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25 DE ABRIL – OPERAÇÕES MILITARES NO NORTE DE PORTUGAL


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David Martelo


Resumo

Em 25 de Abril de 1974, as operações militares das unidades da Região Militar do Porto (RMP) comprometidas com o Movimento das Forças Armadas (MFA) foram levadas a cabo tendo em conta que estariam desligadas do “objectivo Lisboa", sendo o respectivo planeamento completamente autónomo e da responsabilidade dos majores Gaspar Borges e Eurico Corvacho. Tratava-se, essencialmente, de garantir o controlo militar da cidade do Porto e constituir uma reserva regional que pudesse, em caso de necessidade, ser empregue a nível nacional. De entre as acções previstas e efectivamente executadas salientam-se as que levaram à ocupação do Quartel-General da RMP, do aeroporto de Pedras Rubras e as que procuraram impedir a manobra das unidades que não eram consideradas “amigas". Além disso, o MFA exibiu forças no centro da cidade e logrou controlar a atitude inicialmente pró-regime da PSP e da GNR, garantindo uma acalmia da população ao final da tarde do dia 25. Por essa altura, foi possível efectivar a nomeação do coronel Passos Esmeriz como novo comandante da RMP. Os objectivos sede da PIDE/DGS e Legião Portuguesa só seriam ocupados no dia 26 de Abril, data em que as operações foram dadas por concluídas.

Palavras-Chave: 25 de Abril Norte; 25 de Abril Porto; Eurico Corvacho; Nogueira de Albuquerque; Boaventura Ferreira; Gaspar Borges; Passos Esmeriz; Carlos Azeredo; Castro Carneiro; Medeiros de Almeida; Piteira Santos; Martins Soares; Região Militar do Porto; CICA 1; RAP 2; CIOE; 1.º GCAM; BCaç 5016.

Abstract

On April 25,1974, the military operations of the units of Oporto Military Region (RMP) committed to the Armed Forces Movement (MFA) were carried out taking into account that they would be disconnected from the 'Lisbon objective' and under the responsibility of Majors Gaspar Borges and Eurico Corvacho. It was essentially a question of guaranteeing military control of the city of Oporto and of a regional reserve that could, in case of need, be used at national level. Among the actions planned and actually carried out, the following stand out: the occupation of the RMP headquarters, the Pedras Rubras airport and those that sought units that were not considered 'friendly'. In addition, the MFA forces in the city centre managed to control the initially pro-regime attitude of the PSP and GNR, ensuring that the population calmed down by the end of the afternoon of the 25th, with the appointment of Colonel Passos Esmeriz as the new commander of the RMP. The headquarters of PIDE/DGS and the Portuguese Legion were not occupied until 26 April, when the operations were ended.

Keywords: 25 April North; 25 April Oporto; Eurico Corvacho; Nogueira de Albuquerque; Boaventura Ferreira; Gaspar Borges; Passos Esmeriz; Carlos Azeredo; Castro Carneiro;- Medeiros de Almeida; Piteira Santos; Martins Soares; Oporto Military Region; CICA 1; RAP 2; CIOE; 1st GCAM; BCaç 5016.

 

 

 

Introdução

No planeamento geral das acções militares que, em 25 de Abril de 1974, poriam termo ao regime do Estado Novo, foi tido em conta que os principais objectivos a conquistar se situavam na área de Lisboa. Era aí que, uma vez bem-sucedidas, as operações assegurariam a detenção dos governantes mais importantes, o controlo da televisão e das principais rádios, as telecomunicações e o aeroporto de Lisboa.

Para alcançar esse desiderato, o Movimento das Forças Armadas (MFA) contava, essencialmente, com as seguintes forças:

  • Unidades do Exército da Região Militar de Lisboa
  • Uma coluna blindada da Escola Prática de Cavalaria / Região Militar de Tomar
  • Uma reserva constituída por forças de unidades das Regiões Militares de Coimbra, Tomar e Évora, que iriam convergir sobre Lisboa logo ao iniciar-se a operação.

 

No Continente, por conseguinte, as unidades da Região Militar do Porto (RMP) ficariam, no imediato, desligadas do “objectivo Lisboa", sendo o planeamento das suas acções em 25 de Abril completamente autónomo e da responsabilidade dos majores Gaspar Borges e Eurico Corvacho. Globalmente, a missão destas unidades era, por conseguinte, garantir o controlo militar da cidade do Porto e constituir uma reserva regional que pudesse, em caso de necessidade, ser empregue a nível nacional. Não tendo a incumbência de se apoderar de nenhum centro de poder, às unidades da RMP, sob o comando operacional do major Corvacho, competiam, principalmente, acções de controlo:

  • Ocupação do Quartel-General da RMP e detenção das principais figuras do seu comando
  • Cerco e ocupação do quartel da Legião Portuguesa
  • Ocupação do aeroporto de Pedras Rubras
  • Controlo da televisão, emissoras de rádio e telecomunicações
  • Controlo da PSP e GNR
  • Impedir a manobra das unidades que não eram consideradas “amigas"

Para o cumprimento destas missões, o núcleo de comando do MFA da RMP contava dispor de forças destacadas das seguintes unidades:

  • Batalhão de Caçadores 9 (BC 9) – Viana do Castelo
  • 1.º Grupo de Companhias de Administração Militar (1.º GCAM) – Póvoa do Varzim
  • Regimento de Infantaria 8 (RI 8) – Braga
  • Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOE) – Lamego
  • Regimento de Cavalaria 6 (RC 6) – Porto
  • Regimento de Infantaria 6 (RI 6) – Porto
  • Regimento de Infantaria 13 – Vila Real
  • Regimento de Transmissões (RTm) – Porto
  • Centro de Instrução de Condução Auto 1 (CICA 1) – Porto
  • Regimento de Artilharia Pesada 2 (RAP 2) – Vila Nova de Gaia

Das unidades principais pertencentes à RMP, estão ausentes desta lista o Regimento de Artilharia Ligeira 5, de Penafiel, e o Batalhão de Caçadores 10, de Chaves, que foram consideradas como potencialmente “hostis", e o Batalhão de Caçadores 3, de Bragança, unidade onde havia oficiais do movimento, mas para a qual se não requereram missões especiais. O Batalhão 4/GNR foi, inicialmente, contado como potencialmente hostil.

Era este o planeamento, mas havia que aguardar dois sinais a transmitir pela rádio. Às 22.55, nos Emissores Associados de Lisboa, o locutor diria: são 22h55m, pondo no ar a canção de Paulo de Carvalho “E depois do adeus"; na hora seguinte, seria de esperar outro sinal, na Rádio Renascença, através da reprodução de “Grândola Vila Morena", interpretada por José Afonso.

Acções na cidade do Porto

Logo que soaram os sinais para o desencadeamento das operações, uma equipa constituída pelos majores Eurico Corvacho e Nogueira de Albuquerque e pelo capitão Boaventura Ferreira introduz-se no QG/RMP, na Praça da República, no Porto, assenhoreando-se do principal órgão de comando da Região. Seguidamente, uma companhia do CICA 1 viria guarnecer o QG, força com a qual viria o tenente-coronel Carlos Azeredo. O general comandante não seria imediatamente localizado, mas seriam detidos, nas suas residências, o brigadeiro Barreto, 2.º comandante da RMP (equipa chefiada pelo major Gaspar Borges, do CICA 1) e coronel Ramos de Freitas, chefe do estado-maior (equipa chefiada pelo capitão Castro Carneiro, também do CICA 1).

A informação de que o MFA dispunha sobre a localização do comandante da RMP, general Martins Soares, apontava no sentido de se encontrar em Lisboa, para onde fora convocado pelo ministro do Exército. Esta presunção não correspondia à realidade. O general Martins Soares havia regressado mais cedo, entrara no edifício do QG pela porta da residência que dá para a rua da Regeneração e mandara a viatura, com o respectivo condutor, para casa deste, em vez de entrar no QG pelo portão fronteiro à Igreja da Lapa. Estas medidas impediram os oficiais do MFA de se aperceberem do regresso do general comandante da RMP. Provavelmente, já estaria avisado, desde Lisboa, que estava em curso o movimento. Mesmo assim, o tenente-coronel Carlos Azeredo ainda telefonou para a residência, sendo o telefone atendido pela esposa do general Martins Soares, a qual garantiu que o marido ainda não regressara de Lisboa, o que, naquela altura, já não correspondia à verdade.

De facto, o general comandante da RMP permaneceu na residência e utilizou o telefone da mesma para tentar mobilizar meios contra a revolta. Às 04.15, telefonou para o Bat4/GNR, solicitando ajuda para o contacto com o RI 8 e o RI 13, a fim de procederem ao envio de forças para libertar o QG/RMP. Esses contactos viriam a ser concretizados com o coronel Rui Mendonça, comandante do RI 8, em Braga, e coronel Magalhães, comandante do RI 13, em Vila Real. Em ambos os casos, foram dissuadidos pelos oficiais do MFA de corresponderem ao apelo do general Martins Soares. Insistindo nessa eventualidade, às 14.30, a esposa do general Martins Soares foi pessoalmente ao quartel da GNR, no Carmo, entregar uma carta do marido, na qual era solicitado ao Chefe do Estado-Maior do Exército informação sobre a posição dos RI 8 e RI 13.[1] 

Só no dia 26, o general se conformaria com a queda do regime e a sua exoneração das funções de comandante da RMP. Desceu da residência, procurou os oficiais do MFA e, não havendo já necessidade, nem sequer ficou detido.

Voltando ao dia 25, a acção de cerco e ocupação do quartel da Legião Portuguesa, que era missão atribuída ao RI 6, foi sendo adiada, por hesitações do comando do regimento, só vindo a ser concretizada em 26 de Abril.

É natural que o MFA tivesse, atempadamente, pensado na necessidade de designar outro oficial para as funções de comante da Região. Assim, estava previsto que, uma vez garantida a posse do QG/RMN, o coronel Passos Esmeriz, comandante do RI 6, se deslocaria para o QG/RMP, onde assumiria o comando da Região. Todavia, só pelas 20.00 do dia 25 é que o coronel Esmeriz deu entrada no Quartel-General.

Entretanto, constituíra-se no CICA 1 um Posto de Comando de Alternativa, cujo funcionamento era assegurado pelo tenente-coronel Azevedo Simões, major Gaspar Borges e capitão Castro Carneiro. Ali veio juntar-se, já de manhã, a Companhia de Comandos 4041, do CIOE, que viera para o Porto para constituir a reserva, à ordem do MFA. Comandava esta força o capitão Delgado da Fonseca. Apesar do seu aparato bélico e do inusitado da hora, a coluna do CIOE atravessou o Porto sem que a população manifestasse qualquer estranheza. Àquela hora, os portuenses estavam mais preocupados em dirigir-se para os seus locais de trabalho. Ao início da tarde, o dispositivo do Porto seria reforçado com uma companhia do RI 8, comandada pelo capitão Castro Guimarães, a qual foi estacionar no RC 6.

Ainda no interior da cidade do Porto, foram executadas as seguintes acções:

  • Demonstração de força diante do quartel da GNR (Esquadrão de Reconhecimento/RC 6, comandado pelo tenente Soares da Motta)
  • Controlo das pontes Luís I e Arrábida (baterias do RAP 2, sob o comando dos capitães Freire Antunes e Catarino Anselmo)

A acção do Esquadrão de Reconhecimento do RC 6 seria perturbada por uma avaria mecânica de uma das autometralhadoras Panhard, ocorrida próximo do edifício da Câmara Municipal. Outro contratempo seria o corte das ligações telefónicas por ordem das autoridades do regime que estava prestes a cair. No Porto, esta situação ficaria resolvida, cerca das 17.00, com a deslocação do capitão Castro Carneiro às instalações dos CTT/TLP, na Rua da Picaria, onde, depois de detido o engenheiro responsável, as ligações foram restabelecidas.

Acções fora da cidade do Porto

A operação de maior envergadura levada a cabo por tropas de fora da guarnição militar do Porto caberia ao Batalhão de Caçadores 5016, unidade mobilizada para o Ultramar que se encontrava aquartelada no BC 9, em Viana do Castelo. Sob o comando do major Medeiros de Almeida, e, tendo como 2.º comandante o capitão Piteira Santos, foi-lhe atribuída a missão de ocupação e controlo do aeroporto de Pedras Rubras e o controlo do nó rodoviário da Via Norte, objectivos que foram alcançados, com sucesso, às primeiras horas da manhã de 25 de Abril. A 3.ª Companhia deste batalhão permaneceu em Viana do Castelo, como reserva.

No itinerário para Pedras Rubras, o BC 5016 usufruiu da montagem da segurança à ponte de Vila do Conde providenciada por uma força destacada do 1.º GCAM da Póvoa do Varzim, sob o comando do capitão Almeida. A ponte, já protegida, seria atravessada pela coluna do BC 5016 cerca das 06.05.

A ocupação e controlo do emissor do Rádio Clube Português, em Miramar, foi executada por uma força da Companhia de Artilharia 6252, que se encontrava mobilizada para o Ultramar no RAP 2. Esta força foi comandada pelo capitão Heitor Alves.

Reacção da população portuense

A população portuense, apática enquanto desconhecia as razões da presença de militares armados no interior da cidade, logo exteriorizou um enorme entusiasmo, assim que as instruções e os noticiários difundidos na rádio e na televisão pelo Posto de Comando do MFA começaram a ser conhecidos. Esse entusiasmo confrontou-se, numa primeira fase, com a actuação de forças da Polícia de Segurança Pública (PSP), vindo a ocorrer alguns incidentes de alguma gravidade, que acabariam por representar o estertor do Regime do Estado Novo na cidade do Porto. Do relatório do capitão Nuno Anselmo, do RAP 2, é possível retirar este significativo apontamento desses momentos de incerteza:

Ao fim da tarde, após autorização do comandante, saí da unidade com uma força constituída por oficiais, sargentos, cabos milicianos e praças, num total de 29 homens, para contacto e controlo da população, se necessário, e verificar a situação na ponte D. Luís. Como a situação naquele local se mantinha sem qualquer tipo de problemas, deslocámo-nos de seguida para a Avenida dos Aliados [...] a qual se encontrava completamente cheia de pessoas, tendo começado a surgir rumores sobre a intenção da população de [se] deslocar, com alguma animosidade, para as instalações da antiga PIDE/DGS [...] Face a esta situação, e por ter alertado superiormente o QG/RMP, recebi indicações no sentido de me deslocar para as referidas instalações, para garantir a segurança.

Pelo caminho, fui alertado pela população que estava na rua, que elementos da PSP, que se encontravam numas instalações próximas, tinham disparado e que havia polícias na rua. Como sabia que a PSP tinha prometido que, ainda que não aderisse ao Movimento, também não actuaria contra, e que se manteria dentro das suas instalações, não saindo para a rua, pedi que dissessem a um elemento da PSP para vir falar comigo. Efectivamente, veio falar comigo um guarda a quem perguntei por que razão estava na rua, tendo ele informado que receberam ordens do seu comandante, coronel Santos Júnior. Disse-lhe se poderia pedir ao sr. coronel para vir falar comigo, facto que se verificou. Perguntei então ao sr. coronel Santos Júnior qual a razão [...] para ainda permanecerem elementos da PSP na rua e por que razão tinham disparado contra a população. A resposta que recebi foi amigavelmente a seguinte pergunta: “o que é que o sr. capitão quer que eu faça? Diga o que quer, que eu faço". Respondi-lhe simplesmente: “façam aquilo que prometeram, que é não intervir e saírem da rua, permanecendo dentro das vossas instalações". E assim fizeram...[2]

 No dia seguinte, 26 de Abril, foi possível executar as acções que não haviam sido cumpridas no dia anterior: cerco e ocupação das instalações da PIDE/DGS, com forças do RI 8 e da Companhia de Comandos 4041/CIOE, e da Legião Portuguesa, com tropas do RI 8. Com estas acções, estava concluída a participação das unidades da RMP na grande operação militar que o Movimento das Forças Armadas conduzira para pôr termo ao regime do Estado Novo. Tinha chegado a Liberdade e o tempo da Democracia.

 

NOTAS

[1] Carlos de Almada Contreiras, Operação Viragem Histórica – 25 de Abril de 1974, Lisboa, Edições Colibri, 2017, p. 266.

[2] Carlos de Almada Contreiras, Operação Viragem Histórica – 25 de Abril de 1974, Lisboa, Edições Colibri, p. 262.

David Martelo

Coronel de infantaria (reformado), prestava serviço na Escola central de Sargentos, em Águeda, aquando do golpe militar de 25 de Abril de 1974, no qual participou como membro do MFA. Autor de diversas obras de História Militar, algumas de referências no âmbito do Estado Novo e da Guerra de África. Tradutor de figuras famosas como Tucídides, Maquiavel, Garibaldi, Jomini e Mussolini. É administrador do blogue de História Militar “A Bigorna", em www.a-bigorna.pt


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Como citar este texto:

MARTELO, David – 25 de Abril – Operações Militares no Norte de Portugal. Revista Portuguesa de História Militar - Dossier: 25 de Abril de 1974. Operações Militares. [Em linha] Ano IV, nº 6 (2024); https://doi.org/10.56092/XRUV1677 [Consultado em ...].

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