A MOBILIZAÇÃO CONCELHIA NA REGIÃO DE RIBACOA ENTRE OS SÉCULOS XII E XIII
Carlos Filipe Afonso
Resumo
Os foros e costumes concelhios da região leonesa de Ribacoa que veio, após o Tratado de Alcañices, em 1297, a ser incorporada no reino de Portugal, são extremamente ricos em informação sobre a vivência quotidiana, incluindo as disposições relacionadas com a prática da guerra. Propomo-nos caraterizar a mobilização de recursos militares concelhios em Castelo Bom, Alfaiates, Castelo Melhor e Castelo Rodrigo, nos finais do século XII e inícios do século XIII, época em que a guerra contra o Islão se ia tornando mais distante, mas ainda assim constituía uma base significativa da economia regional.
Palavras-chave: Reconquista, Ribacoa, Foros Extensos, mobilização concelhia
Abstract
The extensive fueros or municipal customs and usages of the Ribacoa Leonese area – that was incorporated in the Kingdom of Portugal after the Alcañices Treaty of 1297 – deliver much data on the locality's daily life, including norms related to warfare. Our intent is to portray the mobilization of military resources within the municipalities of Castelo Bom, Alfaiates, Castelo Melhor and Castelo Rodrigo, between the late 12th and the beginning of the 13th centuries. This was a period when the war against the Islamic powers was progressively becoming farther yet it kept constituting a significant pilar of the regional economy.
Keywords: Reconquista, Ribacoa, Extended Fueros, Municipal mobilization
Introdução
Em Portugal, desde Alexandre Herculano que, entre as fontes jurídicas medievais normativas dos concelhos, se distinguem o foral dos foros e costumes[1]. De um modo geral, o primeiro constitui o momento fundacional de um município, ao passo que os segundos colmatam lacunas deixadas pela carta de foral[2]. A passagem a escrito dos foros e costumes, ou dos foros extensos, foi uma realidade que eclodiu por toda a Europa no início do século XIII, movimento acompanhado quer pelo direito leonês, quer pelo português, na mesma cronologia[3].
Pela riqueza da informação que proporcionam, os foros extensos são fontes documentais excecionais O mais antigo de que dispomos, para o território português, é um fragmento das posturas municipais de Coimbra, de 1145 que, infelizmente para nós, não transmite nenhuma disposição militar explícita e dificilmente descortinamos preceitos relacionados com a guerra na implicitude[4]. Será necessário aguardar pelo início do século XIII para, no território que mais tarde veio a pertencer a Portugal, encontrar documentos desta natureza que chegaram até aos dias de hoje.
Estes correspondem a quatro foros extensos atribuídos a concelhos da margem direita do rio Côa, três dos quais – Alfaiates (1209-1229), Castelo Rodrigo (1211-1237) e Castelo Melhor (poss. 1237) – foram adaptados do foro extenso de Ciudad Rodrigo e um quarto – o de Castelo Bom (poss. 1237) – reproduz o foro extenso de Cória[5]. Todos constituem repositórios extraordinários, passados a escrito sob a égide de Afonso IX de Leão, e aparentados com os foros de Salamanca, Alba de Tormes, Zamora e Ledesma. Foram confirmados por D. Dinis, entre 1296 e 1298, juntamente com os de Almeida, do Sabugal e de Vilar Maior, que não chegaram até nós[6].
Como abordaremos em seguida, a condição de dupla marca dos territórios em causa, onde diferentes poderes cristãos entravam em contacto entre si, e estes com os poderes islâmicos, assim como a atividade económica predominante – a ganadeira –constituíram condições que fomentaram o estabelecimento de um conjunto muito detalhado de disposições militares. Estas permitem não só compreender muitos aspetos bélicos inerentes às populações que habitaram a região nos séculos XII e XIII, mas também desenvolver hipóteses de trabalho extensivas a outras áreas geográficas.
Duas ideias concorrem para sustentar esta abordagem. Uma primeira reside no conhecimento de que os foros extensos foram mais numerosos – e, portanto, abrangeram mais localidades – do que os que sobreviveram até à atualidade. Além disso, na sua qualidade de normativa consuetudinária, é possível que muitos nunca tenham chegado à forma escrita. No entanto, pela brevidade de muitos forais e aforamentos portugueses outorgados entre os séculos XII e XIII, é imperativo que as populações se regessem, no dia-a-dia, por sistemas de costumes mais amplos do que os patentes na maioria das cartas que conhecemos.
Em alguns casos, como o do foral de Tentúgal de 1108, os outorgantes – os condes Henrique e Teresa – determinaram que “habeant omnes foros quos in Colimbrie curerint"[7], apontando para a existência de um foro mais extenso na cidade do Mondego que, sabemos, em 1145 estava já passado à forma escrita. Em outros casos, apesar de não termos conhecimento de documentos redigidos, existem indícios da existência de conjuntos normativos consuetudinários mais amplos do que os forais outorgados pelos reis ou senhores, como detetamos no foral de Viseu, de 1123, que alude à “bona consuetudine", ou seja, aos costumes que já vigoravam na urbe antes da concessão da carta[8]; ou ainda no foral de Seia, no qual D. Afonso Henriques declarou conceder à localidade melhores costumes do que os que vigoravam na vila anteriormente[9].
Apesar de certamente existirem ocorrências em que os “foros" a que os diplomas aludem poderem corresponder tão-somente às próprias cartas de foral/ forais breves, não parece ser este o caso na atual Beira Interior. É verdade que o esforço colonizador de ambas as margens do rio Côa, na segunda metade do século XII e início da centúria seguinte, é revelador de duas abordagens distintas: na margem direita, o rei de Leão privilegiou a concessão de foros extensos, ao passo que na margem esquerda, o rei de Portugal outorgou forais breves, sem que haja notícia da existência de foros extensos passados a escrito[10]. No entanto, considerando que os foros representam, em larga medida, direito consuetudinário[11], que antes do século XII a população, em ambas as margens, provinha das mesmas origens, que todo o território em causa permaneceu, entre os séculos VII e XII com um elevado grau de autonomia em relação a poderes centrais[12] e que os sistemas sociais e económicos eram idênticos, é de admitir que, do lado português, sob as cartas de foral e aforamentos concedidos, entre 1130 e 1229, a Numão, Trancoso, Moreira, Marialva, Celorico, Guarda e Vila Mendo, vigorassem costumes mais detalhados, passados de geração em geração, embora nunca registados em documento[13]. É, ainda, verosímil admitir que esses costumes não diferissem muito dos patentes nos foros extensos que conhecemos na margem leonesa do rio[14].
Uma segunda ideia, que confere validade à generalização a outras regiões de certos preceitos patentes nos foros extensos da região de Ribacoa, reside na constatação de que muitas realidades elementares são comuns à maioria dos espaços concelhios, independentemente da sua localização. Por exemplo, a existência de uma economia de guerra, relacionada com a obtenção de um espólio, que incluía cativos, gado e outros bens móveis, é caraterística de boa parte do universo municipal do ocidente ibérico. Acresce que, à semelhança dos municípios da região do Côa que receberam foros extensos do rei de Leão, em todos os concelhos, de um modo geral, a organização administrativa correspondia exatamente à organização militar, cujas principais caraterísticas residiam na existência de uma elite guerreira, coincidente com a elite administrativa, assente na cavalaria-vilã; na presença de um conjunto mais ou menos vasto de tributários, que eram, essencialmente, os peões; na ocasional existência de uma categoria intermédia, a dos besteiros e numa nítida diferenciação de estatuto entre os moradores da vila e os habitantes dos espaços rurais do alfoz, ou aldeias.
Pelas razões aduzidas, os foros extensos de Ribacoa constituem uma fonte de primeira importância para o estudo e compreensão do modo de fazer a guerra e, por conseguinte, dos mecanismos de mobilização e de manutenção do potencial militar, primeiramente das comunidades de fronteira da região ocidental da Meseta a norte do Sistema Central e, por extensão, embora com as reservas adequadas, às comunidades que patenteavam o mesmo tipo de condições de autonomia, de atividades de subsistência e de organização social.
1. O território de Ribacoa
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Figura 1: os reinos cristãos à morte de Fernando Magno (1065) e a região de Ribacoa. MONSALVOANTÓN, 2010, p. 100 (adaptado pelo autor).
Estudar o território de Ribacoa no século XII e início da centúria seguinte permite a análise de um espaço com a dupla caraterística fronteira entre duas entidades cristãs – a leonesa e a portuguesa, em processo de estabelecimento e consolidação – e a estremadura cristã face aos poderes islâmicos, em movimento no sentido sul[15]. A região estudada constitui a parte ocidental de um território mais vasto, a norte do Sistema Central, caraterizada por um desenvolvimento próprio e autónomo dos poderes centrais, onde os reis tiveram dificuldade em penetrar. Com efeito, o seu caráter periférico era uma realidade no período visigodo e na altura do desaparecimento daquele poder, as populações estavam acostumadas ao autogoverno[16]. Profundamente ruralizada, não foi alvo de campanhas muçulmanas nem da cobiça cristã durante os séculos seguintes, tendo-se ali desenvolvido sociedades complexas, com algum grau de sofisticação, mas de governo descentralizado e sem pretensões à expansão territorial[17].
Nestas condições, as elites locais definiram-se como dirigentes militares das comunidades, enquadrando uma atividade bélica orientada para a rapina e a obtenção de saque, igualmente capaz de se defender eficazmente contra-ataques externos. Quando os leoneses chegaram, no século XI, as comunidades locais tinham construído lugares centrais fortificados, a partir de onde controlavam os terrenos de pasto, vigiavam as vias de comunicação e defendiam as gentes e o gado face aos ataques de muçulmanos de cristãos de outras paragens[18]. O ethos militar daqui resultante está bem patente nos textos dos foros extensos.
Os reis cristãos de Portugal, Leão e Castela disputaram o controlo da região no século XII, através da combinação de vários mecanismos, entre os quais se contam a outorga de forais, com o correspondente estabelecimento de poderes concelhios, a formação de redes episcopais e o incremento da atividade agropecuária[19]. No entanto, a implementação deste controlo demorou bastante tempo, num processo marcado por conflitos entre Portugal e Leão, nos reinados de D. Afonso Henriques, D. Sancho I, D. Afonso II e D. Sancho II do lado português e de Fernando II e Afonso IX, por parte do lado leonês.
Após a morte de Afonso VII de Leão e Castela, Fernando II herdou o reino de Leão e o seu irmão, Sancho III, passou a governar Castela. Este tratou de assegurar a passagem no sentido norte-sul, ao longo da Via da Prata, através da portela ou espaço entre as atuais serras de Candelario e de Gredos[20]. Fernando II de Leão teve, pois, de procurar uma alternativa mais a ocidente, que pudesse exercer o controlo de uma outra passagem para sul. Encontrou-a em Ciudad Rodrigo, local que não só permitia cumprir essa finalidade, como também contribuía para limitar as ambições de expansão do seu vizinho português em direção a Leste, tendo estabelecido o município em 1161 e iniciado de imediato a construção das suas muralhas[21].
A partir desta altura acentuou-se a diferença entre o modo de atuação dos poderes centrais de ambos os reinos relativamente à região, com impacto nos modelos de povoamento. Do lado português, na margem esquerda do Côa, a opção foi o estabelecimento de pequenos núcleos populacionais com normativo simples e idêntico, de modo a não criar discrepâncias que levassem as populações a fluir para onde a lei lhes fosse mais favorável. Do lado leonês, a fundação de Ciudad Rodrigo correspondeu ao modelo utilizado na meseta castelhano-leonesa, de criação de núcleos urbanos mais espaçados entre si, embora dotados de todas as condições para se desenvolverem autonomamente[22]. Face a isto, a fundação de Pinhel, entre 1189 e 1191, constituiu, pela parte portuguesa, o estabelecimento de um núcleo populacional capaz de disputar influência na região com o concelho leonês[23].
Ignacio de La Torre propõe que a opção pela outorga de forais breves do lado português (e não de foros extensos) tenha residido no caráter de urgência do estabelecimento das comunidades da margem esquerda em reação ao novo centro polarizador da região, Ciudad Rodrigo[24]. Por um lado, a possibilidade dos forais de Trancoso, Celorico, Marialva e Moreira de Rei terem sido outorgados em datas muito próximas, todas entre 1157 e 1169, sugere urgência no povoamento. Por outro lado, à exceção dos já mencionados fragmentos do foro extenso de Coimbra, que datam de 1145, não conhecemos nenhum outro documento dessa natureza passado a escrito em Portugal antes de 1254, pelo que a outorga dos referidos forais em vez da atribuição de foros extensos pode residir, simplesmente, na coerência com o que estava em uso no reino português.
Em ambos os casos, a reabilitação de antigas comunidades, o estabelecimento de novas e a realocação de outras desencadeou um repovoamento da região e, embora não possamos identificar diferenças entre os dois reinos na proveniência dos novos colonizadores, identificam-se galegos, asturianos, portugueses, francos, mouros e moçárabes. Quer os forais portugueses, quer os foros leoneses, incentivaram a fixação de moradores em busca de asilo, concedendo-lhes privilégios[25].
As condições apresentadas transformaram a região, na segunda metade do século XII e no início do século XIII, numa zona de fricção bastante acentuada entre os reinos de Portugal e de Leão. No panorama leonês, a elevação de Ciudad Rodrigo a concelho começou por causar incómodo à elite concelhia salamantina, uma vez que esta viu parte do seu alfoz retirado. A tensão foi de tal ordem que, em 1162, os cavaleiros de Salamanca decidiram marchar sobre a cidade refundada, para lhe derrubar as muralhas, tendo sido derrotados na batalha de Valmuza, perto da atual Salvaterra de Tormes.
Por seu turno, do lado português, D. Afonso Henriques procurou estender a sua soberania sobre a zona, apoiando-se e apoiando os mesmos cavaleiros de Salamanca, a partir de 1163. Nesse ano, depois de ter ocupado a cidade do Tormes durante algum tempo, acabou derrotado na batalha dos Campos de Argañara[26]. Mais tarde, em 1179, D. Sancho, ainda infante, atacou Ciudad Rodrigo e combateu na batalha do Arganal[27]. Posteriormente, em 1198 ou 1199, a região foi palco de pelo menos uma campanha, onde se devem ter inserido a lide de Ervas Tenras[28], a “hoste de Pinhel"[29] e um ataque do rei D. Sancho I a Ciudad Rodrigo[30]. Contudo, não foram só os poderes cristãos que disputaram o controlo da zona, pois, em 1174, a cidade do Águeda foi cercada pelas tropas almóadas, que a consideravam núcleo de primeira ordem[31].
A situação estratégica gerada fomentou a “guerra de posição", materializada pelo esforço de fortificação cristã, de parte a parte. Do lado português, sabemos que o castelo de Pinhel estava a ser edificado em 1209, uma vez que o foral alude aos trabalhos[32]. O castelo da vila de Touro[33], construído pelos templários a partir de 1215 ou 1220 motivou, pela parte leonesa, a reocupação de Caria-Talaia ou Caria-Atalaia, que tinha sido abandonada no período altimedieval[34]. Do lado leonês, a transferência da população do Sabugal Velho (ou Abaroncinos) para o atual Sabugal, ordenada por Afonso IX[35], motivou o reforço de povoamento – e consequente defesa – de Sortelha, resposta de D. Sancho II de Portugal[36].
Como se pode depreender, a combinação de um substrato social com condições quer para a autodefesa, quer para a execução de operações ofensivas, com um ambiente de conflitualidade recorrente, por certo teve reflexo nos hábitos das populações e, por conseguinte, influenciou os costumes e tradições guerreiras, bem como os mecanismos de mobilização e de manutenção do potencial militar das comunidades. São esses aspetos que nos propomos analisar de seguida.
Figura 2: fortificação em Ribacoa no reinado de Afonso IX de Leão (1188-1230). MONSALVO ANTÓN, 2010, p. 136 (adaptado pelo autor).
2. O tecido social em Ribacoa
A primeira distinção social em Ribacoa era entre os cristãos e os não-cristãos, englobando este grupo os muçulmanos e os judeus. Entre os cristãos, distinguiam-se, de um modo geral, os guerreiros dos produtores, inserindo-se os primeiros no grupo dos cavaleiros e os segundos no dos homens livres – agricultores, artesãos ou mercadores. Abaixo destas categorias, existiam os dependentes ou aportelados, que trabalhavam para um senhor. Havia, no entanto, outro tipo de distinção entre os moradores, fossem eles cavaleiros ou peões: os habitantes da vila, que eram designados por vizinhos e os da área rural do alfoz, designados por aldeãos[37]. Estas distinções adquiriam certamente grande relevância, tanto mais que a presença da nobreza era muito ténue na região. Nos foros, o rei e o rico-homem são mencionados, em muito poucos preceitos[38]. Todavia, os dominos e os seniores, referidos com muito mais frequência, devem corresponder aos proprietários das cabanas ou rebanhos, e é natural que fosse deste modo, uma vez que nos encontramos no domínio do direito municipal, um mundo onde a nobreza dificilmente penetrava.
A elite concelhia era, portanto, a cavalaria-vilã, sendo esse grupo, aliás, o destinatário dos foros. Em relação a este assunto, em Portugal, a historiografia consagrou o termo “cavaleiro-vilão" para designar o combatente a cavalo não-nobre, mas em Ribacoa existia uma destrinça clara entre um cavaleiro-vilão e um “cavaleiro-aldeão". Os vilãos eram vizinhos, ou seja, habitantes da vila e ali tinham casas onde habitavam com os seus dependentes. Podiam aceder ao governo municipal, participar no concelho e demais assembleias, desempenhar cargos públicos e era sobre eles que impendiam os deveres militares. Os aldeãos habitavam nas áreas rurais do alfoz. A diferença de estatuto era de tal ordem que quem derrubasse um vilão da sua montada onerava numa multa de dez morabitinos, ao passo que quem descavalgasse um aldeão estava sujeito a pagar somente dois morabitinos[39].
A capacidade de sobrevivência do concelho dependia da eficácia militar da sua milícia, primeiramente em operações de vigilância do alfoz e de defesa em caso de agressão efetiva e, em segundo lugar, em expedições ofensivas, uma vez que a captura de espólios de guerra era um dos pilares da economia da região. A motivação para o serviço militar com cavalo e armas era, certamente, potenciada pela própria atividade ganadeira, onde cada cabana, ou seja, cada criador de gado, dispunha dos seus pastores-cavaleiros. Estes, designados por cavaleiros de rafala, eram pagos para acompanhar e proteger os rebanhos, função que adquiria especial importância nas alturas do ano em que o gado era apascentado a sul do Maciço Central, mais exposto às incursões muçulmanas. Se, na época, era comum a elevação dos peões ao estatuto de cavaleiros por via das posses em quase todo o ocidente peninsular, no Ribacoa esta ascensão tinha, certamente, uma motivação adicional, por via da atividade económica predominante. Em Castelo Bom, quem possuísse riqueza avaliada em 300 morabitinos ou mais, tinha obrigação de ser cavaleiro[40].
Concomitante com as distinções sociais que temos vindo a descrever, existia uma outra, que consistia no estatuto de “escusado", algo que não foi, até agora, possível compreender em toda a sua extensão no contexto dos foros. Saber definir com precisão esta condição equivaleria a obter a chave de leitura para uma parte significativa das obrigações militares. É que se alguns autores, como João Marinho dos Santos, não hesitam em afirmar que um “escusado" é um indivíduo eximido de obrigações económico-financeiras[41], outros, como Mário Viana, optam por um sentido diretamente relacionado com a prática da guerra, em que os dependentes ou aportelados poderiam ser “escusados" de participar nas expedições se isso não conviesse aos seus amos, linha de pensamento com a qual concordamos[42].
Com efeito, um escusado podia sê-lo de forma permanente, como o eram os clérigos ou os ferreiros, embora estes últimos só o fossem mediante determinadas condições[43], ou ainda a título excecional, como nos casos dos viúvos e dos maridos que tivessem as suas mulheres ou os seus cavalos doentes quinze dias antes de serem convocados para as campanhas[44]. Também estavam dispensados os que tivessem perdido o cavalo em combate e ainda não tivesse decorrido o prazo previsto de um ano para o reaverem. Havia, ainda os que eram escusados por opção dos seus amos. Em todo o caso, quem podendo fazê-lo, fosse dispensado de participar no fossado ou no apelido, também não era considerado para desempenhar cargos públicos ou como interveniente em assuntos judiciais[45].
Estes escusados podiam, no entanto, ser conduzidos para a guerra e, quando o eram, desempenhavam, maioritariamente, funções de auxiliares das entidades que os levavam. É verdade que os foros previam a distinção entre “cavaleiros escusados" e “peões escusados"[46], embora o facto de entre os escusados haver cavaleiros não signifique que estes não viessem a combater – ainda que a isso não estivessem obrigados. Sobre este assunto, sem pretender dar uma resposta definitiva, mas observando a questão na perspetiva militar, os foros fornecem algumas pistas que não são de desprezar. Nos costumes de Alfaiates e de Castelo Bom, o preceito “De quin leuarit tienda redonda" especifica que os escusados eram aldeãos e que, se fossem da vila, não seriam escusados[47]. Nos foros de Castelo Melhor, o preceito “Qui ouer ualia e non toueier cauallo" estatui que quem entregar o seu cavalo a outro para se eximir da ida em apelido, terá a cauda do animal cortada “si da vila fore", ou seja, se se tratar de um cavaleiro da vila. Por exclusão, podemos depreender que a pena não se aplicava a um aldeão o que, por esta via, significa, no mínimo, que a fuga ao apelido por parte de um aldeão não era tão grave como de um vilão, provavelmente pelo facto de o primeiro ser “escusado"[48]. Estamos perante indícios de que, naqueles municípios, os verdadeiros guerreiros eram os cavaleiros da vila, enquanto cavaleiros e peões do espaço rural do alfoz serviriam de elementos de apoio e, embora o pudessem fazer, não se esperava que combatessem.
É natural que os cavaleiros e peões da vila, por habitarem no único local de ambiente urbano do concelho e, por essa razão, terem condições para desenvolver laços de solidariedade, que certamente incluíam rituais de investidura[49], e ainda por deterem um estatuto de superioridade em relação aos rústicos do alfoz, fossem considerados os guerreiros por excelência. No entanto, após as operações, quer os vilãos, quer os “aldeãos" que tivessem participado, tinham direito ao seu quinhão dos esbulhos, sem diferenças nas regras de repartição[50]. Esta equidade pode residir no facto das operações ofensivas, que normalmente implicavam a entrada em território inimigo, exporem aos mesmos perigos tanto escusados como não-escusados.
3. A mobilização e a manutenção do potencial militar em Ribacoa
O serviço militar nos concelhos de Ribacoa era indissociável da condição de morador. Por conseguinte, todos estavam abrangidos, em primeiro lugar nas ações defensivas e, em segundo lugar, nas expedições ofensivas. O morador passava a dar o seu contributo militar aos 15 anos[51], idade associada ao momento a partir do qual um indivíduo passava a ser tributável.
O serviço defensivo, nomeadamente o apelido, era extensivo a todos os moradores, com muitos poucas isenções, esperando-se que o cavaleiro acudisse trotando e peão correndo. Quando possível, o chamamento para a defesa da terra era efetuado por intermédio do brado de “às armas", que não devia ser proferido senão em casos verdadeiramente válidos, pois os costumes penalizavam quem difundisse falsos alarmes[52]. Os foros de Salamanca explicitam que, na sequência de apelido lançado por roubo de gado, os pastores e os aldeãos tinham de participar na perseguição e combate aos ladrões[53]. Apesar de os foros extensos de Ribacoa serem omissos a este respeito, é possível que fosse esperado um comportamento semelhante nestes concelhos. Em todo o caso, estatuem que as aldeias que não respondessem ao apelido estavam obrigadas a uma multa coletiva de cem morabitinos[54]. Caso se tratasse de uma recusa individual, cortava-se a cauda da montada do cavaleiro e a barba do peão, de modo análogo ao que ocorria por falta às operações ofensivas[55].
Quanto a estas expedições de ataque a objetivos afastados, talvez estejamos perante um indicador de que, na altura da passagem a escrito dos costumes, se estivesse a assistir à alteração do paradigma nas comunidades de Ribacoa, pois verificamos que alguns textos contemplam, em simultâneo, um preceito dedicado ao “foro antigo de cavalgada"[56] e um outro que estatui o fossado e a azaria, ou seja, denunciando-as como um novo tipo de operações. É possível que o foro antigo dissesse respeito aos costumes locais e que o novo foro correspondesse à intenção do rei, que não podemos saber se acabou concretizada. Em todo o caso, os preceitos de ambos parecem ser complementares, uma vez que o foro novo se sobrepõe muito pouco ao antigo. Contempla, antes, aspetos não mencionados anteriormente, como a alteração das regras de distribuição do saque em função do número de cavaleiros que participassem na operação[57].
Antes do desencadeamento de qualquer expedição, era necessária a obtenção de informações que permitissem o planeamento e preparação. Esse serviço era desempenhado pelos atalaieiros, guerreiros que eram posteriormente recompensados com a possibilidade de serem os primeiros a escolher o quinhão dos esbulhos, sendo as parcelas remanescentes, depois de quantificadas e divididas pelos alcaldes[58], sorteadas entre os restantes combatentes[59].
Ao contrário de outros espaços, onde o rei tinha de intervir fornecendo armas, montadas e até mesmo serviços militares[60], as comunidades de Ribacoa eram perfeitamente autossuficientes, devendo o armamento ser de produção local. Embora existisse, o ferro não abundava, devendo ser pouco mais do que suficiente para as necessidades de consumo, incluindo alfaias agrícolas e armas[61]. Como já mencionado, os foros dão um lugar de destaque aos ferreiros, isentando-os de qualquer tributo, desde que produzissem determinado número de ferramentas num ano. Esta exiguidade material tornava a preservação de equipamento militar de tal modo importante que, nos foros de Alfaiates, a sua venda a alguém exterior à comunidade incorria na pesada coima de 20 morabitinos[62].
Os cavaleiros-vilãos recebiam tanto mais privilégios e incentivos quanto maior fosse a capacidade militar, traduzida, nos preceitos legais, pela qualidade do equipamento e armamento utilizado. Nos foros de Alfaiates e de Castelo Bom verificamos que os guerreiros mais bem equipados tinham direito a um maior espólio, no final de uma operação[63]. Premiava-se deste modo o investimento na ação guerreira, considerando-se que um melhor equipamento correspondia a mais possibilidades de um bom contributo militar.
Relativamente a um outro tipo de combatentes, é quase certo que os besteiros não eram tidos como uma categoria social diferenciada, mas somente guerreiros com uma valência especial. Os textos aludem a eles unicamente no preceito dedicado ao foro antigo de cavalgada, não dedicando nenhuma outra passagem a detalhar a sua condição. Adicionalmente, a normativa estabelece que para ser besteiro, o morador deveria possuir uma besta com duas cordas, uma antecorda e 60 virotes, podendo ser cavaleiro ou peão. Esta, sim, era a condição que materializava a porção relativa de despojos a que tinha direito[64].
No que aos espólios diz respeito, o saque era contabilizado em avorerias ou rações. Uma ração equivalia a quatro morabitinos, moeda metálica que, apesar de escassear materialmente, não deixava de servir de referência para as transações de bens. Parte do obtido era entregue ao clero, sendo que fossados com efetivos inferiores a dez cavaleiros deviam meia ração a Santa Maria, até 50 cavaleiros uma ração completa e um efetivo superior devia pagar duas rações[65].
Os guerreiros de Ribacoa beneficiavam de uma espécie de “seguro de vida", que garantia o recebimento de uma recompensa tanto mais avultada quanto a gravidade dos ferimentos sofridos, de quatro morabitinos por uma ferida que trespassasse o corpo ou quebrasse ossos da cabeça e de dois morabitinos por feridas simples[66]. A perda de um membro, que provavelmente determinaria incapacidade permanente, era compensada com a enorme quantia de 20 morabitinos, que devia ser suficiente para que o indivíduo e a família pudessem sustentar-se por longo tempo. Se o cavaleiro tivesse sido capturado pelo inimigo, a sua família receberia o melhor muçulmano que tivesse sido feito cativo na operação ou, em alternativa, o melhor equídeo que os familiares escolhessem.
A coragem e bravura em combate eram igualmente recompensadas. Neste âmbito, um cavaleiro que se batesse, em batalha campal ou na defesa do castelo, de um para um, contra um cavaleiro inimigo, à vista de todos, e o derrubasse, ganhava o direito a receber todo o espólio do adversário caído. Se o mesmo ocorresse no contexto de uma perseguição ou de um recontro ocasional, o vencedor poderia escolher para si o melhor objeto transportado, quer pelo cavaleiro, quer pelo cavalo. Claramente reveladora do espírito bélico que os foros procuravam incentivar era a recompensa pela captura da cabeça de um adail muçulmano, que valia, de imediato, 10 morabitinos para aquele que o conseguisse, de acordo com os costumes de Castelo Bom[67].
Os cavalos perdidos numa operação ofensiva eram substituídos, dentro do possível, por animais capturados ao inimigo. Se, de uma cavalgada, não resultasse a obtenção de um espólio, cabia ao concelho a compensação ao cavaleiro, pagando-lhe o mesmo preço pelo qual aquele tinha adquirido a montada, até um máximo de 300 morabitinos[68]. Os cavaleiros de rafala que perdessem o seu cavalo no decorrer das atividades de escolta ganadeira, podiam vê-la restituída a partir do gado conduzido. Isto talvez queira dizer que o proprietário da cabana deveria pagar em cabeças de outro tipo de gado o preço equivalente ao cavalo, ou então que restituía o cavalo perdido por outro, da sua criação. Nos casos em que a perda da montada ocorria no contexto de um apelido, se esta tivesse sido adquirida há menos de um ano, competia ao concelho restituir todo o valor pelo qual o animal fora adquirido; caso a aquisição remontasse a mais de um ano, o concelho pagaria 300 morabitinos[69].
A organização da milícia municipal era efetuada com base em pequenas unidades de cavaleiros ou de peões, cujos elementos constituintes eram designados por “companheiros de pão". Estas células eram, por certo, os pilares em que assentava todo o espírito de corpo e coesão das milícias, sendo isto evidente nos foros através dos preceitos que responsabilizam todos os “companheiros de pão" pela falta ou infração de um só dos seus elementos, bem como os incumbem de tomar decisões coletivas em apoio das famílias dos cavaleiros mortos ou capturados. Por exemplo, se um cavaleiro traísse o grupo, fugindo com um cavalo, competia aos seus companheiros de pão pagá-lo, quer obtivessem espólio, quer não[70]. Competia, igualmente, aos companheiros de pão de um cavaleiro capturado, escolherem o melhor “mouro ou moura" cativos para entregarem à família do desventurado, à laia de compensação[71].
Várias “companhias de pão" eram agrupadas numa “quadriela" que, se fosse de cavaleiros, era comandada por um adaíl e se fosse de peões, comandada por um quadrilheiro. Quando em operações ofensivas, a peonagem tinha como missões permanecer no arraial ou zaga a proteger o saque que ia sendo capturado pelas algaras de cavaleiros, guardar os cavalos que aí permanecessem estacionados e organizar a evacuação dos feridos[72]. O comando das operações cabia aos alcaldes, podendo ascender estes até um máximo de quatro, caso o número de cavaleiros o justificasse, uma vez que o concelho só previa o pagamento de quatro soldadas quando em fossado ou azaria[73].
Num território cujo contexto guerreiro era incentivado, havia o risco do surgimento de grupos armados que atuassem por conta própria, pelo que os foros são bastante duros, considerando traidores os que “fizessem bando fora do corpo do rei", castigando-os com o derrube das suas casas, o despojamento de todos os haveres e, como consequência, certamente que a expulsão do concelho[74].
Castelo Bom, Castelo Rodrigo, Castelo Melhor e Alfaiates eram pequenos concelhos, sendo este um dos fatores que tornam difícil a resposta à questão dos efetivos possíveis de mobilizar. Todos os quatro foros se referem a expedições de 10, 50 e 100 ou mais cavaleiros, embora isto não signifique que cada uma das comunidades conseguisse mobilizar uma centena ou mais[75]. As duas principais razões que concorrem para esta inferência são o facto de os foros serem decalcados de costumes de cidades grandes, como Salamanca ou Ciudad Rodrigo que, essas sim, deveriam conseguir alcançar esses números; e o facto dos textos de forais ou de foros outorgados a comunidades que se pretendia desenvolver, expressarem frequentemente a intenção do outorgante e não necessariamente a materialização real do explicitado. Acresce, ainda, que a distribuição dos cavaleiros de rafala pelos diferentes rebanhos ou cabanas, que muitas vezes pastavam bastante afastados da vila, devia contribuir para que fosse ainda mais reduzido o efetivo disponível para mobilização imediata[76].
No entanto, a ordem de grandeza de 50 cavaleiros pode ser tomada como indicadora da diferença entre uma expedição de pequena e uma expedição de grande envergadura, número muito próximo do que ocorre em alguns forais portugueses, cujo efetivo que diferencia as regras de distribuição do espólio é de 60 cavaleiros[77]. Naturalmente que, por serem mais abrangentes e inclusivas, as ações defensivas deviam integrar mais cavaleiros do que as ofensivas.
De um modo geral, aceita-se que nas operações militares ofensivas ibéricas a proporção entre tipologias de combatentes seria em torno de um cavaleiro para cada dois peões, podendo ascender para 1:2,5 ou descer a 1:1[78]. Podemos deduzir que em Ribacoa a proporcionalidade seria semelhante, através do número de peões escusados que cada cavaleiro devia levar. Veja-se que nos foros de Castelo Bom, um cavaleiro que tivesse uma tenda de 20 cordas tinha a opção de se fazer acompanhar por dois cavaleiros escusados ou por quatro peões[79]. Esta norma sugere que na conceção mental dos contemporâneos, para efeitos de proporcionalidade, um cavaleiro devia equivaler a dois peões.
Conclusões
Os foros extensos de Ribacoa são fontes incontornáveis para o estudo da guerra nos séculos XII e XIII, claramente no que respeita à Beira Interior portuguesa e meseta castelhano-leonesa, embora com possibilidade de extrapolação de alguns fatores para outros espaços. No âmbito suprarregional, permitem iluminação recíproca: com os devidos cuidados, podemos testar o que sabemos para Ribacoa em outros espaços e, em sentido inverso, podemos verificar se alguns aspetos que conhecemos para outras regiões nos ajudam a decifrar aspetos menos claros dos foros.
Tendo permanecido muitas gerações sem um enquadramento administrativo central e beneficiando de um modelo económico próprio, relacionado com as condições do meio físico, as populações desenvolveram um modelo militar eficaz e compatível com o seu modo de vida, que não só permitia a defesa efetiva das comunidades, como promovia uma economia de guerra bastante ativa. Para obter resultados verdadeiramente remuneradores, as expedições ofensivas desencadeadas por estes concelhos tinham uma autonomia considerável, como o comprovam os serviços dos atalaeiros, que podiam efetuar reconhecimentos a sul do rio Tejo, cobrindo distâncias superiores a 150 quilómetros.
A mobilização para emergências defensivas estava pensada para decorrer de modo muito rápido e organizado. Apesar de não serem explicitados nos foros, os locais de reunião das forças deviam ser do conhecimento de todos. Só assim se compreende que os cavaleiros saíssem trotando e os peões correndo, pois certamente cada um sabia exatamente onde era esperado. As expedições ofensivas eram preparadas cuidadosamente e existem indícios de um sistema de subunidades constituídas, com as respetivas cadeias de comando, que devia ter algum grau de permanência. Neste âmbito, inclinamo-nos para colocar como hipótese verosímil os companheiros de pão constituírem grupos coesos, comungando de aspetos como a bravura e honra coletivas, talvez associados aos grupos de rafala, ao serviço de uma mesma cabana.
Tendo analisado as principais disposições normativas dos foros extensos relacionadas com mobilização e recrutamento militares, podemos afirmar que a região beneficiava de mecanismos de geração, preservação e manutenção de potencial militar muito eficazes. Apesar de regulamentarem muitos outros aspetos da vida comunitária, os foros extensos detalham exaustivamente a atividade militar, conferindo uma dinâmica enformadora da sociedade que vai muito para além da relação direta entre a categoria social e a função bélica. Nos concelhos em apreço, desenvolveu-se um ethos guerreiro de tal modo profundo que enaltecia a coragem e bravura na guerra, compensando-a quer diretamente, por intermédio das regras de repartição dos espólios, quer indiretamente, neste caso através do benefício dos parentes diretos do combatente. Em contrapartida, do mesmo modo que os valores guerreiros eram recompensados, a sua ausência era penalizada. Na sequência da quebra de um preceito militar relevante, mais do que a coima que pudesse recair sobre o faltoso ou companheiros, a desonra e a humilhação seriam suficientes para determinar a exclusão ulterior do responsável e, consequentemente, da sua família.
Principais Fontes e Bibliografia
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NOTAS
[1] Os historiadores espanhóis usam a mesma palavra fuero para designar tanto um foral como os costumes municipais dos concelhos, distinguindo-os por intermédio dos adjetivos “breve" e “extenso" (CINTRA, 1984, p. LXXVI).
[2] DOMINGUES e PINTO, 2015, p. 154.
[3] CINTRA, 1984, p. LXXVIII; DOMINGUES e PINTO, 2015, p. 155.
[4] Os preceitos publicados por Herculano debruçam-se sobre os mouros, e sobre mesteirais: sapateiros, carniceiros, pescadores, vendedores e cultivo da vinha (Leges I, pp. 743-744 de 1145, junho, 6).
[5] DOMINGUES e PINTO, 2015, p. 156. O foro extenso de Ciudad Rodrigo, no qual se baseiam os três primeiros, encontra-se perdido (SANTOS, 2018, p.18).
[6] Em 1999, Baquero Moreno afirmava que a confirmação se sucedera ao tratado de Alcañices, celebrado a 12 de setembro de 1297 (1999, p. 122). No entanto, as confirmações são das seguintes datas: Castelo Rodrigo, Castelo Bom e Almeida, de 1296, novembro, 8; Sabugal e Vilar Maior, de 1296, novembro, 17; Alfaiates, 1297, março, 1; Castelo Melhor, 1298, junho, 25 (DOMINGUES e PINTO, 2015, p. 167). D. Dinis assumiu o controlo da região, de facto, ainda antes da assinatura do tratado com o rei de Leão e Castela.
[7] Leges I, p. 354 de 1108.
[8] Leges I, p. 360, de 1123.
[9] Leges I, p. 379 de 1136, maio.
[10] DE LA TORRE, 1998, p. 784.
[11] O direito consuetudinário existia sem ser passado a escrito, constituindo prática social repetida ao longo do tempo (HESPANHA, 1982, p. 176; DOMINGUES e PINTO, p. 164).
[12] MARTÍN VISO, 2005, pp. 106-107. O autor designa este espaço periférico desde a administração visigoda, sem controlo efetivo posterior por parte dos poderes islâmicos, e excêntrico aos eixos principais dos reinos de Portugal e de Leão, no século XII, como “uma fronteira invisível".
[13] O Foral de Numão foi outorgado em 1130 por Fernão Mendes, tenente de Bragança e Lampaças e cunhado de D. Afonso Henriques (Leges I, pp. 368-370). Os forais de Trancoso (Leges I, pp. 434-436), Moreira (Moreira de Rei, c. Trancoso, Leges I, pp. 436-440), Marialva (Leges I, pp. 440) e Celorico (Leges I, pp. 444-447), foram todos outorgados, seguindo o paradigma de Numão, por D. Afonso Henriques, entre 1157 e 1169. O primeiro foral de Pinhel é muito breve e foi outorgado pelo prior da ermida de Santa Maria de Riba Paiva, em 1191, por mandado de D. Sancho I (Leges I, pp. 481-482). O foral da Guarda foi outorgado por D. Sancho I em 27 de novembro de 1199 (Leges I, pp. 508-511) e o de Pinhel, pelo mesmo monarca, em 1209 (Leges I, pp. 541-543). O foral de Vila Mendo foi outorgado por D. Sancho II em março de 1229 (Leges I, pp. 610-612).
[14] Efetuamos esta inferência pelas caraterísticas comuns, quer da população, quer e das atividades económicas em ambas as margens do Côa e pelo princípio de que, a haver grande diferenciação nos costumes, certamente seria detetada a existência de uma força centrípeta, atraindo povoadores para onde as normas fossem mais favoráveis, algo de que não temos nota.
[15] Na documentação portuguesa dos séculos XII e XIII deteta-se a tendência para designar por fronteria o espaço confinante com o reino de Leão e por extremo ou extrematura a faixa que separa os poderes cristãos dos islâmicos. Uma das primeiras menções explícitas a fronteria encontra-se no foral de Freixo (c. Freixo de Espada à Cinta), outorgado por D. Afonso Henriques em 1152, carta que dispensa os moradores do serviço de fossado, precisamente “pro que estis in fronteria" (Leges I, p. 379), disposição que se replicou em Urros (c. Torre de Moncorvo), em 1182 (Leges I, p. 424); em Junqueira de Vilariça (c. Torre de Moncorvo), em 1201 (Documentos de D. Sancho I, doc. 137 de 1201, janeiro, 15); e em Santa Cruz (c. Freixo de Espada-à-Cinta), em 1205 (Leges I, p. 601 de 1205, junho, 6). Extrematura é um termo que encontramos, por exemplo, de uma forma muito clara quanto ao seu significado de limite com o Islão, no foral que D. Teresa outorgou a Tavares, em 1114: “tharasia regis adeffonsi filia regnantes in portugal et in stremadura colimbria viseo et sena" (Leges I, p. 359 de 1114, março).
[16] MARTÍN VISO, 2005, p. 94.
[17] Os habitantes da região não tinham pretensões à expansão territorial e, no século X, os reinos cristãos também não estavam interessados nela. É o que parece demonstrar o resultado da vitória cristã na batalha de Simancas, em 939, que apesar de ter criado condições para a ocupação cristã da região, esta não veio a acontecer. Um dos indicadores de que as populações da região atravessaram inúmeras gerações em completa autonomia é o facto de as fontes islâmicas não mencionarem o território como estando sob o domínio dos poderes cristãos até ao século X e, após essa data, o controlo cristão exercido era muito ténue, mais nominal do que efetivo (JUSTO SÁNCHEZ, 2018, pp. 48-49). Não sendo a condição de autogoverno um exclusivo desta região é, no entanto, um dos territórios em que mais perdurou, entre o século VIII e o XII (MARTÍN VISO, 2005, p. 113).
[18] JUSTO SÁNCHEZ, 2018, p. 50.
[19] MARTÍN VISO, 2005, p. 114.
[20] Onde posteriormente, em 1208, Afonso VIII de Castela viria a fundar a cidade de Béjar.
[21] DE LA TORRE, 1998, pp. 783-784.
[22] Ciudad Rodrigo estava inserta no alfoz de Salamanca desde 1136, data em que Afonso VII tinha vendido o lugar aos cavaleiros daquela cidade (MARTÍN VISO, 2007, pp. 200-201).
[23] BARROCA, 2008-2009, p. 230.
[24] DE LA TORRE, 1998, p. 799.
[25] DE LA TORRE, 1998, p. 794.
[26] MATTOSO, 2007, p. 294.
[27] Chronicon Mundi, p. 404; De Rebus Hispaniae, p. 292.
[28] Livro do Deão, 1M3; BARROCA, 2003, pp. 52-53.
[29] Inquisitiones, pp. 519b, 199b, 791b, 797a, 798a, 816b, 829b, 888a, 1211a, 1256b, 1381a e b.
[30] BARROCA, 2003, pp. 52-53.
[31] MARTÍN VISO, 2007, pp. 202.
[32] Leges I, pp. 541-543 de 1209, setembro.
[33] OSÓRIO, 2010, p. 73. O foral da vila de Touro foi outorgado pelo mestre templário Pedro Alvites, em 1220 e contém uma expressão que pode indicar a intenção de edificação do castelo ou uma construção já em curso: “et faciat domino magistro suo castelo…" (Leges I, p. 587).
[34] OSÓRIO, 2010, p. 73.
[35] MARTÍN VISO, 2005, p. 109.
[36] Leges I, p. 608 de 1228-29. O castelo é anterior a 1220 pois, nessa data, já tinha alcaide (BARROCA, 2008-2009, p. 229).
[37] SANTOS, 2018, pp. 48-49.
[38] Por exemplo “Rico omme que a vila touer" (FCR, p.116; FCM, p. 100; FCB, p. 789).
[39] FCB, p. 750.
[40] SANTOS, 2018, p. 57.
[41] SANTOS, 2018, p. 58. Nos foros de Ribacoa esta assunção pode ser colocada de lado, uma vez que alguns preceitos são explícitos quanto ao facto de “posteiros", ou seja, pagadores de impostos, moradores e lavradores em herdades de senhores, poderem ser dispensados, ou seja, escusados de fossado e apelido (FCM, p. 71), ou seja, estamos perante um caso de indivíduos escusados de serviço militar, mas não escusados de impostos.
[42] VIANA, 2020, pp. 158-159.
[43] Para serem “escusados", os ferreiros da vila tinham de produzir um mínimo de 30 relhas de arado até à festa de São Cipriano, 16 de setembro, ao passo que aos das aldeias bastava produzir 15 até à mesma data (FCB, p. 757, FA, p. 803, FCM, p. 79).
[44] Em Castelo Bom, a dispensa por ter mulher doente vigorava durante o tempo da doença, até à cura ou morte (FCB, p. 776).
[45] FCR, p. 114; FCM, p. 98.
[46] “…leuet I escusado caualero (…) et quin leuar elmo cum brofuneras aia I escusado peon" (FCB, p. 765).
[47] FCB, p. 765; FA, p. 811.
[48] FCM, p. 106.
[49] Cf. OLIVEIRA, 2005, p. 6.
[50] “Et los de castel bono aut de suo termino qui acertauerit in ipso fosado aut in ipsa azaria de la sua parte lo dent isto" (FCB, p. 765).
[51] Idade vigente em quase todos os municípios leoneses (SANTOS, 2018, p. 55) que não devia ser diferente nos portugueses, como se depreende pelo foral de Junqueira da Vilariça (c. Torre de Moncorvo), que é explícito em relação aos 15 anos como a idade em que o indivíduo passava a ser tributável (Documentos de D. Sancho I, doc. 137, p. 210 de 1201, janeiro, 15).
[52] FCB, p. 752; FA, p. 796; FCR, p. 49; FCM, p. 44.
[53] J. RUANO, 1870, pp. 61, título CCVII. É bastante elucidativo que este título do Fuero de Salamanca seja designado por “De apelido de estremo", ou seja, da estremadura ou faixa de fronteira com os inimigos da Fé.
[54] Em Castelo Rodrigo e em Castelo Melhor, a multa coletiva para a aldeia que resistisse à ordem de um alcalde, incluindo ao chamamento para apelido, estava estatuída em cem morabitinos (FCR, p.51 ; FCM, p.45). Os foros de Castelo Bom referem a infração de desobediência ao alcaide de toda uma aldeia, mas não a relacionam com o apelido. Cremos, no entanto, por comparação com os preceitos análogos relativos a Castelo Rodrigo e a Castelo Melhor, que é verosímil que a coima coletiva fosse, igualmente, de 100 morabitinos, para uma falta ao chamado defensivo (FCB, p. 776). Os foros de Alfaiates são os que registam o preceito mais explícito, referindo expressamente que a multa coletiva a uma aldeia que faltasse ao apelido era de 80 (?) morabitinos (FA, p. 839).
[55]FCB, p. 782; FA, p. 819.
[56] Expressamente, com a designação de “foro velho de cavalgada": FCR, p. 110; FCM, p. 94. Com a designação de “Foro de Cavalgada", cujo texto principia por “Esto es foro de cavalgada per que sempre caualgaron los adaliles…", que coexiste com um outro artigo, intitulado “De fosado et de azaria", parecendo este constituir uma atualização normativa posterior, veja-se FCB, p. 757. Nos foros de Alfaiates não ocorre nenhum preceito que aluda a costumes mais antigos relacionados com expedições ofensivas, encontrando-se, somente, a disposição relativa ao fossado e à azaria (FA, p. 811).
[57] Pequenas expedições, até 10 cavaleiros, deviam meia “ração" a Santa Maria, ao passo que efetivos superiores pagavam ração inteira. Também se estabeleciam regras específicas para fossados com menos de 50 cavaleiros, entre 50 e 100 cavaleiros e mais de 100, cada configuração obedecendo a um modelo de distribuição do espólio algo diferente. Fossados com mais de uma centena de cavaleiros deviam ser comandados por dois adaís e não só por um (FCB, p. 765; FA, p. 811; FCR, pp. 120-121; FCM, p. 104).
[58] Os alcaldes de concelho eram magistrados eleitos de entre os cavaleiros-vilãos, com funções governativas, administrativas, militares e legislativas, exercendo funções em concomitância com o juiz. Em Salamanca chegaram a ser seis e sete em simultâneo (SANTOS, 2018, p. 73). O alcalde, no contexto da região de Ribacoa, não deve ser confundido com o alcaide, nobre com função essencialmente militar, normalmente um rico-homem, que era o mais elevado representante régio junto do município ou da terra-chã. Pelo menos até à primeira metade do século XIII, nos municípios sobre os quais nos debruçamos, não parecem ter existido alcaides.
[59] De modo diverso do que encontramos em outros locais, pelo menos em Castelo Melhor, a repartição do saque obtido não cabia aos quadrilheiros, mas sim aos alcaldes e, na ausência destes, aos adaís (FCM, p. 95).
[60] Em certas regiões, a capacidade militar era de tal modo limitada que o rei tinha de intervir em apoio dos moradores, conferindo-lhes melhores condições de defesa. Por exemplo, em 1162 D. Afonso Henriques forneceu armas a todos os moradores de Mós (c. Freixo de Espada-à-Cinta), cavaleiros e peões, de modo a que pudessem defender o castelo (Leges I, p. 391). Um outro modo de apoio régio era o fornecimento de certos serviços militares, como ocorreu em Leiria, logo após a restauração do castelo, em 1142, altura em que o monarca se comprometeu a guarnecer as atalaias durante metade do primeiro ano após a outorga do foral (Leges I, p. 376). Havia ainda casos mais críticos, cuja falta de efetivo militar levava o rei a fixar cavaleiros ao território por intermédio de concessão de cavalarias de herdade, ou seja, préstamos em troca de serviço militar pessoal, como podemos observar, por exemplo, na região de Penalva do Castelo, onde se deteta uma incidência invulgar deste tipo de solução (Inquisitiones, pp. 802b e 803a) ou em torno de Santarém, onde Mário Viana identificou, entre 1167 e 1239, seis transmissões de património envolvendo cavalarias (VIANA, 2005, pp. 580, n.12 e pp. 592-593).
[61] CASTRO, 1984, p. 566; GOMES, 1996, p. 476; DUARTE, 1996, p. 100.
[62] FA, p. 838.
[63] FCB, pp. 757-758; FA, p. 829.
[64] FCB, p. 758. Os besteiros não são referidos para nenhuns outros propósitos, denunciando que não constituem uma categoria social diferenciada. Tudo nos textos aponta para uma designação exclusivamente funcional, relacionada com a sua especialidade de atiradores.
[65] FCB, p. 765; FA, p. 811; FCR, pp. 120-121; FCM, p. 104.
[66] Todas as feridas que sarassem antes da repartição dos esbulhos não eram consideradas (FCB, p. 758; FCM, p. 95).
[67] FCB, p. 766.
[68] FCB, p. 757; FCR, p. 110; FCM; p. 94.
[69] FCB, p. 764.
[70] FCM, p. 94; FCR, p. 110;
[71] FCB, p. 765. Cativo muçulmano que podia, por exemplo, ser utilizado como troca, para resgate do familiar capturado.
[72] TAVARES, 2013, p. 41.
[73] FCB, p. 786; FCR, p. 114; FCM, p. 98.
[74] FCM, p. 26; FCB, p. 745; FCR, p. 43; VIANA, 2020, p. 153.
[75] FCM, p. 104; FCB, p. 765; FCR, p. 120, FA, p. 811.
[76] De qualquer modo, devia ser possível, pelo menos em alguns casos, a mobilização de mais de uma centena de cavaleiros. Uma disposição sugestiva nos Foros de Castelo Melhor, determina que em expedições com menos de cem cavaleiros, o quinhão do espólio que competia aos cavaleiros mais bem equipados era de meia-ração e, acima da centena, de uma ração inteira (FCM, p. 101).
[77] Vejam-se os forais de Santarém, Lisboa e Coimbra, de 1179 (Leges I, pp. 408, 414 e 417).
[78] GARCÍA FITZ, 1998, p. 142.
[79] FCB, p. 765. Os foros de Alfaiates expressam a mesma proporcionalidade (FA, p. 811). Os de Castelo Melhor e de Castelo Rodrigo não fazem menção a este assunto.
CARLOS FILIPE AFONSO
Carlos Filipe Afonso nasceu em Lamego, em 1975. É oficial de infantaria do Exército Português, tendo tomado parte em missões na Bósnia-Herzegovina, Kosovo e Iraque. Foi docente de História Militar no Instituto Universitário Militar. É doutor em História, área de especialização de História Medieval, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, investigador Integrado no Instituto de Estudos Medievais, sócio-fundador da Associação Ibérica de História Militar e membro do Gabinete de Estudos sobre a Ordem de Santiago.
Citar este texto:
AFONSO, Carlos Filipe – A Mobilização Concelhia na Região de Ribacoa Entre os Séculos XII e XIII. Revista Portuguesa de História Militar - Dossier: Da Fundação à Expansão, Séculos XII-XVI. [Em linha] Ano II, nº 2 (2022), https://doi.org/10.56092/YNLT8398,[Consultado em ...].
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