OS “COMANDOS" NO 25 DE ABRIL DE 1974

Manuel Amaro Bernardo
Resumo
O presente artigo visa fornecer uma abordagem, necessariamente sintética, sobre a participação de Comandos nas operações do 25 de Abril.
Encontrando-se as tropas Comandos no então ultramar português, a sua actuação nos acontecimentos, circunscreve-se à Companhia de Comandos 4041 (aprontada no CIOE e pronta a embarcar para o Ultramar) e à actuação pessoal do Major Jaime Neves e dos militares Comando que o acompanharam.
Palavras-chave: Comandos; Jaime Neves; 25 de Abril
Abstract
The aim of this article is to provide an overview of the participation of Commandos in the 25 April operations. The Commandos troops were mostlly stationed in Portugal's overseas territories at the time, and their role in the events is confined to the 4041 Commandos Company (ready at the CIOE to embark for the overseas territories) and the personal role of Major Jaime Neves and the Commandos who accompanied him.
Keywords: Commandos; Jaime Neves; 25 April
(...) É minha intenção separar águas, evitar que a água limpa do 25 de Abril se misture com a sujidade do 26 de Abril. É o meu contributo para a memorização do 25 de Abril.
General Ricardo Durão, in “Nunca Esquecerei" /2014
Importa referir previamente que, quando do Golpe Militar do 25 de Abril, não existiam, na então denominada Metrópole, unidades desta especialidade pelo que, nas palavras do então Major «Comando» Jaime Neves o próprio entrou no mesmo, “convictamente, com um grupo de «comandos» (...), e um pequeno grupo de oficiais", pesando, nessa sua decisão “o que vivi em África e a maneira como os militares vindos da Índia foram recebidos e tratados pelas autoridades militares. (…) Quando eu desembarcava em Angola, sentia-me em Portugal. Pelo que lá vi e passei, não há dúvida que todos os portugueses que lá trabalhavam e viviam mereciam uma melhor descolonização. (…)" [1]
O pré-25 de Abril de 1974
Numa importante contextualização, parece significativo recuar aos acontecimentos insólitos contra os militares oriundos da então metrópole e sedeados (e do mato e lá em férias) na Beira e Vila Pery, bem salientados nesta transcrição:
14 de Janeiro (...) Graves acontecimentos em Moçambique: assalto (pela FRELIMO) a uma fazenda de brancos e forte reacção dos fazendeiros e agricultores de Vila Pery. As manifestações da população prolongam-se por vários dias, atingido a maior gravidade na noite de 17 para 18 de Janeiro, com insultos às Forças Armadas perante a passividade das forças policiais e a inoperância das autoridades civis e militares. Nestes acontecimentos verifica-se a implicação directa de Jorge Jardim, apoiado por elementos da PIDE/DGS.[2]
Estes acontecimentos foram determinantes na politização definitiva do "Movimento dos Capitães", ocorrida em Lisboa, quando aqui chegaram as notícias do sucedido em Moçambique e depois da tomada de posse, em 14-01-1974 do General António de Spínola, como Vice-Chefe do EMGFA, com o General Costa Gomes na sua chefia.
Outra ocorrência significativa neste período pré-25ABR, e omitida pela generalidade da bibliografia publicada em Portugal, foi o acordo conseguido em 03-03-1974, em Oeiras, entre os líderes do grupo dos Oficiais do QP, oriundos da Academia Militar, e o dos Oficiais do QP, oriundos de milicianos, que se vinham defrontando na sequência da contestação aos Decretos-lei de 1973. Nos primeiros, estavam Vítor Alves e Otelo Saraiva de Carvalho e, nos segundos, Alberto Ferreira, Andrade Moura, Pais de Faria e Armando Ramos.[3]
Igualmente e não sendo objecto deste estudo o Golpe Militar de 16 de Março de 1974, importa relembrar que:
Quando às 04H00 da manhã do dia 16, a coluna sai os portões do quartel para se dirigir a Lisboa, sob o comando do Capitão Armando Ramos, toda a máquina repressiva do Governo já se encontrava em movimento.
E só não houve contacto com estas forças repressivas, porque o Majores Manuel Monge e Casanova Ferreira, me aguardavam na descida da auto estrada (de Lisboa) a uns duzentos metros a caminho da ponte do Rio Trancão, pedindo-me para regressar às Caldas. Os militares que foram para a Trafaria eram inquestionavelmente os mais responsáveis.[4]
É relevante salientar que o então Major “Comando" Jaime Neves esteve envolvido nas diligências prévias a este acontecimento, pois acompanhou Manuel Monge na ida ao Regimento de Cavalaria n.º 7, na tentativa frustrada de colocar os oficiais desta unidade a favor do derrube do Governo.
Ora os dois oficiais anteriormente referidos, Luís Casanova e Manuel Monge, quando seguiram para a auto-estrada para mandar voltar de regresso às Caldas a referida coluna, deixaram, no Parque de Monsanto/Lisboa, o Major Jaime Neves, que com eles seguia na mesma viatura, evitando, assim, a denúncia da sua actividade nesta conjura.
Os “Comandos" no golpe de 25 de Abril de 1974
A participação dos “Comandos" no golpe do 25 de Abril, gravita, assim, em torno da figura do Major Jaime Neves e alguns dos seus homens com essa especialidade que o acompanharam nesse movimento.
Mas para além da figura maior dos “Comandos" no 25 de Abril, há todavia, que referir que pelas 03h00 do Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE), de Lamego, o Capitão António Delgado da Fonseca à frente da Companhia de Comandos 4041 arrancou para ocupar a sede da DGS no Porto, acabando por auxiliar os militares do CICA 1 a controlar o QG/RMP.
Sobre o papel de Jaime Neves e dos “Comandos" o Plano de Operações gizado por Otelo Saraiva de Carvalho, contemplava uma série de golpes de mão, sob sua coordenação no denominado «Agrupamento Lima». Dos dez grupos definidos, apenas dois foram conseguidos, tendo o grupo liderado por Jaime Neves, o 3.º grupo, falhado o objectivo de controlar a Brigada de Trânsito da Guarda Nacional Republicana.
O falhanço de muitos destes golpes de mão levou a que diversos oficiais de dirigissem ao Posto de Comando, solicitando novas missões.
É o caso de Jaime Neves que a seu pedido vai para o Terreiro do Paço, onde na companhia do Tenente-coronel Correia de Campos, pelas 10h15, passa revista ao Ministério do Exército e confirma a fuga dos ministros que tinham por missão prender, dando voz de prisão ao chefe de gabinete do Ministro do Exército e ao chefe de gabinete do sub-secretário de Estado.
Igualmente um aspecto que tem sido omitido por bastantes autores, levando muita gente a desconhecer a importante actuação do então Major Jaime Neves na Avenida da Ribeira das Naus, em Lisboa: Actuação, aliás, bem documentada numa série fotográfica de Eduardo Gajeiro.[5]
O que realmente aconteceu pode resumir-se no seguinte: quando os carros de combate do Regimento de Cavalaria n.º 7, vindos do Cais do Sodré, comandados pelo Major Pato Anselmo, se encontravam em frente das tropas de Salgueiro Maia, Jaime Neves entregou a sua Espingarda G3 a um militar e avançou desarmado pelo meio da estrada em direcção àquele oficial. Interpelando-o: “Vamos conversar. Então já estamos todos do mesmo lado e só vocês ainda não aderiram".[6]
Na sequência desta atitude e na perspectiva de outro autor terá havido mais este diálogo:
«(...) Mas tu garantes que tudo vai correr bem?! - pergunta o Major Pato Anselmo; "Eu sei lá como é que isto acaba. - responde o Major Jaime Neves. A seguir grita para os condutores dos M47 (Carros de combate) — Eh pá, venham daí para o nosso lado!».[7]
Na sequência deste diálogo, o Major Pato Anselmo acabou por dar ordem de rendição ao seu pessoal e as metralhadoras e os canhões foram virados para o Rio Tejo. O Major Jaime Neves conseguiu assim a rendição de Pato Anselmo que, depois, foi escoltado do local para o Terreiro do Paço, pelo ex-Alferes Mil. Brito e Cunha, que trajava à civil.
Posteriormente, cerca das 11h30 Jaime Neves à frente do seu grupo de “Comandos" e das forças do Regimento de Cavalaria 7, do Regimento de Lanceiros 2 e do Regimento de Infantaria 1, que se haviam passado para o lado dos revoltosos, seguem para o Quartel-General da Legião Portuguesa na Penha de França.
Jaime Neves, depois de montar o dispositivo militar nos acessos ao Quartel, concede aos ocupantes do edifício do Comando da LP quinze minutos para se renderem, o que ocorre pelas 13h40, decorridos apenas dez minutos, quando o comandante e o Estado-Maior da Legião Portuguesa se rendem ao Major Jaime Neves, as forças do Movimento tomam o edifício da Penha de França, o objectivo «Marrocos» foi ocupado sem qualquer incidente.
Esta actuação de Jaime Neves é referida no Relatório da Escola Prática de Cavalaria:
Depois, com os incidentes resolvidos na baixa lisboeta, pelas 11HOO, Jaime Neves e Salgueiro Maia apresentaram-se, no Terreiro do Paço ao Tenente Coronel Correia de Campos que, de acordo com as instruções recebidas do Posto de Comando da Pontinha, sob a coordenação de Otelo Saraiva de Carvalho, lhes definiu as missões seguintes: Uma coluna com as forças aderentes do Regimento de Infantaria n.º 1, Regimento de Lanceiros e Regimento de Cavalaria n.º 7, sob o comando de Jaime Neves, iria deslocar-se em direcção à Penha de França (actual Comando Geral da PSP) para conseguir a rendição da Legião Portuguesa.
«Pelas 13H30, é montado um dispositivo militar nos acessos a estas instalações e foram concedidos quinze minutos para se renderem. Após dez minutos as forças do Movimento tomam o edifício e informam o Posto de Comando da Pontinha, este Comando da Legião Portuguesa foi ocupado sem qualquer incidente.[8]
Quanto à actuação da coluna da EPC, comandada por Salgueiro Maia, tem sido bastante divulgada e até já se fez a reconstituição num filme, mas com algumas omissões, como foi a actuação dos “Comandos" na baixa lisboeta, atrás referida.
Jaime Neves no pós-25 de Abril
Sobre a actividade deste Oficial "Comando" nos dias seguintes ao golpe, após ter entregue o comando do ex-quartel da Legião Portuguesa ao então Major Adérito Figueira foram, além de outros, os indicados nos livros do Professor Rui de Azevedo Teixeira:
faz a segurança a Américo Tomás (ex-PR), na sua partida para a Madeira, (...) mete na ordem os detidos da cadeia do Linhó; impede que a 'rapaziada do MRPP" liberte Peralta, o capitão cubano caçado na Guiné e metido no Hospital Militar à Estrela; liberta esquadras da polícia sitiadas pela "esquerda avançada"; e chega até a resolver problemas em "bichas" para o cinema, (...) Jaime Neves é encarregado (pela JSN) de proteger, na chegada, a 30 de Abril, ao aeroporto da Portela, o secretário geral do Partido Comunista Português (...) Do encontro de Neves com Cunhal fica uma das mais fortes imagens do 25 de Abril de 1974. É a imagem de Cunhal com Mário Soares ao seu lado discursando no cimo de uma chaimite, imitando Lenine na estação Finlândia em São Petersburgo. É uma imagem iconográfica, que prova a ingenuidade política do líder “comando", muito bem manipulado pelo líder comunista. O que estava previsto era que Cunhal falasse de uma varanda do aeroporto, um lugar neutro, sem conotação militar ou política. Falando da chaimite, criou-se logo ali a ideia da tropa com os comunistas. Estava feita a simbólica simbiose do Movimento das Forças Armadas com o Partido Comunista Português, do MFA com o PCP. (...).[9]
Pouco depois do Golpe Militar o Major Jaime Neves seria o comandante do criado Batalhão de Comandos n.º 11, na Amadora, em 29 de Junho de 1974, que em 1 de Maio de 1975, se passa a designar Regimento de Comandos, unidade que comandará (inicialmente graduado em coronel) até ao 25 de Novembro de 1975, com excepção de quatro dias do “verão quente" (entre 31 de Julho a 4 de Agosto) em que esteve suspenso, devido a uma insurreição nessa Unidade, com o “patrocínio" do PCP de Álvaro Cunhal.[10]
Anexos

Fig. 1: Ex-alferes miliciano Brito e Cunha (com revólver), Salgueiro Maia (quarto a contar da esquerda) e outros oficiais, incluindo Jaime Neves, de costas, preparam-se para deter o Major Pato Anselmo. Terreiro do/Av. das Naus. (Foto de Eduardo Gageiro).

Fig. 2: Jaime Neves toma a iniciativa de abordar o Major Pato Anselmo, na Av. Ribeira das Naus, com vista à rendição do pessoal do esquadrão do Regimento de Cavalaria 7, que está com as armas apontadas para o esquadrão de Salgueiro Maia. Está de costas, depois de entregar a sua G-3 a um soldado, enquanto Maia dialoga com Ferrand de Almeida, também do Regimento de Cavalaria 7. (Foto de Eduardo Gageiro).

Fig. 3: Depois da rendição do pessoal de Cavalaria 7, Pato Anselmo segue escoltado por Brito e Cunha e outros oficiais, enquanto, ao fundo, Jaime Neves recupera a sua G-3. As armas dos carros de combate já estão viradas para o Rio Tejo. (Foto de Eduardo Gageiro).
NOTAS
[1] ANTUNES, José Freire Antunes, A Guerra de África 1961-1974; Círculo de Leitores, vol. I, 1995.
[2] SANTOS, Boaventura Sousa et al., O Pulsar da Revolução. Cronologia da Revolução do 25 de Abril (1973-1976), Lisboa, Edições Afrontamento, 1997.
[3] RAMOS, Armando Marques Ramos, Da Ditadura à Democracia; A Minha Estrada, Lisboa, Ed. Autor, 2023.
[4] RAMOS, Armando Marques, ob. cit.
[5] TEIXEIRA, Rui de Azevedo Teixeira, Jaime Neves; Homem de Guerra e Boémio, Lisboa, Ed. Bertrand.
[6] BERNARDO, Manuel Amaro Bernardo, Equívocos e Realidades. Portugal 1974/1975, Lisboa, Ed. Nova Arrancada, 1.º Vol., 1999.
[7] Rui de Azevedo Teixeira, ob. cit.
[8] Publicado no livro de Diniz de Almeida, Origens e Evolução do Movimento dos Capitães, Edições Sociais, 1.º vol., 1977.
[9] Ver Rui de Azevedo Teixeira, ob. cit.
[10] Manuel Amaro Bernardo, Francisco Proença Garcia e Rui Domingos da Fonseca, 25 de Novembro 1975. Os 'Comandos' e o Combate pela Liberdade, Lisboa, Associação de Comandos, 2005.
Manuel Amaro Bernardo 1939-2024
Natural de Faro, Coronel de Infantaria do Exército Português. Cumpriu quatro comissões de serviço na Guerra em África entre 1961-1973, nomeadamente nos teatros de Angola e da Guiné. Foi um dos intervenientes, no Posto de Comando do Regimento de Comandos da Amadora, no contragolpe de 25 de Novembro de 1975. Reformado em 2004, dedicou-se à investigação histórico-militar, publicando mais de uma dezena de obras, a maior das quais alusivas à Guerra de África.
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Como citar este texto:
BERNARDO, Manuel Amaro – Os “Comandos" no 25 de Abril de 1974. Revista Portuguesa de História Militar - Dossier: 25 de Abril de 1974. Operações Militares. [Em linha] Ano IV, nº 6 (2024); https://doi.org/10.56092/MFOW1865 [Consultado em ...].