fim de outubro deste presente anno de 1644, fols. 264-272; A.H.M., Manuscrito de Matheus Rodrigues…, pp. 403-405; Emília Salvado Borges, ob. cit., pp. 122-129 e respectivas notas.
[21] Idem, pp. 109-110.
[22] Ibidem, pp. 87-95 e respectivas notas.
[23] A.N./T.T., C.G., Consultas, Maço 4, n.º 33, Maço 10, n.º 91; Rafael Valladares, La Guerra olvidada…, p. 52.
[24] A.H.M., Manuscrito de Matheus Rodrigues…, p. 197.
[25] P. Laranjo Coelho, Cartas dos Governadores da Província do Alentejo a El-Rei D. João IV e a El-Rei D. Afonso VI, Academia Portuguesa de História, 1940, III, pp. 328-329; Emília Salvado Borges, ob. cit., pp. 87-95 e respectivas notas.
[26] A.H.M.B., Livro 4.º…, fols. 7 v‑12.
[27] Ibidem, pp. 189-201 e respectivas notas.
[28] A.N./T.T., C.G., Consultas, Maço 4B, n.º 363; Maço 15 A, n.º s 157 e 189; Emília Salvado Borges, ob. cit., pp. 146-149, 201-204, 511 e respectivas notas.
[29] Idem, pp. 116, 146-148, 151-152, 220-221.
[30] Ibidem, pp. 204-215 e respectivas notas.
[31] Emília Salvado Borges, ob. cit., pp. 217-223 e respectivas notas.
[32] Ibidem, pp. 223-269 e respectivas notas.
[33] Ibidem, pp. 269-283 e respectivas notas.
[34] Em 1662, por ordem decrescente de exigência na repartição dos cereais aparece, em primeiro lugar, a comarca de Beja, seguida das comarcas de Évora, Avis, Vila Viçosa, Campo de Ourique, Crato e Portalegre. Cf. A.H.M.B Livro 4.º…, fols. 254 v‑255, 257‑257 v.
[35] A.N./T.T., Casa do Infantado, Maço 995.
[36] Ibidem, pp. 293-318 e respectivas notas.
[37] Ibidem, pp. 444-462 e respectivas notas.
[38] Ibidem, pp. 404-444 e respectivas notas.
[39] Ibidem, pp. 335-355 e respectivas notas.
[40] Emília Salvado Borges, “O motim popular de Beja em 1637", Ler História, nº 43, 2002, pp. 5-37.
[41] Emília Salvado Borges, ob. cit., pp. 356-370 e respectivas notas.
[42] Ibidem, pp. 370-404 e respectivas notas.
[43] Ibidem, pp. 70-76 e respectivas notas.
[44] Ibidem, pp. 462-469 e respectivas notas.
[45] Lorraine White, “Actitudes civiles hacia la guerra en Extremadura (1640-1668)", Revista de Estudios Extremeños, XLIII (2), 1987, p. 489.