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Batalha naval do Tejo – 18 de Julho de 1384
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BATALHA NAVAL DO TEJO (18 DE JULHO DE 1384)

 

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José António Rodrigues Pereira

 

 

 

Resumo

Prevendo o bloqueio do rio Tejo, perante a ameaça de invasão castelhana, o Mestre de Avis mandou retirar para o Porto os navios portugueses que ali se encontravam.

Reforçada e abastecida a frota portuguesa forçou o bloqueio castelhano e fez chegar à cidade cercada, homens, armas e mantimentos, permitindo-lhe prolongar a resistência.

Num combate travado em 18 de Julho de 1384, os portugueses perderam 3 dos seus 34 navios, mas atingiram o seu objectivo.

 

Abstract

Anticipating the blockade of the Tagus River, faced with the threat of a Castilian invasion, the Master of Avis ordered the Portuguese ships that were there to be removed to Porto.

Reinforced and supplied, the Portuguese fleet forced the Castilian blockade and brought men, weapons and supplies to the besieged city, allowing it to prolong the resistance.

In a battle fought on July 18, 1384, the Portuguese lost 3 of their 34 ships, but they achieved their objective.

Keywords: Dynastic crisis 1383-1385; Master of Avis; Siege of Lisbon; Naval Battle.

 

A morte prematura de D. Fernando I (1383) sem filho varão, fez surgir uma crise sucessória e o país entrou num novo período de instabilidade política e social.

Enquanto a rainha viúva D. Leonor Teles, assegurava a Regência, surgiram dois candidatos ao trono.

De um lado o rei D. João I de Castela, casado com a princesa D. Beatriz, a única filha do de D. Fernando I; do outro o infante D. João, mestre da Ordem Militar de Avis, filho bastardo de D. Pedro I.

A Nobreza, por razões éticas, apoiava maioritariamente D. Beatriz e o rei de Castela; mas a Burguesia – especialmente a ligada ao comércio marítimo – e o Povo não aceitavam a subordinação ao rei castelhano e apoiavam o Mestre de Avis para futuro Rei.

Esta situação dividiria o país, com cidades a apoiar cada um dos seus candidatos e traduziu-se numa guerra que duraria quase 30 anos com duas invasões do território português pelo exército e pela marinha de Castela.

Figura 1.png

Figura 1 - Nau do Século XIV. Museu de Marinha, Lisboa.


Naquela época, a defesa do Reino era, sem qualquer dúvida, a defesa de Lisboa; já o tinha entendido Henrique II de Castela quando lhe veio pôr cerco em 1372; entendia-o agora D. João I de Castela[1];  com essa mesma percepção, o mestre de Avis, quando nomeado Defensor e Regedor do Reino mandou concentrar em Lisboa todos os seus recursos disponíveis.

Para a defesa de Lisboa ser eficaz era necessário dispor de uma muralha defensiva resistente e bem guarnecida e manter o controlo do estuário do Tejo de forma a garantir as ligações com as povoações vizinhas de onde vinham os abastecimentos para a cidade.

Desta forma, em nada adiantaria ao inimigo cercar a cidade por terra se ela mantivesse os contactos fluviais com o exterior[2].

Lisboa dispunha então da chamada Muralha Fernandina, mandada construir por D. Fernando na sequência do cerco de 1372. Quanto a meios navais, estavam em Lisboa algumas naus e as galés apresadas em Saltes e que tinham sido devolvidas a Portugal, quase todas em muito mau estado[3].

Tendo conhecimento dos preparativos castelhanos para invadir Portugal e cercar Lisboa e reconhecendo que, nesta eventualidade, a Marinha teria uma importância estratégica, o Mestre de Avis, ordenou ao arcebispo de Braga, D. Lourenço, que aprontasse imediatamente todos os navios que fosse possível.

O empenho posto na tarefa por aquele prelado, levou ao aprontamento, num curto intervalo de tempo, de 12 galés e 7 naus que se encontravam no Tejo, a que se juntaram mais uma galé e uma galeota entretanto chegadas do Algarve.

Esta esquadra mobilizava cerca de 3.000 marinheiros e remadores e 800 homens de armas e representava um notável esforço perante a situação então vivida na capital, ainda recordada do que sucedera no cerco de 1372. As galés foram lançadas à água com o auxílio de tanta gente que não foi necessário utilizar os cabrestantes. Como a infeliz expedição a Saltes tinha desfalcado muito os arsenais e armazéns da Ribeira das Naus, foi necessário improvisar muito, no apresto dos navios; segundo Fernão Lopes, porque não havia escudos nem dardos que se perderam nas armadas que fizera El-rei D. fernando, faziam escudos das leivas dos tonéis e serravam bordos para fazer dardos[4].

A guarnição desta esquadra era composta por 3.500 marinheiros e remadores e 800 homens de armas. Era um esforço notável tendo em conta que se vivia em Lisboa uma situação de tensão face à expectativa de ter de se defender de outro cerco castelhano; estavam ainda frescas na memória dos lisboetas as provações do que tivera lugar doze anos antes.

Não sendo aquela força naval suficiente para enfrentar a armada castelhana de Sanches de Tovar, decidiu-se fazê-la largar para o Porto onde se deveria reforçar com homens e navios e voltar ao Tejo em condições de enfrentar a esquadra castelhana.

A 1 de Fevereiro de 1384 entraram no Tejo uma nau grossa, uma galé e cinco baixéis castelhanos[5] que vinham da Galiza com abastecimentos para a esquadra castelhana que supunham já estar em Lisboa, tendo fundeado entre o Restelo e São José de Ribamar. Atacados no dia seguinte por uma flotilha portuguesa de 2 galés, 2 naus e 3 barcas, apenas a galé conseguiu fugir para o mar picando a amarra e fazendo força de remos; os baixéis e a nau foram tomados.

Alguns dias depois, uma flotilha portuguesa de 3 galés e 3 barcas, que vigiava ao largo da barra do Tejo, apresou duas naus – que se diziam venezianas – carregadas de ricas mercadorias e uma barca da Galiza carregada com madeira.

Duas galés, com 50 homens de armas, foram a Santarém, sob o comando de Manuel Pessanha para, com o auxílio de gente local, tentar submeter a cidade; esta empresa fracassou devido à tenaz resistência do alcaide da cidade e dos seus apoiantes.

Aprontada a frota, foi o seu comando entregue a Gonçalo Rodrigues de Sousa, alcaide de Monsaraz. Apesar de se viverem momentos difíceis e de incerteza, a investidura do capitão-mor cumpriu todas as disposições das Ordenanças Régias.

O cortejo saíu da Sé com o Clero na dianteira, e o arcebispo de Braga ao lado do Mestre de Avis e atravessou a cidade até à Porta da Oira onde Gonçalo de Sousa recebeu das mãos do Mestre de Avis, o estandarte que iria arvorar na capitânea da frota, a galé Real.

O mau tempo atrasou a largada da esquadra; surgiram, entretanto, na barra, arribadas com o mau tempo, 3 naus castelhanas com farinha e cevada que fundearam em Oeiras. Atacados pelas galés portuguesas e impedidas de regressar ao mar, devido ao temporal, foram encalhadas pelas guarnições que fugiram para terra em direcção a Sintra. Depois de recuperada a carga possível, os navios foram incendiados.

Todas estas acções foram possíveis, porque Sanchez de Tovar levou três meses a aprontar em Sevilha a esquadra castelhana[6].

Com a melhoria do tempo e recebidas notícias que a esquadra castelhana já viria a caminho de Lisboa, tornava-se urgente a partida dos navios portugueses.

Depois da mostra geral, pelo Mestre de Avis, na Amora, Gonçalo Rodrigues de Sousa largou com as galés para o Norte a 14 de Maio de 1384. As naus ficaram ainda mais uns dias a aguardar ventos de feição.

Na sua rota para Norte, as galés assaltaram a vila de Atouguia, porque o alcaide de Óbidos forçava os habitantes a apoiar o rei de Castela; embarcaram mantimentos e continuaram a caminho do Porto.

Entretanto o rei de Castela avançou com o seu exército mas aguardou, nos arredores de Lisboa, a chegada da frota para estabelecer o cerco à cidade.

A 26 de Maio entraram a barra os primeiros navios castelhanos: 13 galés e 1 galeota, sob o comando do Almirante Sanchez de Tovar. Dois dias depois chegava o grosso da frota: 40 naus entre grossas[7] e pequenas sob o comando do capitão-mor Pero Afã da Ribeira.

Diante de Lisboa a esquadra castelhana fecha o cerco à cidade com as naus fundeadas em linha desde Cata-Que-Farás até à Porta da Luz, compreendendo toda a frente ribeirinha da cidade cercada. Da proa de cada nau à popa da seguinte foi passado um grosso calabre (amarra de cabo) que impedia a passagem de qualquer embarcação, mesmo pequena. A primeira e a última nau estavam tão próximas de terra que também por ali não era possível passar[8].

Simultaneamente D. João I de Castela chegou com o seu exército à vista de Lisboa. Como na cidade estavam refugiados os mais importantes opositores do rei de Castela, foi decidido, em conselho, formalizar o cerco, apesar de se estar a desenvolver, na hoste castelhana, uma epidemia de que morriam muitos soldados; e não faltaram opiniões contrárias à fixação do acampamento com tal inconveniente[9].

Cercada a cidade por terra e pelo rio, os seus habitantes ficaram sem meios de obter mais mantimentos, os quais só poderiam ser obtidos através da esquadra que estava no Porto.

Entretanto no Porto, combatia-se contra as hostes do Arcebispo de Compostela que tentavam obrigara cidade a aderir à causa do rei de Castela. Quando a esquadra portuguesa ali chegou, Gonçalo de Sousa mandou logo desembarcar um contingente de 300 lanceiros, 500 besteiros e 3.500 galeotes que, ao entrarem em acção, obrigaram à retirada das tropas do arcebispo para Braga[10].

Respondendo às solicitações do Mestre de Avis, a cidade do Porto mandou aprontar todos os navios que ali se encontravam, preparou-se para os abastecer com mantimentos e armas e mobilizou o pessoal disponível para os guarnecer e colocar em condições de combater.

Foi ainda pedido o apoio de D. Gonçalo Telo, alcaide de Coimbra para se juntar com os seus homens à expedição e comandá-la. Este, enviou logo para o Porto dois baixéis carregados de mantimentos para embarcar na esquadra.

Enquanto se aprontavam os navios do Porto, foram enviados à Galiza algumas galés para uma incursão naquele território castelhano. Atacaram as cidades de Baiona e da Corunha que pagaram resgates de 400 e 600 francos, respectivamente, para não serem destruídas as suas pescarias; no Ferrol queimaram tudo, excepto a igreja e Neda pagou também 400 francos para evitar o saque. Em Betanços, uma vila acastelada, queimaram duas naus -- uma delas carregada de engenhos de guerra -- e apresaram uma galé, a Volanda que estava fundeada junto aos muros da vila; atacaram depois a fortaleza, travaram alguns combates com a guarnição local até que estes entenderam pagar um resgate para não receberem mais danos. A esquadra voltou para Sul assaltando pelo caminho todas as povoações ribeirinhas causando-lhes todo o dano que puderam. Os despojos e os resgates que trouxeram eram suficientes para pagar três meses de soldo às guarnições das galés.

A esquadra, agora bem abastecida e equipada, larga para Lisboa, a seguir às Festas de São João (24 de Junho), com a intenção de forçar o bloqueio castelhano e abastecer a cidade. Conhecem-se os nomes de alguns navios e comandantes; comandava-a o conde D. Gonçalo Telo, alcaide de Coimbra, embarcado na galé Real; Gonçalo Vasques de Melo comandava a Sant'Anna; Afonso Furtado a Bem Aventurada; Estêvão Vasques Filipe a Santa Clara; Lourenço Mendes de Carvalho a San Joanne; Manuel Pessanha a San Jorge; João Rodrigues Guarda a Santa vitória; Antão Vasques a Santa Maria de Cacela; são ainda conhecidos os nomes de outros comandantes sem indicação do navio: Gil Esteves Fariseu e Aires Peres Camões.

Entretanto chegaram ao Porto instruções do Mestre de Avis para se aguardar a chegada de D. Nuno Álvares Pereira, que vinha de Évora com os seus homens de armas para embarcar na esquadra e comandá-la até Lisboa, onde daria combate à frota castelhana que bloqueava a capital[11].

Receoso que D. Nuno se apoderasse do comando da frota, o conde D. Gonçalo apressou a largada dos navios.

Fizeram uma escala em Buarcos para receber mais abastecimentos e ali souberam que D. Nuno estava em Coimbra com os seus homens; avisado da chegada da esquadra, o futuro condestável escreveu a D. Gonçalo e a Rui Pereira para que o aguardassem; mais uma vez, D. Gonçalo precipitou a partida para evitar ser desalojado do comando da frota. Continuou esta o seu caminho para Sul, fundeando em Cascais a 17 de Julho de 1384.

Os castelhanos, que tinham acompanhado os movimentos da esquadra, tinham-se preparado para a enfrentar. Num conselho mandado reunir pelo monarca castelhano foram apresentadas duas propostas; o almirante Tovar propunha que a esquadra deveria ir para o mar aguardando os portugueses ao abrigo das ilhas Berlengas; assim os venceria sem deixar passar uma só vela. Pedro Afã, capitão-mor das naus propunha, por sua vez, que se deveria esperar pelos portugueses no Tejo; no mar os portugueses viriam com o vento a favor e as naus castelhanas, com o vento contra, não poderiam acompanhar as suas galés; no Tejo poderia manobrar de forma a colocar os portugueses entre as naus e as galés, cercando-os e derrotando-os. O rei optou pela segunda proposta, face à divergência de opiniões. Escolheu a que menos convinha, o mesmo que já sucedera quando se tratou do assédio[12].

Partiram para o mar duas galés que ficariam de vigia até avistarem a frota lusitana; quando estes são avistados as galés recolhem a Lisboa com a informação e os castelhanos iniciam, com grande agitação, os preparativos para o combate, Esta atitude deixou inquietos os sitiados que não entendiam a razão de tanta agitação.

Os portugueses, em Cascais, resolvem enviar um emissário ao Mestre de Avis dando conhecimento da situação e pedindo instruções. Foi João Ramalho o mensageiro escolhido e que num batel, durante a noite, conseguiu furar o bloqueio castelhano e desembarcar em Lisboa.

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Figura 2 – Batalha Naval do Tejo de 18 de Julho de 1384. Desenho conjectural de José Manuel Cabrita baseado em “Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa" de Armando da Silva Saturnino Monteiro.


As instruções de D. João foram no sentido de a esquadra entrar na manhã seguinte aproveitando a força da maré enchente; as galés, em coluna a meio do rio e as naus a Sul destas, bem cozidas com a margem de Almada; não deveriam dar combate aos castelhanos enquanto não se reunissem com os navios que estavam em Lisboa e que o Mestre de Avis mandaria em seu socorro. Voltou João Ramalho a Cascais, atravessando mais uma vez a linha inimiga, e levando as instruções recebidas.

Ao nascer do dia seguinte já D. João estava na Ribeira preparando o embarque nos navios que iam em auxílio da esquadra. Foram, porém, malsucedidas as tentativas de reforçar a esquadra; a forte corrente de maré arrastava as embarcações, carregadas de homens de armas, para montante, até Sacavém; foi o que aconteceu às barcas de Gonçalo Borges e Mem Rodrigues de Vasconcelos. A nau onde D. João embarcou, com 400 homens de armas, uma das que fora apresada aos genoveses, não pode governar por ir sobrelotada; o Mestre de Avis teve de desembarcar e a esquadra, sem reforço, teve de enfrentar sozinha a armada de Castela.

Os castelhanos, com 40 naus e 13 galés, formam uma linha de batalha encostadas à margem Norte, diante do Restelo, aguardando a chegada dos portugueses.

A esquadra portuguesa entra a barra com 5 naus na dianteira, seguidas das restantes, bem cozidas à margem Sul, e com 17 as galés navegando em coluna no meio do Tejo, entre as outras 12 naus abarrotadas de víveres, e os navios espanhóis. Aproveitando bem o vento Norte e a força da enchente, os portugueses avançam resolutamente para Lisboa. As naus da dianteira eram a Milheira sob o comando de Rui Pereira, capitão-mor das naus, com 60 homens de armas e 40 besteiros, a Estrela comandada por Álvaro Peres de Castro, a Farinheira de João Gomes da Silva, a Sangrenta de Aires Gonçalves de Figueiredo e na última, cujo nome se desconhece, vinham os irmãos Pêro e Rui Lourenço.

Os castelhanos tiveram dificuldade em segurar os seus navios na linha de batalha – estavam atravessados à corrente e tiveram de ser fundeados – e quando conseguem largar em perseguição dos portugueses, já os primeiros navios tinham passado e nunca mais os puderam alcançar. À largada, as naus castelhanas cruzaram a proa das suas galés e dificultaram-lhes a progressão em direcção aos navios portugueses.

Vendo que navios estacionados em Lisboa não largam das estacadas, a vanguarda portuguesa resolve investir contra os castelhanos para proteger os restantes navios.

Rui Pereira, o chefe da vanguarda portuguesa, altera o rumo e navega contra as naus espanholas interpondo-se entre elas e as galés portuguesas, sendo acompanhado neste movimento por todos os seus navios. Atacando-as com fúria ripostaram os castelhanos também com violência, travando-se uma luta renhida entre os navios das duas frotas.

A luta desenrola-se essencialmente entre as cinco naus portuguesas da vanguarda com os seus equivalentes espanhóis; seis naus castelhanas abordam três das naus portuguesas e a batalha desenrola-se com os navios a cair, com a corrente, em direcção a Cacilhas. O resto da frota e as galés portuguesas continuaram a navegar e vieram fundear dentro das estacadas.

Rui Pereira e os seus navios continuavam a bater-se com energia; um virote disparado de um navio inimigo atingiu-o na face, provocando-lhe morte imediata. Vendo que o resto da esquadra estava a salvo a nau Sangrenta que, juntamente com a Milheira, atacara a nau capitânia castelhana San Juan de Arenas tenta abandonar o combate, mas foi perseguida por cinco galés; apesar da chuva de projécteis que sobre ela deitaram os inimigos e da súbita falta de vento, conseguiu atingir as estacadas, ficando a salvo.

A batalha terminava com os castelhanos a recolherem de novo ao Restelo e os portugueses ao abrigo das muralhas da cidade.

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Figura 3 – Batalha Naval do Tejo travada em 18 de Julho de 1384. Desenho de Álvaro Hogan in História da Marinha Portuguesa (1140-1385), edição do Clube Militar Naval, 1940.


A esquadra portuguesa perdeu 3 naus e o seu comandante, Rui Pereira, mas o resto da esquadra atingiu o destino a salvo e fez chegar a Lisboa mais armas, mais homens e mais mantimentos.

Apesar das perdas, esta batalha é uma importante vitória portuguesa; no mar não ganha quem tem menos baixas, mas sim quem atinge os seus objectivos. E não há dúvidas que os castelhanos falharam o seu objectivo de impedir a chegada dos navios a Lisboa; os portugueses conseguiram o seu, atingir a cidade cercada e abastecê-la, o que sem dúvida desmoralizou o inimigo levando-o, mais tarde, a levantar o cerco a retirar para Castela.

O Mestre da Avis planeia, entretanto, um combate naval com os castelhanos, reforçando, com gente da cidade, as guarnições dos navios portugueses. Mas este combate nunca teria lugar porque a Armada de Tovar seria entretanto reforçada com mais 21 naus e 3 galés, totalizando agora 61 naus e 16 galés[13], alem de outros navios menores. E o Mestre de Avis, perante a desproporção de forças, teve de manter-se na defensiva.

Em 27 de Agosto, os castelhanos desencadearam um ataque por terra e mar contra Lisboa, tentando apoderar-se das galés portuguesas; alguém propôs queimá-las mas D. João I de Castela, terá afirmado “são minhas e não quero dessa guisa perdê-las"[14].

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Figura 4 – Ataque das galés castelhanas aos navios portugueses fundeados junto à margem, em 27 de Agosto de 1384. Quadro de Sousa Lopes, Museu Militar de Lisboa.


Aproveitando o facto de estar em maré viva, onde algumas galés flutuavam os castelhanos atacaram-nas, mas a reacção dos portugueses impediu que fossem tomadas. Os castelhanos acabariam por perder uma das suas galés que tendo aferrado uma portuguesa, quando esta foi puxada para terra, veio com ela e foi tomada[15].

Foi com a chegada do reforço naval que se desenvolveu ainda mais a peste que, desde o início, grassava no acampamento castelhano; diz-nos Duro que não se fazia outra coisa, senão abrir valas e conter as lágrimas ao dar sepultura ao Mestre de Santiago, o camareiro-mor,  ao marechal de Castela, e ao Almirante Tovar, entre milhares de soldados e marinheiros[16].

Em 3 de Setembro, os castelhanos levantaram o cerco, deixando apenas a esquadra no Tejo.

Fernandez Duro[17] historiador da Marinha Espanhola afirmou, a propósito deste combate: Na guerra (naval) triunfa o que consegue o resultado que se propunha; não o que ganha combates ou batalhas sem consequências. Se a Lisboa não chegassem mantimentos, não se poderia prolongar a resistência; provavelmente o rei de Castela entrava em Lisboa; diminuiria a popularidade do Mestre de Avis e os assuntos tomariam um aspecto diferente do que tiveram. Pensando assim os defensores da independência portuguesa sacrificaram neste lance parte da sua frota à salvação do que mais importava, preparando a Rui Pereira louros imortais ao sucumbir com menos de dois mil soldados[18] em aras da Pátria.

Ao não chegarem a Lisboa mantimentos, não poderia prolongar-se a resistência da cidade; e, provavelmente, o rei D. João I (de Castela) entraria na cidade e terminaria a popularidade do Mestre de Avis, tornando os assuntos aspecto muito distinto do que tiveram.

 

Bibliografia

LOPES, Fernão. Crónica de D. João I, 2 vols., Barcelos, Civilização, 1990.

DURO, Fernández Cesáreo, La Marina de Castilla. Desde su Origen y Pugna con la de Inglaterra hasta la Refundición en la Armada Española, Madrid, El Progreso Editorial, 1894.

EÇA, Vicente Almeida d'. Lições de História Marítima Geral (4 volumes). Ministério da Marinha, Lisboa, 1973.

LEITÃO, Comandante Humberto e LOPES, Comandante J. Vicente. Dicionário da Linguagem de Marinha Antiga e Actual. Edições Culturais de Marinha, Lisboa, 1990.

MONTEIRO, Armando da Silva Saturnino. Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa (8 Volumes). Sá da Costa Editora, Lisboa, 1990-97.

MORAIS, Tancredo de. História da Marinha Portuguesa. I – Da Nacionalidade a Aljubarrota. Clube Militar Naval. Lisboa, 1940.

PEREIRA, José António Rodrigues. Grandes Batalhas Navais Portuguesas. Esfera dos Livros. Lisboa, 2009.

_________________________________. Marinha Portuguesa nove Séculos de História. Edições Culturais da Marinha. Lisboa, 2010.

QUINTELLA, Inácio da Costa. Anais da Marinha Portuguesa (4 volumes). Ministério da Marinha, Lisboa 1973-75.

SELVAGEM, Carlos. Portugal Militar. Imprensa Nacional. Lisboa, 1931.



NOTAS

[1] José António Rodrigues Pereira. Grandes Batalhas Navais Portuguesas, p. 63.

[2] Idem ibidem,, p. 64.

[3] Idem ibidem, p. 64.

[4] Fernão Lopes. Crónica de D. João I, vol I, p. 212.

[5] Cesáreo Fernández Duro, La Marina de Castilla, p. 148, afirma serem 6 naus e uma galé.

[6] Idem ibidem, p. 148.

[7] Nau grossa significa nau de grande porte.

[8] José António Rodrigues Pereira. Op. Cit., p. 66.

[9] Cesáreo Fernández Duro, Op. Cit., pp. 148-149.

[10] Fernão Lopes, Op. Cit. p. 234

[11] Tancredo Octávio Faria de Morais. História da Marinha Portuguesa. I – Da Nacionalidade a Aljubarrota, pp. 192-193.

[12] Cesáreo Fernández Duro, Op. Cit., p. 149.

[13] Armando da Silva Saturnino Monteiro. Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa 1139-1975, volume I, pp 63.

[14] Tancredo Octávio Faria de Morais. Op. Cit., p 199.

[15] Idem ibidem, p. 201.

[16] Cesáreo Fernández Duro, Op. Cit., p. 150.

[17] Idem ibidem, p. 150.

[18] Os portugueses perderam menos de 200 homens, pelo que é exagerado o número avançado pelo historiador espanhol.

 

 

JOSÉ ANTÓNIO RODRIGUES PEREIRA

Capitão-de-mar-e-guerra reformado. Académico Emérito da Academia de Marinha; Académico Honorário da Academia Portuguesa da História; Vogal efectivo do Conselho Consultivo da Comissão Portuguesa de História Militar; Membro da Comissão de Estudos Corte-Real e da Secção de História da Sociedade de Geogtrafia de Lisboa. Autor de várias monografias de que destacamos Marinha Portuguesa Nove Séculos de História. Texto elaborado em Maio de 2022.

 

Citar este texto:

PEREIRA, José António Rodrigues – Batalha Naval do Tejo (18 de Julho de 1384). Revista Portuguesa de História Militar - Dossier: Da Fundação à Expansão, Séculos XII-XVI. [Em linha] Ano II, nº 2 (2022), https://doi.org/10.56092/URTL2835​, [Consultado em ...].
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