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A Busca de Informações Sobre o Poder Naval Turco em Meados do Século XVI – Alguns Dados
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A BUSCA DE INFORMAÇÕES SOBRE O PODER NAVAL TURCO EM MEADOS DO SÉCULO XVI - ALGUNS DADOS

 

 

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Carlos Manuel Baptista Valentim

 

 

 

Resumo

Nas conjunturas de 1528-1530 e de 1534 em diante, uma das novidades é expansão territorial e marítima do império turco otomano, em direção ao Índico e ao Golfo Pérsico. Uma das grandes novidades desta época é a concorrência de rotas comerciais. A rota do Levante retoma o seu ritmo, desafiando a rota do Cabo.  Esta é uma época dominada pela concorrência entre impérios. O império Otomano é uma das entidades políticas mais poderosas e formidáveis, durante o século XVI. As forças do Sultão contestam abertamente o domínio português nestes dois mares. O império otomano procura recursos e pretende tirar proveito das redes comerciais que se estavam implantadas no Índico e no Golfo Pérsico. O império tendo como objetivo impedir a projeção de forças navais otomanas, tentou destruir as armadas do seu concorrente, inicialmente no Mar Vermelho.  A questão de Bassorá estava em suspenso, ocupando os interesses da diplomacia portuguesa nessa época; o poder naval turco reforçava-se e projetava as suas armadas, prestando ao auxílio aos que contestavam o poder português. A guerra era uma realidade, mas a diplomacia estava também presente nessa rivalidade, levando à formação de uma rede de informações para sobre o “turco" e a Índia.

Palavras-chave: Concorrência, Império, Informações, Poder Naval, Otomano

 

Abstract

In the Years of 1528-1530 and from 1534 onwards, one of the newness was the territorial and maritime expansion of the Ottoman Turkish Empire, towards the Indian Ocean and the Persian Gulf. The competition by the trade routes was one the stake. The Levante Route resumes its pace, challenging the Cape Route. This is an age dominated by competition between empires. The Ottoman empire is one of the most powerful and formidable political entities during the 16th century. The Sultan's forces openly contested the portuguese rule one the seas and in territorial emperial zones of Portugues Maritime Empire. The Ottoman empire search for resources and intends to take advantage of the commercial networks implanted in the Indian Ocean and in the Persian Gulf. The Portuguese empire, aiming to prevent the projection of Ottoman naval forces, tried to destroy its competitor's armadas, initially in the Red Sea. The question of Basra was in abeyance, occupying the interests of portuguese diplomacy at that time; Turkish naval power was reinforced and projected its fleets, providing assistance to those who contested Portuguese power. War was a reality, but diplomacy was also present in this rivalry, leading to the formation of an information network, whose purpose was the “Turk" and its naval power.

Key Words: Competition, Empire, Information, Naval Power, Ottoman

 


 

Introdução

A 14 de novembro de 1517 o Papa Leão X emitiu o Breve pelo qual alertava D. Manuel I de como o “turco" tinha uma armada de 300 naus no porto de Constantinopla e examinava as plantas de todos os portos de Itália, e de que seria certa a ruína da Cristandade, por isso exortava, “que se apresse para o remédio dela com as suas forças"[1].

Este apelo, poderá dizer-se, dramático, do Papa, é bastante ilustrativo relativamente ao enfrentamento político e militar - entre os reinos cristãos e a cúria romana de um lado, e o império turco otomano, de outro - que teve lugar no Mediterrâneo no início da segunda década do século XVI. O chamamento para “cruzada" era uma clara tentativa de resposta do Papado e dos poderes da Península Itálica ao avanço turco no Mediterrâneo[2].

 Tratava-se de uma realidade geopolítica à qual o império português não se podia eximir, na medida em que o confronto com o império otomano em expansão territorial e marítima, seria inevitável, em outros espaços e mares. Neste caso, iria assistir-se a uma competição geopolítica entre impérios (português e otomano), ao longo do século XVI, quer no Mediterrâneo e no Mar vermelho, quer no Indico ocidental e no Golfo Pérsico.

Para a cidade – Estado de Veneza e para o Papado o “perigo" turco otomano começara mais cedo, em 29 de maio de 1453, com a conquista de Constantinopla. A tomada do último reduto do império romano do oriente ficou-se a dever um longo cerco de cinquenta e quatro dias, em que participaram cerca de cinquenta mil homens e as mais modernas armas de fogo, nomeadamente, canhões de grande dimensão, os maiores jamais vistos, que com o seu poder de fogo derrubaram uma parte das muralhas defensivas da cidade, abrindo uma entrada para os exércitos do Sultão[3].

Os impérios foram, nesta época (séculos XV-XVI), os atores dominantes de uma realidade internacional[4] que caminhava, pela primeira vez, para a mundialização das trocas comerciais e a interação entre continentes. E o “império" enquanto forma de organização política, social e económica, veio a alcançar uma longevidade extraordinária, dando testemunho do seu sucesso enquanto forma de Estado[5]. Os impérios não foram estruturas políticas que absorvessem de forma benigna a diversidade. Ao integrarem, no âmbito das suas conquistas, populações e credos diversificados, espaços e redes comerciais diferenciadas, os impérios experimentaram formas diversas de exploração e de governo[6]. O seu quotidiano foi “quase" sempre pontuado de violência e coerção, ações que eram centrais na construção de uma estrutura de poder e para a sua atuação na competição com outros atores congéneres.  

Em termos geográficos, o império otomano deteve uma posição determinante nas ligações por terra, entre o Oriente e o Ocidente. Não se podia ignorar, que as terras e águas do Mediterrâneo oriental, com ligações aos espaços do Egipto, Ásia central e Índia, ofereciam a oportunidade para uma variedade de intervenções políticas e militares, que ao materializarem-se ao longo dos decénios seguintes, estiveram na origem de um império simultaneamente terrestre e marítimo, que assentava a sua estrutura económica nos portos e numa rede de rotas e de comércio, que uniam a Eurásia.

Quando os portugueses chegaram ao Índico, em 1498, e iniciaram a edificação de um império que se apoiava, fundamentalmente, no mar e na sua capacidade naval para o controlar, colidiram com os interesses, inicialmente dos mamelucos do Egipto, e a partir de 1517 dos turcos otomanos. De facto, no início do século XVI, a evolução política e militar dava mostras de ser favorável ao império turco otomano, que tinha consolidado a sua posição no Mediterrâneo oriental. Se em 1530 iniciam a sua progressão no Índico, em 1546 expandem-se para o Golfo Pérsico, em 1550 avançavam em direção ao Mediterrâneo central, colocando em alerta a Espanha e Portugal, que dominava algumas das cidades do Norte de África. Caso os otomanos alcançassem o Mediterrâneo ocidental e aí se instalassem poderiam, através do corso, intercetar as frotas que vinham carregadas de produtos do Oriente, e dessa forma colocar em perigo o comércio marítimo português entre os dois oceanos, Índico e Atlântico. Porém, se o domínio do Mediterrâneo se impunha como um objetivo realista a atingir pelo império otomano, o mesmo já não era realizável para o Atlântico, na medida em que não dispunham dos meios navais necessários para o efeito[7].

Na competição geopolítica e militar, e em concorrência, com o império otomano, por mercados e lealdade de poderes, no Índico, no Subcontinente Indiano, no Golfo Pérsico e na Insulíndia, a coroa portuguesa vai procurar obter informações que lhe permitam alcançar vantagem nesse confronto, e ao mesmo tempo antecipar possíveis investidas militares do adversário, sobressaindo como informação e tema de carácter “decisivo", os dados sobre os poderes marítimo e naval, e todas as atividades relacionadas com estas vertentes[8], do qual dependia em grande medida a sobrevivência do seu império português. Na correspondência trocada entre a Coroa portuguesa e os titulares de cargos no império, na captação de informações nos interrogatórios forçados na Inquisição, nos dados recolhidos na redes de mercadores e nos agentes recrutados junto  do império otomano, na atividade diplomática, ressalta o objetivo de “reduzir ao mínimo a surpresa e a impreparação"[9] da máquina burocrática e militar do império português, com destaque  para as estruturas de defesa costeira e as forças novais estacionadas na retalhada estrutura imperial territorial-marítima, que se disseminava do Norte de África ao oceano Pacífico,

Quando nos referimos a «otomano» e «turco», do que é que estamos falamos? Os otomanos não eram turcos, sendo esta uma designação pouco consistente e variável. Os otomanos ou osmanli significa os que seguem “Osman", o fundador da dinastia; foram a classe dirigente do império otomano, que incluía indivíduos de diferentes regiões e origens, falantes de turco[10]. Por seu turno, não havia consciência de identidade turca, entre os camponeses do interior da península da Anatólia, que eram designados por “turcos", de forma pejorativa, e que tinham as suas solidariedades indexadas à comunidade e à região. Nem todos os turcos eram muçulmanos, e se considerados como um grupo étnico, eram mais um entre outros[11]. Por uma questão operativa, ao longo do texto serão utilizadas as designações de império “otomano" e “turco" e de “turco otomano", com o mesmo significado, não sendo possível ocultar o facto de as fontes europeias e portuguesas denominaram frequentemente o império otomano, de forma simplista, de “turco".

 

A expansão do império turco otomano e a viragem estrutural no segundo quartel Século XVI

Nos reinados de D. Manuel I e D. João III, nas décadas de vinte e trinta do século XVI surgem sinais claros de que está em marcha uma transformação progressiva da sociedade e da economia[12]. É neste período, precisamente, que as relações de força na sociedade portuguesa tendem a alterar-se, acompanhando a contração da economia mundial, nas conjunturas de 1528-1530 e de 1534 em diante[13]. Uma das novidades desta nova fase é a mudança do eixo económico. A Rota do Levante reanima-se, face ao dinamismo dos mercadores venezianos e turcos que frequentam os portos do Mediterrâneo Oriental, e afluem à cidade de Alexandria, no delta do Nilo[14]. A prisão em Antuérpia de Diogo Mendes, no ano de 1532, inculpado de práticas judaicas e de auxiliar cristãos-novos no êxodo para o Império Turco, é um sintoma das mutações que se estão a dar nesses anos, precipitando e agravando mesmo a conjuntura financeira que a Europa vivia. O encarceramento do banqueiro, um dos mais influentes da Europa seu tempo - credor de Carlos V, Henrique VIII ou D. João III – foi, não há dúvida, um rude golpe para os capitais internacionais que circulavam na cidade do Escalda, pois deviam-se aos Mendes e aos italianos Affaitadi o monopólio da venda de especiarias naquela praça financeira do Mar do Norte[15] . É esta uma das razões que leva de imediato D. João III a interceder pela libertação de Diogo Mendes junto do seu cunhado, o imperador Carlos V.

O mundo está a mudar, no segundo quartel do século XVI[16]. Às fases depressivas seguem-se em alternância curvas ascendentes, que no seu conjunto compõem os ciclos da vida económica, mas o que interessa aqui realçar, é que o espaço temporal abrangido pela governação de D. João III (1521-1557) coincide com esta fase, na qual uma depressão faz a sua erupção, vão suceder-se implicações nefastas para o aparelho da Coroa e para a economia, incluindo o espaço imperial, tornando difícil a recuperação. Atente-se na circulação dos metais preciosos. Em 1525-1526 a escassez da prata alemã e o esgotamento do ouro da Costa da Mina, metais utilizados na compra de especiarias e de outros produtos de que Portugal era deficitário, condiciona a circulação de mercadorias. Acresce a concorrência simultânea de dois novos espaços políticos. Na Europa Ocidental, Carlos V reúne, numa única entidade política, os principados, cidades e bispados alemães, a Flandres, o Franco-Condado, as Duas Sicílias, o Ducado de Milão, a Espanha unificada e todo o seu império das Índias do Novo Mundo[17]; no Mediterrâneo Oriental, o Império Otomano conquista a Síria e o Egipto, e abre uma porta para o Índico através do Mar Vermelho, enquanto intervém no Norte de África. Eis dois novos atores no palco das relações internacionais. Dois novos concorrentes de peso para o império português, nas esferas política e económica, que colocam novos desafios às ambições imperiais de Portugal e das suas elites sociais e económicas. 

A última depressão a atingir o reinado do Piedoso, denominada de “viragem estrutural", verifica-se entre 1545-47 e 1551-53. Nada voltará a ser como dantes. São seis anos de mudanças contundentes[18]. Desenha-se o fim do domínio português sobre a maior parte das cidades do litoral marroquino, como resultado do aparecimento dos Xarifes do Suz; os ingleses começam a interferir regularmente nos mercados da África Ocidental; mercadores turcos e venezianos instalam-se em Bassorá, Ormuz e no Malabar, ameaçando perigosamente o monopólio comercial português no Índico; a Coroa portuguesa encerra a feitoria de Antuérpia, sinal das dificuldades financeiras e da diminuição do fluxo de tráfico marítimo dos produtos ultramarinos. Os novos tempos obrigavam à introdução de reformas profundas, a repensar seriamente a organização administrativa da máquina burocrática da Coroa e a controlar os custos com a manutenção das possessões imperiais que não paravam de aumentar no Atlântico, no Índico, no Pacífico. A balança comercial, sempre muito deficitária, deparava-se com o engrandecimento oneroso da burocracia e das estruturas administrativas. Para suprimir o deficiente cofre das suas finanças, a Coroa vai contrair empréstimos. Alguns desses credores são cristãos-novos[19].

Todas estas mudanças de cariz económico e social são acompanhadas pelo clima de confronto religioso que se vive um pouco por toda a Europa, que se cinde em partidos religiosos, movimentos, fações, com diferentes programas e diferentes visões sobre a melhor forma de reformar a Igreja. Atingidos pelo debate religioso interno, alguns Estados mergulham em longas guerras fratricidas que ameaçam a sua própria integridade. A França encontra-se na primeira linha destes conflitos religiosos e das dissensões internas, mas, ali ao lado, o Império de Carlos V, que conhecera em primeira-mão as ideias de Lutero, ameaça ruir como um baralho de cartas, dividido entre bispados, cidades, principados, cada um destes “micro" poderes a defender posições diferentes sobre a Reforma religiosa.

É neste clima de confronto religioso, por um lado, e de mudança estrutural da economia mundial, por outro, que se terá de analisar as relações entre os impérios português e otomano.

Nos séculos que antecederam as conquistas e a formação de um império, entre a Ásia e a Europa, os otomanos assumiram um papel de intermediários entre o Oriente e o Extremo Oriente, nomeadamente no controlo das rotas caravaneiras da Ásia central. Com a conquista de Constantinopla em 1453, os turcos otomanos estabeleceram acordos comerciais com genoveses, florentinos, venezianos, reservando para si o comércio marítimo próximo da Anatólia. Esse espaço despertava grande interesse económico e comercial a uma indústria europeia nascente. O império turco otomano usufruiu num primeiro momento dos conhecimentos técnicos e comerciais das colónias de estrangeiros que permaneceram no seu território, mas quando alargaram o império procuram integrar no seu próprio sistema económico os novos espaços, regulamentando a seu favor a atividade económica e comercial[20].

Quando é conquistada Constantinopla, o poder turco otomano teve como prioridade o controlo dos estreitos do Mar Negro para se lançar no domínio do Mediterrâneo oriental, por terra e mar[21]. A construção naval foi incrementada e recrutados corsários (Kemal Reis, Burak Reis e Piri Reis) para levar a efeito uma guerra naval que permitisse o domínio da navegação e do comércio marítimo, através da tomada de ilhas e bases navais, como Negroponte e Gallipoli, de onde projetavam o seu poder naval, para reduzir o movimento e a manobra das armadas inimigas, nomeadamente a veneziana.

Os mamelucos mantiveram um domínio sobre o território egípcio e sírio, apesar do avanço turco-otomano. Herdeiros da dignidade califal sunita, os mamelucos controlaram até 1517 alguns dos principais portos do Levante: Beirute, Cairo e Alexandria, o Mar Vermelho. Na sua maioria de origem turca, impõem-se pela força das armas e por uma rede de alianças[22], que lhes permite a sustentação de um poder militar e político sobre algumas das áreas geográficas mais importantes na confluência entre a Europa, a África e a Europa. O Egipto, em particular, tinha um papel bastante importante nas trocas comerciais, entre os três continentes, e no desenvolvimento de produtos manufaturados, como o algodão, açúcar e os cereais eram procurados e variados mercados . De facto, os grandes mercados distribuidores nos séculos XIV e XV, para o Mediterrâneo, Europa Central e do Norte[23], são os eixos Cairo-Alexandria e Damasco-Beirute, onde um conjunto de especiarias e drogas se encontra disponível, incluindo o raro e dispendioso almíscar, produtos que viajem de leste para oeste. 

O Mediterrâneo permaneceu um importante espaço comercial e estratégico para Portugal[24].  Os judeus sefarditas que se impuseram como um elemento de dinamização económica e social na capital otomana, Istambul, servindo de intermediários entre poderes políticos e militares, com destaque entre venezianos e otomanos[25],  tiveram um papel igualmente importante na canalização de informações para a Coroa portuguesa sobre a ameaça turca aos interesses portugueses, sobretudo no Índico e no Golfo Pérsico, 

Grande via de comunicação entre o Oriente e o Levante mediterrâneo, o golfo Pérsico tem litorais pobres, mas dispõe de cavalos para exportar, tem ainda no fundo do mar de jazidas de pérolas e de uma ativa e frenética ligação marítima entre a costa de Mascate e Ormuz com ligação deste porto a Bassorá. A partir deste ponto abra-se uma rota que vai da Pérsia, Turquia, Damasco, Alepo seguindo para Veneza e Génova. De Bassorá vem para Ormuz vem muito metal amoedado[26].

A rota do Cabo e o bloqueio do Mar Vermelho à navegação no Índico, tinham contribuído para o colapso do império mameluco[27] que, privado das suas receitas e onerado com pesadas despesas para envio de forças navais e terrestres até ao golfo de Cambaia, não tem força suficiente para impedir a sua absorção pelo antigo aliado, o império turco otomano, em 1517.

Os turcos otomanos ocuparam a maior parte do Iraque em 1534-1535. O comércio através do Mar Vermelho que nunca foi na sua totalidade erradicado, voltou a reanimar-se em 1540, ainda que as os circuitos do Golfo Pérsico e do cabo da Boa Esperança permanecessem bastante ativos. A produção de especiarias na Ásia e a sua procura na Europa duplicaram na segunda metade do século XVI e os preços acompanharam esse incremento, chegando a triplicar o seu preço[28]. Nesse sentido, o império turco otomano procurou ter acesso a esses circuitos; conquistaram Adem em 1538 e Bassorá em 1546, limitando de certa forma a atuação dos portugueses na entrada das águas do Mar Vermelho e concorrendo no Golfo Pérsico, enfrentando a Pérsia xiita, com quem estava em guerra permanente[29].

Com os otomanos a controlarem todas as escalas levantinas, desde 1517, e as vias  do Próximo Oriente, através da anexação do Iraque(1535) e de Bassorá (1546), o o que estava em causa era impedir que chegassem à Europa, pelas escalas do Levante, a pimenta e outras especiarias e drogas, que viessem a limitar o escoamento desse stock de produtos a partir de Lisboa. Nessa perspetiva, os sucessos e os fracassos do império português, estavam dependentes, de alguma forma, do que se passava no quadro político e económico de outros impérios e poderes: inicialmente do espaço controlado pelos mamelucos, em seguida no império otomano e safávida[30].

O  que não deixa de ser curioso, é  que se em meados da década de 1530 e no início de 1540 os otomanos estavam a planear uma posição de força no Guzarate, tal ambição perde força com o seu “aventureirismo militar" no golfo Pérsico,  esforçando-se por consolidar a conquista de Bassorá, com a preocupação de reverter os custos dessa ocupação, promovendo nos anos de 1540 o comércio com Ormuz e mesmo com Goa, ao mesmo tempo que encetavam contactos diplomáticos e trocavam embaixadas com o Estado Português da Índia[31]. O império turco otomano não abandonou os seus aliados indianos e sudeste-asiáticos (Achém)[32], mas a sua estratégia a curto prazo alterou-se. A ações concentraram-se fundamentalmente nas duas margens do golfo Pérsico (Bahrein e Musqat) e as intervenções na Índia Ocidental e no Achém, motivadas por pressões internas e eternas de alguns grupos, são mínimas[33], em termos de forças navais e terrestres, o que não deixava de ser alvo da atenção dos informadores ao serviço do império português. A conquista de Bassorá em 1546 delimita o expansionismo turco-otomano, impedindo-o de ser mais contundente em espaços de grande interesse para os portugueses. 

 

A busca de informações sobre o poder naval turco

Portugal exportou poder organizado para o Índico no início do século XVI[34], de que o exemplo mais ilustrativo é a armada comandada por D. Francisco de Almeida, primeiro vice-rei do Estado Português da Índia, que largou de Lisboa em 1505. Tratou-se de um conjunto de estruturas políticas, institucionais, religiosas e militares, que passaram a constituir Estado Português da Índia, com um centro de poder (Goa), que exercia autoridade política e administrativa sobre um (vasto) espaço descontinuo, estando a seu cargo a defesa e mobilização de forças militares, nomeadamente, armadas fortemente artilhadas e o transporte de homens para combater no mar e em terra.

O desenvolvimento das atividades de espionagem e da procura de informações sobre o "turco" é um dos fatores mais evidentes do poder organizado que os portugueses tinham exportado da Europa. As informações, sobretudo acerca do poder naval turco otomano e das suas atividades marítimas, eram um instrumento decisivo no confronto estratégico e na disputa comercial entre os dois impérios, o português e o da Sublime Porta[35]. Esta disputa vai levar ao estabelecimento de uma rede de informadores, que recolhe e canaliza informações para os centros de decisão portugueses, na corte em Lisboa, mas igualmente para o governo do Estado Português da Índia, em Goa.  Essa informação é veiculada em inúmeras missivas, nos contactos entre governadores e entre estes e o Rei. As informações relativas às questões navais e marítimas assumem, como referido, particular relevância, na medida em que o poder português no Oriente assenta fundamentalmente no mar.

Tanto no Mediterrâneo como no Mar Vermelho e Índico, ou no Golfo Pérsico colidiam com os interesses dos Otomanos com os de Habsburgos e Portugueses. A questão de Bassorá estava em suspenso, ocupando os interesses da diplomacia portuguesa; muita especiaria afluía ao Levante; o poder naval turco crescia no “mar interior"; as hostes de janízaros avançavam e subiam os Balcãs e deslocavam-se em direção ao Ocidente. Todas estas preocupações levaram à formação de uma rede de informações para Portugal, sobre o império turco e as suas forças navais em meados do século XVI[36]. Relativamente ao mapeamento desse confronto militar e estratégico, a que não foram as alheias as relações diplomáticas e as negociações[37], destaca-se a seguinte a seguinte cronologia: 1526-1546, em que o foco está situado no Mar Vermelho e os combates e ações que têm lugar no seu interior e a parte daí. Desde a conquista do Egipto os otomanos tinham mostrado a sua vontade de intervirem no oceano Índico, mas os preparativos para esta intervenção prolongaram-se, o que não deixa de causar interrogação[38], em face de terem herdado uma esquadra pronta a navegar, forças militares e uma base naval situada no Suez. Essa demora na projeção para o Índico ficou a dever-se, certamente, aos combates e ações militares que se travaram até essa altura, no Norte de África, no Mediterrâneo central e oriental e em território europeu, na tentativa de expandir-se para Ocidente os exércitos do Sultão,  

 Em 1538 os otomanos aumentam a sua pressão no índico e levam a cabo, sem sucesso, uma robusta ação de cerco à cidade de Diu, onde se encontram os portugueses. A armada turca acabou por levantar o cerco sem lograr vencer os portugueses, ao que tudo indica, por dificuldades logísticas, preparação deficiente das forças navais e militares que integravam a expedição, e o surgimento de desentendimentos no comando da operação de cerco, entre o capitão turco Suleimão Paxá e o capitão das forças guzarates, Khawaga Safar[39].

 Por fim, a data de 1546, os combates estendem-se ao Golfo Pérsico, após uma campanha vitoriosa contra os persas xiitas da mesopotâmia, conquistam Bassorá, logrando uma saída para o Golfo Pérsico e o acesso ao Índico, por essa via[40]. Contudo, os otomanos tiveram dificuldade em operar os seus navios nesse mar, pois não dispunham de bases e instalações navais apropriadas, e o seu equipamento naval para as primeiras campanhas teve de ser transportado a partir das suas bases navais, do Suez e judah, situada nos Mar Vermelho[41]

No ano de 1539, D. João de Castro questionava-se, em carta ao rei D. João III, “como cuyda alguém que se pode fechar ho Oçeano Indico aos turquos?" Não seria necessário o mesmo para o Golfo Pérsico? O futuro governador do Estado Português da Índia era da opinião que se devia recear mais o perigo turco em Bassorá, na boca do Eufrates e em Ormuz, que o seu ataque a partir de Suez e do Mar Vermelho[42].

 D. João de Castro desaconselhava a utilização de galés nos mares do Oriente, porque “velhas e mal repairadas", a sua manutenção era onerosa para os cofres da Coroa, sendo preferível o armamento de galeões e caravelas[43]. De facto, na tipologia de navios que engrossavam as esquadras portuguesas, o galeão português surge como uma resposta ao crescente poder turco otomano nos mares, na utilização de galeões e galés otomanas, principalmente estas[44]. E as notícias davam conta da expansão marítima e territorial turca. Em 1540, segundo D. João de Castro dominavam os portos e lugares do mar arábico e controlavam o estreito de Adem. Perante o crescente poder turco, seria necessário reforçar as armadas e fortificar as posições portuguesas. No entanto, as notícias não eram as melhores, segundo o roteirista, “A costa da jndia esta chea de fortalezas e castelos homde se consomem as remdas da India e quamta fazenda vem de Portugall, sem que della se terá outros frujtos saluo apreçõis e trabalhos […]." Para D. João de Castro, não se poderia, também, iludir o facto de haver poucos homens para combater, e dispersos, podendo o turco alcançar com facilidade a barra de Goa[45].

Quando os otomanos conquistaram o Egipto e se expandiram para o mar Vermelho em direção ao Índico, passaram a enfrentar o mesmo desafio que anteriormente os mamelucos já tinham defrontado: um poder marítimo dotado de um claro objetivo económico, que se apoiava numa organização comercial[46]

Enquanto se aliavam com os guzarates no cerco às forças os portugueses em Diu, em 1546, os otomanos mobilizavam forças militares na descida do Eufrates para ocupar posições em Záquia e Bassorá, no Golfo Pérsico, o que era uma ameaça clara à posição portuguesa em Ormuz.

Luís Falcão, informava a partir de Ormuz D. João de Castro, a 14 de dezembro de 1546, que os rumes “trazem por mar cemto e syquoenta navyos pequenos de seys remos por bamda, como ojá tanho espryto a Vosa S., e algumas bascasas em que trazem artelharya; sua detrymynação não he boa e se desta vez não tomão Baçora tenha Vosa S. por certo que nom hamde llevar mão deste neguoceo ate ho não acabem, e por yso he necesareo acudir lhe Vosa S. com tempo[..]. Nesse sentido era necessário reforçar o dispositivo naval na região, pelo que se enviava uma proposta. “Meu parecer he que Vosa S. deue de mandar com muyta presteza navyos e gemte, porque se hos rumes tomarem Baçora rrezão he que esteja esta ffortalleza  muy percebida e vyerem há tempo que nom seja tomada[…]."[47]

A 26 de abril de 1547, D. Manuel de Lima informava D. Álvaro de Castro, que alguns navios turcos  tinham saído de Suez  e que tudo indicava que nesse ano  a “armada do turco"  se iria dirigir a Ormuz, que se assim fosse, a posição portuguesa no Golfo Pérsico ficaria vulnerável, pois em Ormuz “estaa muj pouca gente e não estão hi mais que os casados, e os turcos que estam em Baçora são dous mil  e dizem que o passatempo que eles teem de tirar com espingardas[..]."[48]

 No entabular de relações diplomáticas entre o capitão de Bassorá e o governador de Ormuz, D. Manuel de Lima[49], colocava-se a possibilidade de serem construídos muitos navios em madeira transportada do Eufrates; ficava-se ainda a saber que no Suez se encontravam 44 galés armadas, prontas a zarpar para qualquer eventualidade.

O bispo do Porto[50], à semelhança de outros prelados, tentava manter a corte portuguesa ao corrente da notícia do “turco2 e das suas armadas. Em uma das suas missivas, escreve:

[..] quoamdo me party de Veneza encomemdey muyto a Fernão Rodriguez de Castelo Bramco que me sprevese todas as novas que das cousas da india e do turquo podese saber das naos que hy vyesem d'Alexamdrya e elle me spreveo duas cartas ssobre ysso que com estaa vão polas quaes Vossa Alteza vera o que diso se pode em Veneza saber.


A cúria romana e o Mediterrêneo eram dois locais privilegiados para a recolha de informações sobre a frota otomana. O testemunho de Tomé Pegado de Paz, um cristão-novo, à Inquisição portuguesa, revela-nos em grande medida a importância que as informações sobre a vertente naval e marítima turca tinham neste tipo de interrogatório e de como funcionavam essas redes de espionagem. O cristão-novo carreará a informação que, do seu ponto de vista, importava à sua defesa pessoal e, claro está, aquela que os próprios inquisidores estariam mais interessados em ouvir, relacionada com o Império turco, as suas armadas e estratégias. Questionado sobre a eventualidade de o turco enviar uma armada à Índia, respondeu que a única informação que tinha era a de que os turcos se preparavam para cortar “çerto pas[s]o no ryo Nyllo pera poderem pas[s]ar muitas gallees."[51]

 Refere ainda Tomé Pegado, que o embaixador do Achem se deslocara à corte turca, em 1562 ou 1564, em busca de auxílio naval, contra os portugueses, para a conquista de Malaca, tendo Matias Bicudo[52], um judeu de Alepo, recrutado por Lourenço Pires de Távora, quando embaixador em Roma no ano de 1559, vindo do Cairo para Instambul, no intuito de saber notícias sobre as galés que o Sultão pretendia lançar no Índico. Joseph Nasci, outro cristão-novo com notável influência junto do poder otomano, apercebendo-se que Bicudo estava ao serviço dos portugueses, envia Tomé Pegado de Paz no seu encalço, numa primeira missão, antes de o enviar à corte gaulesa. Segundo agora o testemunho de próprio Tomé Pegado, ele próprio alertou Matias Bicudo, em Alepo, quando este tentava alcançar Ormuz, aconselhando-o a desviar caminho para não ser detido[53].

Toda esta teia de informações estava relacionada com a aliança entre o sultanato de Achém e o império otomano, que se inicia a partir da década de trinta do século XVI, e que tem na sua base as ligações entre o sueste asiático e a Rota do Levante. Desde a segunda metade do século XVI a Ásia do sudoeste assiste a um reequilibro geoestratégico e económico de grande amplitude, sobretudo motivado pela dinâmica expansionista do Sultanato de Aceh, o grande rival da cidade de Malaca, controlada pelo portugueses[54]. Nos anos de 1537-1538, aquele sultanato recebe de Solimão o Magnífico (1520-1566), um contingente de 300 homens de guerra e em 1562, mais de 500 turcos adestrados em artilharia, que vão contribuir para a a conquista de Aru em 1564[55].

Uma pedra angular desta estrutura de informações eram os judeus - que estavam bem posicionados no terreno, em lugares estratégicos, para obtenção de informação[56] - muitos deles anteriormente cristãos-novos, mas que perseguidos pelas Inquisições espanhola e portuguesa, tinham regressado ao judaísmo e ao Mediterrâneo , atraídos pelas novas oportunidades que se abriam no Levante.

 

Considerações Finais

Na primeira metade do século XVI, a expansão dos portugueses pelo Índico Ocidental encontrou a resistência, não só dos muçulmanos que dominavam o comércio local, mas também de algumas cidades-estado, que se aliaram ao império turco otomano

O termo “Índia" confundia-se com todo o Oriente, isto é, com todas as terras que estivessem para leste do cabo da Boa Esperança. “Índia" era, assim, um termo usado com alguma ambiguidade. Na segunda metade do século XVI, o cronista João Barros identifica a “regiam a que os geographos própriamête chamã Jndia, é a térra que jáz entre os dous jllustres & celebrados rios Jndo & Gange, do qual Indo ella tomou o nome [...]."[57]

A Índia estava profundamente dividida entre hindus e muçulmanos[58].  O território repartia-se numa miríade de reinos, principados e “pequenos" poderes, muitos deles rivais e inimigos, combatendo-se mutuamente. Os mongóis ainda não tinham atravessado as montanhas do Hindo-Kush. O Norte fora invadido e conquistado por muçulmanos, sendo os sultanatos de Guzarate, Delhi e Bengala um produto desse domínio. O planalto do Decão fragmenta-se politicamente entre cinco sultanatos que se guerreavam entre si e enfrentavam um poderoso vizinho hindu – o império de Vijayanagar, que os portugueses denominaram por reino de “Bisnaga". A região costeira do Malabar, a sul de Goa, encontrava-se nas mãos de príncipes independentes, os Rajás hindus. Zinadim, um cronista muçulmano da segunda metade do século XVI, refere a esse respeito que “Os príncipes do Malabar estão divididos em duas parcialidades, a dos aliados do samorim, e a dos príncipes de Cochim[...]."[59]

Tirando partido das rivalidades e dos jogos do poder que se teciam na Índia, entre finais do século XV e princípios do século XVI, aliando o poder de fogo dos seus navios, a superioridade técnica em vários domínios (construção naval, fundição, armamento, fortalezas defensivas) e a surpresa que causaram aos potentados locais, os portugueses adquiriram rapidamente supremacia marítima no Índico. No curto espaço de quinze anos, numa região tão distante, ergueram um sólido Império, controlando pontos-chave do comércio asiático:

O motivo da sua vinda ao malabar, segundo se diz, foi entrar em relações com o país da pimenta, a fim de que monopolizassem o seu comércio, porque antes só a podia haver comprando-a a intermediários, que por sua vez a compravam aos que a importavam do Malabar, e estes também indiretamente."[60]


Eis uma dedução de um cronista muçulmano da época.

Na primeira metade do século XVI, os portugueses vão-se adaptando à realidade dos mares orientais. No Índico Ocidental experimentam mais o conflito militar e naval do que as parecerias mercantis. Esta é uma zona de comércio feito com base na guerra naval, que impõe a ordem a um espaço estratégico que abarca as rotas do Mar vermelho, do Golfo Pérsico-Arábico e a Rota do Cabo. Conflito ainda latente no estreito de Malaca, ponto para onde confluem produtos e rotas, articulando o Índico aos mares da China e a Ásia do sueste ao Levante, por intermédio do Sultanato do Guzarate, primeiro, e depois dos otomanos[61]. Porém, à medida que se caminha para o extremo asiático surge muito mais a parceria mercantil que o conflito, no Índico Oriental, na Ásia do Sueste e Ásia Oriental. São pontos do comércio interno asiático que estão em jogo. A superioridade militar-naval, ainda que relativa dos portugueses, face aos otomanos, propicia o poder suficiente  para uma presença competitiva nas redes e circuitos  comerciais  euro-asiáticas e asiáticas, com um impacto assinalável nas hierarquias de poder e na concorrência entre impérios[62].

Interessa-nos destacar o facto de que o império português enfrentar ao longo do século XVI a concorrência e o conflito com outros dois impérios: o otomano e o safávida. Em relação ao primeiro, chegaram até à atualidade um conjunto de testemunhos e registos que nos permitem entender de que forma o império português procurou insistentemente informações e dados sobre os poderes marítimo e naval turco otomano, no sentido de posicionar da melhor forma as suas próprias forças navais e defender os territórios que dominava. Essa busca constante de informações foi pontuada pelo conflito, mas também pela coexistência de posições e pela diplomacia.



NOTAS

[1] Torre do Tombo, Bulas, Maço 35, nº14, fl.1.

[2] LIMÃO, Paula - Portugal e o Império Turco na Área do Mediterrâneo (Século XV), Vol. I, Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Dissertação de Mestrado em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa, 1994, p. 234.

[3] INALCIK, Halill – The Ottoman Empire. The Classical Age 1300 – 1600, London, Phoenix Paperback, 2000, ISBN I 84212 442 0, p. 23.

[4] SUBRAHMANYAM, Sanjay - Holding the World in Balance: The Connected Histories of the Iberian Overseas Empires, 1500–1640, The American Historical Review, Bloomington, ISSN 1937-5239 Volume 112, Issue 5, december 2007, p. 1359–1385, https://doi.org/10.1086/ahr.112.5.1359 (Consulta a 30 de maio, 2022).

[5] O império romano subsistiu ao longo de seiscentos anos, tal como o otomano; o bizantino um milénio; e a sucessão de dinastias chinesas sucederam-se por mais de dois mil anos. Vide BURBANK, Jane; COOPER, Frederick – Empires in World History. Power and Politics of Difference, New Jersey, Princeton University Press, 2010. ISBN 978-0-691-15236-3. p. 2-3.

[6] Idem, ibidem, p.2.

[7] Ver MACEDO, Jorge Borges de - História Diplomática Portuguesa. Constantes linhas de força. Estudo de geopolítica, [s. loc.], Edição da Revista Nação e Defesa, [s.d.]. p. 94-95.

[8] Importa diferenciar o fator “poder marítimo" (potencial no uso do mar: portos, comércio, navios de pesca e de comércio, dinâmica económica, população vocacionada para a vida marítima), da vertente “poder naval" (capacidades militares no mar, projeção de forças, defesa de portos, esquadras prontas e adestradas, navios disponíveis para combate, meios de bloquear portos e costas, e impedir o adversário de “usar" o mar e comunicar através das suas águas).

[9] CARDOSO, Pedro-As Informações em Portugal, Lisboa, Gradiva/Instituto de Defesa Nacional, 2004. p. 146 e 210. O autor chama a atenção, para o facto, de entre as atividades que propiciam a recolha de informações, a vertente diplomática é um campo profícuo de análise sobre as situações que se desenvolvem entre poderes (p.210). 

[10] Para esta temática ver KUMAR, Krishan – Visões Imperiais. Cinco Impérios que mudaram o Mundo, Lisboa, Lisboa, Edições 70, 2017. ISBN 978-972-44-2017-2. p. 135-140.

[11] Entre o fim do século XIX e o início do século XX, o nacionalismo turco emergiu, colocando em causa as bases do próprio império.

[12] Segundo Fernand Braudel, em 1489, Alexandria representava possivelmente para Veneza três milhões de ducados. Ainda segundo o mesmo autor, no mesmo ano da partida da frota de Vasco da Gama para a Índia, em 1497, a Senhoria envia para a Síria e o Egipto, juntamente com as suas mercadorias, mais de trezentos e sessenta mil ducados em dinheiro contado. Nesse âmbito, o marco de prata (porque é de metal branco que se trata agora) aumentou mais de cinco grossi por marco. Veneza investe o seu “metal branco" para reconduzir para canalizar para o seu porto - segundo o esquema habitual - a pimenta, as especiarias, as drogas, os algodões, os linhos, as sedas. A garantia dos negócios na Síria e no Egipto, era dada pelos Mamelucos que controlavam esses territórios, mas os Turcos derrotam os sultões do Cairo de 1516 a 15 17, e integram aqueles territórios no seu império. Vide BRAUDEL Fernand - O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo, 2ª ed., Vol. I, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1995. ISBN, p. 435.

Sobre os aspetos económicos desta viragem, veja-se GODINHO, Vitorino Magalhães - A Viragem mundial de 1517-1524 e o império português, Ensaios II, 1ª ed. Lisboa, Sá da Costa, 1968, pp. 188-189; do mesmo autor “Flutuações económicas e devir estrutural do século XV ao século XVII", ibidem, pp. 245-280. Veja-se também OLIVEIRA, Aurélio de, “O Tempo Económico no Tempo de Gil Vicente", Revista de Guimarães, n.º 112, Jan.-Dez. 2002, pp. 229-304.

[13] A. A. Marques de Almeida, “O Zangão e o Mel…", p. 33.

[14] Idem, ibidem, pp. 25-35.

[15] Os Mendes controlam a partir de 1525 o pingue comércio das especiarias. D. João III estava refém, no que aos aspetos financeiros e comerciais dizia respeito, destas duas Casas de mercadores -banqueiros (Mendes/Affatadi), dependendo dos seus capitais e dos produtos que forneciam para o comércio com o Oriente. Vide J. A. Goris, Op. cit. pp. 562-564. A. A. Marques de Almeida estudou o papel destas famílias no comércio das especiarias, Veja-se ALMEIDA, A. Marques de Capitais e Capitalistas no Comércio da Especiaria, ed. cit., pp. 45-47. 

[16]O Mundo está a mudar, por alturas de 1521". A Frase é de Vitorino Magalhães Godinho, “A Viragem mundial de 1517-1524 e o império português", p. 141. Neste ano, o primeiro do seu governo, D. João III depara-se não só com a emergência de uma nova realidade europeia, que já vinha tomando forma nos últimos anos do reinando do seu pai, como também mudanças que ameaçavam abalar as estruturas socioeconómicas vigentes. As dificuldades espreitavam, na verdade. Fontes da época registaram que foi “o ano de 1521 rico e próspero de festas […], mas tão pobre e estéril dos fruitos da terra, não só em Portugal mas por toda a Espanha e até em África, que deu manifesto e triste agouro da infelicidade em que havia de acabar [o reinado de D. João III]." – ANDRADA, Francisco de introdução e revisão de Manuel Lopes de Almeida, Porto, Lello & Irmão Editores, 1976, p. 7.

[17] A Espanha imperial de Carlos V desequilibra nitidamente a seu favor todo o quadro geoestratégico peninsular e até europeu.

[18] Há vários fatores que caracterizam esta fase depressiva da economia portuguesa, cujos efeitos levam à falência das finanças régias, com impacto decisivo, por sua vez, no sector financeiro e económico interno e de todo o Império. Entre o fecho da feitoria de Antuérpia (1549) e a Casa da Índia (1560), dá-se toda uma série de acontecimentos sociais, que caminham a par com graves dificuldades do aparelho produtivo e das finanças públicas. Veja-se Aurélio de Oliveira," O Tempo Económico de Gil Vicente", pp. 235-238; Vide também A. A. Marques de Almeida, “Finanças Públicas", História de Portugal, Dir. de João Medina, loc. cit.

[19]  Torre do Tombo, Corpo Cronológico, parte II, maço 145, n.º 143.

[20] Ver LIMÂO, Paula, Portugal e o Império Turco na Área do Mediterrâneo (Século XV), Vol. I, Lisboa, Dissertação de Mestrado e História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa orientada pelo Professor Doutor António Dias Farinha Apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 1994, pp. 62-64.

[21] LIMÂO, Paula, Op. cit., p. 67- 68.

[22]Idem, ibidem. p 73.

[23] “Cristandade" segundo GODINHO - Vitorino Magalhães, Mito e Mercadoria. Utopia e Prática de Navegar, Lisboa, Difel, 1990, p. 325.

[24] Ver Paula Limão, Op. Cit., p. 141 e ss.

[25] Ver LIMÂO, Paula, Op. Cit. p. 222.

[26] GODINHO, Vitorino Magalhães - Mito e Mercadoria. Utopia e Prática de Navegar, p. 402.

[27] GODINHO Vitorino Magalhães - Mito e Mercadoria. Utopia e Prática de Navegar, p. 423.

[28] Vide BOXER C. R., O Império Marítimo Português 1415 -1825, Lisboa, Edições 70, imp. 1992, pp. 70-71

[29] C.R. Boxer, Op. cit., p. 65.

[30] Sanjay Subrahmanyam, - Impérios em Concorrência, Histórias Conectadas nos séculos XVI e XVII, Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais, 2012, ISBN 978-972-671-300- , p.36.

[31] Esta expressão designava no século XVI, não um espaço bem definido, mas todo um conjunto de territórios, estabelecimentos, bens, pessoas e interessas administrativos, geridos ou tutelados pela Coroa no oceano Índico e mares adjacentes e territórios marítimos, num espaço que ia do cabo da Boa Esperança ao Japão. Vide THOMAZ, Luís Filipe F. R. - Estrutura Política e Administrativa do Estado da Índia no Século XVI, De Ceuta a Timor, 2ª ed. Lisboa, Difel, 1998. ISBN 972-29-0308-X. p. 206.

[32] SUBRAHMANYAM, Sanjay - Impérios em Concorrência, Histórias Conectadas nos séculos XVI p.125.

[33]  Idem, ibidem, p.168.

[34] Ver MACEDO Jorge Borges de, “Portuguese Model of State Exportation", In The Heritage of the Pre-Industrial European State, pp.25-31.

[35] COUTO, Dejanirah, “L'espionnage portugais dans l'empire ottoman au XVe siècle, In La Decouvert, le Portugal, l'Europe, Actes do Colloque, Paris, Fundion Calouste Gulbenkian, Centre Culturel de Paris, de 267.

[36]  Veja-se CRUZ, Maria do Rosário de Sampaio Themudo Barata de Azevedo Op. cit., p. 103 e passim.

[37] A aproximação foi efetuada por várias vias e meios, inclusive entre os dois detentores do poder, o Rei português e o Sultão otomano. Ver ÖZBARAN, Salih – Na Imperial Letter from Süleyman the magnificient to Dom João III Concerning Proposal for na Ottoman-portuguese armistice, [..]m The Ottoman Response to European Expansion, Istambul, The Isis Press, 1994. ISBN 975-428-066-5. p. 11-118.

[38] Para alguns autores, como GODINHO, Vitorino Magalhães – Os Descobrimentos e a Economia Mundial, 2ª Ed., Vol., III, Lisboa, Editorial Presença, 1994. ISBN. p. 118-119.

[39] Veja-se JESUS, Roger Lee de – A Governação do “Estado da Índia" por D. João de Castro (1545-1548) na Estratégia Imperial de D. João III, Coimbra, Tese no âmbito do Doutoramento em História, especialidade História Moderna, Universidade de Coimbra, 2021. p.47.

[40] Ver COSTA, João Paulo Oliveira e; RODRIGUES, Victor Luís Gaspar – Portugal y Oriente. El Proyecto Indiano del Rey Juan, Madrid, Editorial Mapfre, 1992. ISBN. p. 205-209.

[41]  ÖZBARAN, Salih – The Ottoman Turks and the Potuguese in the Persian Gulf, 1534-1581, [..]. The Ottoman Response to European Expansian, p. 130,

[42] Carta de D. João de Castro a D. João III (1539?), In Obras Completas de D. João de Castro, Lisboa, Academia Internacional da Cultura, 1982, p. 21.

[43] Ibidem, pp.21-22.

[44] Tal como referem os estudos recentes. Vide PISSARRA, José Virgílio– Portugal e o Desenvolvimento das Marinhas Oceânicas. O Galeão Português, Doutoramento em História, Especialidade História dos Descobrimentos e da Expansão Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2016. p.264.

[45] Carta de D. João de Castro ao Infante D. Luis, 30 de outubro de 1540, in Obras Completas de D. João de Castro, Vol. IV, p. 28.

[46] ÖZBARAN, Salih, “Expansion in the Southern Seas", in The Ottoman Response to European Expansion, p.81.

[47] Carta de Luiz Falcão para o governador D. João de Castro", 14 de dezembro de 1546, in Luís de Albuquerque, p. 381.

[48] Carta de D. Manuel de Lima a D. Álvaro de Castro", 26 de abril de 1547, in Luís de Albuquerque, p. 381.

[49] Veja-se ALBUQUERQUE, Luis de,“O Domínio Português no Índico e a resposta turca" In […], Estudos de História, Vol. V, Coimbra, Universidade de Coimbra, 1977, pp. 232-233.

[50] Carta do bispo do Porto a D. João III a respeito das coisas do Concílio Tridentino. Roma, 1547, Novembro, 7, in As Gavetas da Torre do Tombo I (GAV I-II), 435 II, 5-37, Lisboa, Centro de Estudos Ultramarinos, 1960, p. 687.

[51] ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 10906, fl. 11 v.º. 

[52] Sobrinho de Isaac Bicudo, que passava informações sobre o turco via Veneza e Roma à Corte portuguesa e ao vice-rei da Índia. Veja-se CRUZ, Maria do Rosário de Sampaio Themudo Barata de Azevedo - Os Diplomatas Portugueses em Roma no Século XVI e as informações acerca do Turco e da Índia, Separata de Portugaliae Historica, 2ª Série, Vol. I, 1991, pp. 105 e ss.; e TAVARES, Maria José Pimenta Ferro, “Judeus, Cristãos Novos e os Descobrimentos Portugueses, Sefarad , XLVIII 2 (1988), pp. 296-297.

[53] Torre do Tombo, Inquisição Processo 10. 905, fl. 8.

[54] COUTO, Dejanirah. D'Aden à Aceh : routes maritimes, réseaux marchands Rumi-Gujarati Et intereférences portugaises (XVIe siècle). Revue Historique de l'océan Indien, Association historique internationale de l'océan Indien, 2018, Routes, Flux et Réseaux en Indianocéanie Du VIIIe siècle à nos jours, pp.49-62. ffhal-03249773, p. 57.

[55] BARRETO, Luís Filipe – Lavrar o Mar. Os Portugueses e a Ásia c. 1480- c.1630, Lisboa Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, ISBN 972-787-024-4. p. 36.

[56] Os judeus encontravam-se, no século XVI, entre os que estavam na posse de informação por via do comércio. Vide COUTO, Dejanirah - L'espionnage portugais dans l'empire ottoman au XVe siècle. p.249; e BURKE Peter - A social History of Knowledge, Cambridge, Polity Press. 2000, p. 155-156.

[57] Ásia de João de Barros, Primeira Década, fac-símile da edição de 1932, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1988, p. 144.

[58] Veja-se descrição política e religiosa da Índia, em meados do século XVI, feita por BOXER, C.R., O Império Marítimo Português (1415-1825). p. 57.

[59] História dos Portugueses no Malabar por Zinadím, manuscrito árabe do século XVI traduzido por David Lopes, 2ª Ed., Lisboa, Edições Antígona, 1998, p. 44.

[60] História dos Portugueses no Malabar..., p. 53.

[61]  Seguimos de Perto as propostas do Professor Luís Filipe Barreto, ibidem, p. 15-25.

[62] Idem, ibidem, p. 37

 

 


CARLOS MANUEL BAPTISTA VALENTIM

Licenciado em História e Mestre em História Moderna pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; tem o Diploma de Estudos Pós-Graduados em História Defesa e Relações Internacionais (2009) e frequenta o Doutoramento em Estudos de Segurança e Defesa no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa. Atualmente desempenha o cargo de Chefe do Departamento de Museologia do Museu de Marinha. É Membro Emérito da Academia de Marinha e Sócio da Sociedade de Geografia de Lisboa – vogal das secções de História e de Geografia dos Oceanos.

 


Citar este texto:

VALENTIM, Carlos Manuel Baptista – A Busca de Informações Sobre o Poder Naval Turco em Meados do Século XVI – Alguns Dados. Revista Portuguesa de História Militar - Dossier: Da Fundação à Expansão, Séculos XII-XVI. [Em linha] Ano II, nº 2 (2022), https://doi.org/10.56092/JMXJ4423​, [Consultado em ...].

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